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História Amor entre linhas - Ponto sem nó


Escrita por: DamaMagno

Notas do Autor


— Os personagens utilizados não são meus, direitos reservados a JK.

— A fic está participando do Amigo Secreto do grupo Esquadrão da Escrita, e é o presente para Larissa Batista. Edit: ORIGINALMENTE POSTADA EM 28/12/2019.

— Essa história contém relacionamento lésbico.

— Capa editada por mim, as mulheres na foto são Marianne Caron (como Pansy) e Sophia Roe (como Hermione)

— Plágio é crime (vide Lei nº 9.610, de 1998 e suas alterações na Lei nº 12.853, de 2013).

— Comentários desrespeitosos serão deletados e o perfil do autor denunciado devido à quebra das Regras de Condutas (http://fanfiction.com.br/pagina/21/regras_de_conduta)

Capítulo 1 - Ponto sem nó


Assim que as chamas verdes a levaram para casa, Hermione saiu pela lareira tropeçando em brinquedos de plástico que estavam espalhados pela sala desde domingo. Sempre se arrependia de não organizar a bagunça da filha antes de se deitar, pois chegaria do trabalho e passaria por essa situação novamente, mas sabia que continuaria sem fazer isso durante toda a semana, até que sexta-feira chegasse.

Hermione sempre gostou de ambientes organizados, etiquetados com inúmeras cores para saber onde cada coisa deveria estar ou seu nível de importância, porém era aquela pequena zona que trazia vida para sua casa e a pequena ilusão de que não estava sozinha. Então fazia uma concessão, para o bem de sua saúde mental.

 

Seguiu para o banheiro e tirou os saltos, sentido o chão gelado sob os pés com alívio e perdendo pelo menos 7cm de altura no processo. Retirou o restante de suas vestes, as dobrando e colocando no cesto de roupas sujas que já estava cheio. Anotou lavar as roupas em bloco de notas que guardava no gabinete da pia, colocou o papel no espelho e se virou para abrir a torneira da banheira. Enquanto a água preenchia a banheira e começava a aquecer o ambiente, Hermione prendeu os cabelos volumoso em um coque no alto da cabeça, usou o demaquilante para retirar a fina camada de maquiagem que usava para trabalhar e lavou o rosto com o sabão adequado. No final do processo, jogou os sais de banho na banheira e, nua, saiu do banheiro.

 

Foi até a cozinha, onde se serviu uma taça de vinho generosa, e voltou para o cômodo onde estava anteriormente. Fechou a torneira e entrou na água morna, deu um gole suave na bebida e a colocou no apoio que ficava ao lado da banheira, específico para essa função. Hermione se permitiu relaxar, sentido a tensão de uma semana inteira de trabalho exaustivo ir embora. Revisar as leis que privilegiam os bruxos sangue-puro era um trabalho maior do que imaginava, eram séculos de um sistema político opressor muito difícil de desenrolar, mas estava confiante que logo poderiam dar os primeiros passos para uma sociedade mais justa.

 

Quando a água começou a ficar mais fria e seus dedos já estavam enrugados, usou uma esponja de nylon e sabonete líquido para se lavar. Finalizou o banho se enrolando em uma toalha felpuda, calçou as pantufas que sempre deixava no banheiro e saiu com a taça em mãos. De volta à cozinha, Hermione esquentou as sobras do jantar da noite anterior e saboreou em silêncio, enquanto folheava uma revista de Quadribol que Ron (ou foi Harry?) esqueceu em seu apartamento, semanas atrás. 

 

Ao terminar de comer, lavou o prato e a taça, e foi até a sala recolher os brinquedos. Os guardou na caixa que ficava atrás do sofá, pois Rose não possuía um quarto só para ela, onde Hermione poderia organizar tudo de uma forma mais adequada. Mas era o que tinha no momento e era o suficiente.

 

Seguiu para o quarto, colocou o pijama e foi para a cama com um livro em mãos, um romance leve que Ginny havia recomendado. Se deitou, contente com a tranquilidade de uma rotina normal e trouxa e dormiu com a certeza de que a próxima semana seguiria da mesma maneira.

 

°°°

 

Luna Lovegood se tornou uma das melhores amigas de Hermione, apesar de serem completamente opostas. Quando mais nova, tudo que Luna dizia era uma bobagem absurda, sem qualquer fundamentação teórica e científica. No entanto, conforme amadureciam, Hermione foi se tornando mais aberta a pensamentos contrário aos dela e o trabalho da amiga foi provando que, às vezes, algumas coisas não eram tão loucas assim.

 

Por isso, quando Luna a convidou para ser sua madrinha de honra, Hermione não pode deixar de sentir orgulhosa com o caminho que trilharam até chegarem onde estavam. Era, de fato, uma honra estar presente em outro dia tão importante na vida da amiga, apesar de ter achado que isso nunca aconteceria. No entanto, ainda eram quem eram e Hermione sabia que ajudar na organização do casamento de dois magizoologista, sendo um deles Luna Lovegood,  seria um dos maiores desafio de sua vida. Por isso, declinou o convite de maneira educada e sugeriu que, talvez, Ginny fosse a melhor opção, visto que eram melhores amiga há muito mais anos. Luna adorou a ideia, como se jamais tivesse pensado na possibilidade, e Hermione sorriu enquanto pedia desculpas mentais a amiga, que semanas depois reclamaria com ela porque Luna queria um vestido com arco-íris e lantejoulas, e era impossível achar alguém no mundo bruxo que se prestasse a fazer algo tão fora do normal.

 

— Não se preocupe, Ginny — disse sorrindo —, tenho certeza que encontrará a pessoa perfeita para o trabalho.

 

E apesar do grunhido e revirada de olhos que a amiga deu, três dias depois Hermione estava com as duas em uma loja recém aberta no Beco Diagonal. Pelo que Ginny havia ouvido dizer, a dona da loja veio da França para a Inglaterra com o objetivo de expandir sua marca e, segundo suas fontes, era uma das lojas mais requisitadas pelas bruxas francesas, por ter peças exuberantes e únicas. Obviamente a fonte da amiga era a cunhada, mas Hermione sabia que se tratava de uma opinião confiável, pois Fleur era uma das mulheres mais bem vestidas do mundo bruxo.

 

Quando as três entraram na loja, Pensée Mode, com os desenhos do vestido de Luna em mãos, logo notaram a diferenças entre ela e a velha e tradicional Madame Malkin Roupas para Todas as Ocasiões. O ar era muito mais atual, com uma jovialidade refrescante refletidas nas paredes pintadas de verde claro, quase branco; era bem iluminada e tinha um cheiro gostoso que trazia uma sensação nostálgica, quase única, como o cheiro de Amortentia.

 

Encantadas com o ambiente, só notaram que não estavam sozinhas quando uma jovem se aproximou delas. A mulher, que deveria ter por volta de vinte anos, sorriu e perguntou em que poderia ajudar. Ginny lhe sorriu um sorriso apologético ao oferecer os rascunhos de Luna.

 

— Qual a possibilidade de fazerem esse vestido? — A atendente pegou os papéis e não conseguiu conter a surpresa, porém tornou a sorrir ao olhar de volta para elas.

 

— Posso ver com a minha chefe, tenho certeza que ela achará… Desafiante. — E dito isso, desapareceu atrás de algumas cortinas.

 

— Ou isso, ou achará que estamos loucas. — Ginny disse enquanto cruzava os braços. — Luna, tem certeza que não quer algo mais fácil, como esse aqui? — perguntou apontando para um vestido branco com detalhes preto.

 

Hermione sabia que Luna jamais escolheria algo tão simples e tradicional, assim como tinha certeza que Ginny também tinha consciência disso, mas conseguia entender a frustração da ex-cunhada. Luna realmente era um… Desafio.

 

— Talvez uma tiara com o nosso mapa astral combine com o vestido. — Luna comentou como se não tivesse ouvido Ginny, que suspirou.

 

Em seguida, o som de passos ritmados chamou a atenção das três mulheres. De trás da cortina saiu uma figura esguia, com pernas tão longas que Hermione não conseguia desviar os olhos. Desde o tornozelos finos, passando pelas canelas e o vislumbre de panturrilhas firmes, até chegar ao início da coxa, que se perdia em um tecido justo e avermelhado, quase vinho.

 

— Ora, ora, que adorável surpresa. — A dona das pernas disse, um tom agridoce que a fez levantar o olhos.

 

Havia algumas lembranças de Hogwarts que Hermione se esquecia que existiam. Lembranças que precisavam que algo externo para aparecerem, como quando encontrou Millicent aleatoriamente na rua e se lembrou que o gato dela tinha uma cor bonita, e pensou que talvez Rose fosse gostar de ter um gato como ele um dia, quando fosse mais velha, responsável e se Rony estivesse de acordo. Ver Pansy Parkinson, e seu par de pernas quilométricas, evocou além de lembranças, sensações que Hermione genuinamente esqueceu que um dia existiram. Não eram como os ecos de memórias, mas igualmente nostálgicos.

 

— Cara de Buldogue. — Ginny falou em forma de cumprimento, franzindo as sobrancelhas ruivas. — Você é a dona do lugar?

 

— A primeira e a única. — Pansy respondeu levantando o queixo e sorrindo, entre o orgulho e a arrogância.

 

Não deveria ter sido fácil para ela chegar onde estava, sendo filha de um Comensal da Morte e uma das pessoas mais escancaradamente preconceituosas que conhecia. Após a Guerra, bastava ser da Sonserina para que as pessoas te olhassem como se fosse o próprio Voldemort. Hermione, durante muitos anos, foi essa pessoa, mas o tempo e a reflexão a fizeram entender que não é possível ter uma sociedade justa, se apenas substituirmos um preconceito por outro. O passado jamais deveria ser esquecido, mas o presente sempre era mais importante. E se Pansy Parkinson era uma nova mulher, ela gostaria de descobrir.

 

— Luna irá se casar e quer um vestido muito específico — disse em seu tom apaziguador, se colocando entre Ginny e Parkinson.

 

— Eu imaginei, quem mais além de Di Lua Lovegood para querer algo tão extraordinário? — A mulher disse enquanto colocava os cabelos curtos e escuros atrás de uma orelha.

 

Hermione mordeu o lábio diante do apelido e Ginny ficou vermelha, como todos os Weasley ficavam quando estava nervosos. Luna, porém, sorriu e agradeceu, como se fosse um elogio.

 

— Olha, Parkinson, isso claramente foi um erro. Iremos para outra loja, — Ginny estendeu a mão — devolva os desenhos.

 

Pansy olhou para a mão da ex-jogadora como se olhasse para um diabrete. Cruzou os braços e se virou para Luna, com um sorriso polido que Hermione jamais havia visto.

 

— Imagino que esse vestido não surgiu do nada, Lovegood, e que em seu mundinho ele tenha um significado. — As falas de Pansy eram estranhas, formuladas para parecer uma ofensa disfarçada de elogio. Ou um elogio disfarçado de ofensa. — Me conte que história quer contar com ele.

 

— Esperança. — Luna explicou, contente por finalmente terem lhe perguntado sobre o vestido. — O arco-íris é um sinal de esperança, surge depois uma tempestade para nos lembrar que coisas bonitas acontecem após a adversidade. E é isso que quero que Rolf e os meninos saibam, que mesmo que seja difícil, nós sempre estaremos bem enquanto tivermos nossa família e amigos.

 

— Luna, isso é lindo — falou segurando a mão da amiga. Nunca imaginou que havia um significado tão grande para o vestido ser daquele jeito.

 

— Sim, é lindo, mas iremos em outro lugar. — Ginny disse com os braços cruzados, era como ver Rose fazendo birra.

 

— Me poupe, Weasley. — Pansy se virou para ela, o peito inflado de arrogância. — Quem mais se prestaria a fazer um vestido como esse?

 

— Você  se prestaria, Parkinson? — A mulher se virou para Hermione, que fez a pergunta, e colocou a mão sobre o peito.

 

— Eu sou perfeita para esse trabalho — respondeu. — Temos muitas roupas prontas para alugar ou vender, mas minha especialidade é fazer peças únicas e extraordinárias.

 

Ginny soltou um riso pelo nariz, impaciente com a postura da outra sangue-puro. Parkinson a olhou de cima baixo, como se avaliasse o que poderia dizer para convencer a ruiva que de fato era perfeita para o trabalho.

 

— Você pode ir, se quiser. Pegue uma das cortinas de sua casa e cole arco-íris e lantejoulas, te garanto que na melhor das hipóteses parecerá que sua filha quem fez. Mas te garanto que posso tornar Lovegood na noiva arco-íris mais estonteante que o mundo bruxo já viu.

 

— Ah, — Luna sorriu — eu gostaria que isso acontecesse.

 

— Ótimo, me sigam. — Um sorriso vencedor apareceu nos lábios carmesim. Ginny bufou. Hermione riu.

 

Parkinson, então, as levou para o cômodo que ficava atrás das cortinas. Era amplo e cheio de tecidos, com tesouras e agulhas trabalhando sozinhas no ar. Pansy pegou um caderno grande e de capa escura, se sentou sobre a mesa que ficava no centro da sala e trouxe um suporte cheio de lápis para perto de si. Hermione segurou a respiração quando viu as longas pernas da sonserina se cruzarem e forçou os olhos a subirem, era muita falta de educação olhar para outra pessoa daquela forma.

 

— Vamos começar pela noiva, é claro. — Pansy falou olhando para Luna. — Onde será o casamento?

 

— Na colina da casa do meu pai, será no final de Agosto. — Com a resposta, Parkinson pegou um lápis e começou a desenhar, levantando a cabeça apenas para olhar para Luna.

 

Breves minutos se passaram, quando Pansy abaixou o último lápis que pegou e virou o caderno para elas. As sobrancelhas de Hermione se ergueram, surpresa com o esboço do que seria o vestido da amiga. O vestido era longo e esvoaçante; a parte de cima era justa e bordada, com alças grossas e um decote profundo, havia uma anotação dizendo que ali ficariam lantejoulas brancas. Um cinto de tecido ficaria na cintura e então a parte debaixo desceria em um tule fino e multicolorido, em um degradê do vermelho ao roxo. O desenho tinha a silhueta de Luna, então além do vestido havia também uma sugestão de penteado e um acessório que chamou a atenção da noiva.

 

— Uma tiara de chifre de unicórnio, eu adorei. — Ela falou com um sorriso radiante.

 

— Uma noiva não pode se casar sem o seu "alguma coisa preta". — Pansy falou sorrindo, era como se conhecesse Luna há anos e soubesse que as tradições bruxas deveriam ser adaptadas para que ela as seguisse. — Será feita com pedras furta cor, então irão brilhar de uma forma única a cada nova luz.

 

— Até que você leva jeito, Buldogue. — Ginny comentou, fazendo Hermione rir diante da teimosia dela. Como os irmãos, a mulher tinha dificuldade em dar o braço a torcer.

 

— Bom, Doninha — rebateu a provocação —, tenho uma ideia para você também.

 

— Não precisa, já tenho um vestido.

 

— Claro que tem, o mesmo que usou nos último três casamentos que compareceu. — Pansy a ignorou e voltou a rabiscar em seu caderno.

 

— Você está sabendo bem sobre a minha vida, Parkinson. — A Potter disse cruzando os braços.

 

— Não é como se eu tivesse muita escolha, doze anos se passaram e vocês continuam sendo primeira página d'O Profeta. — Ela respondeu fazendo pouco caso. — Além disso, eu sou uma profissional da moda, estou sempre atenta aos acertos e erros dos famosos. Pronto.

 

Tornou a virar o caderno para que vissem o novo esboço. O vestido longo tinha decote canoa e uma fenda que se estendia até a coxa, em um tom de azul delicado. Assim como no desenho para Luna, haviam anotações com nomes de tecidos, cores e sugestões de penteados.

 

— Eu sei que você gosta de se vestir como se fosse um senhor com o dobro da sua idade, Ginevra, mas acredite em mim quando digo que com esse vestido, Potter vai querer fazer outros três filhos com você. — O comentário foi seguido de um piscar de olho que deixou Ginny vermelha dos pés  a cabeça. — Você tem um corpo atlético, com ombros largos e pernas cumpridas, Weasley. Como estilista, meu coração sangra toda vez que vejo esse belo corpo desperdiçado em roupas que não o valorizam.

 

Hermione tinha certeza que Ginny atingiu um novo tom de vermelho.

 

— É realmente muito bonito, mas quanto vai ficar essa palhaçada toda? — A ruiva perguntou tentando fazer pouco caso.

 

— Bom, como somos velhas amigas — Ginny riu —, colegas de escola — Pansy corrigiu —, posso fazer um preço especial.

 

— Isso seria perfeito, obrigada, Pansy. — Luna agradeceu.

 

— Vocês serão a melhor propaganda para minha loja, Di Lua. É uma troca justa. — Deu de ombros. — Venham na próxima quarta para tirar as medidas e diga ao noivo para vir também.

 

— Tudo bem.

 

— Ah, e tragam as crianças. — Pansy falou descendo da mesa, as acompanhando até a entrada da loja.

 

— Irá fazer as roupas de todos? — Hermione perguntou surpresa.

 

— Jamais perderia a oportunidade, Granger. — Ela respondeu piscando um dos olhos. — Amigos, familiares. Quanto mais, melhor.

 

°°°

 

Ela não estava brincando, Hermione pensou duas semanas depois. Segundo Ginny, Parkinson estava empenhada em fazer o casamento de Luna seu espetáculo particular e a ex-jogadora até tentava aumentar o descontentamento por permitir que a sonserina cuidasse das roupas, mas era nítido o alívio de poder realizar o sonho de Luna, com a certeza de que Rita Skeeter não poderia escrever nada de ruim - pelo menos nada que não fosse verdade. E com empenho, Ginny quis dizer que Parkinson a estava intimando a aparecer na loja.

 

— Você não foi na semana passada e a cara azeda que ela fez ao perceber que não tínhamos entendido que você estava incluída no pacote, foi impagável. — Ginny riu através da lareira. — Então, amanhã você tem que ir até lá.

 

— Impossível, amanhã tenho uma reunião com o Ministro e sairei tarde — respondeu colocando um dos cachos atrás da orelha.

 

— Eu disse isso a ela e a resposta foi "Fale para Granger aparecer, nem que seja depois da meia-noite, estarei esperando". — Hermione riu com a imitação que a amiga fez.

 

— Bom, espero que ela se sinta confortável enquanto espera — disse sorrindo —, pois eu não irei.

 

— Oh, querida, nós duas sabemos que você seria incapaz disso.

 

E antes que Hermione pudesse protestar, James pulou sobre os ombros da mãe, ansioso para contar para a madrinha sobre o dia que teve na casa dos avós, nos mínimos detalhes.

 

°°°

Saber que alguém te espera e ainda assim não comparecer é falta de educação, e por isso Ginny tinha certeza que Hermione iria até Penseé Mode, mesmo a sexta-feira sendo sagrada.

 

Ela chegou na loja quando o céu já estava escuro, as ruas iluminadas pelos postes e com jovens adultos prontos para desbravarem a vida noturna do mundo bruxo, cada vez mais moderno. Hermione, com seu blazer azul marinho, saltos e cabelos presos no topo da cabeça, destoava da informalidade e risadas que preenchiam o Beco Diagonal. Elegante e séria. Adulta.

 

Suspirou. Estava cansada de ser adulta.

 

— Pontual como sempre, Granger. — A voz de Pansy a trouxe para a realidade ao entrar no estabelecimento.

 

— Não tínhamos horário marcado — esclareceu, pontuando sem dizer diretamente, que o tom debochado da outra bruxa era desnecessário.

 

— Afrouxe a cinta, Granger, ninguém aqui está de fato incomodada com o horário. — Ela tornou a dizer, o mesmo tom.

 

Talvez fosse coisa da cabeça de Hermione, baseada nas experiências do passado. Talvez essa voz esnobe fosse o tom que a morena usava em seu dia a dia. Talvez por seu único contato com Parkinson ter sido durante os anos em Hogwarts, antes de voltar a encontrá-la duas semanas atrás, estivesse projetando a Pansy do passado na Pansy do presente.

 

— Granger? Granger? — Dedos longos e finos estalaram em frente ao seu rosto, a fazendo piscar sobressaltada.

 

— Perdão, o que dizia? — Pansy riu.

 

— Está precisando de algo para beber. Aceita uma taça de vinho? Gostaria de discutir sobre o design de sua roupa antes de tirar suas medidas.

 

Hermione balançou a cabeça e acompanhou a outra bruxa até a sala em que estiveram na última vez. Pansy se sentou sobre a mesa novamente, porém hoje as pernas estavam cobertas por uma calça social escura, que se ajustou a elas quando foram cruzadas. Havia mais de uma cadeira na sala, por que ela insistia em não usar nenhuma delas?

 

— Diga pare. — Pansy pediu enquanto usava a varinha para servir o vinho.

 

— Pare — disse quando mais da metade da taça estava cheia.

 

— Dia cheio, Granger? — A morena perguntou com um sorriso no rosto, serviu uma dose mais comedida para si e desceu da mesa.

 

— Tente vida — brincou fazendo a outra soltar um riso nasalado.

 

— Imagino, com uma filha e um divórcio, além de todas as loucuras do Ministério. A vida não foi fácil para os heróis do mundo bruxo.

 

As sobrancelhas castanhas de Hermione se ergueram diante do leve rancor que sentia vindo de Pansy. Com ela, com o mundo bruxo. Sabia que o pós-guerra foi brutal com algumas pessoas, mas não foi gentil com ninguém e ela não se sentiria mal por reclamar das coisas que faziam sua vida pesada. O sofrimento de ninguém poderia anular a de outra pessoa.

 

— Heróis, párias, neutros. A vida não é fácil para ninguém, Parkinson — falou cruzando os braços e erguendo o queixo levemente, uma postura que estava habituada a ter nas salas de reuniões no Ministério, onde muitos ainda a viam como uma garotinha que sonhava em ajudar os elfos domésticos.

 

Aquele bando de homens velhos e retrógrados, que enxergavam as mulheres e outras raças mágicas como seres sem relevância. Se ela pudesse pegar cada um deles e fazer entrar em suas cabeça neandertais de que o mundo bruxo também estava no século XXI e…

 

— Por Morgana, Granger, onde está com a cabeça hoje? — Novamente Pansy a trouxe de volta para o mundo além de sua mente.

 

— Sinto muito, mas é que eu tenho que lidar com cada coisa no trabalho — revelou apertando a ponte do nariz, respirou fundo e olhou para a mulher. — Disse que queria discutir sobre o design da minha roupa, o que seria?

 

— Era justamente o que falava. — Pansy riu e a chamou com o indicador, Hermione se aproximou da mesa, onde estavam cinco esboços que a deixaram boquiaberta. 

 

O primeiro era um vestido simples e curto, um que poderia usar se fosse ao parque com Rose, mas ao mesmo tempo elegante e em um tom de roxo que ela não conhecia. O segundo, um vestido longo e turquesa, tomara-que-caia. Já o terceiro era um vestido frente única e amarelo; assim como os esboços quatro e cinco. O quarto sendo um vestido curto de alça fina.

 

— Esse é lindo — confessou apontando para o último.

 

Era um terno em tom mostarda, cujo blazer estava com as mangas dobradas e aberto, a calça de cintura alta cobria uma camiseta branca e chegava até a altura dos tornozelos. Elegante e casual.

 

Adulta, porém jovem.

 

— É o meu favorito também. — Pansy disse próxima a ela, os ombros se tocando enquanto ambas se curvavam de leve sobre a mesa. — Amarelo é uma cor que realça o tom de sua pele. — Os dedos pálidos tocaram o pulso de Hermione, criando um contraste de cor e uma corrente elétrica que fez a mulher negra se afastar.

 

— Eu nunca usei amarelo — disse a primeira coisa que veio a sua cabeça, sentindo o corpo quente.

 

— Bom, então é o que usará no casamento. — A estilista falou recolhendo os desenhos com um movimento de varinha.

 

— Por que terno? — questionou curiosa, abandonando a taça ainda com vinho sobre a mesa.

 

— Deixa sua silhueta mais alongada. — Foi uma resposta técnica. — Além disso, mulheres em terno me deixam — suspirou profundamente —, arrepiada — concluiu em um tom que dizia que "arrepiada" não era a palavra exata.

 

Hermione pigarreou e virou de costas para a outra bruxa, fazendo comentários sobre os tipos de materiais que estavam presentes na sala, feitiços que eram utilizados para a confecção de roupas e inúmeras outras coisas, tantas que até ela se mandou falar a boca mentalmente, cansada de ouvir a própria voz.

 

— Vamos tirar suas medidas, Granger. — Pansy disse a tirando do loop falatório.

 

°°°

Rose ficava com Hermione duas ou três vezes por semana, algumas vezes passavam os finais de semana juntas e, sempre que possível, as duas e Rony faziam um passeio em família. Contudo, duas vezes por mês os avós tinham a oportunidade de mimar a neta durante uma noite inteira, para que os pais pudessem ter um dia de folga para curtir com os amigos.

 

No caso deles, para curtir em trio.

 

Era um sábado e Harry havia escolhido um bar no mundo trouxa, próximo a Godric's Hollow, até Rony não parar de reclamar das batatas que estavam demorando e da cerveja que estava quente. Todo mês tentavam um lugar diferente, variando entre eles quem escolheria o novo bar, mas sempre havia algo que não agradava. Trouxa demais, elegante demais; cervejas quentes e comida fria, som alto e gritaria. E que Merlin os protegesse, para que o episódio de Setembro de 2006 não se repetisse.

 

Por isso, no final das contas, sempre acabavam no Três Vassouras.

 

— Isso que é cerveja de verdade. — Ronald disse após saborear sua cerveja amanteigada.

 

— Bigode de espuma. — Harry alertou tomando um gole de sua própria bebida. — Não sei porque ainda tentamos algo novo, poderíamos vir direto para cá e poupar tempo.

 

— E qual é a graça em poupar tempo? — O ruivo perguntou após outra golada. — É a experiência que conta, meu amigo, apenas sabemos que o Três Vassouras é o melhor, porque estivemos nos piores.

 

— Bigode de espuma. — Ela alertou dessa vez, rindo. — Não sei não, Ronald, acho que vou concordar com o Harry dessa vez. Além de tempo, economizamos dinheiro.

 

— Cadê a juventude de vocês? Têm trinta anos e se comportam como se tivessem oitenta. — Rony lamentou batendo a mão na mesa.

 

— Esse drama todo é porque Penélope terminou com ele? — Hermione perguntou olhando para Harry, que balançou a cabeça positivamente.

 

— Hey, isso não tem nada a ver com ela, okay? — O Weasley protestou se levantando abruptamente da cadeira, fazendo com que a bandeja que levitava até eles quase caísse.

 

— Desculpa, amigo, mas tem tudo a ver. — Harry falou antes de encher a boca com batatas.

 

— Eu não gosto de dizer isso, mas te avisei, Ronald — falou se servindo também, o ruivo a olhou com as sobrancelhas franzidas.

 

— Gosta sim! — Ele afirmou com a voz fina de indignação a fazendo rir.

 

— É verdade, eu adoro — confessou sem vergonha, fazendo o amigo de óculos rir também. — A questão é que ela era muito nova, e não me entenda mal — acrescentou antes de Ron protestar —, não estou dizendo que deve namorar apenas pessoas da nossa idade ou mais velhas, mas ela tinha vinte anos.

 

— É um pré-adolescente de diferença, amigo. — Harry completou. — Penélope era divertida, mas toda essa alma aventureira dos jovens hoje em dia? Nem tanto.

 

— Ela me fez patinar uma vez, do jeito trouxa. Com rodas. — O homem confessou, as orelhas vermelhas de vergonha se intensificando com as gargalhadas dos amigos.

 

— Você vai encontrar alguém melhor, Ronald — falou tocando-o no ombro.

 

— Falando nisso — disse Harry mudando de assunto —,  Ginny contou que a pessoa que fará as roupas do casamento da Luna será a Parkinson.

 

— Ah, nem me fala, cara. — Ron resmungou com a boca cheia de comida. — Ela disse que eu tenho que ir até lá escolher um terno novo, quando finalmente pensei que não ia precisar usar um.

 

— É um casamento, Ronald, o que pretendia usar?

 

— Sei lá, qualquer coisa. Poderia usar uma toalha de mesa que Luna não iria se importar. — O homem respondeu se curvando sobre a mesa para pegar algumas tortinhas de abóbora.

 

— Por mais ofensivo, e verdadeiro, que isso seja. Ainda seria uma casamento, uma ocasião importante onde todos nos juntamos para celebrar a união de duas pessoas que se amam. — Ela respondeu solene, ignorando as caretas que Ronald fazia enquanto a imitava.

 

— Ele teria vestido uma toalha de mesa no casamento de vocês, se não soubesse que isso o mataria no mesmo instante. — Harry debochou.

 

— Enfim, a Cara de Buldogue vai fazer as roupas do casamento de Luna Lovegood! — Ele disse como se fosse um grande anúncio. — Quem imaginou que um dia isso seria possível?

 

Harry levantou a mão e segurou o riso quando o amigo deu um tapa em seu braço. Meninos, Hermione pensou revirando os olhos.

 

— Parkinson é muito boa no que faz — defendeu e então olhou diretamente para Harry. — Disse que o vestido de Ginny fará com que você queria fazer mais três filhos — relatou sorrindo de lado —, eu vi o vestido e concordo. 

 

— Pelo amor de Merlin, eu não preciso da imagem do meu melhor amigo e da minha irmãzinha transando. — Ron reclamou tapando os ouvidos com as mãos.

 

— Como você acha que seus sobrinhos nasceram, em um pé de alface? — Hermione perguntou desgostosa com a imaturidade do amigo.

 

— O que ela vai fazer pra você? — Harry perguntou, as bochechas coradas indicando que uma mudança de assunto era mais que bem-vinda.

 

— Um terninho maravilhoso! — respondeu com um enorme sorriso no rosto, pois a imagem da roupa a deixava feliz.

 

— Como os que usa no Ministério? — Ronald indagou.

 

— Muito mais bonito, ela desenhou cinco modelos diferentes, mas o terninho foi o que eu mais gostei e ela disse que era o favorito dela também, e que a cor realçaria minha pele e…

 

Hermione havia começado a falar em um tom rápido e animado, lembrando-se da conversa que tiveram enquanto Pansy tirava suas medidas, sobre a roupa escolhida, tecidos e cores que ficam bem nela. Contudo, o olhar que os amigos lhe dirigiram a fez parar o discurso no meio, sentindo o rosto aquecer.

 

— Quê?

 

— Desde quando você se interessa tanto por roupas, Mione? — Harry questionou.

 

— Bem, eu uso elas todos os dias, desde o dia em que nasci, então diria que desde de sempre — respondeu.

 

— Desde quando você se interessa tanto por roupas que a Parkinson faz pra você? — Ron perguntou, corrigindo a questão anterior.

 

— Oras, como eu disse, ela é muito boa no que faz. — Bebeu o restante de sua cerveja, desejando que ela fizesse o calor em sua face desaparecer.

 

— Não sei não, Mione…

 

— Eu vou pedir mais bebidas — falou antes que qualquer um deles pudesse dizer algo a mais.

 

Hermione caminhou até o balcão, sem dar chance para que respondessem e, enquanto esperava ser atendida, ela se perguntou.

 

Desde quando se importava com roupas e, principalmente, com uma feita por Pansy Parkinson?

 

°°°

 

Pansy marcou com Luna para que fizesse a primeira prova do vestido no final de Maio, e aproveitou para pedir que Ginny e Hermione fossem também.

 

— Bom, aqui está a roupa de cada uma de vocês. — A mulher disse enquanto saia dos fundos da loja com três sacos presos em cabides sobre os ombros. — Lovegood, Melissa irá te ajudar com seu vestido, pois é o mais delicado e importante de todos.

 

Pansy entregou cada um dos cabides para elas e estralou os dedos em direção  a Melissa, a jovem que as atendeu no primeiro dia, para que ela acompanhasse a noiva até um dos provadores. Ginny foi para o segundo e Hermione para o terceiro.

 

Lá, de frente para um espelho que cobria toda a parede, a bruxa se despiu da calça jeans e do casaco, e abriu o saco vendo a cor amarelada aparecer mais conforme o zíper descia. Primeiro vestiu o blazer sobre a camiseta branca que já estava usando, em seguida a calça. Tirou da bolsa um par de saltos vermelhos que avisa usado apenas uma vez na vida e os calçou.

 

Ao sair do provador, Ginny já estava caminhando pela loja com seu vestido azul, cuja barra se arrastava no chão. A amiga estava estonteante e era a primeira vez, desde o casamento dela, que Hermione a via tão elegante.

 

— Ginny, você está linda — disse se aproximando da amiga, que sorria de orelha a orelha.

 

— Estou, não estou? — A ruiva se virou para um espelho de corpo inteiro que ficava fora dos provadores.

 

— Jamais diga que nunca fiz nada por você, Weasley. — A voz de Pansy soou atrás delas, Hermione a olhou por cima do ombro e sorriu diante do sofrido convencido que a morena carregava.

 

— Potter. — Ginny corrigiu, porém ainda sorria para o espelho e não pareceu realmente incomodada com o erro.

 

— Venha, Granger, vamos deixá-la a sós com seu vestido. — Parkinson falou a puxando para o provador em que estava.

 

— Fez um ótimo trabalho, Parkinson — disse se olhando no espelho, virando o corpo para poder ver a roupa em outros ângulos.

 

— Eu sei, tudo o que eu faço é perfeito.

 

Hermione a viu suspirar pelo reflexo, sentada em um puff quadrado, como quem diz que dá muito trabalho ser tão boa. Sabia que aquela arrogância era para soar engraçada, mas enquanto se olhava no espelho, imaginava que de fato fosse trabalhoso fazer tantas roupas e com tamanha qualidade. Parkinson era uma sonserina e o orgulho dessas pessoas era tão grande, que Hermione tinha certeza que Pansy não descansava até tudo estar perfeito.

 

— Não me lembro de ser tão pensativa, Granger. — Pansy falou próxima, o rosto acima de seu ombro, fazendo-a perceber que mesmo de salto, ainda era mais baixa. — Tenho inúmeras memórias de você falando pelos cotovelos, mostrando a todos como era inteligente.

 

— Pensar me impede de falar as coisas na hora errada — respondeu, seus olhos castanhos observando, através do espelho, a estilista arrumar a parte de trás do blazer. — Não é só porque sabemos de algo, que ela precisa ser dita.

 

O reflexo de Pansy sorriu e os dedos finos subiram pela nuca de Hermione, entre os fios frisados, colocando os cabelos no altos, mas com algumas mechas soltas.

 

— Prenda o cabelo dessa maneira, coloque brincos discretos e ficará maravilhosa. — Ela sugeriu, os olhos claros encontrando os escuros no espelho. Hermione conteve um suspiro e os arrepios que sentia ao ter a bruxa tão próxima. — Mas me diga, há alguma coisa que tenha notado e não queira falar? — perguntou voltando a se sentar no puff, fingindo não notar o que estava acontecendo.

 

— Algumas. — Hermione respondeu entrando no jogo, tirou o blazer e o colocou no cabide. — Mas agora eu preciso me trocar, se me der licença.

 

— Eu não tenho nenhum problema com a nudez, Granger. — A morena respondeu sorrindo, com a ponta da língua tocando os dentes de cima. — Gostaria de ouvir sobre essas algumas coisas.

 

— Podemos conversar sobre isso no próximo sábado, no Erumpent Horn às 13h — disse com o queixo levemente erguido. Parte dela não sabia de onde veio a coragem de convidar Pansy, mas outra estava muito orgulhosa, ainda mais com a ração da outra mulher, que se endireitou surpresa.

 

— Está me chamando para um encontro, Granger?

 

— Isso é algo que posso responder no sábado. — Sorriu.

 

— Nos vemos lá, então — Pansy se levantou e virou-se para sair, porém antes que o fizesse, olhou para trás sorrindo —, Hermione.

 

°°°

O Erumpent Horn era um bom restaurante, uma mistura sofisticada da culinária bruxa e trouxa, que deixava Hermione plenamente satisfeita. Geralmente gostava de jantar lá, pois a iluminação era linda e a vista que se tinha do Beco Diagonal a partir do segundo andar, estupendo. No entanto, Harry levaria Rose para casa as quatro, após voltarem da festa de aniversário do filho do primo dele. Não seria interessante ter um encontro com a filha do lado, pelo menos não o primeiro, por isso marcou um almoço. 

 

Hermione arrumou o saleiro sobre a mesa, ansiosa diante da palavra encontro que soou em sua mente. Seria o primeiro em dois anos e nem lembrava como deveria se comportar. Deveria se levantar quando ela chegasse? Puxar a cadeira? Não, esse era um comportamento primitivo imposto por uma sociedade heterossexual e machista, onde homens e mulheres deveriam agir como se elas fossem frágeis e não pudessem nem ao menos puxar suas próprias cadeiras, ou abrir portas, e ainda pintavam isso como cordialidade. Oras, nenhum homem jamais puxou uma cadeira para outro homem, logo nunca foi uma questão de educação e…

 

— Pansy, oi! — falou assim que a imagem da mulher surgiu em seu campo de visão, se levantou de maneira rápida e automática, batendo a perna no tampo da mesa. — Sente-se. — Indicou o lugar com a mão.

 

Pansy a olhou e riu, Hermione sentiu as bochechas arderem e quis bater a testa na mesa quando tornou a se sentar. Em seu peito, seu coração batia acelerado, retumbando em seus ouvidos. Ela tinha que se acalmar, não era nada demais. Apenas duas mulheres adultas aproveitando a companhia uma da outra, utilizando a ocasião como uma oportunidade de se conhecer após tantos anos. Apenas duas mulheres claramente interessadas uma na outra. Nada demais.

 

— Então, como está, Parkinson? — perguntou soando mais formal do que gostaria.

 

— Bom, Granger — frisou o sobrenome em um tom zombeteiro —, estou muito bem, obrigada. Afinal, não é todo dia que uma mulher bonita me convida para sair. — Piscou com um dos olhos.

 

— Ótimo — respondeu, pigarreando pegou o cardápio que apareceu em sua mesa, aproveitando o momento para clarear a mente.

 

— E como está a vida? — A mulher a sua frente perguntou sem tirar os olhos do menu. 

 

— Bem, hoje ficarei com Rose e como terei folga na segunda, poderei aproveitar com ela — disse animadamente. Era mais forte que ela, sempre que pensava em sua filha era como se seu coração transbordasse com amor. Hermione era uma mulher orgulhosa com a maternidade e Rose sempre seria seu assunto favorito.

 

— Parece bem divertido, tenho certeza que terão dias esplêndidos e ela amará passar esse tempo com você. — Pansy sorriu, talvez sendo o sorriso mais genuíno que Hermione havia visto no rosto da mulher. — Mas minha opinião pode estar um pouco… Contaminada.

 

Hermione abriu a boca para questionar o motivo, porém Parkinson levantou uma das mãos para indicar ao garçom que gostaria de fazer o pedido. Um homem de cabelos longos e presos em um coque se aproximou, com uma pena de repetição ao seu lado. Pansy pediu um prato simples de salmão e vinho branco para acompanhar, e por ter apenas fingido ler o cardápio, Hermione pediu o mesmo para si. Apenas quando o rapaz se afastou, ela retomou o assunto.

 

— Por que sua opinião estaria contaminada e com o que? — questionou, sob a mesa seus dedos se enrolavam na barra de sua camisa.

 

— Te direi, se responder algumas perguntas também. — Hermione ergueu uma das sobrancelhas, fazendo a morena rir. — Não é nenhum plano maligno, Hermione, eu juro que tenho sido uma boa garota.

— Não, não é isso — gaguejou corando. — Imagino que tenha mudado para melhor, não estaria aqui se não acreditasse nisso — confessou —, apenas fiquei imaginando o que gostaria de me perguntar.

 

— Tantas coisas, algumas até deixarei para outra ocasião. — Pansy cortou a própria fala quando os pedidos chegaram e antes de retornar, tomou um gole do vinho. — Mas por enquanto me contento com as mais apropriadas.

 

— Bem, então as faça, podemos revezar as perguntas — sugeriu pegando os talheres.

 

— Eu começo. — A mulher disse de prontidão, Hermione riu, porém não discutiu. —  O que pensou, ao me ver na loja?

 

— Na primeira vez? — Pansy assentiu, Hermione tomou sua bebida usando o tempo de silêncio para pensar. — Não pensei em nada específico, quero dizer, certamente fiquei surpresa, mas se quer saber se senti algum tipo de repulsa ou qualquer sentimento ruim… Bem, não senti.

 

— Justo.

 

— Minha vez — avisou, recebendo outro balançar de cabeça como resposta. — O que quis dizer com ter uma opinião contaminada? — questionou novamente, fazendo a outra mulher sorrir.

 

— Particularmente, posso dizer que sua companhia têm sido extremamente agradável, Granger, e também posso dizer com certeza que… — parou como se pensasse cuidadosamente em suas próximas palavras. — Posso dizer com certeza não é mais a Irritante Sabe-Tudo de Hogwarts.

 

— Obrigada, tenho me esforçado para melhor a parte irritante — comentou rindo.

 

Após isso, o almoço seguiu tranquilo, com ambas fazendo perguntas mais triviais sobre a vida pessoal e profissional. Pansy terminou os estudos em casa e se mudou para França logo em seguida, para cuidar da avó que estava doente e começou a trabalhar em uma boutique que ficava próximo; por sempre ter sido apaixonada por moda, logo descobriu que era a profissão que gostaria de seguir. Sua chefe, uma espanhola fria, relutou em aceitá-la como aprendiz, mas após alguma insistência Pansy conseguiu o que queria. Em troca, Hermione contou como foi cursar o sétimo ano em uma Hogwarts pós-guerra.

 

Riram ao falar sobre seus respectivos amigos e desabafaram sobre serem as únicas mulheres em seus grupos. Pansy contou sobre o aniversário de vinte e dois anos de Blaise, que resolveu comemorar em uma ilha no Caribe, e como ela e Draco passaram horas procurando pelo amigo, que desapareceu após uma bebedeira; estavam quase acionando os aurores de lá quando se lembraram que haviam enterrado ele na praia, até o pescoço, e o cobriram com um chapéu, pois estava dormindo e não queriam que a luz do dia o acordassem. Já Hermione comentou sobre uma das vezes em que foram em um bar trouxa e Ronald, sem querer, desligou a TV onde passava um jogo de futebol; Pansy pareceu meio confusa com alguns termos, mas achou graça na história mesmo assim.

 

— Claro, nem chegou perto de Setembro de 2006, mas esse dia foi mais aterrorizante do que engraçado — disse ao finalizar a história.

 

— O que aconteceu em Setembro de 2006?

 

— Ah, um dos dias mais insanos da minha vida, mas fica para a próxima — respondeu olhando para o relógio de pulso. — Preciso ir para casa antes que Harry chegue com Rose.

 

Pansy novamente chamou o garçom, para pedir a conta. Elas dividiram o valor igualmente, após uma breve discussão sobre não permitir que a morena arcasse com o gasto sozinha, e saíram do estabelecimento lado a lado. Em silêncio, Parkinson a acompanhou até a área onde era possível aparatar, dando a ela oportunidade de pensar no que havia acabado de acontecer. A Hermione do passado se sentiria ultrajada caso alguém lhe contasse que teria um dia tão agradável com Pansy Parkinson no futuro e iria preferir receber notas baixas em todas as matérias se soubesse que a Hermione do presente sentia o coração acelerar diante do toque suave do braço da morena contra o seu.

 

— Bom, devo confessar que esse dia foi uma agradável surpresa — comentou quando já estavam próximas da área de aparatação. Pansy concordou sorrindo.

 

— Se em Hogwarts me contassem que isso aconteceria, eu diria para a pessoa se internar em St. Mungus, pois jamais sairia com uma nascida trouxa. — Ela comentou em resposta, um sorriso tímido e arrependido em seus lábios. Hermione sentiu vontade de cobri-los com os dela.

 

— Definitivamente — concordou rindo. — Mas fico feliz que tenha acontecido agora, acredito que em qualquer outro momento da vida esse dia não seria tão… Especial quanto foi — confessou parando de andar e se encostando na parede ao lado do beco onde ficava a área de aparatação.

 

— Preciso te fazer mais uma pergunta antes de darmos o dia por encerrado — franziu a sobrancelhas —, duas na verdade.

 

— A vontade.

 

— Isso foi um encontro? Se sim, poderíamos ter um segundo?

 

— Sim, para os dois — respondeu sorrindo. — Me envie uma coruja, já que escolhi o lugar hoje, pode escolher o próximo.

 

Pansy mordeu os lábios e concordou com a cabeça, Hermione desencostou da parede e foi até o beco. Estava preparada para sentir a familiar fisgada na barriga, quando seus olhos encontraram os da outra bruxa, que a olhava fora do beco.

 

— Ah, antes de ir, preciso confessar uma coisa — falou chamando a atenção de Parkinson, que ergueu as sobrancelhas. — Eu menti, sobre não ter pensado em nada quando nos vimos pela primeira vez.

 

— E o que pensou?

 

— Que suas pernas estavam lindas naquele vestido — disse e em seguida aparatou, sem tempo de sequer ver a reação da outra diante de suas palavras.

 

°°°

 

Hermione chegou em casa e se jogou no sofá, rindo e ouvindo apenas o pulsar de seu coração. Nunca foi uma mulher de dizer coisas tão constrangedoras em lugares públicos; até mesmo na intimidade dos poucos relacionamentos que teve, raramente fez declarações impudicas, assim como seus parceiros. No entanto, Pansy era uma provocadora, falava ambiguidades e seus olhares era transparentes; ela nem ao menos se tentava disfarçar, muito pelo contrário, parecia querer que tudo ficasse bem claro. Talvez fosse parte da sedução das cobras, tão claras em seus sinais de ataque.

 

Hermione sentia que deveria responder a altura. Queria responder a altura. Gostaria de saber se tinha o mesmo efeito em Pansy, talvez devesse ter esperado um pouco mais ante de aparatar, assim poderia ter alguma confirmação. Pensou no que acabara de dizer e, consequentemente, lembrou-se do vestido que a morena usou quando se encontraram. Vinho e justo. Curto, mas com tecido suficiente para deixá-la curiosa. A pele pálida parecia ser suave, talvez um dia pudesse tocá-la e então descobriria. Talvez um dia pudesse passar os dedos pelas longas pernas, desde os tornozelos até...

 

Batidas na porta a transportaram de volta para a realidade. Olhou o relógio que ficava sobre a lareira e foi abrir a porta, encontrando o amigo e Rose, que pulou em seu colo no instante em que a viu.

 

— Oi, filha, como foi a festa? — perguntou a abraçando e beijando na testa. Rose a olhou e sorriu.

 

— Foi muito divertido, a parte mais legal foi quando Duncan fez um dos convidados ficar com cara de coelho. — A menina comentou animadamente, Hermione abriu a boca e olhou para Harry.

 

— Rose, porque não vai trocar de roupa e lavar as mãos? Depois você pode me ajudar a preparar o jantar. — Sorriu colocando uma das mechas alaranjadas atrás da orelha da menina.

 

Rose concordou com alegria, saindo do colo da mãe para correr até o quarto. Assim que a porta se fechou, Hermione tornou a olhar para o amigo, perguntando com os olhos o que diabos havia acontecido na festa.

 

— Havia um menino na festa, mais velho, que começou a implicar com Albus o chamando de Cara de Coelho. — Ele começou a explicar. — Duncan gosta muito do primo Albus, então ele ficou muito bravo com esse menino e… Bem, foi como a Rose disse, o deixou com cara de coelho. Literalmente.

 

— Meu Deus, Harry, que escândalo. Algum trouxa viu? — Harry balançou a cabeça negativamente.

 

— Estavam apenas os quatro em um daqueles brinquedos infláveis, eu prontamente cuidei do menino.

 

— E seu primo, ele sabe?

 

— Eu fiquei de passar na casa dele depois de trazer Rose, aparentemente essa foi a primeira manifestação de magia. — O amigo respondeu suspirando, em seguida fez uma careta.

 

— Imagino que não será uma conversa fácil, Harry. Um Dursley bruxo, isso será um choque para seus tios, mas dará tudo certo — disse tocando-o no ombro e oferecendo um sorriso.

 

— Eu não sei, Mione, um Dursley bruxo não é algo que imaginava que aconteceria. — Outro suspiro. — Bom, eu preciso ir agora, deixei Ginny com as crianças lá e ela vai me matar se eu não voltar logo.

 

— Tudo bem, podemos conversar sobre isso mais tarde — sugeriu. — E então posso falar como foi meu encontro com Pansy Parkinson.

 

— O quê?!

 

Hermione fechou a porta, rindo. Ignorou as batidas de Harry e seus chamados, não podia negar que era divertido jogar informações sobre as pessoas e deixá-las lidando com isso sozinhas logo em seguida.

 

— Mamãe, não vai abrir para o tio Harry? — Rose perguntou sentada no sofá, já vestida com roupas de ficar em casa. Hermione sorriu e negou com a cabeça.

 

— Então, o que podemos fazer para o jantar de hoje? — perguntou mudando de assunto e indo para a cozinha.

 

— Bolo de chocolate!

 

°°°

Era terça-feira e estava calor, pois o Aquecimento Global era uma verdade irrefutável, mesmo que muitos trouxas e bruxos recusassem em acreditar. Hermione havia tido um final de semana memorável com Rose e estava tão contente, que nem os velhos rabugentos conseguiram quebrar seu bom humor. Estava em seu horário de almoço e se encaminhava para a área de alimentação quando ouviu ser chamada.

 

— Você! — Harry disse apontando para ela, Ronald estava logo atrás, caminhando sem pressa. — Como pode dizer aquilo e não ter falado mais nada durante o final de semana inteiro, e ainda por cima faltou ontem!

 

— Eu estava de folga ontem — corrigiu se dirigindo a uma das mesas vagas. — Olá, Rony, como está?

 

— Bem, acabei de deixar Rose com a minha mãe e resolvi passar aqui pra gente poder conversar sobre a festa de aniversário dela, eu tava pensando da gente fazer em um desses lugares trouxas onde tem vários brinquedos, o que acha? — Ele disse sentando-se ao lado dela.

 

— Não sei se seria bom, todos os convidados são bruxos e as crianças poderiam ter algum rompante de magia. Além disso, esses lugares são caros — comentou receosa enquanto começava a comer seu almoço, começando pelo lanche leve e fresco que fez na noite anterior. Rose faria quatro anos, ambos queriam que tudo fosse perfeito.

 

— E se fizéssemos n’A Toca, com vários daqueles brinquedos que teve na festa do filho do primo do Harry. Ela não para de falar dessa festa desde ontem. — Rony sugeriu enquanto observava os amigos almoçarem, já havia comido na casa da mãe então se encontrava plenamente satisfeito. Mas talvez roubasse um dos doces que Harry colocou sobre a mesa.

 

— Acho que seria perfeito, o que acha Harry? — perguntou finalmente se virando para o amigo, que olhava para ambos sem expressão e com a boca cheia.

 

— Sério? Vai fingir que nada aconteceu? — Ele questionou após engolir a comida.

 

— Harry, eu tentei falar com você, mas Lily me disse que você estava na casa do seu primo resolvendo toda a situação do Duncan — explicou rindo. — Eu não estou fingindo que nada aconteceu, só não é minha atual prioridade.

 

— Ela saiu com a Pansy Parkinson no sábado, um encontro, e fala como se não fosse nada demais. — Harry disse olhando para Ronald, que colocou a mão rapidamente debaixo da mesa.

 

— Porque não é! — insistiu com menos paciência.

 

— Rony concorda comigo que isso é insano. Certo, amigo? — Ambos olharam para Ron, que suspirou e resmungou algo sobre paz e anos de amizade.

 

— Olha, eu não sei se posso concordar totalmente com você, cara. — O homem respondeu coçando a nuca.

 

— Ha! — Hermione disse olhando para Harry com um sorriso triunfal, após isso deu mais uma mordida em seu lanche.

 

— Mas eu concordo com ele, isso é tudo demais. — Ronald disse com um semblante sério.

 

— Ha! — Harry devolve, sendo sua vez de se sentir vitorioso. Hermione rodou os olhos e terminou de comer.

 

— Você nem me contou quando foi levar a Rose pra casa ontem, eu tive que ficar sabendo por ela. — Hermione olhou para o amigo com pesar, sentindo-se uma idiota. Ela e Ronald tinham uma ótima relação, ele era mais que o pai de sua filha, era seu melhor amigo; sempre compartilhavam tudo entre si, não era justo deixá-lo de fora de algo tão importante. — Que também me contou sobre o filho do seu primo, Harry. — Ele disse em um tom mais indignado virando-se para o auror.

 

— Eu ia te contar, cara, foi mal. — Harry pediu sorrindo constrangido, sentindo-se da mesma forma que Hermione.

 

— Eu também sinto muito, Ron, por não ter dito nada ontem. — Se desculpou segurando a mão do ruivo.

 

— Tá tudo bem, é bom saber que eu tenho alguém pra me manter informado de tudo em primeira mão. — Ele disse brincando, fazendo os outros dois rirem menos culpados.

 

— Podemos falar sobre o ato profano de Hermione Jean Granger, que saiu com a Pansy Cara de Buldogue Parkinson em um encontro? — Harry retomou o assunto, fazendo a mulher revirar os olhos.

 

— Sério, Harry, você sempre foi tão fofoqueiro?

 

— Não é fofoca, eu só quero saber onde você bateu a cabeça e com quanta força. É preocupação, você estaria da mesma forma se do nada eu começasse a sair com, sei lá… Malfoy. — Ele argumentou olhando para o outro lado do salão, onde o mencionado estava sentado com alguns colegas de departamento.

 

— Eu não sei, Harry, até que você formariam um casal bonito — zombou após olhar para os dois, Malfoy e Harry.

 

— É cara, eu não teria ficado surpreso se depois de toda aquela obsessão do sexto ano, você confessasse que no fundo era loucamente apaixonado por ele. — Hermione tentou segurar o riso, mas não aguentou quando o moreno os olhou incrédulo e ofendido. — Além disso, eu não acho que a Parkinson fuja muito do tipo da Hermione.

 

— Desculpe, tipo? — indagou curiosa.

 

— É, você sabe. Pessoas altas, meio estranhas da cara e desengonçados. — Ronald explicou como se não fosse novidade, finalmente expondo o chocolate que surrupiou do amigo.

 

— Eu não sabia que eu tinha um tipo. — Dessa vez foi o turno dos dois homens rirem.

 

— Krum, eu, aquele cara que você saiu uns dois anos atrás. Todos muito altos e estranhos. Admita, Hermione, você tem um tipo. — O homem disse, concentrado na embalagem do chocolate.

 

— Isso é irrelevante. Além do mais, Pansy não é estranha — pontuou veemente enquanto cruzava os braços.

 

— Enquanto ela tiver dois metros de perna, você nunca vai se importar com o rosto dela. — Harry zombou. — Hermione tem atração por pernas longas, independente do que tenha acima delas.

 

Sentindo-se quente com a afirmação, por ser igualmente verdade e constrangedor, Hermione se levantou esbaforida. Não ficaria ali para ouvir os amigos zombarem e comentarem sobre coisas que não tinham a ver com eles, entendia que algumas vezes, quando estavam apenas os três, o homens retornavam a um estado de estupidez pueril, mas isso não os dava direito de falarem qualquer coisa. 

 

— Isso é extremamente ultrajante, Harry James Potter. Comentar esse tipo de coisa sobre as pessoas, em um ambiente público, é desrespeitoso. E certamente não deveriam continuar chamando Pansy dessa maneira, debochar de alguém por sua aparência e sendo ela uma mulher, só contribui para a perpetuação da estupidez e do machismo da nossa sociedade — discursou e, sem oportunidade de desculpas, saiu sem olhar para trás.

 

°°°

Na mesma noite, Hermione recebeu duas chamadas assim que chegou do trabalho. Primeiro de Harry, que se desculpou pelo comentários que fez, entendia os motivos dela ter se sentido constrangida e reconhecia que ultrapassou barreiras que até a amizade deles possuía; prometeu que tomaria mais cuidado com as palavras e, curiosamente, comentou que não estava chateado com ela ter saído com Parkinson e que um dia, caso ambas concordassem, poderiam sair em um encontro de casais. Hermione engasgou com a própria saliva, mas agradeceu o convite e aceitou o pedido de desculpas.

 

Já a segunda chamada, como já era esperada, foi de Ronald. Os dois ficaram muito tempo curvados sobre a lareira, fazendo com que Hermione sentisse dores na lombar pelos próximos três dias. Conversaram sobre os planos do aniversário de Rose, em códigos na esperança que a menina não entendesse, que sempre metia a cabeça na conversa para comentar algo com a mãe. Ronald falou sobre seu dia após sair do ministério e sobre a próxima criação de George. Comentou brevemente sobre um apartamento que estava para alugar próximo do dele, mas não sabia nada sobre o tamanho ou valor, mas prometeu que veria e passaria todas as informações para ela, o que a deixou extremamente feliz. Antes de se despedirem, porém, Ronald disse algo intrigante.

 

— Hermione — começou receoso, chamando sua atenção —, eu te conheço e sei o quanto você está receosa de dar chance para um novo relacionamento. Você é uma mulher de planos e assim que nos separamos há alguns anos, focou todos eles em Rose e em sua carreira, mas, por favor, acredite em mim quando digo que você é forte e capaz de ter tudo isso em sua vida. Não precisa abrir mão de um deles para conseguir ser feliz nos outros dois.

 

— Ronald, eu ter saído com Pansy Parkinson não é nada demais — garantiu, a imagem do amigo nas chamas suspirou.

 

— E por que não pode ser algo a mais? Talvez ela seja justamente o que você precisa agora.

 

— Eu não preciso de um relacionamento amoroso para me sentir plena, Ronald — argumentou defensiva.

 

— Sei que não, e eu posso ter escolhido as palavras erradas, mas você entendeu o que eu quis dizer.

 

E ela entendeu, de fato, e agradeceu. Agradeceu mudamente o apoio dos amigos, ficando feliz por saber que eles estavam com ela independente de qualquer coisa. Ronald estava certo em dizer que ela estava se privando de algo sem necessidade. No âmbito familiar e profissional estava bem, tinha alguns estressores e planos a pôr em prática, porém no geral sentia-se satisfeita e nenhuma dessas coisas era um impeditivo para um relacionamento amoroso.

 

Sim, não precisava de um para se sentir plena, mas a questão era que Hermione gostava de estar em um relacionamento. Gostou de ter namorado Ronald e gostou mais ainda de seu casamento. Se divertia tendo encontros e vendo como o sentimento de excitação inicial se transformava em um amor sólido. E mesmo que com Pansy não chegasse a esse ponto, não precisava se relacionar já esperando o ponto final, como se não fosse nada demais. Seus amigos estavam certos, era algo demais.

 

Pansy era demais. Bonita demais, charmosa demais. Seduzia com palavras e olhares, demais. Era inteligente demais, sagaz demais. Segura, obstinada, orgulhosa. Interessante. Demais.

 

Por conta dessa conclusão, na tarde seguinte, a bruxa entrou no Pensée Mode carregando uma garrafa de vinho e uma torta de abóbora dentro de uma bolsa com feitiço indetectável de extensão. Cumprimentou a funcionária do balcão e se dirigiu até a sala de Pansy, a encontrado debruçada sobre amostra de tecidos e projetos de roupas. Bateu na parede de madeira e sorriu quando a morena levantou os olhos surpresa.

 

— Granger, eu perdi alguma coruja? — Pansy perguntou se endireitando. — Pensei que iriamos no ver no sábado.

 

— Sim, mas eu consegui adiantar meu trabalho, então posso voltar um pouco mais tarde do almoço e resolvi dar uma passada — explicou dando de ombros. — Trouxe vinho e torta de abóbora. — Ergue a bolsa com cuidado.

 

— Isso não parece algo impulsivo. — A mulher disse com um meio sorriso discreto, se aproximando de Hermione com suas pernas esguias, lindas e cobertas por uma calça justa.

 

— Talvez eu tenha planejado de última hora — respondeu sorrindo, dando um passo para frente as deixando ainda mais próximas.

 

— Granger, você sabe onde está se metendo? — Pansy questionou com a voz sussurrada, a cabeça um pouco baixa para olhar a mulher negra nos olhos.

 

— Não, mas eu sempre fui curiosa.

 

°°°

 

Hermione não beijou Pansy no final daquele almoço improvisado e também não foi beijada. Mas suas mão se tocaram receosas e os dedos entrelaçaram enquanto Parkinson dava mais detalhes sobre as roupas que produzia para o casamento de Luna, mesmo que nenhuma delas estivesse realmente ciente que faziam isso.

 

No primeiro sábado de Junho elas se encontraram novamente, como foi o combinado. Pansy escolheu um restaurante que Hermione não conhecia e tinha nome italiano, o que a deixou com a impressão que seria um lugar chique e extravagante, digna do dinheiro da, não mais tão, nobre família Parkinson. Por isso vestiu seu melhor vestido e arrumou Rose como se fosse uma princesa, talvez não tivesse o dinheiro para estar no ambiente, mas teriam a elegância.

 

Ao chegar, no entanto, surpreendeu-se com que viu. Um restaurante pequeno e familiar, com cheiro de massa e molho de tomate e toalha de mesas quadriculadas. Era acolhedor e subitamente Hermione se sentiu elegante demais. Caminhou com as bochechas quentes até a mesa que Pansy estava sentada, esperando, e apertou de leve a mão de Rose, que estava ao seu lado.

 

— Hermione — Pansy se levantou e puxou uma cadeira para ela, um movimento fluido e natural. Tão diferente do que ela fez no primeiro encontro. — Você deve ser a Rose. — Ela disse fazendo o mesmo para a menina, que sorriu e usou o joelho como apoio para subir e sentar na cadeira. — Sua mãe fala muito de você.

 

— De você também. — Rose respondeu sorrindo, enquanto Pansy voltava para o lugar dela.

 

— E o que ela falou? — Parkinson pergunta apoiando os cotovelos na mesa e o queixo sobre as mãos, os olhos claros fixos na pequena menina ruiva.

 

— Não sei — Pansy riu —, mas já sou bem grande, vou fazer tudo isso — mostrou quatro dedos —, e sei que a mamãe e o papai estão fazendo minha festa e quero que seja de flores. — A menina disparou, deixando Hermione constrangida e arrancando mais risos de Pansy.

 

— Você é muito inteligênte, Rose, assim como a sua mãe. E eu tenho um vestido de flores que você pode usar no seu aniversário. — Ela em um tom baixo, como se a informação fosse um segredo entre elas. Os olhos de Rose brilharam tanto quanto o grande sorriso em sua face.

 

— É muito bonito esse lugar — comentou antes que as duas continuassem.

 

— Sim, como eu sabia que você estaria com Rose, imaginei que um lugar assim seria mais apropriado. — Pansy respondeu e então virou-se para a menina, piscando com um dos olhos. — E eles têm pizza aqui.

 

— Pizza! — Rose gritou animada.

 

Hermione não se conteve e riu, contagiada pela alegria da filha. Era sempre bom estar com ela, seu amor eterno, e ver que a morena não havia a excluído dos planos foi o maior gesto de todos. Seria incapaz de sair com alguém, independente do rumo, se a pessoa excluísse sua pequena. Em seguida, Pansy chamou um garçom e fez o pedido para as três, e enquanto a observava falar e ajudar Rose colocando um feitiço impermeabilizante em seu vestido, ela pensou que naquela noite queria muito ser beijada.

 

°°°

O jantar foi, em poucas palavras, fabuloso. A comida estava incrível e Pansy se mostrou uma pessoa muito atenciosa ao ter longas conversas com Rose, sobre qualquer assunto que a garota quisesse falar, a tratando como uma pessoa com interesses e que merecia fazer parte das conversas. A maioria dos adultos a tratavam como alguém que não deveria se posicionar e Hermione jamais criaria sua filha para ser esse tipo de pessoa, muito menos apreciava quando tentavam colocá-la nesta posição.

 

Ao final da noite, outra agradável surpresa foi o interesse da Parkinson em acompanhá-las em casa. Era como se ela quisesse que o encontro não acabasse, ou talvez esse fosse apenas o desejo de Hermione sendo projetado nas ações da estilista. Rose dormiu em seu colo assim que saíram do restaurante e ao aparatarem em seu apartamento, caminhou direto para o quarto, colocando-a na cama. De volta para a sala, onde os brinquedos já estavam espalhados, encontrou Pansy olhando as fotografias sobre a lareira.

 

— Aceita alguma coisa para beber? —  ofereceu apoiando as mãos no encosto do sofá, erguendo os ombros e se curvando para frente.

 

— Apenas um copo d’água, por favor, não quero acabar estruchando. —  Pansy disse se virando e a acompanhou até a cozinha, sentando-se em um dos bancos altos que ficavam sob o balcão.

Hermione pegou dois copos no armário e os encheu com água gelada. Entregou um para Pansy e se sentou de frente para ela. O silêncio se estendeu sobre as duas enquanto bebiam a água e continuou até terminarem, Pansy passou a ponta de um dos dedos longos no vidro nublado pela temperatura baixa e umedeceu os lábios com a ponta da língua.

 

— Eu sei que não é da minha conta e que provavelmente seja falta de educação o que vou perguntar, mas eu estaria mentindo se eu dissesse que me importo mais em ser educada do que em sanar minhas dúvidas. — Ela disse olhando diretamente para Hermione, um olhar que a fez lembrar da criança arrogante e irritante com quem estudou.

 

— E eu estaria mentindo se dissesse que pode ficar a vontade para perguntar, mas já que irá fazer de qualquer forma, me reservo o direito de não responder — rebatou fechando ambas as mãos sobre o copo ainda gelado.

 

— Por que é ele quem fica com ela? Por que você mora em um lugar tão pequeno que mal cabem as duas? Eu não entendo, Granger, como é que isso acabou desse jeito. — Pansy disparou contorcendo o rosto em confusão e, se não estivesse lendo errado, uma pontada de desprezo.

 

— Realmente, não é da sua conta, Parkinson — respondeu e a outra bruxa bufou. — Mas eu entendo a curiosidade, não é comum ver o pai com a guarda dos filhos e ninguém entendeu que isso foi uma escolha minha.

 

— Eu vejo que você morre por dentro, por não poder ficar com ela todos os dias, Granger, não é justo que o Weasel tenha esse privilégio. —  A estilista tornou a dizer, o tom irritadiço deixando sua voz mais esganiçada.

 

— Antes de mais nada, se você tem algum interesse em fazer o que está acontecendo entre a gente dar certo, preciso que você não destrate dos meus amigos. Muito menos do pai da minha filha — exigiu franzindo o cenho. — E segundo, se eu tivesse ficado com a guarda, Ronald morreria tanto quanto eu, por não estar com ela todos os dias.

 

— Então por que se separam, por que abriu mão da sua filha? — Hermione balançou a cabeça negativamente diante dos questionamentos, pois as coisas não eram da forma que Pansy colocava.

 

— Ronald e eu percebemos que nosso relacionamento não era mais o mesmo, ainda era ótimo e agradável, mas não havia mais uma relação de marido e mulher — explicou. — Dormir ao lado dele era confortável e me fazia sentir segura, porém, era como dormir com um amigo. E era o mesmo para ele, então decidimos nos separar.

 

— Não era um relacionamento ruim, por que terminar?

 

— Por que nós nunca nos contentamos apenas com o que era fácil, essa jamais foi a maneira correta de fazer as coisas. E continuamos bem, estamos muito melhor agora como amigo do que estávamos quando éramos um casal. — Sorriu, era sempre bom dizer essas coisas, pois a fazia lembrar de todas as coisas boas que viveram juntos e separados. — Eu amo Ronald e sempre irei amar, o formato é que mudou.

 

— E por que deixar Rose com ele? — Pansy a olhou dessa vez com as sobrancelhas erguidas, genuinamente confusa. Essa sempre era a parte que as pessoas tinham mais dificuldade de entender. E também a mais difícil.

 

— Por que era o melhor para ela — respondeu abaixando o olhar para o balcão. — Ronald tem um horário mais flexível, o trabalho dele não exige tanto de seu tempo quanto o meu. Eu estava em mudança de posição dentro do Ministério, ficava horas após os expediente e quando chegava em casa, precisava ler livros enormes e revisar relatórios. — Sua voz estremeceu e os olhos se encheram de lágrimas quando pensou em suas próximas palavras. — Foi muito difícil, como mãe, entender que se minha filha tivesse que morar comigo, ela seria infeliz, pois eu seria incapaz de dar a ela o tempo que ela necessitava.

— Mas as coisas estão melhores no trabalho agora, não?

 

— Mais estáveis, sim — respondeu secando os olhos das lágrimas que não escorreram. —  Por isso quero encontrar um local mais perto do nosso antigo apartamento, quando nos separamos decidimos que seria melhor que Ronald ficasse com ele, pois precisaria mais do espaço. Eu vim para cá, pois foi o que encontrei na época. Agora posso alugar um novo lugar, mais perto, e assim podemos revezar melhor os dias.

 

— Isso tudo é tão… Foda.

 

— Complicado — completou ao mesmo tempo em que Pansy dizia a última palavra, fazendo ambas rirem. — De fato, mas faz parte da vida.

 

— A vida é uma grande vadia sem piedade. —  Hermione riu e concordou novamente. — Bem, a noite foi ótima, mas preciso voltar para casa.

 

As duas então se levantaram e Hermione a acompanhou até a porta, mesmo que Pansy fosse aparatar. Era um gesto automático e talvez tivesse feito toda essa cerimônia porque no fundo não queria se despedir.

 

— Até depois — disse se escorando contra a lateral da porta.

 

Pansy balançou a cabeça, porém não sumiu de imediato. Antes de se despedir de verdade, Hermione a viu se curvar em sua direção e, lembrando o que havia desejado no começo da noite, sentiu os lábios pintados de Pansy sobre os seus. Breves, macios e quentes.

 

— Boa noite, Hermione. — E bastou o piscar dos olhos para ela não estar mais lá.

 

°°°

Um dos maiores problemas do mundo bruxo, na opinião de Hermione, era a limitada quantidade de jornais que existiam. O monopólio jornalístico d’O Profeta era repugnante, porém nada podia fazer, pois precisava se manter informada das relações políticas, econômicas e sociais do mundo e, que Luna não a ouvisse, não poderia confiar nas fontes d’O Pasquim. Com o tempo ela aprendeu a tolerar o jornal e mantinha sua assinatura, no entanto, havia momentos que a faziam querer queimar todas as impressões disponíveis.

 

A última vez ocorreu três anos atrás, quando os editores acreditaram que o fim de seu casamento era assunto de primeira página. Hermione ignorou a existência do jornal durante semanas, até Harry garantir que não estavam mais comentando sobre o acontecido.

 

Agora, lá estava ela, novamente na primeira página em um foto que a mostrava saindo da Pensée Mode, mãos dadas com Pansy e um breve beijo sendo compartilhado entre elas, sob a manchete em letras garrafais.

 

ORGULHO E PRECONCEITO: HEROINA DE GUERRA É VISTA AOS BEIJOS COM PÁRIA SANGUE-PURO!

 

Hermione não entendia como Harry lidava com o assédio que ainda ocorria quase que diariamente, mas ela se sentia horrorizada com a capacidade alheia de se meter na vida particular de outras pessoas, por simples prazer e entretenimento. Só porque ela ajudou a acabar com uma guerra, isso não dava direito a ninguém de mostrar momentos tão íntimos para todos.

 

Mas o pior de tudo, o que mais a deixou irada ao se atrever a olhar a página 16, como foi instruído na primeira página para quem quisesse mais informações, foi a capacidade deles de conseguirem misturar seu trabalho com sua relação pessoal. Destinaram metade do artigo, que tornou a relembrar sobre a guerra e o status sanguíneo de ambas, para falar sobre a reforma nas leis que favoreciam sangues-puros que Hermione estava trabalhando há meses. Insinuaram que Pansy poderia fazê-la mudar de ideia em relação a isso, colocando sua integridade em jogo. Questionaram se o relacionamento delas tinha aprovação de amigos e familiares, ou se duraria diante de princípios tão distintos. Era pura fofoca e Hermione odiava fofoca.

 

Ela e Pansy estavam juntas há quase dois meses, mas há apenas três semanas de maneira mais oficial. Não sentiram necessidade de fazer anúncios, pedir permissão ou qualquer coisa do tipo, apenas deixaram as coisas seguirem seu rumo natural. Como sair de mãos dadas na rua e demonstrarem um pouco de afeto publicamente, tal qual qualquer casal faria.

 

— Eles nem citaram a Pensée Mode e meu trabalho. — Pansy reclamou folheando o jornal enquanto tomavam café.

 

Hermione andava de um lado para o outro na sala, tropeçando em brinquedos e mordendo o canto das unhas. Pansy havia passado a noite em seu apartamento, abençoando o espaço com prazeres e elevando seu espírito com as pernas maravilhosas que possuía. Quando levantou pela manhã seu humor estava incrível, até receber a coruja com a edição do dia.

 

— Esses imbecis inescrupulosos, quando vão nos deixar em paz? — perguntou irritada, o rosto enrubescendo  de ódio.

 

— Não sei, Lionne, é bom estar de volta aos holofotes. — Hermione parou de andar e a encarou incrédula.

 

— Você está me dizendo que está tudo bem dizerem isso sobre nós duas, que está tudo bem invadirem nossa intimidade quando bem entenderem e nos usar como forma de entretenimento? 

 

— Até certo ponto, sim. — Aquela não era a resposta que Hermione queria ouvir, mas Pansy jamais foi boa nisso. — Tudo o que eles falaram sobre mim não é nenhuma novidade, até alguns anos atrás eu tinha uma e outra palavra que eles usaram pichada na porta de casa. Por isso fui para a França.

 

— Exatamente, eles disseram coisas horríveis, Pansy! — argumentou erguendo a voz, aproximando-se da mulher que estava sentada no balcão.

 

— E todas muito verdadeiras. Eu fui uma parea, filha de Comensal e te chamei de sangue-ruim durante anos, eu odiava trouxas e, novidade, eu ainda não sou a maior fã deles. — Pansy confessou igualando o tom, o jornal deixado de lado.

 

— Não posso acreditar que ache que o que eles fizeram seja correto! — praticamente gritou colocando as mãos sobre a cabeça. — E os meus pais são trouxas, Pansy!

 

— Ei, eu não disse que odeio eles ou quero que todos os trouxas morram, só que a forma como eles agem, vivem e pensam são muito estranhas, e eu não sou obrigada a morrer de amores por todos eles só porque você é uma nascida trouxa, Hermione! — A morena argumentou se levantando.

 

— Agora só falta você dizer que a reforma é desnecessária — disse em tom de deboche, abrindo a boca surpresa ao se deparar com as sobrancelhas erguidas e os braços cruzado da outra bruxa. — Não é possível.

 

— Bem, eu não sei porque mudar algo que nos protege dos trouxas. — Pansy disse em tom de explicação, Hermione cobriu o rosto com as mãos e grunhiu.

 

— Proteção contra o quê? Essas leis ferem os direitos humanos e favorecem os bruxos sangue-puro, Pansy. São leis baseada em preconceito.

 

— Olha, eu não tô dizendo que quero manter a pureza do sangue no mundo bruxo, mas com a crescente quantidade de mestiços e nascidos trouxas, as tradições bruxas estão se perdendo. As verdadeiras tradições.

 

— Você sabia que no mundo trouxa, pessoas que usam esse tipo de discurso conservador e tradicionalista, acreditam que o relacionamento entre pessoas do mesmo gênero, o nosso relacionamento, é abominável? — informou em um tom mais contido, após um longo suspiro.

 

— Isso foi um argumento para me fazer mudar de ideias? Porque só reforçou o meu ponto de vista. — Pansy cruzou os braços e ergueu o queixo. — Se os trouxas acham que nós duas não podemos ficar juntas porque somos mulheres, por que eu iria querer me misturar com eles?

 

— Quer saber, eu estou atrasada — mentiu se dirigindo até o banheiro. — E você também. — Fechou a porta com força e foi se banhar.

 

Ao sair, Pansy não estava mais lá e Hermione não tinha certeza se gostaria de vê-la tão cedo.

 

°°°

— E de todas as coisas que ela poderia dizer, é isso que ela diz?! — Hermione bufou irritada, andando de um lado para o outro na cozinha de Ron, que estava preparando o café da manhã da filha.

 

Havia aproveitado a desculpa esfarrapada para sair mais cedo e passou na casa da única pessoa que suportaria ver naquela manhã, precisava de sua filha e seu melhor amigo. Necessitava gritar para alguém, desabafar.

 

— Olha, Hermione, você realmente está surpresa com isso? — O homem perguntou enquanto franzia as sobrancelhas para a leiteira no fogo, olhando-a como se sua vida dependesse dela. — Não acredito que tenha esperado que alguém como Pansy Parkinson, tivesse se tornado uma amante de trouxas de uma hora para outra.

 

— Foram anos, Ronald! Isso não é de uma hora para outra, ela teve tempo para entender e aprender que essa forma de pensar é errada! — disse gesticulando indignada.

 

— E com quem ela aprenderia? — Ele questionou ainda concentrado no líquido branco. — Você mesma disse que Parkinson se isolou durante anos na casa da família dela e depois foi para a França, em que momento e com quem ela aprenderia que trouxas são amigos, não comida? Ainda acho incrível que ela não seja exatamente a mesma garota chata de Hogwarts.

 

Hermione suspirou e olhou para a nuca ruiva. Ronald estava certo, por mais que doesse admitir. Ela não precisou que ninguém a ensinasse o valor da vida trouxa, nem Harry, pois ambos cresceram como tal; Ron dera a sorte de viver em um lar onde os bruxos não acreditavam nessa baboseira de sangue. Mas pessoas como Pansy nunca tiveram a oportunidade de aprender uma forma diferente de ver o mundo, até ser tarde demais. Isso jamais justificaria os preconceitos, mas ela seria capaz de esperar outra coisa vindo de uma pessoa que viveu metade da sua vida acreditando que trouxas eram inimigos? Era como esperar por maçãs em uma laranjeira.

 

— Está defendendo ela, Ronald? — questionou mais tranquila.

 

— Aha, jamais! — Ele se virou, olhando para ela de maneira incrédula. — Eu seria incapaz de defender a Cara de Buldogue, mas ela é sua namorada e eu sei bem como é estar nesse lugar. — Hermione ergueu uma das sobrancelhas. —  Você é maravilhosa, Hermione, mas Merlin sabe que também é um monstro quando irritada e ninguém é merecedor dessa fúria.

 

— Isso é ultrajante — falou, porém não estava realmente ofendida. — Irei acordar Rose, seu leite está queimando. — Hermione deu as costas ao amigo, o ouvindo praguejar e desligar o fogo, antes de entrar no quarto da filha o escutou gritar:

 

— Deveria falar com o Harry, ele saberia de ajudar melhor!

 

°°°

E foi exatamente o que ela fez, o encontrando no horário do almoço como parte da rotina. Deveria ter pensado nisso sozinha, afinal havia acompanhado de perto a saga de Harry com Draco, quando Malfoy foi obrigado a trabalhar com ele para resolver um caso que envolvia uma poção misteriosa e coisas as quais ela não tinha acesso. Os dois homens discutiam diariamente, provocando-se mutuamente até chegarem ao ponto de contracenarem em um espetáculo de socos e pontapés em pleno Beco Diagonal, algo que O Profeta gostava de relembrar sempre que possível. Após esse dia, porém, eles jamais voltaram a brigar; era como se toda a animosidade acumulada em anos tivesse se esvaído durante a agressão.

 

— Harry, como você e Malfoy se resolveram? — perguntou assim que se sentaram, Harry ergueu uma das sobrancelhas.

 

— Bem, nós conversamos. — Ele respondeu após um breve silêncio.

 

— Vocês? Quando é que vocês dois conseguiram trocar mais de cinco palavras sem acabarem se insultando?

— Aconteceu alguma coisa, Mione? — O homem a olhou preocupado, fazendo-a suspirar.

 

—  Pansy e eu brigamos, por conta do artigo d’O Profeta. Ela acredita que nascidos trouxas e mestiços tenham destruído a cultura bruxa, e disse que não gosta de trouxas — respondeu, apesar de estar mais calma com a situação, só de pensar nas palavras da mulher sentia o coração acelerar e as mãos tremiam.

 

— E eu aposto que vocês apenas gritaram uma com a outra, sem sequer tentar entender os lados. — Ele disse, uma expressão serena de quem sabia de coisas além do conhecimento dela. Lembrava Dumbledore.

 

— O que há para entender nesse caso, Harry? Como posso simplesmente ouvir e procurar alguma lógica nesse tipo de pensamento, que ocasionou em uma guerra que eu vivi e lutei? — perguntou com a voz fraca, desesperançada.

 

— Eu não tô dizendo que tem que fazer sentido pra você, mas as coisas ficam muito mais fáceis quando entendemos porque faz sentido para a outra pessoa. — Harry explicou e então continuou: — Quando eu e Malfoy conversamos, realmente conversamos, eu pude entender que existe um sentido quando eles dizem que nós destruímos a cultura bruxa.

 

—  Mas nós não destruímos, Harry.

 

— Nós nunca vivemos o mundo bruxo sangue-puro, Mione, nem somos amigos daqueles que a seguem, como podemos entender isso?

 

—  Isso é loucura — resmungou negando com a cabeça. — Unir as culturas não é errado.

 

— E eu disse que é? É só que toda a realidade deles é completamente diferente da nossa, quando eu descobri que era um bruxo, mal pude esperar para viver uma vida nova. Mas se tentarem me tirar tudo isso? Eu não conseguiria aceitar. — Ele a tocou de leve com a mão. — Não foi fácil para Malfoy, nem para mim, mas conseguimos chegar a um acordo de nos entender e ensinar. Não somos amigos, porém nos toleramos.

 

— E se eu não conseguir ensinar nada a ela, se não conseguir fazê-la entender que a forma como ela pensa é prejudicial? — questionou apertando a mão do amigo.

 

— Você não tem que fazê-la entender que ela está errada, Mione, isso é algo que Pansy têm que concluir sozinha. Você só precisa ouvir o que ela tem a dizer e dar informações que possam levá-la a essa conclusão. — Ele respondeu dando tapinhas de conforto. — Caso contrário, você sempre pode terminar.

 

— … Terminar? — Harry balançou a cabeça e ela mordeu os lábios.

 

— Se chegar a um acordo não é possível, se você não consegue dizer as coisas que ela precisa ouvir da maneira correta, então o melhor seria terminar. Você não é obrigada a ser a professora moral dela, Mione, e nem deve ficar em um relacionamento que te faz mal.

 

Hermione olhou para o amigo, que aproveitou o silêncio para finalmente pegar sua comida. Se perguntou quando seus meninos haviam amadurecido e como era bom não ser sempre a que tinha razão, a que sabia de tudo. Harry tinha razão, então ela precisava resolver.

 

Terminar ou não, com Pansy?

 

°°°

A resposta para esse pergunta dependia apenas de Pansy, Hermione pensava enquanto encarava sua lareira. Já estava em casa há horas, de banho tomado e vinho na cozinha, esperando ser aberto; os brinquedos ainda espalhados e um leve tremor em suas pernas, que se balançavam para cima e para baixo, batendo o pé no chão, eram suas companhias naquela noite. Havia mandado uma carta para a namorada e a resposta dela tiraria suas dúvidas.

 

Se Pansy aparecesse, poderiam ter uma chance. Se a ignorasse, terminariam.

 

— Vamos, vamos… — murmurava para si mesma, as mãos entrelaçadas abaixo de seu queixo, como uma prece inconsciente de seu corpo. — Por favor — rogou mais uma vez.

 

Chamas verdes e altas iluminaram a lareira, e a voz de Pansy a atingiu antes que sua imagem esbelta cruzasse o local. Hermione se levantou com um salto, sorrindo de ponta a ponta.

 

— Você veio — disse surpresa e aliviada.

 

— É claro que eu vim, Granger! — Pansy disse irritada. — Sua carta me custou duas horas de trabalho — reclamou.

 

— E ainda assim você veio — tornou a dizer e sem esperar pelo próximo resmungo, abraçou a mulher a sua frente com força. — Fiquei com tanto receio de que não fosse aparecer, pois assim teria que terminar com você.

 

— Terminar? — Hermione a puxou para baixo, pela nuca, e a beijou com força.

 

— Não importa. — Sorriu.

 

— Vai me explicar porque mandou uma carta de quinze páginas, com citação e referência, sobre a importância da miscigenação bruxa… Mas depois que eu acabar com você. — Pansy falou enquanto subia as mãos sob a camiseta que Hermione usava.

 

Sem dizer mais nada, as duas aparataram para o quarto.

 

°°°

— Então, se eu não aparecesse, você terminaria comigo? — Pansy questionou, suas unhas longas passeando pela lateral de um dos braços da namorada, que balançou a cabeça confirmando.

 

— Eu não conseguiria estar em um relacionamento com alguém que não está disposto a fazer dar certo — respondeu. — E principalmente com alguém que despreze parte de quem eu sou.

 

— Não desprezo trouxas, Lionne. — A mulher disse colocando um dos cachos de Hermione atrás de sua orelha. — Apenas… Não consigo entendê-los a maior parte do tempo. Jamais trataria alguém mal por conta de seu sangue, não da forma como fazia antigamente e não intencionalmente.

 

— Também não consigo entender seu ponto de vista, Pans — falou apoiando a cabeça em uma das mãos, olhando a morena de cima. 

 

— Vou me esforçar para aprender, se você quiser me ensinar.

 

Hermione sorriu e concordou com a cabeça. Curvou-se para beijar a namorada, sentindo o coração leve. As pernas longas que tanto adorava se enrolaram nas dela e entre os lençóis, Pansy a segurou pela nuca e enroscou sua língua na dela. Relacionamentos necessitam de esforço e paciência, Hermione não sabia o quanto teria que trabalhar para fazerem dar certo, mas saber que Pansy estava disposta a fazer o mesmo, era tudo o que precisava pra saber que valeria a pena.

— Sabe, até que seu jeito Sabe-Tudo é excitante. — A morena sussurrou em seu ouvido.

 

Com certeza valeria a pena.



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