1. Spirit Fanfics >
  2. An Extraordinary Love >
  3. O Pior Erro

História An Extraordinary Love - O Pior Erro


Escrita por: Jules_Lucena

Notas do Autor


Boa noite a tod@s,

Segue mais um capítulo para vocês. Alerto para as fortes emoções que estão por vir e agradeço mais uma vez a atenção e o carinho de vocês e seus comentários.

Boa leitura e uma boa semana.
Xeros.

Capítulo 46 - O Pior Erro


Cosima arrumava sua bagagem e separava uma roupa para a viagem de volta para Paris sob a atenta e chateada observação de Manu, que estava considerando desnecessária e precoce a ida dela, uma vez que havia acabado de chegar e, segundo a menina, elas precisavam se conhecer ainda mais.

- Del, me diz por que eu não posso ir com vocês? – A menina suplicou para Delphine, que acabara de retornar a seu quarto e se compadecia da angustia da pequena.

- Porque nós teremos muitas coisas de gente grande para resolver. – Usou a desculpa mais fajuta possível e isso ficou claro pelo olhar reprovador que recebeu de Cosima. – Além do mais, você tem suas aulas que, segundo a S e as demais, estão indo muito bem. – A morena fez outro gesto, dessa vez aprovando o argumento. A menina cruzou seus braços e bufou. – E a Cosima tem mesmo de voltar? – Insistiu em seus questionamentos.

- Manu, eu adoraria passar mais tempo aqui com você e nesse lugar incrível. – Cosima disse após erguê-la e coloca-la sentada na mesa de estudos. – E eu lhe prometo que retornarei o mais breve possível. – Olhou para Delphine que concordou com um aceno de cabeça.

- E eu prometo que assim que tiveres uma folga em seu cronograma de estudos, virei busca-la para passarmos um tempo em Paris. O que achas? – A loura aproximou-se e também postou-se diante da criança. Ela as olhou demoradamente e bastante pensativa.

- Eu não vou dizer que concordo, mas aceito! – Baixou seus ombrinhos. – Mas vou cobrar essas promessas ouviram? – Falou com o dedo em riste e bem próximo ao rosto de ambas. Elas riram da seriedade da menina, mas perceberam que havia sido um “delicioso” erro terem feito tais promessas. – Estou falando muito sério.

- É Del... Não se deve prometer nada a crianças. – Cosima disse sorrindo.

- Com licença... – Batidas na porta que estava aberta chamou a atenção das três – Eu vim buscar a Manu para aula da tarde. – Era uma das funcionárias da Fundação. A menina bateu sua mão em sua testa fingindo que havia esquecido da aula daquela tarde.

- Matemática né? – A moça anuiu positivamente a cabeça e a menina revirou os olhos, causando uma gargalhada de Delphine. Essa foi repreendida por Cosima com uma cotovelada em suas costelas. Desceu a garota e a viu sair resmungando. – Mas nem pensem em ir embora sem antes se despedirem de mim. – Ela falou sob a soleira da porta e com o dedinho novamente erguido e duramente apontado para elas. As duas concordaram solenemente.

- Gente... Essa menina é sensacional! – Cosima afirmou. – Jamais conheci uma criança como ela. – Pegou suas coisas e se dirigiu para o banheiro.

- Ela é única! – Delphine concordou a seguindo. Recostou-se no balcão de mármore e observou sua amada começar a se despir para o banho. Contudo, não a observava com luxuria e desejo, pois sua cabeça estava repleta de problemas. Estava apenas tentando se convencer de que tudo ficaria bem, mesmo tendo de voltar para Paris.

- Vem tomar banho comigo? – Era mais um convite do que uma pergunta de Cosima, que a olhava sugestivamente. A loura a encarou com intensidade e ternura e não quis resistir mais. Despiu-se em poucos instantes e entrou sob a ducha morna.

- Tudo bem mocinha, mas não podemos nos demorar. Nosso voo já está com horário marcado e as demais estarão a nossa espera em poucos minutos. – A envolveu pela cintura.

- Prometo me comportar. E... Se pensarmos bem, tomando banho juntas, estamos otimizando o tempo! – Disse com fingida inocência enquanto descia suas mãos ensaboadas pelas costas de Delphine e acariciando a bunda dela.

- Otimizando? Sei! – A loura retirou as mãos dela de lá. – É sério meu amor. Venha cá! – A girou, deixando-a de costas e a ensaboou, tomando cuidado de ser o menos insinuante possível. – Mas me diga, que tipo de problema tão sério é esse que o Louis tem e que só você pode resolver? – A questionou.

- Eu acredito que sejam problemas do coração. Ele terminou um longo relacionamento recentemente e não foi um término muito tranquilo. – Informou. – O companheiro dele o traiu e ele ficou bem pra baixo. – Delphine pausou sua tarefa momentaneamente.

- Agora faz um pouco de sentido a reação dele a nós duas. – Cosima a olhou por sobre os ombros concordando. – Mas porque só você pode ajuda-lo?

- Acho que isso foi exagero dele ou do Marc, mas é que segundo eles eu sou uma boa ouvinte e uma ótima conselheira. Na verdade eu realmente devo ser o máximo! – Brincou!

- Um poço de modéstia, diga-se de passagem. – Delphine entrou na brincadeira. Achava incrível como estar com Cosima poderia ser leve e intenso na mesma medida.

Terminaram o banho resistindo bravamente às investidas de Cosima e enquanto se vestiam, Delphine repassava a conversa que tivera a pouco tempo com Helena e Siobhan. Onde elas a convenceram de que poderia ser seguro retornar para Paris. Até por que haveria o velório de Susan, e Delphine deveria não só estar presente, como isso também serviria para demonstrar força. Passar a mensagem de que nem ela nem a Ordem estavam acuadas ou acovardadas diante daquela enorme perda. Pois todas sabiam que os olhos do Martelo estavam em todo lugar e certamente estariam focados naquele evento. Contudo, o que mais estava incomodando Delphine era que ela teria de evitar estar tão próxima de Cosima por um tempo, pelo menos em público.

Sabia que a informação que Lamartine possuía ainda era algo vago. E como ele desconhecia a Profecia, isso lhe trazia um pouco de conforto e uma pseudo segurança. Pousou seu olhar em Cosima que já terminava de se arrumar e sentiu seu coração apertar e uma angustia lhe consumir. Ela sabia que a Ordem era sua maior responsabilidade, contudo a sua prioridade estava mudando completamente de foco. Estava totalmente direcionada a segurança de sua amada. Não poderia nem se quer pensar em algo acontecendo a ela. Ergueu a cabeça e a recostou contra a madeira da porta. Estava de pé, já devidamente vestida, apenas aguardando por Cosima.

Admirou sua amada. Ela estava adorável em um vestido vinho com estampas num tom mais claro. Se pegou pensando em quantos vestidos daquela cor ela deveria possuir, mas não havia problemas, pois ela ficava linda nela. Como estava frio, sugeriu a Cosima que se agasalhasse melhor e lhe deu um de seus longos sobretudos de couro que combinou perfeitamente com ela.

Já a loura estava usando um macacão preto de linho sob um sobretudo bege lindíssimo e Cosima pensou que cores suaves como aquela combinavam com sua professora tão bem quanto as escuras. Chegou a cogitar que qualquer coisa, qualquer cor ficaria bem naquela mulher.

Pegaram suas bagagens de mão e desceram de mãos dadas. No final da escadaria Helena e Genevieve já as aguardavam, para que pudessem seguir juntas de volta para Paris.

- Benjamin as levará para o aeroporto. – S informou. – E outros dois carros as escoltarão. Duas de minhas melhores agentes irão com vocês no voo – Indicou as duas mulheres que sorriram com segurança para Delphine.

- E em Paris um enorme esquema de segurança nos espera! – Helena garantiu. – Não se preocupe Delphine. Tudo ficará bem! – Lhe tocou o braço com gentileza e percebeu que Cosima a olhava fixamente com uma pitada de ciúmes em seu olhar. Helena sorriu de canto de boca, mas não deu muita importância, pois aquilo seria problema de Delphine e para ela não havia mais motivo algum para aquele tipo de desconfiança.

- Esperem! – A vozinha de Manu se fez ecoar pelo grande salão e ela adentrou correndo e ofegante. Despediu-se de Helena e Genevieve, mas o seu objetivo era outro. Parou diante de Delphine e Cosima e não disse nada. Apenas alternou o olhar de uma para outra e então lhes entregou um papel com um desenho nele.

Na folha branca estavam desenhadas as duas mulheres segurando a mão da menina. E logo abaixo estava escrito com uma caligrafia infantil a palavra “família”. Foi inevitável para ambas surpreenderem-se e se encantarem na mesma intensidade com a sinceridade e a ternura contidas naquele desenho.

- Eu sonhei com isso essa noite! – A menina disse com um sorriso estampado nos lábios. Cosima e Delphine se olharam e depois voltaram sua atenção para a criança que tinha ambos os braços atrás das costas e se balançava de um lado para o outro. Nada mais foi dito. Delphine apenas a ergueu do chão e a colocou entre ela e Cosima e as três se abraçaram demoradamente.

“Ficaremos juntas! Eu sei disso!” Foi a despedida da menina para elas.

Manu caminhou de mãos dadas com elas até que entrassem no carro, depois voltou para S, resoluta a não chorar. Viu os carros se afastando e assim que eles saíram da sua vista, S abaixou-se ao seu lado.

- Pode chorar agora criança! Não contarei a elas! – E lhe piscou um olho. A menina sorriu em agradecimento e logo fez o que a mulher disse.

 

 ______

 

Já acomodadas dentro do jatinho particular de Delphine que, além delas também levava o caixão com o corpo embalsamado de Susan, Cosima segurou a mão de sua professora enquanto o avião decolava e sentiu uma estranha sensação desconfortável. Atribuiu aquele mal-estar a decolagem, mas na verdade era uma sensação de que talvez nunca mais retornaria àquele lugar. Afastou aquela tola ideia da cabeça e olhou as demais mulheres.

As duas seguranças estavam nas poltronas da frente. Do outro lado Genevieve estava sozinha e Cosima percebeu que ela estava de olhos fechados, mas que não dormia, pois os lábios dela mexiam e manuseava alguns amuletos. Não quis questionar do que se tratava. Ela e Delphine estavam nas duas ultimas poltronas, mais afastadas das demais, tendo apenas Helena do lado oposto e essa estava mergulhada em seu computador. Voltou-se para sua amada.

- Será que agora você pode me contar o que aconteceu de fato com a reitora Duncan? – Foi direta e incisiva, ao ponto que Delphine a fitou com surpresa e receio.

- Ela foi capturada, torturada... – Pausou a fala para manter sua linha de raciocínio e seu controle emocional – E veio a falecer em decorrência disso. – Disse de pronto.

- Isso eu já sei Del... O que quero saber é o porquê! – Insistiu. A loura recostou a cabeça e a virou para olha-la diretamente. Soltou o ar de seus pulmões de uma vez só.

- O Martelo... Seu líder... John Lamartine...

- Espere ai... O Ministro? – Cosima a interrompeu.

- Ele mesmo! Então podes ter uma pequena dimensão de quem são... – Prosseguiu enquanto a morena a olhava boquiaberta. – Existe uma informação importantíssima para ele sobre nós... Sobre a Ordem. – Corrigiu de imediato, pois estava verificando o terreno para ver até onde poderia ir naquelas revelações com Cosima naquele momento. – Uma informação que ele não possui e que só aquelas que são membros da Cúpula da Ordem sabem.

- Então foi por isso que ele sequestrou a reitora? – Ponderou por alguns instantes e teve uma chegou a uma assustadora conclusão - Ou que ele poderia sequestrar qualquer uma de vocês? – Alarmou-se com a ideia de sua Delphine nas mãos dele e do Martelo.

- Isso mesmo. Contudo existia uma ligação mais próxima do Lamartine com a Susan. – Verificou novamente a receptividade da outra a tudo aquilo. - Eles foram casados! – Cosima deixou seu queixo cair de vez. – Cos, todas nós precisamos fazer sacrifícios em nome da Ordem e o da Susan foi esse. Pelo menos o primeiro deles. – Ponderou com pesar – Ela se aproximou dele e o seduziu com esse intuito. Mas eles se separaram e nós a tiramos de perto dele a tempo de salvá-la. Então, de alguma forma, ela caiu em uma armadilha dele. – Nem mesmo Delphine fazia ideia de que Susan havia dado sua vida para evitar que ela e Cosima fossem vistas juntas por Paul.

- Mas como vocês conseguiram resgatá-la dessa vez? – Questionou.

- Siobhan tem uma informante junto a Lamartine. – Baixou um pouco o seu tom de voz. – Joana... Ex-companheira da Helena. – Delphine disse sem virar o rosto, mas Cosima o fez e fitou a mulher que pareceu não ter ouvido nada. – Aparentemente ela se aproximou da Helena com esse intuito, de ter acesso mais fácil a mim. – Disso com profunda mágoa e desdém na voz.

- Parece que você não gosta muito dessa Joana. – Cosima havia percebido o tom de desgosto na fala de Delphine.

- Eu a odeio! – Disse sem nem precisar ponderar sobre. – Foi ela Cos...  Quem tentou me matar! – Levou a mão até onde havia aquela cicatriz. – Cosima arregalou os olhos e cerrou os punhos. Mal havia visto aquela mulher e já a odiava com todas as suas forças, pois se ela tivesse sido bem sucedida, nunca teria conhecido o grande amor de sua vida. Soltou um palavrão entredentes.

- Filha da puta! Mas como vocês podem confiar nela despois disso?

- Eu não confio... Mas aparentemente a Siobhan confia e eu confio na Siobhan. Então o que sei é que após a tentativa de acabar comigo ela se arrependeu e procurou a S e desde então vem dando informações úteis para nós. – Cogitou se deveria falar da emboscada na Turquia, mas achou melhor não. – E foi ela quem alertou sobre o sequestro da Susan e que ajudou no resgate.

- Mas... Você sabe se o Lamartine – Disse esse nome com denotado nojo – Conseguiu a informação que queria? – Delphine a olhou intensamente, pensando que estava olhando diretamente para a “informação” em questão. Arrepiou-se com as terríveis sensações que as imagens de Cosima sendo capturada, lhe causavam.

- Parte dela apenas! – Foi lacônica.

- É por isso que vocês estão reforçando a segurança, certo? – A loura apenas anuiu com a cabeça. – E essa informação tem a ver com essa... Profecia? – Havia dúvida na voz de Cosima, o que demonstrava que ela não possuía ainda a segurança necessária para receber aquela informação.

- Sim. Tem tudo a ver.

- E... Que profecia é essa? – Decidiu perguntar.

- Ela tem a ver com a forma como iremos vencer o Martelo de uma vez por todas! – Delphine sabia que aquela fala poderia soar absurda para Cosima e então procurou ler todas as reações dela. E para a sua tristeza ainda havia muita dúvida pairando nos olhos dela. Era evidente o desconforto. – Mas, se queres saber do que se trata precisas finalizar a leitura do diário. – Olhou para o caderno que repousava na poltrona diante delas e o pegou.

- Delphine... Por favor, me diz o que tem aqui? – Havia suplica em seu olhar. A loura sentiu a emoção começar a vir a tona e sem mais delongas e lançando Cosima ao seu limite lhe respondeu.

- A nossa história! – E apertou a mão dela na sua com força. Cosima abriu e fechou a boca, mas não disse nada. Sabia que havia mais de uma forma de interpretar o que aquela frase poderia significar e optou, inicialmente, pela mais lógica. A de que a história contida ali era a da Ordem do Labrys e o pronome usado referia-se a todas aquelas mulheres do presente e do passado. Contudo, havia a outra possibilidade. Aquela que era a mais surreal possível, mas que a cada passagem lida, ganhava força na mente de Cosima.

“Nossa história”... Seria e delas duas? “Mas como?” Pensou enquanto mergulhava no verde escuro dos olhos de Delphine que apenas a fitava séria. Nenhuma das duas estava disposta, naquele momento, a estabelecer a conexão mental e ver o que poderiam não gostar ou estariam dispostas a lidar naquele momento.

Cosima então abriu o diário e foi passando as páginas, lembrando de algumas passagens já lidas, até alcançar o ponto onde havia parado. Exatamente no momento que antecedia o famigerado casamento de Melanie com o Duque. Acariciou a página e respirou mais profundamente antes de retomar a leitura. Estava desejando com todas as suas forças que aquele casamento não acontecesse e que as protagonistas daquela saga finalmente tivessem o seu “felizes para sempre”.

Releu a ultima passagem, justamente aquela que lhe causou uma tremenda perturbação, pois dizia respeito a mais um de seus sonhos.

 

******

 

- Ela é a minha vida! Eu a amo! – Disse sem pensar, apenas sentindo. E aquelas palavras o atingiram com violência, deixando-o incrédulo. Pude ver o tom vermelho do rosto dele se acentuando e então ele partiu para cima de mim, com a clara intenção de me bater, mas não recuei e então senti o ardor da pele fria da mão dele contra o meu rosto.

A força desferida foi intensa, me fazendo cambalear para o lado. Mas me reergui e me postei de forma ainda mais desafiadora diante dele.

- Podes me bater o quanto quiseres! – Brandi. – Pois eu não desistirei! – Então ele veio mais uma vez em minha direção, consumido pela ira. Ergueu novamente a mão para bater-me mais uma vez e então aconteceu! Sua mão ficou suspensa no ar bem próxima a mim. Como se estivesse congelada. O olhei e ele estava incrédulo, me encarando com um misto de ira e terror. Via que ele estava lutando para mover sua mão, mas nada acontecia. Ele tremia todo e gotas de suar brotavam de seu rosto.

Sorri para ele e com um sutil movimento de cabeça, o obriguei a baixar o braço com força.

- Você é uma delas... – Ele cambaleou para trás, como se tivesse levado o mais duro dos golpes. E repetiu aquela afirmação várias vezes, contudo o pavor inicial converteu-se em algo assustador. Ela parecia que não mais temia aquela descoberta, pelo contrário, ele ria com malícia e foi a minha vez de temer. Havia tanta maldade e perversão pairando na expressão dele que me assustei ainda mais. Ele saiu da sala, batendo a porta atrás de si e ainda o ouvi gargalhar ao longe.

- Louco! – Gritei para a porta. Procurei me recompor e repassar o que acabara de acontecer ali. Eu havia, de alguma forma, paralisado meu pai. Seria mais um dom que eu desconhecia? Como eu desejei ter Manu ou você ao meu lado naquele momento para me ajudar a compreender aquilo. Mas ambas estavam longe! Ainda mais longe... E então me dei conta de algo. Nem você nem Manu, nem ninguém da Ordem sabia do meu iminente casamento. – NÃO! – Cai de joelhos no chão.

- Menina Mel, você está bem? – Alba entrou na sala e me encontrou em pleno choro copioso.

- Ela não sabe Alba... Ela não sabe! – A olhei com desespero. Alba apenas tentou me acalmar. – Eu não quero me casar com aquele homem asqueroso. Eu não posso. Eu sou da Evelyne... Mas ela está tão longe... – Eu gesticulava e falava com a voz embargada – Ela me prometeu que ficaríamos juntas... Mas como? – Ergui-me em agonia.

Sei que não deveria meu amor, mas me deixei tomar pelo desespero. Meu casamento seria em pouco mais de dois dias e esse era basicamente o tempo que se levaria para vir de Paris para cá. E estavas ainda mais distante, resolvendo às questões da Ordem com sua mãe.

Passei os dias seguintes enfurnada em meu quarto. Comia forçada e tentava, a todo custo, repetir o que eu fizera com meu pai naquele dia, manifestar aquele poder que o impediu de me bater novamente. Também tentei mover coisas, ou até mesmo pessoas, com a força de meu pensamento, mas não consegui mais. Não sabia como fazê-lo. Ainda não tinha dominado aquele dom.

Então chegou o famigerado dia! Alba entrou em meu quarto e abriu as cortinas, mas pouca coisa mudou, pois chovia tanto que a manhã estava tão escura como a noite. O céu daquele dia reproduzia o meu humor. Pensei.

Quando finalmente consegui sair da cama, tive a vontade de voltar para ela no mesmo instante, pois vi pendurado em um cabide o que seria o meu vestido de noiva. Não havia sido eu quem o escolhera. Nem isso ele me deu o direito.

Passei o dia em meu quarto, quase como um cadáver, sendo banhada, escovada e vestida por minhas Amas e ouvindo o burburinho no castelo, dos preparativos para a cerimônia que deveria começar logo ao cair da noite. Eu não tina ânimo nem forças para nada e apenas decidi me deixar levar.

Amor perdoe-me! Sei que não deveria, mas me permiti duvidar de você. De sua promessa. Era impossível e parecia inevitável o meu destino.

Parecia que assistia a tudo como se estivesse fora de meu corpo. Eu era guiada para fora de meu quarto, de cabeça baixa e praticamente entregue. Nem se quer me dei ao luxo de contemplar a minha imagem ao espelho. Até hoje eu não sei como fiquei naquele vestido que me pareceu tenebroso.

Ao final da escada estava meu pai. Recusei-me a olhá-lo nos olhos, e não encarei nenhum de seus convidados. Todos aqueles homens asquerosos estavam lá. Rindo e aplaudindo aquele terrível espetáculo. Havia pouca luz e a decoração era basicamente a que já existia no castelo. Ele não se preocupou com isso. Parecia que ele queria que eu, desesperadamente me casasse com aquele homem.

A cada passo dado eu sentia meu coração ser duramente atingido e fiquei repassando em minha mente todos os momentos maravilhosos que experimentei junto às mulheres da Ordem e ao seu lado. E aqueles pensamentos me fizeram chorar, pois temi que jamais viveria nada como aquilo novamente.

Ao chegar ao altar, ergui o rosto e me deparei com a expressão sádica do Duque e o olhar maligno do Cardeal Richelieu e então me dei conta que eu estava em meio a um covil de monstros e que a presa ali era eu. As palavras usadas pelo Cardeal, em nada lembravam os sacramentos que eu conhecia das escrituras, foi então que vi que ele possuía um livro que não era a bíblia cristã. E finalmente percebi que aquele não era um sacramento cristão. Era outra coisa.

O pavor me consumiu ao ouvir as palavras desferidas por ele, num dialeto antigo, que misturava galego, inglês e algo que depois descobri serem palavras celtas. Tentei me desvencilhar do braço do Duque, mas ele segurou meu braço com mais intensidade e então outros dois homens encapuzados me agarraram por trás e me ergueram do chão. Me debati, esperneei e lutei o quanto pude, mas eles eram muitos e mais fortes do que eu.

Eles me levaram de volta, escada acima e todos os demais nos seguiam, repetindo a mesma frase em latim:

 E em meu íntimo eu sentia que estava sendo conduzida para o meu fim.

Eu gritava com todas as minhas forças e fiquei aterrorizada ao perceber que eles me conduziam para o quarto de meu pai. Assim que entramos lá, vi aquela horrenda cena. Várias de minhas amas e as criadas de meu pai estavam completamente nuas, usando apenas joias e adereços que pertenceram a minha mãe ou que eram meus. E duas delas já estavam ‘cuidando’ do Duque, que já estava sem suas roupas.

Quando me jogaram ao chão e cai de joelhos vi que, mais ao fundo os irmãos Hoff tentavam violentar Alba que se debatia desesperada e possuía sangue jorrando de um ferimento em seu supercilio direito. Aquela visão juntamente com tudo que eu testemunhava ali mexeu comigo de uma forma tão violenta que num ultimo ato de desespero eu gritei! Um grito tão forte e intenso que senti minha garganta queimar, como se algo estivesse rasgando-a. Subitamente, os dois homens que ainda me seguravam pelos ombros foram arremessados para trás e quando ergui os olhos, encontrei meu pai, parado diante de mim. Ele não me encarava, pois seus olhos estavam arregalados e focados em algo atrás de mim. Vi um brilho de pavor e ira, misturados no verde musgo deles.

Senti então um filete de esperança e quando virei para olhar o que o havia assustado, meu coração se encheu de uma felicidade nunca antes provada por mim. Eu lhe vi. Eu não conseguia acreditar no que meus olhos me mostravam.

Você estava lá. Parada após a porta escancarada e segurava os dois homens, que outrora me prendiam, suspensos do chão, com suas mãos apertando as nucas deles. Foi então que foquei em seu rosto e preciso confessar-lhe algo. Naquele instante eu temi o que vi nele. A beleza perfeita estava maculada pela ira. Você parecia  apreciar o que fazia.

- Eve... – Sussurrei e então você me olhou. Subitamente a sua expressão mudou e lá estava a ternura e o carinho, e com isso os dois homens caíram ao chão desacordados ou sem vida. Eu até hoje não sei ao certo.

- Você não tem o direito de estar aqui! – Meu pai ousou se pronunciar. Você sorriu largamente e inclinou a cabeça para a direita e antes de cortar o nosso olhar, me piscou um dos olhos.

- Quem você pensa que é para dizer o que eu posso ou não fazer? – Lhe vi caminhar em direção a ele e assim que você saiu de frente da porta, a maioria dos presentes ali correram apavorados.

Você parou ao meu lado e fez um gesto com sua mão espalmada, para que eu a segurasse. No exato instante em que lhe segurei a mão, senti uma energia poderosa percorrer meu corpo e todo o medo, toda a dor... Tudo de ruim que eu já senti se esvaiu como se uma brisa fresca levasse tudo embora. Me ergui!

- Largue-a! – Meu pai bufou e deu um passo em nossa direção. Você apenas deu um passo a frente e se colocou entre nós dois. – Lorraine... Pegue sua esposa! – Ele demandou e o outrora confiante Duque, mal conseguiu se por de pé devido ao temor que o fazia tremer dos pés a cabeça.

- Nem ouse colocar os seus dedos podres nela! – Você disse entre dentes e o olhando de canto de olho. O homem estremeceu mais ainda e de cabeça baixa correu em direção a porta ainda tentando subir sua calça. – Onde pensas que vai? – E com um leve movimento de cabeça você o fez deslizar sobre o piso de pedra lisa até ser grudado contra a janela de vidro, nu em pelo.

Ele gemeu como se fosse um pequeno felino desesperado e pude ver toda a coragem e orgulho daquele homem desprezível se esvaindo em meio a urina que escorria pelas pernas dele.

- Peguem essa mulher! – Meu pai novamente bradou para os poucos dos seus que ainda permaneceram no quarto, e então um dos irmãos Hoff veio em nossa direção, já com uma espada em mãos que havia pego em seu uniforme que estava jogado pelo chão. Mas ele não teve tempo de demonstrar o seu domínio com ela, pelo contrário, grunhiu de dor ao ter sua mão atingida por uma adaga que fora lançada. Quando olhei para o lugar de onde aquela arma veio, vi Izabelle parada, ofegante e com o seu vestido sujo de lama e de sangue. Ela sorriu para mim.

- Vou leva-la agora! – Você deu o primeiro passo para trás. – Mas lhe deixo um aviso... Não venha atrás de nós ou irá se arrepender. – Disseste em tom de aviso. Ambas sabíamos que ele não iria seguir aquele “conselho”, mas mesmo assim você o alertou. E então virou de costas para ele e me abraçaste. E novamente senti aquela maravilhosa sensação de que nada ruim poderia me acontecer. Nos olhamos com ternura e devoção, foi então que ouvimos aquela voz!

- Fique longe da minha filha! – E quando erguemos os olhos Manu irrompia no quarto e quando olhamos para trás vimos meu pai ser arremessado para trás, ele estava com a adaga que arrancara da mão de Manfred e tinha tentado lhe esfaquear pelas costas, mas fora impedido por sua mãe.

Você me entregou gentilmente para Manu e nos colocou atrás de você.

- Não Evelyne! Eles não merecem morrer! – Manu suplicou. Mas você não a ouviu. Foi então que a tempestade que despencava do lado de fora atingiu seu ápice e você deu longos passos até parar bem próxima a Armand, que estava caído aos seus pés. A vi cerrar os punhos e uma estranha vibração começou a sacudir portas e janelas, inclusive a que o Duque estava, o fazendo cair ao chão. Você começou a se curvar em direção ao meu pai, então cometi, talvez, o maior erro de toda a minha vida.

- Por favor Eve... Deixe-o. Vamos embora. – Havia me desvencilhado de Manu e lhe puxava pelo braço.

Perdoe-me meu amor, mas eu não poderia tê-la deixado mata-lo. Ele era o meu pai. E por mais que eu o odiasse, jamais desejei que algo assim lhe acontecesse e para mim bastava estar com você.

Você me olhou surpresa e me sorriu ainda com algumas dúvidas. Mas se ergueu e relaxou sua postura, simultaneamente ao cessar da chuva. Você o olhou com todo o seu desprezo e se virou para mim, me envolvendo em seus braços. Escutei uma movimentação atrás de nós e vi que os irmãos Hoff erguiam meu pai e tentavam tira-lo do recinto.

- Bruxa nojenta! Abominação! Você ainda vai ser minha! – Ouvimos uma voz masculina proferindo tais xingamentos. Me arrepiei quando ergui os olhos e vi o seu olhar vidrado. Senti suas mãos que dessa vez não foram gentis, e me empurraram violentamente e só não cai porque Manu e Izabelle me seguraram. E antes que eu pudesse esconder os olhos, lhe vi abrindo os braços e instantaneamente todos os vidros das janelas foram quebrados e como se por magica, todos os pedaços ficaram suspensos no ar por alguns segundos, até que você baixou bruscamente os braços e todos aqueles estilhaços de vidro atingiram o Duque, dilacerando-o e o deixando sem vida em meio a uma poça de sangue.

Os outros três homens que estavam ali, correram e saíram por uma porta lateral e então você se virou para mim e, como se acordasse de algum tipo de sonho estranho, me olhou após piscar os olhos várias.

- Vamos sair daqui agora! – Izabelle nos alertou. Era certo que se permanecêssemos ali, muito em breve chegariam mais homens de meu pai e nem mesmo você seria capaz de lidar com todos.

- Alba... – Minha Ama já estava sendo amparada por Izabelle que a envolvia com uma manta,

Você tomou minha mão e me puxou. Passamos pelos corredores e descemos as escadas. Não quis parar para pegar nada, pois nada mais naquele lugar me pertencia. Eu sentia que uma vida nova estava se iniciando para mim.

Quando atingimos o salão eu pude ver vários homens de meu pai caídos pelo chão. Alguns se mexiam e gemiam devido aos ferimentos que lhes foram infligidos e quando viram você, voltaram a se encolher de medo.

Já do lado de fora e sob a garoa fina, eu pude ver a razão de teres chegado em tão pouco tempo. Atalanta bufava e trotava junto com Minerva e Apolo. Me aproximei da égua e como se tivesse ocorrido um reconhecimento ela baixou a cabeça para mim.

Já montada nela, você esticou a mão para mim, e eu obedeci. Montando e sentando-me atrás de você.

- Não poderemos retornar para Paris agora. Os animais não aguentariam outro esforço desse! – Manu as alertou. Você pareceu pensar por alguns instantes.

- Sei para onde ir. Sigam-me! – Tomamos a frente e saímos pelo portão principal, onde também alguns homens tentavam se recuperar de algo que os havia levado ao chão.

Me agarrei a sua cintura e recostei meu rosto contra as suas costas, como se com aquele gesto eu pretendesse dizer-lhe que jamais me soltaria de você. Senti sua mão acariciando meu braço e assim cavalgamos por um tempo.

Você optou por uma trilha pela floresta, onde passaríamos desapercebidas. Afinal de contas, éramos cinco mulheres montadas à cavalo e isso não era algo que se via todo dia. Ainda mais por estarem sujas de sangue. Quando saímos das árvores, uma clareira antecedia uma construção ao longe. Uma hospedaria. Descemos a clareira e atingimos um caminho iluminado por algumas tochas. Você se abaixou, sem desmontar de Atalanta e pegou um delas e a sacudiu três vezes sobre a cabeça. Ao longe eu consegui vê que numa das janelas alguém repetiu o mesmo gesto. Então apertamos o galope e quando nos aproximamos da construção uma grande porta de madeira se abriu para o que parecia ser um estábulo.

Haviam alguns cavalos já instalados ali e assim que entramos, as portas foram fechadas atrás de nós.

- Está tudo bem Evelyne? – Uma forte voz feminina lhe questionou.

- Agora está sim Clementine. – Você desmontou de Atalanta e a mulher que nos recebia se assustou ao ver seu estado. – Mas preciso de sua ajuda mais uma vez. – Manu e Izabelle também desmontaram e ajudaram Alba a fazer o mesmo, pois ela estava bastante machucada.

- Para você, sempre minha amiga! – Ela disse enquanto se aproximava dos animais.

- Clementine, essas são Izabelle, Alba, Melanie e... Minha mãe, Emanuelle. – A mulher apertou nossas mãos e surpreendeu-se com a revelação de quem era uma daquelas mulheres.

- Minha senhora! – A mulher curvou-se diante de Manu que pareceu estranhar o gesto e olhou para você com dúvida.

- Clementine sabe sobre a Ordem mamãe. Não se preocupe. Podemos confiar nela. – Você nos tranquilizou. – Minha amiga, esses animais precisam muito de cuidados, pois foram exigidos ao extremo. Essa aqui... – Indicou Atalanta – Deixe-a afastada dos demais, basta apenas botar-lhe comida.

- A famosa Atalanta... – A mulher admirou sua égua. – E o que posso fazer por vocês? – Esfregou as mãos em um avental.

- Precisamos de uma acolhida por essa noite. Devemos partir amanhã a noite, após nós e os animais descansarem. – Você trocou olhares com Manu e Izabelle e ambas concordaram com seu plano. Ouvimos a tosse em meio aos gemidos de Alba e isso nos alertou.

- Alba! – Corri até ela e a segurei.

- Venham... Subam por aqui. – As guiou por uma escadaria. – Temos apenas dois hospedes e esses já se recolheram. – Subimos e assim que atingimos o andar onde ficava a sala principal da hospedaria, vi que tratava-se de um lugar simples, mas bastante aconchegante, com algumas mesas retangulares de madeira rustica e as paredes eram de tijolos. Haviam tapeçarias no chão e pelas paredes e luminárias com poucas velas e algumas tochas, iluminavam o ambiente.

- Precisamos cuidar da Alba! – Manu alertou.

- Sim senhora. A Yara pode nos ajudar nisso. – Clementine a chamou e uma mulher de pele morena queimada de sol entrou na sala e surpreendeu-se com a cena que viu. Só então prestei atenção nelas. Ambas pareciam ser mais velhas e posteriormente eu descobri que formavam um casal e que viviam ali isoladas justamente para evitar os olhos dos julgadores.

- Agradeceríamos se você tivesse algo para comermos. – Izabelle disse enquanto ajudava a levar Alba para um dos quartos.

- Isso mesmo Clementine, não nos alimentamos direito há mais de um dia inteiro. – Só então eu tive uma pequena dimensão do que foi que vocês enfrentaram para virem me buscar.

- Minha nossa, é pra já! – Disse enquanto se dirigiu para a copa. – enquanto isso eu sugiro que vocês possam ir se banhar. – Indicou o estado em que todas estavam e me olhou curiosa, pois eu estava vestida de noiva.

- Meu quarto está livre? – Você a questionou.

- Como sempre! – Ela gritou de algum lugar aos fundos daquele estabelecimento.

- Ainda temos outros dois quartos disponíveis. – Yara as informou.

- Alguém precisa ficar de olhou em Alba! – Manu intercedeu.

- Eu cuido dela. – Izabelle se prontificou.

- Ótimo! Venham comigo. – Você nos guiou por um corredor de pedras, contendo algumas lamparinas iluminando o caminho. Indicou o segundo e o terceiro quartos para Manu e Izabelle que trazia Alba com a ajuda de Yara. – Possuo roupas aqui. Devem caber em você mamãe e em Izabelle, mas acho que ficariam um pouco grandes em Alba e em você meu amor. – Você se dirigiu a mim daquela forma me fazendo corar diante das outras, especialmente de Yara que arregalou os olhos diante daquela revelação. Sei que não foi choque pelo fato de sermos duas mulheres, mas sim pelo fato de possuíres alguém a quem chamavas de amor.

- As roupas de Clementine devem caber nelas. Providenciarei algo, mas... – hesitou um pouco. – Não é nada muito requintado nem chique. – Disse timidamente.

- Melhor ainda! – Você a tranquilizou. – Quanto menos chamarmos atenção, melhor. – Lhe piscou um dos olhos.

- Ótimo. Providenciarei. Aproveitem um bom banho, pois algo me diz que vocês estão precisando. – Piscou de volta.

Me certifiquei que Alba estava bem instalada e vi que Manu já estava providenciando com Yara algumas ervas e elixires para manipular medicamentos para cuidar dela. Então a segui para o seu quarto. Olhei ao redor e vi que o local era realmente simples, mas bastante acolhedor. Havendo um armário, uma mesinha e uma cadeira diante dela. Além desses, haviam duas camas e uma outra salinha, com apenas um tecido separando-a do quarto.

- Sei que o lugar é simples, mas tem uma das coisas mais fantásticas que já experimentei. – Você me guiou através da cortina e do outro lado havia uma latrina e mais adiante dois batentes para uma espécie de buraco no chão de onde subia um vapor quente, que contrastava com o frio da noite. Quando me aproximei vi que era uma espécie de banheira. – Essas águas minam da pedra e veem das montanhas. Elas são térmicas, ou seja, é uma banheira termal. – Você disse mordiscando o lábio inferior. – Nem nos mais luxuosos hotéis de Paris ou Londres você encontrara algo assim.

Eu encarei a água extremamente convidativa. Eu não via a hora de retirar o que sobrou daquele maldito vestido. Mas algo estava me deixando um tanto quanto nervosa. Era a sua presença ali. Eu não sabia ao certo o que devia fazer e você, a principio, não me ajudou muito, pois estava apenas ali, de pé, parada me observando com uma expressão tola.

Comecei a tentar retirar o vestido, mas os laços e botões ficavam em minhas costas e isso dificultava e muito a minha nervosa tarefa. Foi então que você acordou de seu “transe” e veio em meu socorro.

- Posso? – Me questionaste timidamente. Eu não tinha a menor condição de responder aquela questão verbalmente, pois após a adrenalina baixar, o nervosismo tomou conta de mim e só de imaginar que você pudesse me ver despida, fazia algo dançar em meu estômago. Mesmo sendo uma das coisas que eu mais desejara, agora, que eu estava na iminência disso, não sabia ao certo como me comportar. - Mel? Posso lhe ajudar? – Sua insistência me trouxe de volta de meus devaneios, mas a minha fala ainda não retornou. Respondi apenas com um temeroso aceno de cabeça. – Não se preocupe... Não irei machuca-la! – Você dificultou a minha vida com aquele olhar tentador que me lançou e a torturante lentidão com que desabotoavas meu vestido me lançava a lugares que jamais imaginei estar.

Assim que percebi que você desabotoou o ultimo dos botões, segurei o vestido contra meus seios evitando que caísse. Ambas ficamos paralisadas, como se não soubéssemos o que fazer a seguir, o que para mim parecia absurdo, pois eu tinha a certeza de sua experiência em situações como aquela. Mas você não fez nada. Apenas ficou parada atrás de mim e bastante próxima, apenas reforçando a sua presença. Eu tremia como nunca antes tremi e então pensei que eu fosse desfalecer ali mesmo, assim que senti o contato da pele de seus dedos, mal tocando a pele nua de minhas costas. Eu sentia um calor avassalador deixado pelo rastro de seu toque, que começou logo abaixo de minha nuca e foi descendo até a base de minha coluna.

- Pronto! – Você sussurrou ao meu ouvido, fazendo meu coração bater a uma velocidade inimaginável para mim até então. – A deixarei sozinha para que possas se banhar. – E deslizou para fora daquele ambiente. Quando me virei, já não estavas mais lá e eu não sabia ao certo se estava aliviada ou lamentava a sua partida momentânea. Deixei que o vestido escorresse pelo meu corpo e o chutei bem longe, torcendo para nunca mais vê-lo. Me despi também de minhas roupas íntimas e experimentei a temperatura da água, que a principio estava bem quente para mim. Mas logo fui me acostumando e logo estava com o corpo imerso.

Eu sabia da sua presença do outro lado. Estávamos separadas apenas por um leve tecido estampado e eu tinha a total certeza que se eu a chamasse, virias sem hesitar. Contudo, eu ainda estava tentando processar tudo o que vivenciei nas ultimas horas, pois passei da tristeza e desespero mais profundos, para a plena felicidade. Além de ter tido mais uma prova da grandiosidade de seu poder e do quanto ele poderia ser assustador. Afinal de contas, até onde eu pude ver você havia matado um homem. Não que eu estivesse lamentando por ele, muito longe disso, afinal de contas aquele homem era desprezível e certamente ele e meu pai tinham planos terríveis para mim.  Mas de qualquer forma era uma vida.

Eu sabia um pouco do seu passado, pois a sua própria mãe havia me contado acerca do que fazias contra homens como o Duque, mas nada se igualava a testemunhar do que eras capaz.

Com grande pesar eu finalizei o meu banho, pois a vontade mesmo era a de permanecer ali. E quando me levantei senti a significativa diferença da temperatura. Para a minha sorte, havia uma pequena manta felpuda dobrada próxima ao batente e me enrosquei nela de forma quase desesperada. Percebi que as roupas que me foram prometidas não estavam ali e em hipótese alguma eu iria vestir aquele famigerado vestido novamente.

Tentei cobrir o máximo possível de minha nudez e, após alguns ensaios, ultrapassei a cortina. Lhe vi, sentada na beirada de uma das camas, com a cabeça baixa.

- Eve? Você está bem? – Caminhei com urgência em direção a você. Só quando eu estava bem próxima, você me olhou e me assustou, pois vi uma terrível sombra negra sobre o seu semblante.

- Me desculpe Melanie... – Segurastes minha mão e apoiou a cabeça em minha barriga.

- Do que eu preciso desculpa-la Eve?

- Você não deveria ter visto aquilo... – Ambas sabíamos a que você se referia. – E me perdoe por ter demorado tanto. Mas... – Eu lhe ergui o rosto com cuidado. – Era uma armadilha... Na Normandia... Não havia nada acontecendo lá. Foi um estratagema do seu pai para nos mandar para longe. – Fiquei estarrecida com aquela informação.

- Como assim Eve?

- Não havia julgamento algum ocorrendo. Foi uma informação falsa... E assim que cheguei lá e descobri isso eu soube que algo estava errado. Que corrias perigo! Nem se quer desmontei de Atalanta e retornei por onde tinha ido.

- Mas Eve... Isso quer dizer que... – Calculei em meio ao choque. – Vocês passaram quase quatro dias cavalgando? – Só então tive a real dimensão do seu sacrifício e que as demais fizeram por mim. Prestei mais atenção no estado em que estavas. Suas roupas estavam extremamente sujas de lama e sangue e haviam alguns arranhões nos  seus braços e no rosto, além do semblante de exaustão.

- Oh meu amor! – A abracei sem pensar em mais nada e finalmente você desabou. Senti o peso de seu corpo desmoronando, como se estivesses realmente esgotada. – Eu não tinha o direito de duvidar de você... Deveria saber que virias a meu socorro. – Lhe olhei com ternura e devoção e comecei a limpar seu rosto com a ponta da manta que me envolvia. Lágrimas escorreram de seus olhos.

- Eu não conseguiria suportar a ideia de algo ruim lhe acontecendo. – Você me confessou. – Não conseguia comer, ou dormir, pois pensava que aquele era um tempo perdido, um tempo em que algo poderia estar sendo feito de você. – Sua voz estava embargada.

- Shiii! Agora vai ficar tudo bem! Eu estou aqui! Com você! Estamos juntas agora e... – Relutei momentaneamente no que iria dizer, pois significava a mais profunda e intima das entregas, mas eu não poderia mais evitar ou represar tudo o que eu estava sentindo naquele momento.

- ...Para sempre! – Você me olhou com ainda mais intensidade e o seu rosto consternado foi se iluminando e um lindo sorriso foi estampado em sua face. E logo ambas estávamos rindo embevecidas.

- Sempre sua meu amor! – Você também se entregou!

 

******

 

“- Sempre sua meu amor...” – Cosima leu essa ultima frase em voz alta e fez questão de olhar fixamente para Delphine que apenas a observava atenta. Verificando todas as vividas emoções que sua amada experimentava ao ler aquele livro. Sabia que ela estava se aproximando do final da leitura e, da mesma forma, se aproximava o momento de todas as revelações. Contudo, apesar de perceber e sentir que Cosima estava sendo profundamente tocada por tudo o que lia, não conseguia antever qual seria a reação dela ao saber quem era cada uma delas em meio aquela história.

- Por favor senhoras, apertem os cintos, pois já vamos aterrissar. – A comissária lhes informou e Cosima decidiu pausar a leitura e guardar o livro. Queria finalizá-lo com urgência, mas ao mesmo tempo, queria prolongar toda aquela experiência.

Assim que o avião pousou, as duas seguranças desceram primeiro e Cosima viu pela janela que haviam alguns carros negros as esperando ainda na pista, o que indicava que elas se quer entrariam no aeroporto. Desceram as escadas já ao cair da tarde e tão logo ela ligou o seu celular, inúmeras mensagens de Louis e Marc lhe alertaram.

- Caramba! O incêndio deve ser imenso. – Brincou ao checar o aparelho.

- Oi? – A loura a questionou.

- O Louis está realmente querendo falar comigo. – E mal terminou a frase, e o seu celular começou a tocar. – Falando nele... Oi Louis. Sim sim, acabei de chegar a Paris e estou pensando em ir para casa e... Mas agora? Não podes esperar até amanhã na Universidade? – Delphine a observava um pouco mais afastada enquanto fingia prestar atenção no que Helena lhe informava. – Tudo bem então, podes ir lá em casa... Não? – Suspirou enquanto se espreguiçava. – Está bem, irei ao encontro de vocês! Chego ai em quinze minutos. Beijos. – Despediu-se do amigo já se aproximando do grupo de mulheres. Viu que haviam várias outras ali e que todas cumprimentavam Delphine com o característico gesto que agora ela sabia ser algo particular da Ordem e que certamente aquelas mulheres faziam parte do que Manu lhe disse chamar O Exército de Ártemis.

- Vamos sair pela saída de carga do aeroporto... – Cosima ouviu assim que ladeou Delphine. Essa viu a expressão curiosa dela e a esclareceu.

- Parece que existem repórteres no aeroporto. A notícia da morte da reitora da Sorbonne que é uma figura pública e da alta sociedade parisiense atraiu a atenção da mídia.

- Del... Não poderei ir com você. – A loura a olhou com um franzir de testa. – O Louis quer mesmo falar comigo e me pediu para ir ao encontro dele. – Delphine a analisou por alguns instantes.

- Tudo bem! Eu também não poderia ir com você agora. Tenho tanta coisa para resolver que confesso nem saber por onde começar. – Passou as mãos pelo cabelo. – Mas a sua escolta já está separada. – Indicou um dos carros e duas mulheres ao lado dele.

- Minha escolta? Mas por que eu precisaria de uma? Nem sou da Ordem, muito menos da alta cúpula. – Argumentou. Delphine postou-se diante dela e lhe segurou ambas as mãos, pensou por alguns instantes no que diria para justificar tamanha precaução com ela.

- Cos... Se eu disser que me fará sentir mais tranquila, sabendo que estás sob proteção, você aceitará a sua segurança? – Lhe olhou com ar de quase súplica.

- Não vejo muito sentido nisso, mas... – Se derreteu com o cuidado que estava recebendo, e não podia negar que sentia um certo receio depois de tudo que soube acerca do Martelo e da morte da reitora. – Se isso lhe fará bem, eu aceito sem problemas. – A envolveu pelo pescoço.

- Sabes que essa semana será um tanto quanto caótica pra mim não é? – A loura também a abraçou.

- Sei sim, mas... Será que não sobrará nem um tiquinho de tempo para mim? – Gesticulou a quantidade solicitada com dois dedos bem próximos um do outro.

- Sempre que possível meu amor! – E lhe beijou a face com doçura antes de soltá-la.

- Vou indo agora. A função de conselheira amorosa me espera. – Sorriu e se afastou com certa relutância.

- Srta Niehaus? – Cosima parou pouco antes de alcançar o carro que usaria e se virou para ver Helena se aproximando. – Tome aqui. – Lhe entregou um aparelho celular que possuía uma capa lilás. - Peço que só se comunique com a Delphine por esse aparelho agora. O novo número dela já está salvo na agenda, assim como o meu. – Lhe mostrou o que falava. Cosima arregalou os olhos e a boca, mas não disse nada. Apenas preocupou-se em ouvir as instruções. – E sempre que fores sair, deverás me informar para onde vais... Cada passo seu. – Pensou em desdenhar daquele exagerado cuidado, mas a expressão carrancuda da mulher não lhe permitiu.

- Tudo bem Helena. Farei o que mandas.- E lhe devolveu um sorriso. A mulher mais alta apenas a fitou com atenção e cochichou algo com uma das seguranças. Logo estava dentro da confortável SUV e repassava o endereço desejado para a motorista. Viu ao longe Delphine também entrando em outro carro e ambos seguiram direções opostas logo que saíram do aeroporto.

Exatos quinze minutos depois, estava parando em frente a um belíssimo duplex num bairro mais sofisticado de Paris. Desceu do carro e assim que começou a subir os degraus, as duas seguranças lhe seguiram.

- Aonde vocês vão?

- Srta Niehaus... São ordens da Srta Cormier. Não podemos lhe deixar sozinha.

- Isso é exagero já. Vocês podem me esperar aqui fora. Está tudo bem, essa é a casa de um querido amigo. Nada de ruim poderá me acontecer aqui. – As informou com segurança na voz. As duas mulheres se entreolharam e com relutância concordaram.

Cosima balançou a cabeça em negação e bufou baixinho. Atingiu o topo da escada e tocou a campainha. Poucos instantes depois a porta se abriu e ela estranhou a figura que viu.

- Marc? O que estas fazendo aqui na casa do Louis?

- Cos... Ele não está bem, tem andado muito nervoso e diz que só falará com você. – A urgência e seriedade na voz do amigo sempre tão alegre lhe alertou. – Venha entre. – Cosima passou pelo amigo e varreu a sala a procura do outro amigo. O localizou sentando no canto do sofá, com a cabeça baixa e as mãos entrelaçadas.

- Louis? – Ela o chamou e como se tivesse levado um susto, o rapaz ergueu a cabeça e Cosima se assustou com a expressão dele. Profundas olheiras marcavam o belo rosto de traços perfeitos e angulosos. Com o susto ele soltou algo que segurava entre as mãos. Era um aparelho celular que caiu em meio a uma ligação que ficou em viva voz.

- Alô? Já tem a informação que lhe pedi? – Uma voz masculina bastante ríspida se fez ouvir. Cosima não soube ao certo o motivo, mas sentiu um calafrio descer por suas costas. – Que diabos, você está ai? – O homem insistiu do outro lado.

O rapaz alternou o olhar entre Cosima e o aparelho e lentamente baixou-se para pegá-lo.

- Por favor, Cos... Me desculpe! – E copiosas lágrimas escorreram de seu rosto.

 

 

[1] Que o pai abençoe o fruto.



Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...