Londres, 1805.
Leopold Battenberg, o conde de Mills, entrou como um furacão na sala de visitas.
— Chega desse barulho infernal!
Regina mordeu a parte interna da bochecha assim que escutou a explosão de fúria escapar da boca de seu marido. Há dois meses casada, ela sabia que o melhor a fazer era virar um vaso na presença dele.
— Papai! Regina canta tão bem — resmungou Penélope.
— Mulheres vulgares é que cantam, você já deveria saber disso! E você também — dessa vez olhou para Regina. — A partir de hoje, pode esquecer suas aulas de canto. Já tolerei essa falta de respeito por muito tempo dentro de minha casa.
Com passos hesitantes e medrosos, Regina aproximou-se dele.
— Por favor, não faça isso. Posso continuar minhas aulas de canto em outro lugar. No jardim, se quiser. Lá não vou incomodá-lo.
Leopold inclinou-se para frente e apertou o queixo dela. No outro canto da sala, ela percebeu o vulto da enteada levantar-se do sofá.
— Ouse me questionar mais uma vez, e então também ficará sem o seu maldito piano.
Quando a pressão no queixo dela deixou de existir e ele foi embora, a recém-condessa passou a mão sobre a pele dolorida.
— Você está bem?
A voz preocupada e o toque suave de Penélope no braço dela, afugentou a pequena faísca de fúria que começava a brotar em seu estômago.
— Está tudo bem. Não se preocupe, querida — acariciou com carinho o rosto miúdo da garota e, com pesar, despediu o seu professor de música que saíra pela porta lamentando e lhe afirmando que era uma cantora muito talentosa. Até mais que muitas cantoras profissionais que se apresentavam no Teatro Real. Ela desabou no sofá. — Talvez Leopold esteja certo. Eu sou um fracasso cantando.
Penélope segurou as saias do vestido e sentou-se ao lado de Regina.
— Acaso está louca? Não ouviu nada do que Harry acabou de dizer? — tomou as mãos da madrasta para o colo. — Seu professor acaba de afirmar que é mais talentosa que muitas cantoras profissionais e você ainda duvida disso? Pelo amor de Deus, sua voz é incrível!
— É ex-professor. E Harry só estava tentando me animar.
— Assim como estou tentando fazer agora?
— Assim como está tentando fazer agora.
— Sua tola! — deu um tapinha na mão de Regina. — Obviamente não quero vê-la triste, mas o que estou dizendo é a mais pura verdade. Você é talentosa, não ligue para o que papai diz. Sabe como ele é rabugento. É assim com todo mundo.
Ela suspirou, derrotada.
— De qualquer forma, não posso mais cantar. Do que adianta ter uma bela voz e não poder cantar?
— Vai desistir assim tão fácil? Não vai nem tentar questioná-lo mais uma vez?
— Não ouviu o que o seu pai disse? Se eu tentar fazê-lo mudar de ideia, ele me tira o piano também. Não posso ficar sem tocar. Não posso deixar que o estrago fique ainda maior do que já está.
— Não quer que eu tente conversar com ele? Quem sabe ele não me escuta?
— Não quero envolvê-la nisso. Já tem seus problemas — ela queria não ter dito aquilo quando viu Penélope abaixar a cabeça e tocar a barriga. — Não estou dizendo que uma criança é um problema. Só estava tentando dizer que...
— Eu entendi — Penélope sorriu tristonha quando voltou a olhá-la. — Tem razão. Papai já está furioso comigo, se eu for tentar defendê-la, é capaz de ele me colocar no olho da rua grávida e descalça.
Regina retribuiu o sorriso triste e afagou as madeixas loiras de sua enteada.
— Ainda tenho esperança de que toda a fúria de seu pai irá diminuir e que ele vai nos dar um pouco de sossego.
Dessa vez, ambas riram com alegria.
— Eu espero que sim.
E Regina estava errada. A fúria do conde não diminui e nem tampouco passou durante muitos anos.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.