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História Amor em Quatro Acordes - Chuva em ré diminuto


Escrita por: YOUGOT7JAMS

Notas do Autor


CASTIGO DO MONSTRO!
Sim, ele voltou, aquele que é o mais temido: o capítulo que vai virar tudo de cabeça pra baixo. Mas nem só de tristeza e humilhação vive o homem, então eu trouxe um capítulo 2 em 1 pra vocês não me odiarem tanto assim. Vai dar tudo certo. Confia no processo!

✍ Betado pela Nay

Boa leitura, meus amores :)

Capítulo 18 - Chuva em ré diminuto


Fanfic / Fanfiction Amor em Quatro Acordes - Chuva em ré diminuto

Kyungsoo sabe o que precisa fazer.

Naquele mesmo dia, ele se senta no assento vermelho de um velho cinema. Kyungsoo odeia muitas coisas, incluindo lugares barulhentos e filmes de ação. A sessão das sete e meia reúne as duas coisas.

Conforme as luzes diminuem, mais e mais pessoas chegam para assistir ao novo filme da Marvel. Como os trailers iniciais ainda não começaram, vozes se acumulam e produzem uma cacofonia tão intensa que ele afunda na cadeira, sob o olhar desconfiado dos colegas de faculdade.

— Kyungsoo, desembucha! — apressa Junmyeon, sentado à sua esquerda. — Por que você chamou a gente aqui?

— Você nem gosta de filmes de ação — comenta Yixing do outro lado, as sobrancelhas franzidas em confusão. — Todo mundo sabe disso.

— E isso na sua mão é Coca-Cola? Você não odeia refrigerante?

— Odeio — ele diz simplesmente, e depois dá mais um gole.

Mas refrigerantes são ricos em açúcar, que libera hormônios de bem-estar como a dopamina e a serotonina, e ele precisa muito disso. É a única coisa o impedindo de sucumbir à tristeza profunda e passar a noite no quarto, chorando em um balde de sorvete de flocos e imaginando o que Jongin e Hyejin estão fazendo agora.

— O que tá acontecendo, Soo? — pergunta Junmyeon, dessa vez mais empático. — Você brigou com o seu namorado ou algo assim?

À distância, ele e Jongdae trocam olhares. O amigo sorri, com os cantos dos lábios curvados, e balança a cabeça para incentivá-lo a falar. Kyungsoo prometeu que seria sincero com os amigos, que contaria a verdade quando se sentisse pronto. Ele ainda não tem certeza se está totalmente pronto, mas o prazo do namoro falso vence em dois dias. O tempo está acabando.

Como sempre, Kyungsoo não consegue decidir onde se apoiar, porque nunca sabe qual braço da poltrona é o seu. O esquerdo ou o direito? Ele acaba se encolhendo no assento, abraçado ao refrigerante, enquanto o canudo de papel inicia um processo acelerado de desintegração na sua boca.

Depois que o açúcar deságua na corrente sanguínea, ele se enche de coragem e de energia.

— Acho que esse é o grande problema — murmura, sem conseguir encarar os amigos. Em vez disso, olha para o telão ainda vazio do cinema. — Jongin não é meu namorado.

A expressão de Yixing desmorona.

— Ai, não… Vocês terminaram?

Ele balança a cabeça, negando.

— Nós nunca começamos, na verdade. Eu menti. O namoro era falso.

— Não acredito! — rebate Junmyeon, furioso. Uma reação perfeitamente aceitável, mas muito mais enérgica do que esperava. Até que ele gira na cadeira, aponta sobre o ombro e diz: — Acabaram de contar um spoiler ali atrás.

Kyungsoo murcha na poltrona como um boneco de posto de gasolina após o expediente.

— Eu disse que estive mentindo pra vocês o tempo todo e essa é a sua preocupação?

Junmyeon dá de ombros e volta a afundar na poltrona vermelha.

— Ué, e isso é novidade desde quando? Pensei que fosse óbvio pra todo mundo.

O quê?

O que está acontecendo?

— Eu não sabia! — exclama Yixing, com pipoca na boca.

— Eu também não — mente Jongdae.

Junmyeon suspira e dá tapinhas em seu braço, apoiado no descanso da poltrona. (Ele escolheu o lado esquerdo).

— Sem ofensa, Kyungsoo, mas você não é nada sutil — ele comenta, com uma risada. — Você ficava encarando o celular com uma cara esquisita sempre que recebia e-mails, não comprava mais seu hambúrguer preferido na lanchonete e começou a vir de bicicleta pra faculdade. Eu sabia que você estava precisando de dinheiro. Foi por isso que sugeri a aposta.

O queixo de Kyungsoo despenca e sai rolando pelo chão.

— Você… O quê?

— Eu sugeri a aposta — ele repete, encolhendo os ombros. — Foi ideia minha. Você precisava de dinheiro e de uma nova chance no amor. Eu quis matar dois coelhos com uma cajadada. Achei que você não fosse aceitar o dinheiro se a gente quisesse te emprestar assim, do nada. Você gosta de resolver suas coisas sozinho, e eu respeito isso. 

Ele sente a boca seca.

— Então… então…

— E eu também sabia do namoro falso — continua Junmyeon. — Suspeitei que vocês estivessem fingindo, mas só consegui confirmar quando conversei com o Jongin na arena de paintball. Ele parecia… muito tranquilo e, ao mesmo tempo, sério demais para alguém que tinha acabado de começar um namoro. Foi quando percebi.

Ah… Uau.

Junmyeon é muito mais observador do que imaginava.

Os trailers estão começando, preenchendo o telão com cenas inéditas de filmes que ainda não lançaram nos cinemas. De repente, todos ficam em silêncio na sala, exceto eles, que engatam em uma sequência de frases atropeladas. Algumas pessoas pedem silêncio, mas agora é tarde demais para voltar atrás.

— O Kyungsoo tá precisando de dinheiro?

— Junmyeon, você sabia de tudo desde o começo?

— Então a aposta acabou?

— O que fazemos agora?

— Ainda podemos pagar pra ele?

Jongdae começa a massagear as têmporas.

— Puta merda, eu briguei com o Kyungsoo por causa disso! — ele resmunga, atordoado. — Você podia ter contado sobre esse plano pra gente também, Jun! Essa catástrofe teria sido evitada.

— Mas eu contei!

— Não contou, não.

— Eu pisquei pra você naquele dia!

— Claro! Porque isso explica tudo, né?

Sssshhh! — alguém chia, três fileiras atrás deles.

Junmyeon ri, achando tudo muito divertido. Jongdae abaixa a cabeça, visivelmente arrependido pela explosão de raiva no banheiro assombrado, e Yixing não parece nem um pouco chateado. Talvez apenas confuso.

Kyungsoo precisa admitir. Estava esperando que a reação dos amigos fosse um pouco mais… dramática. Com gritos escandalosos ecoando na sala, olhares furiosos, mãos o erguendo pelo colarinho e pipocas voando pelo cinema. Ele está um pouco decepcionado.

Sua cabeça está girando. Kyungsoo tem tantas perguntas.

Vocês não estão chateados comigo?

Ainda somos amigos?

Podemos ir embora daqui?

Agora que vocês sabem, podem pagar pelo meu ingresso e o refrigerante? Cinemas são caros.

Mas Junmyeon, Yixing e Jongdae o olham com carinho, simpatia e uma certa admiração. E Kyungsoo sente, pela primeira vez em muito tempo, que tudo vai ficar bem. Os amigos estão do seu lado. Eles podem dar um jeito.

— Então… Fora isso, tá tudo bem? — pergunta Junmyeon, agora sussurrando. O filme finalmente começa, fazendo luzes dançarem no rosto dos amigos. — Rolou alguma coisa com o Jongin?

Como se soubesse o momento perfeito, seu celular começa a tocar. Kyungsoo se sobressalta com o barulho e, no processo desastroso de pescá-lo no bolso, acaba derrubando Coca-Cola na calça jeans. Agora ele tem duzentos fãs da Marvel o encarando com a fúria de dois Hulks, três universitários boquiabertos e uma mancha de refrigerante gelado nas coxas.

Kyungsoo acena, pedindo desculpas, e alcança a saída de emergência para atender o celular.

— Alô?

— Kyungsoo.

Mesmo com o som alto do cinema, ele reconhece a voz do outro lado da linha.

— Oi, Jongin. Sou eu.

A ligação fica em silêncio por alguns segundos, mas ele ainda está lá. Consegue ouvir sua respiração pesada, o que poderia ser surpreendentemente sexy se não tivesse a sensação de que há algo errado.

— Aconteceu alguma coisa? — Kyungsoo pergunta um pouco alto, caminhando pelo corredor da saída de emergência para se distanciar dos efeitos sonoros e da dublagem do filme.

Ele grunhe mentalmente.

Silêncio, Capitão América.

Com o celular esmagado contra o ouvido, encosta na parede e escuta Jongin soltar o suspiro mais longo de todos os tempos.

— Eu… estou com um problema. Não, um problema não. Uma… uma coisa. Não, não é isso também. É difícil explicar por telefone. Eu… preciso de ajuda. — Ele sussurra a última parte: — E pensei que seria estranho se eu não ligasse para o meu namorado.

A frase final faz seu coração acelerar, mas ele logo afasta esse pensamento. Jongin ainda deve estar com Hyejin. É natural que ele precise fingir na frente dela.

— Sério? — questiona, um pouco desacreditado.

— Não… — Jongin sussurra de volta. Ele parece desesperado. — Na verdade, você foi a primeira pessoa que me passou pela cabeça. Preciso de você, Kyungsoo. Você pode vir?

Seu coração falha uma batida.

Ele não tem um bom pressentimento sobre isso.

Mas Jongin precisa dele, e essa é a única coisa que precisa saber.

— Claro… Claro — ele responde. — Vejo você em 20 minutos.

 

***

 

Vinte minutos talvez tenha sido uma promessa muito otimista.

Kyungsoo veio de bicicleta, mas o apartamento de Jongin fica muito mais longe do cinema. Ele pedala como nunca pedalou na vida — os cabelos suados, as panturrilhas doloridas, o vento gelado no rosto e o casaco sacolejando às suas costas como uma capa de super-herói.

Na entrada do prédio, larga a bicicleta de qualquer jeito e sobe os degraus de dois em dois. Seus pulmões doem. Ser sedentário pode ser uma desvantagem quando alguém precisa de você.

— Jongin? — chama em frente à porta.

A porta está destrancada, então ele entra, passando pela sala abarrotada de vinis e o sofá bordô onde dormiu mais de uma vez. Todos os cômodos parecem escuros e abandonados, exceto pelo banheiro. Tem uma luz amarelada vindo de lá.

Kyungsoo não sabe o que esperar.

Ele sabe que Hyejin e Jongin tinham uma espécie de relação antes de toda essa história começar. Antes da aposta, do namoro de mentira, dos beijos de verdade e das pequenas aventuras no Volkswagen amarelo.

E se Jongin quiser que ele conte a verdade?

E se quiser terminar o namoro falso antes da hora?

E se…

Com apenas um empurrão leve, a porta de madeira se abre com um rangido. O que vê no banheiro faz seu coração doer. Mais do que as panturrilhas doloridas e os dedos marcados pelos guidões, e muito mais que os pulmões cansados. Hyejin está vomitando debruçada no vaso sanitário enquanto Jongin segura o cabelo dela. No chão, há dois testes de gravidez em um saco plástico.

Kyungsoo tem um QI relativamente alto. Ele não precisa se esforçar muito para ligar os pontos.

Jongin ergue a cabeça quando o nota parado ali, na porta, com suas bochechas vermelhas, cabelos bagunçados e o casaco amarrotado.

— Desculpa te chamar — ele diz, baixinho. — Eu não sabia o que fazer.

— Tudo bem…

Kyungsoo não sabe mais o que dizer.

O que você diz depois que toda esperança se foi?

É terrível, ele sabe, mas Kyungsoo não consegue evitar a enxurrada de pensamentos egoístas o atingindo por todos os lados. Ele não deveria se sentir tão triste, não deveria pensar em si mesmo agora. Ele queria ser uma pessoa melhor. Mas, às vezes, ele é apenas o ser humano que consegue ser — e isso nem sempre é suficiente.

Ainda assim, ele se esforça para afastar a dor e os pensamentos egocêntricos. Porque isso, nesse momento, não é sobre ele ou sobre Jongin. Kyungsoo pisca para afastar as lágrimas, arregaça as mangas e agacha no chão azulejado.

— Você tá bem? — pergunta à Hyejin, acariciando suas costas.

Talvez não tenha sido uma boa ideia, porque ela começa a chorar e balbuciar, e acidentalmente cria uma língua alienígena que nenhum dos dois consegue compreender.

— Você quer que a gente te leve pro hospital? — ele tenta de novo.

A voz dela está trêmula. Hyejin fala, chora e treme, tudo ao mesmo tempo. É como conversar com uma batedeira.

Ainda debruçada no vaso sanitário, ela coloca uma mecha de cabelo para trás da orelha e balança a cabeça. Sim.

— Vou pegar a chave do carro — decide Jongin. Ele torce os cabelos longos dela e solta com cuidado, deixando-os escorregar em suas costas. Antes de se levantar, ele dá um aperto reconfortante no ombro de Hyejin. — Já volto.

Kyungsoo o observa sair.

Seu estômago afunda com a sensação amarga do ciúme, mas seu peito se enche de calor. Ver o quanto Jongin é carinhoso com ela, mesmo diante do próprio desespero, é a prova de que se apaixonou pela pessoa certa.

Ah, que droga.

Talvez ele goste mais de Jongin do que imaginava.

Kyungsoo e Hyejin são deixados a sós por algum tempo. Ele mantém o braço ao redor dela, mas sem tocá-la diretamente, apenas caso precise ampará-la em uma nova sequência de vômitos.

Quando a garota ergue o rosto do vaso sanitário e o olha para ele, analisando-o de cima a baixo com seus olhos chorosos, percebe que deixar os pensamentos egoístas para trás pode ser mais fácil do que pensava.

Ela funga, seca as lágrimas com a manga da blusa e olha para as coxas dele. Então pergunta, muito séria:

— Por que você fez xixi na calça?

 

***

 

É assim que acontece.

Kyungsoo se senta com Hyejin no banco de trás, armado com sacos descartáveis caso ela fique enjoada. Jongin vai na frente, dirigindo o Volkswagen amarelo e ocasionalmente espiando pelo espelho retrovisor interno para ver se todos estão bem.

São oito horas quando chegam ao hospital mais próximo, e oito e quarenta quando são atendidos. Hyejin entra no consultório, mas não fica muito tempo. Depois, ela é encaminhada para outra sala para realizar um exame quantitativo de beta-alguma-coisa. Kyungsoo já esqueceu o nome.

O resultado, porém, demora de quinze a vinte minutos para sair.

É quando eles esperam. E esperam, e esperam.

São os vinte minutos mais demorados do universo.

Hyejin se senta entre Kyungsoo e Jongin na sala de espera. Os olhos dela estão inchados e o corpo parece débil e mole, como um macarrão espaguete que passou do ponto. Em certo momento, seu tronco pende para o lado e ela se recosta em Jongin, a cabeça apoiada em seu ombro.

Kyungsoo rapidamente desvia o olhar.

Ele sabe qual é a sensação. Jongin tem ombros largos, com músculos que se destacam sob a camiseta. Deitar neles é quente, um pouco rígido, mas também reconfortante. Dá para sentir o cheiro do shampoo dele e ouvir sua respiração. Foi assim aquele dia na varanda, quando Kyungsoo ainda acreditava que eles tinham alguma chance.

Ao contrário daquela tarde, Jongin não recosta a cabeça sobre a dela. Em vez disso, fica com uma postura dura e inflexível. Hyejin troca olhares com Kyungsoo por um milésimo de segundo, como se pedisse desculpas. E contrariando todas as expectativas, ela estica o braço para buscar a mão dele.

Surpreso, Kyungsoo permite que os dedos frios deslizem na sua palma. Pela primeira vez, ele a observa com um sorriso gentil, e então aperta sua mão. As mãos dela estão quase tão geladas quanto as de um cadáver.

Ela não é sua rival.

Hyejin é apenas uma garota precisando de apoio.

— Não importa qual for o resultado — Jongin sussurra.

— Nós estamos aqui com você — Kyungsoo completa.

Minutos depois, o nome de Hyejin é chamado mais uma vez. Quando ela entra no consultório, Jongin se desmancha na cadeira. Ele se manteve forte por ela, mas agora parece aflito.

— O que eu vou fazer? — murmura, meio para si mesmo.

Ele parece prestes a chorar, desmaiar ou vomitar. Ou as três coisas juntas.

Kyungsoo ergue a mão para acariciar suas costas, mas hesita, os dedos congelados no ar. Porque Jongin não é seu. Um dia talvez tenha sentido como se fosse, mas agora, mesmo sentado a apenas uma cadeira de distância, ele parece mais inalcançável que nunca.

Jongin pende o tronco para frente e enfia o rosto nas mãos. Quase consegue ver as engrenagens girando na cabeça dele conforme organiza os próximos passos.

Trancar a faculdade?

Desistir da banda?

Arranjar um emprego estável?

Kyungsoo tenta organizar seus pensamentos também. Tenta pensar positivo. Talvez eles possam fazer funcionar. Por que precisa ser o fim? E se eles ainda tiverem chance?

Ele se vê anos adiante, em um futuro onde ele e Jongin fizeram dar certo. Se for um menino, eles podem levá-lo para aulas de judô e partidas de paintball nos fins de semana. Kyungsoo pode ensiná-lo a pescar, a comer legumes e a construir um terrário para jabutis. Ele seria o tio perfeito, que assa bolos de aniversário e compra sorvete de flocos escondido dos pais.

E se for uma menina…

A porta do consultório se abre.

Os dois se endireitam na cadeira, esperando pelo veredito. Mas Hyejin se senta sem dizer uma palavra, encolhida entre eles.

— O que o médico disse? — Jongin questiona, cauteloso.

Ela suspira. Talvez seja impressão, mas seu semblante parece muito mais leve.

— O médico disse… que eu tive uma gravidez química — ela relata. — Pelo que entendi, é quando o óvulo fecundado pelo espermatozoide alcança a cavidade uterina e tenta se implantar no endométrio, mas não consegue. Meu organismo produziu hCG, por isso o resultado do teste de farmácia deu positivo.

Eles continuam olhando para ela, inexpressivos, como duas telas em branco.

— Endométrio é a camada interna do útero — ela explica.

— Ah… Entendi — Jongin responde, em um tom de quem não entendeu nada.

— E hCG é o hormônio da gravidez — ela continua.

— Hum… — Jongin e Kyungsoo murmuram juntos.

Com uma risada engasgada, ela desiste e decide falar a língua deles.

— Significa que eu não estou grávida.

Ah!

Kyungsoo olha para Jongin, esperando ver algum traço de tristeza, decepção ou alívio. Mas vê outra coisa.

Preocupação.

— Você tá bem? — ele pergunta, gentilmente.

— Sim, acho que sim. O médico também disse que o atraso na menstruação é normal nesses casos. Ela deve voltar logo. — Hyejin parece aliviada, mas sua voz ainda treme. Ela suspira e seca uma lágrima teimosa no canto do olho. — Ai, meu Deus, eu sou tão besta! Eu não devia ter preocupado vocês com isso. Devia ter vindo aqui antes e…

— Ei, ei, você não é besta coisa nenhuma — Jongin diz como quem fala com uma criança. Depois solta uma risada ensaiada, tentando quebrar o clima. — E não acha que ficar tão aliviada é um pouco ofensivo? Assim faz parecer que eu seria um péssimo pai.

Ela também dá risada. De repente, o clima fica muito mais leve.

— Você vai ser um ótimo pai um dia. Só não vai ser agora.

Quando Kyungsoo se encolhe em seu espaço pessoal, Hyejin percebe. Ela o cutuca com o cotovelo, gesticula de um jeito atrapalhado e emenda:

— Porque é claro que vocês podem adotar e tal.

Nesse momento, compreende que mais uma regra do acordo precisa ser quebrada. Ele deve contar a verdade. É o certo. É justo. Ele precisa fazer isso, para deixá-lo livre para escolher, mas principalmente porque Jongin não teria coragem.

Ele respira fundo e força um sorriso.

— Não se preocupa. Nós não somos… — ele revela, apontando para o espaço entre eles. — Namorados de verdade.

Ao mesmo tempo, outra voz se sobressai à de Kyungsoo, atropelando suas palavras.

O painel luminoso do hospital apita e o nome de Hyejin é chamado por uma das recepcionistas para receber uma cópia dos exames. Seu coração martela no peito, pesado, porque ele não tem certeza se ela ouviu a confissão — ou simplesmente fingiu não ter ouvido.

Por outro lado, Hyejin não é a única com ele na sala de espera.

Talvez ela não tenha escutado. Mas Jongin sim. Esparramado na cadeira, ele o observa com olhos úmidos e opacos. Parecendo ferido. Parecendo… frágil.

— Kyungsoo — ele sussurra, como um aviso, um pedido de desculpas ou algo mais.

Antes que possa completar o raciocínio, porém, passos familiares se aproximam. Quando Hyejin retorna, não há nenhum indício em sua expressão de que tenha ouvido. Kyungsoo ainda não sabe se isso é bom ou ruim.

— Vamos? — ela chama, sorridente e com os papéis em mãos.

No caminho de volta, eles ligam o rádio no último volume, até todos os pensamentos serem abafados pela melodia de Last Nite, do The Strokes. Hyejin não sabe a letra, mas desce o vidro até o final e grita a plenos pulmões pendurada na janela da frente. Jongin tenta disfarçar o alívio, mas Kyungsoo o pega sorrindo pelo retrovisor.

Quando seus olhos se encontram no espelho, o pequeno sorriso dele desaparece.

Nós não somos… namorados de verdade.

Pela primeira vez, Jongin não canta junto com a música.

 

***

 

É o último dia do mês.

O dia que anuncia o fim da aposta.

O fim dos potes de sorvete compartilhados, de abraços em cemitérios, aventuras de madrugada e todo o resto. Fim do relacionamento de mentira. Oficialmente. É claro que ainda precisam viajar e terminar as gravações do videoclipe, mas hoje, à meia-noite, marca o fim de suas obrigações como namorado falso de Jongin.

E não há melhor maneira de comemorar um término do que com um show de rock.

O Hard Rock Cafe é o ponto mais brilhante na rua escura do centro da cidade. O lugar irradia com uma luz vermelha intensa, uma vibração familiar estremecendo sob a sola dos tênis quando passa pelo corredor. A mesma sonoridade abafada que sentiu no El Dorado, onde tudo começou.

Um mês atrás, conheceu um cara tatuado e prometeu não se apaixonar por ele.

Quando Kyungsoo parou de fingir?

Encontrar o camarim é mais fácil do que pensava. Na segunda porta do corredor à direita, há um pedaço de papel que parece ter sido impresso por uma criança de sete anos — ou um adulto com pouca familiaridade com o temperamento imprevisível de uma impressora. O nome “Cloud 9” está torto, descentralizado e em uma fonte cursiva muito desagradável.

Ele empurra a porta com o coração aos tropeços.

Nos últimos dois dias, passou o tempo todo estudando, assistindo a musicais felizes e zelando pela saúde de suas plantas, como se elas não pudessem fazer fotossíntese sem ele. Não recebeu notícias de Jongin até aquela manhã, quando ele enviou: 

 

Jongin:

A gente vai tocar no Hard Rock Cafe hoje à noite.

Quer vir?

 

Como se nada tivesse acontecido.

Como se tudo não tivesse mudado.

Talvez seja seu último convite. Talvez seja uma despedida.

Ele espia para dentro do camarim, apenas a cabeça aparecendo. A sala não é muito grande, mas é bem decorada. Uma das paredes é coberta por recortes de revistas antigas com celebridades do rock estampadas. Há alguns quadros feitos com capas de vinis clássicos e uma mesa com garrafas de bebida.

Todos os integrantes da Cloud 9 estão ali, além de Sooyoung e alguns rapazes que lembra de ter visto na Babilônia. Minseok, o churrasqueiro, e três outros rostos pouco familiares.

Baekhyun é o primeiro a notar sua presença.

— Olha só quem chegou! — Ele escancara a porta, se pendura em seu ombro e o arrasta para perto dos outros. — Kyungsoo, nosso fã número um!

Seu estômago se revira.

Fã número um? Ele ainda vai matar Jongin por isso.

— Já tava na hora! — Sooyoung declara, cumprimentando-o com um abraço rápido. — Jongin está num péssimo humor sem você.

— Eu não estou num péssimo humor — ele resmunga, claramente mal-humorado.

Ele se apoia na penteadeira, sentado em frente ao espelho enquanto pratica manspreading. Onde quer que se sente, sempre arreganha as pernas. Deve ser terrível sentar com ele em um ônibus.

Kyungsoo está a ponto de desmaiar.

Jongin veste uma calça que deixa suas pernas ainda mais longas, um coturno preto e uma camiseta regata da mesma cor, deixando à mostra as tatuagens dos braços. Sua jaqueta preferida descansa no encosto da cadeira. Nos dedos, os anéis prateados cintilam em contraste com as unhas pintadas de preto. O cabelo está estilizado de um jeito tão bonito que Kyungsoo quase perde o fôlego.

Jongin se esparrama na cadeira como um Deus do Submundo. 

Kyungsoo para ao lado dele.

— Oi — ele sussurra.

— Oi — Jongin responde, piscando de modo desconfortável. Alguém passou maquiagem nele, e contornou seus olhos com lápis preto.

Sehun e Chanyeol trocam olhares.

Sooyoung solta um suspiro cansado.

— Vocês brigaram, né? — Ela encara os dois de maneira suspeita, uma sobrancelha arqueada e os braços cruzados. É um pouco assustador. — Com certeza brigaram. Eu sabia que isso ia acontecer quando esse idiota foi embora sozinho naquele dia.

Ela aponta para Jongin, que olha para baixo e começa a se distrair girando os anéis nos dedos.

— Mas, por favor, evitem briga por hoje — ela continua, andando de um lado para o outro no camarim. — Esse show é a nossa melhor propaganda antes do festival de rock na Sunset. Essa noite precisa ser perfeita! Então sentem aí, façam o que precisarem para fazer as pazes e vamos para mais uma apresentação inesquecível. Pode ser?

— Relaxa, você tá pensando demais — Jongin promete. — Nós não brigamos.

Sooyoung bufa, desacreditada. Para provar que está dizendo a verdade, Jongin o puxa para mais perto pelo pulso e beija a pele do seu braço com carinho, logo abaixo da manga da camiseta.

Kyungsoo estremece.

Os pelos do antebraço, os poros da pele, os anticorpos em seu organismo. Cada uma de suas trinta e sete trilhões de células estremece.

Aquilo é novo. Mesmo como seu namorado de mentira, Jongin nunca fez isso antes.

— Ai, meu Deus, eles são tão nojentos — Baekhyun grunhe.

Sehun dá uma cotovelada nele.

— Você só está com ciúmes.

— Provavelmente.

Jongin continua segurando seu pulso, os dedos buscando sua mão de maneira desajeitada. Sooyoung os observa com olhos semicerrados. Ela não parece convencida. Os outros colegas de Sehun, incluindo Minseok, também parecem não comprar a mentira. Eles assistem tudo com uma expressão estranha.

Kyungsoo conhece bem essa expressão.

— Tá bom… Então, se vocês estão de boa, é isso que importa. Tá na hora de subir no palco. — Ela bate palmas, dá tapinhas nas costas de Chanyeol e dispersa a atmosfera esquisita erguendo o punho no ar. — Vamos quebrar tudo!

 — Amor, ninguém mais diz Vamos quebrar tudo.

— Eu digo — ela se defende, com um biquinho.

Jongin e os outros dão risada. 

Kyungsoo se mantém ao lado dele, aperta sua mão e sussurra:

— Boa sorte lá em cima. 

— Obrigado — agradece ele, com o mais lindo dos sorrisos. 

E o mundo faz sentido de novo.

Chanyeol pega suas baquetas da sorte e Sehun escolhe uma palheta da sua coleção. Baekhyun ensaia um último exercício vocal. Jongin pega a jaqueta sobre o encosto da cadeira e veste por cima da regata preta. Eles estão prontos.

É hora do show.

 

***

 

Eles abrem o show com Mr. Brightside, do The Killers. Esse é o plano: tocar covers de músicas famosas e manter o público interessado, para só então introduzi-los a algumas canções originais. Uma amostra gratuita, como fazem os youtubers que produzem conteúdos chamativos, mas cujo único intuito é vender vagas de curso no final do vídeo.

Quando menos esperam, uma pequena aglomeração começa a se formar em frente ao palco, o refrão de Die Jungs já decorado na ponta da língua. Baekhyun cola a boca à malha do microfone, Sehun arranca alguns acordes da guitarra, Chanyeol faz uma gracinha com as baquetas e o Hard Rock Cafe explode.

Jongin brilha no palco. Literalmente.

Talvez seja a base usada para fazer a maquiagem, o efeito criado pela luz dos holofotes ou a luminosidade atravessando a pele orvalhada de suor. Mas Kyungsoo acredita que seja algo intrínseco, natural — uma aura particular. Consegue sentir uma energia emanando dele.

Sooyoung está na ponta do palco, registrando tudo com o celular. Outras pessoas na plateia fazem o mesmo, atingindo os integrantes da banda com dezenas de flashes.

Jongin é o principal alvo das câmeras. Durante a última música antes do intervalo, ele aproveita a sequência a cappella para deixar o baixo de lado e se livrar da jaqueta. Na plateia, algumas mulheres vibram quando ele caminha até a beirada do palco, onde Kyungsoo está. Parado, inerte e sem graça, como um pedaço de papelão.

Então ele se abaixa, apoiado nos calcanhares. Braços expostos e cheios de tatuagem. Cabelo impecavelmente desarrumado. Todo brilhante, elétrico, pulsante e lindo. Sua boca maravilhosa está colada no microfone. O dedo indicador se ergue para tocar o peito de Kyungsoo sobre a camiseta. Uma voz suave escapa pelas caixas de som, e Kyungsoo derrete.

Jongin está cantando para ele.

Só para ele. Com um monte de gente assistindo.

Se entrasse em uma máquina de ressonância magnética agora mesmo, seu coração pareceria uma bola de tênis em uma centrífuga.

Infelizmente, acaba em um piscar de olhos. Jongin não é o vocalista e seus solos são curtos. Assim que a música termina, com uma nota alta incrível de Baekhyun, ele se vira para o restante da plateia.

— Obrigado — diz ao microfone, com uma reverência divertida. — Nós somos a Cloud 9!

Baekhyun acena para a multidão.

— Voltamos depois de um pequeno intervalo, pessoal!

Em questão de segundos, eles descem do palco e desaparecem em algum lugar dos bastidores, como se não tivessem acabado de incendiar o Hard Rock Cafe.

As luzes vermelhas do palco diminuem. Sem o calor dos holofotes, a eletricidade dos instrumentos e a euforia do público, Kyungsoo se sente vazio de novo. Seus problemas retornam quando é deixado ali sozinho, diante do palco fumegante e solitário.

Em alguns dias, a Cloud 9 se apresentará no festival da Sunset. Ainda que o relacionamento falso termine essa noite, o videoclipe ainda será visto por algumas milhares de pessoas. Cenas românticas entre Jongin e Kyungsoo serão transmitidas em um telão. Os fãs vão comprar aquela história de amor fabricada. Odiá-los, talvez. Ou torcer por eles — enquanto tudo já está acabado.

Kyungsoo coloca a mão sobre o próprio peito, onde Jongin o tocou antes. Seus olhos ardem e ele percebe, com o pânico sufocando os pulmões, que está prestes a chorar.

Ele precisa sair dali.

Precisa ir embora.

Mas, antes, ele deve ao menos se despedir de Jongin e dos outros. Por isso, faz o trajeto de volta até os corredores, e então até a porta semiaberta do camarim. No entanto, ele interrompe os próprios passos antes de se aproximar. Há algo estranho.

Duas vozes agitadas se intercalam lá dentro. Ele reconhece a voz de Jongin como uma delas.

— O que você tá querendo dizer com isso? — ele pergunta, com um tom rouco e ressentido.

É a primeira vez que o ouve soar tão… irritado.

— Calma, cara. Eu só quis dizer…

— Qual é o seu problema com ele? — Jongin grunhe, entre dentes.

Definitivamente irritado.

Kyungsoo se esconde ao lado da porta, as costas grudadas na parede. Agora que se meteu nessa enrascada, não pode ir embora como se não tivesse ouvido nada.

— Vocês dois precisam se acalmar — responde uma terceira voz.

Sooyoung. Como sempre, tentando apaziguar os ânimos.

Pela fresta entre a porta e a parede, através das dobradiças, consegue ver apenas três silhuetas. Jongin, Sooyoung e uma figura familiar, mas desconhecida. Provavelmente um dos meninos que moram na república Babilônia com Sehun.

— Problema nenhum — o rapaz responde, agora na defensiva. — Mas você deveria tomar mais cuidado com a imagem que passa. Você é um artista, afinal. Deveria saber disso. Ele destoa demais quando anda com vocês. Estou dizendo isso como amigo. Eu só acho que…

— Você não tem que achar nada. Ele é meu namorado.

Do lado de fora, Kyungsoo segura o fôlego.

— Olha, Jongin, não me leve a mal… Sem ofensa, mas… Você sabe que é verdade. Sabe que ele não combina com a vibe de vocês. Você pode ter qualquer garota que quiser lá de fora. — Ele faz uma pausa, estalando a língua e resmungando baixinho. — Esse seu namorado… Ele é meio esquisitão. Nem dá pra acreditar que você sairia com alguém como ele.

Esquisitão.

Alguém como ele.

Com o coração despedaçado, Kyungsoo gira o corpo para espiar melhor. Nem um segundo depois, ele vê o punho de Jongin avançando no rosto do rapaz. Sooyoung solta um grito estridente enquanto eles investem um contra o outro, braços em posição de ataque.

— Para! — ela berra, para ninguém em especial. — Vamos ser expulsos. Parem com isso!

Ao mesmo tempo, outras duas figuras surgem em seu campo de visão. Chanyeol e Sehun apartam a briga, puxando cada um deles para um lado. Jongin está com os cabelos bagunçados, o rosto vermelho e um olhar incandescente de raiva. Ele recua com uma mão massageando o queixo e só para de se agitar sob o aperto de Chanyeol quando olha para a porta.

Os olhos dele se arregalam.

— Kyungsoo… — murmura, mas Kyungsoo simplesmente dá as costas e vai embora.

Os corredores escuros parecem se fechar ao seu redor como um labirinto. Mas ele vira à direita e à esquerda, desliza entre a multidão apertada e corre para a saída. Suas bochechas são acariciadas pela brisa gelada. A noite é fria, úmida e com nuvens carregadas encobrindo as estrelas. O dia perfeito para uma tragédia casual. Um término de mentira e uma decepção.

Quando ele respira fundo e solta, tentando se acalmar, o ar ao redor da sua boca se condensa. E é assim que acaba: com Kyungsoo marchando a passos apressados na avenida fantasma, os tênis raspando contra o asfalto e as mãos enterradas no bolso do casaco.

Mais passos ressoam atrás dele.

— Kyungsoo!

Ele não olha. Apenas continua andando.

— Kyungsoo, espera!

Mãos o seguram pelos ombros. O toque de Jongin é quente, mesmo sobre o tecido grosso do casaco. O calor o incendeia por toda parte — ombros, costas, braços, nuca. Ele é um vulcão, uma força da natureza. E seus braços o envolvem por trás, aprisionando-o no abraço mais apertado de todos.

— Sinto muito que você tenha ouvido aquilo — ele murmura perto da sua orelha.

Kyungsoo precisa reunir toda sua força para se desvencilhar do abraço.

— Volta pra lá, Jongin. Vocês precisam entrar no palco de novo em alguns minutos.

Ele balança a cabeça.

— Isso não importa mais.

— É claro que importa! — Kyungsoo explode, e sua voz soa muito mais alta do que planejava, ecoando na rua escura. — É o seu show, e pode não ser o maior evento onde a banda já se apresentou, mas é seu trabalho e sua prioridade. Eles não podem ficar sem um baixista.

— E eu não posso ficar sem você — responde ele, no mesmo volume e intensidade. Então limpa a garganta, como se tivesse dito algo que não devia. — Não posso deixar você ir embora assim. Você é meu namorado e meu fã número um. Preciso de você lá.

— Você sabe que nenhuma dessas coisas é verdade — Kyungsoo rebate. — E hoje é o último dia, de qualquer forma. Você não precisa mais fingir.

Mas Jongin não vai desistir tão fácil. Ele está segurando seu braço agora.

— Kyungsoo, volta comigo.

— Eu não quero voltar pra lá.

— Então deixa eu te levar pra casa.

— Você pode, por favor, me deixar em paz? — ele implora, dolorido e fragilizado, e puxa o braço de volta. Seus olhos ardem, mas nenhuma lágrima sai. — Por favor?

Kyungsoo dá as costas e senta no meio-fio, amparado pela luz amarela de um poste. Ele enfia as mãos geladas no bolso do casaco, encolhido em si mesmo. De vez em quando, um carro passa na rua ou um grupo de jovens bêbados atravessa a avenida, saindo do bar. Ele não olha para trás, mas sabe que Jongin ainda está ali, parado, procurando uma brecha para se aproximar.

Ele não encontra. Ainda assim, naqueles minutos de silêncio, Jongin se senta ao lado dele na calçada e espera até que ele esteja mais calmo.

Toda a carga emocional que o acompanhou durante tanto tempo retorna. Talvez Kyungsoo seja mesmo alguém difícil de ser amado. Talvez ele não seja digno do amor. Mas ele não quer afundar nesses pensamentos de novo. A muito custo, empurra todos para longe.

Finalmente, um suspiro escapa de seus lábios.

— Obrigado por me defender lá dentro — agradece Kyungsoo, e o sentimento é genuíno. — Mas você deveria voltar agora.

Jongin dá de ombros e se ajeita de modo mais confortável no meio-fio.

— Eu não vou voltar. Vou ficar aqui com você.

— Por quê?

— Porque eu quero.

— Porque você quer ou porque está com pena de mim?

— Porque, se eu voltar pra lá, vou matar o filho da puta que disse todas aquelas coisas sobre você. E se você não quer um presidiário no seu histórico de relacionamentos, seria ótimo se me deixasse ficar aqui. Além do mais, o uniforme não combina comigo. Cinza nunca foi a minha cor.

Kyungsoo solta uma risada engasgada.

— Você é um idiota, Kim Jongin.

— Mas eu te fiz rir, então valeu a pena.

Ele fez mesmo. Kyungsoo continua sorrindo, os lábios repuxados em um sorriso largo demais para alguém que estava em crise existencial minutos atrás. Jongin o observa com um sorriso ainda maior, bochechas coradas de frio e um olhar caloroso demais para uma noite tão fria.

Tem uma marca levemente avermelhada no queixo dele, onde o rapaz o acertou com um soco. Sem pensar direito, Kyungsoo leva a mão até seu rosto, os dedos o segurando pelo maxilar para avaliar os danos.

— Como está seu queixo? — pergunta.

Jongin se encolhe sob o toque.

 — Dolorido. Acho que vai ficar roxo.

— Você vai sobreviver.

Os dois sorriem e caem em um silêncio confortável.

Ele não consegue evitar, e uma corrente elétrica se remexe em seu estômago. Jongin está o olhando daquele jeito. Ainda que seu penteado esteja arruinado, o lápis de olho borrado e as tatuagens cobertas pela jaqueta, ele continua deslumbrante e muito atraente. Perturbadoramente atraente.

— Não dê ouvidos ao que aquele idiota disse — sussurra Jongin, virado de lado na calçada, com um dos joelhos pressionando sua perna. — Qualquer um teria muita sorte de sair com você, Kyungsoo.

Kyungsoo não se emociona fácil. Mas a frase, dita entre sussurros pouco antes da meia-noite, entra facilmente no seu ranking de momentos mais emocionantes. Seus olhos brilham.

— Você acha?

— Acho — Jongin responde, tão baixo que ele precisa ler a palavra em seus lábios.

É nesse momento que Kyungsoo comete uma loucura. Talvez a maior de todas.

Como se guiado por uma força invisível, ele se apoia com uma das mãos no chão e quase perde o equilíbrio ao se inclinar sobre Jongin. Coração acelerado, dedos erguendo seu queixo. O tronco se curva para frente, e mais para frente, e então um pouco mais. Eles se moldam e se encaixam aos poucos, as pálpebras pesadas.

A respiração de Jongin é quente, mas sua boca é gelada. Kyungsoo o beija até os lábios dele ficarem mornos contra os seus. Beija até ouvi-lo suspirar. Beija até decorar o gosto dele. Beija até sua pulsação acelerar e o mundo desaparecer.

Ele move os dedos, frios e erráticos, pela bochecha de Jongin. A atração nunca foi tão palpável. Kyungsoo mergulha nos braços dele, em seu cheiro, em seu toque, incapaz de pensar em outra coisa. O nome dele virou um mantra dentro da sua cabeça.

Jongin, Jongin, Jongin, Jongin.

Sua mão desce, buscando se ancorar na Terra de novo. Ele o agarra pela jaqueta, os dedos resvalando nos pins, alfinetes e bottons de bandas famosas. Pressionando seu peito, ouvindo-o gemer em sua boca. O beijo fica mais e mais profundo, e a mão de Jongin finalmente encontra o caminho até seu cabelo, orelhas e pescoço.

Sua nuca se arrepia.

É quando ele desperta.

Kyungsoo se afasta, sem fôlego, o peito subindo e descendo. Ele enterra o rosto nas mãos, com a certeza de que acabou de estragar tudo.

Meu Deus, meu Deus, meu Deus.

— Eu… Me desculpa. Isso foi… Foi um erro.

— Kyungsoo. Kyungsoo, espera!

Jongin tenta puxá-lo de volta, mas ele já está de pé. Ajeita o casaco, cobre-se com o capuz e começa a percorrer a calçada infinita. Ele não arrisca olhar para trás, mas também não acelera o passo. Kyungsoo permite que Jongin o siga pela avenida, seguindo em seu encalço.

— Podemos conversar sobre isso? — Jongin tenta de novo.

Ele não responde.

Nesse ritmo, os dois chegam até a próxima rua, onde Jongin estacionou o carro. Ele corre até o Volkswagen amarelo, tira as chaves do bolso e o destrava. A porta do automóvel se abre diante de Kyungsoo.

— Entra no carro. Vou te levar em casa.

— Eu posso ir sozinho — murmura ele.

Jongin solta um suspiro, e não é nada parecido com os suspiros que soltou quando o beijava.

— Entra no carro — repete. — Por favor.

Essa pode não ser só a última noite do acordo, mas a última noite para sempre. Kyungsoo já estragou tudo. A única coisa que pode fazer é aceitar o convite e torcer para as coisas terminarem melhor do que estão agora. É por esse motivo que entra no carro e se aconchega no banco, assistindo os macacos de crochê balançarem no retrovisor. 

É impossível não notar o elefante branco dentro do carro.

Eles voltam em silêncio. Sem conversa, sem música, sem Jongin cantarolando suas canções preferidas ou tamborilando os dedos no volante. Kyungsoo percebe que vai sentir falta disso.

Quando estacionam em frente à casinha de janelas e portas azuis, Kyungsoo não abre a porta do carro de imediato. Ele abaixa a cabeça, encarando as mãos retorcidas sobre o próprio colo e pensando na coisa certa a dizer.

Mas Jongin é mais rápido. Com um empurrão, abre o porta-luvas e retira um objeto marrom. É difícil enxergar no escuro, mas Kyungsoo percebe que é um macaco. Um pequeno macaco de crochê com uma camiseta listrada.

— Minha tia passou em casa ontem — explica ele, abaixando a cabeça para esconder um sorriso. — Ela me pediu para te dar isso. Acho que minha vó gostou de você.

Kyungsoo encara o macaco, e o macaco o encara de volta.

O namoro falso fez com que mentissem para seus amigos, famílias e principalmente para si mesmos. Eles foram longe demais com essa história. Olhando para sua própria versão primata, ele se sente um pouco culpado.

— Obrigado. Por tudo — ele diz. — Você foi… um ótimo namorado de mentira.

Jongin esboça um leve sorriso.

— Você também. O melhor.

— O que fazemos agora? Eu deveria redigir outro contrato ou algo assim? — Kyungsoo brinca, mas o humor não alcança seus olhos.

O namoro é de mentira, mas a despedida parece de verdade.

— Você quer uma separação total de bens? — pergunta Jongin.

Kyungsoo aponta para o animal de crochê.

— Só se eu puder ficar com o macaco.

— Ele é todo seu — Jongin aquiesce. Seus olhos não abandonam Kyungsoo nem por um segundo. Há algo neles, um desejo contido, uma expectativa oculta. Ele se sente despido sob o olhar. — Isso é tudo que você quer?

Ele parece querer que Kyungsoo diga algo mais.

Quero você.

Quero tanto, Jongin.

— É — ele murmura, por fim. — Isso é tudo.

Os dois saem do carro. Na pressa de ir embora, Kyungsoo deixa o presente cair no chão do automóvel. Jongin dá a volta e se recosta contra a lateral do Volkswagen amarelo, de braços cruzados, assistindo-o caminhar até o quintal. Pequeno, vulnerável, quebrado. 

Ele não parece notar, mas Kyungsoo está se afogando.

Inundado de memórias, saudades e de coisas não-ditas.

De repente, ele se vira. Retira o capuz da cabeça e permite que seu rosto seja revelado ao brilho prateado da lua e às luzes dos postes nas calçadas. Ele respira fundo, enchendo-se de coragem. Amanhã o acordo não existirá mais e Jongin poderá voltar ao mundo real, correr para os braços de Hyejin ou viver como vivia antes.

Mas hoje não.

Hoje ele merece saber. Chega de mentiras.

— Na verdade, tem uma coisa que eu quero — anuncia, com uma lufada de ar condensado se tornando névoa ao redor da sua boca. — Uma coisa que eu preciso dizer…

— Claro. Qualquer coisa.

Ele respira fundo mais uma vez.

— Desde que te conheci, eu tenho desejado tantas coisas que nunca me senti tão ganancioso. Esse último mês com você foi… incrível, foi mesmo, e eu sou muito grato por isso. Mas não tenho mais certeza se valeu a pena pra mim. Você me quebrou, Kim Jongin, e eu não sei se um dia vou voltar a ser inteiro.

Assistir às reações de Jongin seria uma experiência divertida, se não estivesse tão nervoso. Primeiro, ele se afasta do carro e ergue a sobrancelha direita. Surpreso, atordoado e confuso. Depois, a testa relaxa e os olhos se tornam brilhantes. Incrivelmente brilhantes.

— Kyungsoo… — sussurra ele.

Antes que possa dizer mais alguma coisa, Kyungsoo continua:

— Não me leve a mal, foi incrível. Mas, agora, quando penso que você não vai mais aparecer na minha porta com potes de sorvete ou me oferecer um ombro amigo ou segurar a minha mão ou me levar pra passear de madrugada no seu carro bacana ou me convidar pra passar um dia com a sua família maluca, eu… — Ele solta tudo de uma vez, atropelando as palavras até ficar sem fôlego. — Eu me sinto tão vazio e perdido e assustado.

Essa é a pior declaração de amor da história.

Gotículas de água se acumulam em seu rosto, pontilhando suas bochechas geladas, e Kyungsoo já não sabe se está chorando ou se começou a chuviscar.

Ele engole em seco, tentando se livrar do nó na garganta.

Por que “Eu te amo” é algo tão difícil de dizer?

Durante todo esse tempo, contar mentiras se tornou algo fácil. Fingir foi um processo natural. Fingir que não sentia nada quando Jongin segurava sua mão. Fingir que não contava as horas para vê-lo de novo. Fingir que não estava se apaixonando todo dia um pouco mais. Fingir que não se imaginou em um cenário onde tudo fosse verdadeiro.

Dizer a verdade exige alguma coragem.

Kyungsoo nunca se sentiu tão corajoso.

— O que eu estou tentando dizer é… Que eu sei que sou metódico, careta, falido e que odeio suas músicas barulhentas, mas queria que fosse eu te assistindo no sofá enquanto você toca. Eu sentado no seu banco do carona. Eu quem você leva para um cemitério de madrugada ou para quem você empresta sua jaqueta favorita. Sei que grande parte disso tudo foi falso, mas parecia real pra mim. — De repente, sua voz se torna um sussurro. — É por isso que… Jongin, eu… Eu…

As palavras ficam presas na ponta da língua.

Mas não importa, porque Jongin corajosamente dá um passo à frente. Ele não avança, como se houvesse um campo de força entre a calçada e o gramado da casa, mantendo-o afastado. Seu peito infla, buscando por ar. A boca abre e depois fecha. E então abre de novo.

Jongin o olha como se ele fosse o mundo inteiro.

— Eu também — ele sussurra de volta. E abre um sorriso tão lindo que o universo desacelera. — Foi real pra mim também. Cada segundo.

Isso está mesmo acontecendo?

Kyungsoo o encara, à distância, os braços caídos ao lado do corpo. Ele está congelado no gramado e logo seus pés vão afundar, criar raízes e gerar ervas daninhas antes que Jongin o alcance. Ele percorre os metros que os separam, os coturnos deixando marcas na terra. O quintal minúsculo da casa nunca pareceu tão grande.

Eles colidem, se fundem e entram em combustão.

Esse beijo não é nada parecido com o anterior.

Alguma coisa mudou. Talvez tenha sido o ritmo ou a posição das mãos. O jeito que Jongin segura seu rosto enquanto o beija com devoção. E também o som das respirações, porque agora ele pode ouvir e sentir a respirações um pouco mais altas e desreguladas do que antes.

É um beijo apaixonado.

A mão de Jongin escorrega, passando pela lateral do seu pescoço e deslizando pelo peito por baixo do casaco, deixando um rastro de calor. A boca dele é quente, macia e tão viva que o faz suspirar de um jeito que o deixa envergonhado. Os dois sorriem ao mesmo tempo. Felizes, eufóricos, agitados e ofegantes.

Quando se afastam, Kyungsoo ajeita uma mecha do cabelo de Jongin que ficou grudada na sobrancelha. As testas se apoiam uma na outra. O ar circulando entre seus rostos é quente e denso. Kyungsoo afunda nele, respirando Jongin.

Jongin umedece a boca com a língua e sorri para ele.

— Kyungsoo, tenho uma proposta.

Ele abre os olhos e pisca devagar.

— Um novo acordo?

— Não, não um novo acordo. Chega de acordos ou contratos ou coisas de mentira. Vamos fazer isso do jeito certo. Que tal assim? Vamos tomar todos os sorvetes de flocos do mundo até enjoar, assistir musicais e jogar moedas em fontes. E comer seleta de legumes em churrascos. E andar de mãos dadas, mesmo quando ninguém estiver olhando. Vamos explodir campos de paintball e nos beijar em prédios abandonados sem uma câmera ligada. Vamos viver tudo isso e coisas que nunca fizemos.

— Jongin…

O nome dele tem um sabor doce e quente na sua boca.

— Namora comigo, Kyungsoo — ele suplica, a respiração acelerada. — De verdade dessa vez.

Em resposta, Kyungsoo o beija de novo. Uma e outra vez. Mas não o suficiente, porque os chuviscos inofensivos estão ficando mais fortes. Eles ficam parados no gramado, as palmas conectadas e os dedos entrelaçados, balançando as mãos juntas. Até que a chuva fica difícil de ignorar.

— É melhor você entrar, Kyungsoo. Você vai se molhar.

— É, tem razão.

Mas Kyungsoo não vai embora.

Jongin começa a recuar em direção ao carro. De alguma forma, desde os últimos minutos, é a primeira vez que seus lábios se encontram tão longe um do outro. A uma distância normal, segura e platônica.

— Então… tchau.

— Tchau — Kyungsoo diz.

— Tchau — Jongin responde.

— Tchau — Kyungsoo repete, com uma risada. 

Jongin acena para ele com um sorriso bobo, caminhando de costas. Ele quase tropeça na calçada. Nenhum deles quer se despedir.

— Tchau! — ele grita, gargalhando. — Vai embora!

Kyungsoo começa a voltar para dentro, recuando até a varanda. A chuva de verão é quase insuportável sem o calor de Jongin. Seu casaco começa a ficar ensopado e água escorre em suas têmporas, fria como gelo, mas ele não se importa.

Antes de entrar, corre para os braços dele uma última vez.

Jongin o encontra no meio do caminho.

 


Notas Finais


Como disse a minha beta no final do capítulo: "ACABOU A HOMOFOBIA DA PALOMA"

A FASE KAISOO NAMORADINHOS DE VERDADE VEM AÍ, EU TO LWGAYHSYDGKASJDGKJ 🗣🗣🗣

Eu sei que fiz vocês passarem fome nesse slow burn, mas agora vocês serão muito bem alimentados. Eu prometo!!! ❤


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