História Angelical - Capítulo Cinco

- Me mande uma mensagem caso vá voltar com o Harry, ok? E me mande uma mensagem caso precise de algo... – Liv descia do carro com a ajuda de Abby. Estavam na frente da escola e Cassandra parecia a cada suspiro mais preocupado do que nunca. – Apenas me mande mensagens, ok? – Olivia sorriu e concordou com a cabeça. Achou engraçado o modo como a mãe parecia preocupada com o fato de ela passar o resto da tarde com os amigos. Há tempos que não fazia isso, e duvidou que um dia já tivesse feito.

            - Olá Sra. Hayes. – Abby disse, assim que Olivia abriu a porta do carro. – Tudo bem? – Liv não ouviu resposta alguma da mãe, mas sabia que ela concordara com a cabeça. – Olá Liv. – Ela disse por fim, ajudando a menina a descer do carro. – Tudo certo para hoje? – Abby perguntou, tanto para Liv quanto para Cassandra.

            - Claro! Mas já pedi à Liv para me enviar mensagens. Lembre ela, Abby. – A mãe falou, fazendo as meninas rirem. Liv empurrou a porta do carro para fechá-la e acenou para o carro enquanto ouvia a mãe indo embora.

            As duas meninas foram andando em direção à entrada da escola, caminho o qual Liv agora já conhecia. Enquanto caminhavam, Olivia se pegou perdida em pensamentos, os quais vagavam para não muito longe dali, não muito tempo antes. Naquela noite sonhara com algo que a fizera acordar um pouco assustada. Jamais pensou que aquilo pudesse acontecer, talvez estivesse confundindo seus próprios pensamentos, ou pensando em coisas que jamais seriam possíveis, mas o que lhe viera em sonho fora tão real que ela se assustara.

            Em seu sonho, Olivia estava deitada em um gramado verde, com algumas flores brancas que pipocavam em meio àquela imensidão esverdeada. O céu estava azul como ela nunca havia visto, nenhuma única nuvem pintava-o. Pela primeira vez, ela observava o sonho e não participava dele. Olivia via seu próprio corpo deitado no chão, os dedos das mãos afundados na grama e os olhos abertos atentamente olhando o céu acima dela. Era como se estivesse atrás de uma árvore observando a si mesma.

            Despercebida enquanto analisava a felicidade de sua outra eu deitada na grama, não notou a presença de um garoto de aproximando e sentando ao seu lado na grama. Ele falou alguma coisa, que ela não pôde ouvir e pegou a mão dela que estava arrancando as pontinhas das folhas do gramado. A Olivia que observava a cena sentiu a mão do rapaz na sua, assim como a Olivia que estava deitada. Ela decidiu se aproximar para tentar ouvir o que conversavam, mas quanto mais se aproximava menos era capaz de ouvir.

            A Olivia que antes estava deitada se sentou na grama e encostou sua cabeça delicadamente no ombro do rapaz. Foi então que ela percebeu que o menino, com seus cabelos escuros e cacheados e a roupa branca parecia muito com o menino com o qual era sonhara na outra noite. Tentou se aproximar mais para ver o rosto do rapaz. Mas quando estava prestes a vê-lo de frente, ele virou-se na sua direção. Tinha olhos pretos, completamente. A visão de seus olhos fez com que ela caísse sentada no gramado, mas quando voltou a olhar para o rapaz notou que seus olhos não estavam mais negros como o breu. Se tornaram verdes, um verde que lembrava a mistura da cor do gramado com a cor do céu acima deles. Tinha a boca avermelhada e apesar de não estar sorrindo ela sabia que uma covinha se formaria em sua bochecha.

Ele ainda encarava a Olivia que observava a tudo enquanto a Olivia que estava ao seu lado parecia não notar nada a sua volta. Mas foi quando ele abriu a boca que ela se assustou completamente.

“Dessa vez, te protegerei.” Ele falou com calma, ainda com os olhos verdes vidrados em Olivia. Não fora a frase que a fizera despertar do seu sonho, mas sim o tom da voz, o timbre rouco que ela conhecia. Ela sentara na cama rapidamente, puxando as cobertas para cima e abrindo os olhos o máximo que podia. De repente, o céu azul e o lindo gramado verde desapareceram de sua visão, deixando-a em completa escuridão.

            Ela agora, ao lado de Abby, se perguntava porquê diabos a voz de Harry estaria em seu sonho. Pensou se a aparência de Harry seria como a do rapaz do sonho, mas por fim admitiu ser apenas sua mente lhe pregando uma peça. Estava tão ansiosa em finalmente ver seus amigos que sonhara com um deles.

            - Não acredito que o Piffer passou esse trabalho! Não vou conseguir nem pensar na primeira linha em uma semana! – Abby reclamava enquanto as duas colocavam os cadernos dentro da mochila. Piffer era o sobrenome do professor de História, que no último minuto da última aula do dia, pedira um trabalho de três páginas sobre a Revolução Francesa para ser entregue na próxima semana. Com capa, introdução, e sem imagens. – E individual, que ótimo! Esse cara está querendo nos matar.

            Olivia não conseguiu prender uma risada em seus lábios. Abby era uma aluna muito estudiosa e dedicada, já percebera isso. Talvez em casa ela não tivesse muito que fazer então dedicava-se aos estudos. Com certeza ela daria conta de fazer esse trabalho.

            - Você está rindo, é?! – Abby riu também. – Saiba que se precisar de ajuda com sua Maria Antonieta eu corto sua cabeça fora. – As duas começaram a rir. Tinha sido um dia divertido aquele. Tiveram todas as aulas juntas, como já sabiam. Harry também tivera, mas desaparecera na última aula de História e nem Abby e nem Olivia sabiam onde ele estava. Decidiram apenas ir ao encontro dele, caso ainda estivesse na sala de música.

            A escada para o segundo andar não era tão longa, mas ambas as meninas se cansaram de subir os degraus. A escola ainda estava cheia de alunos, que andavam de um lado para o outro, conversando alto e rindo animadamente enquanto iam para suas casas. Mas ela percebera que alguns seguiam pelas escadas junto com ela e pensou que talvez a aula de música teria mais alunos do que pensara.

            - Por acaso, a aula de Harry é apenas de piano ou mais algum instrumento? – Liv perguntou finalmente, chegando ao segundo andar. Abby, que segurava seu braço como de costume, mudou de direção, indo para a esquerda. Liv já não ouvia tantas pessoas falando.

            - A escola fará uma apresentação, sabe? Vai ser bem legal. Harry toca piano e está ensaiando para a apresentação. Cada dia é um instrumento diferente para ensaiar. – Abby explicou, ainda caminhando. – É apenas ele e outro menino que vão tocar piano. Se você souber tocar alguma coisa será bem vinda também. – Liv sentiu que pelo tom de voz da amiga ela estava sorrindo. Lembrou-se da época que tocava violino e que já faziam dois anos que não tocara em seu Nhureson.

            - Já toquei violino, mas faz tanto tempo que eu acho que nem sei segurá-lo mais. – Olivia falou. Sentiu Abby virar para a direita e seguiu na mesma direção que ela ia. As vozes dos alunos estavam completamente sumidas e o único som que ela era capaz de ouvir era o som de um piano sendo tocado em alguma das salas do corredor. Ela identificou a música como Moonlight Sonata de Beethoven, a melodia triste sendo perfeitamente bem tocada.

            - É o Harry. – Abby disse, quase sussurrando. Olivia pensou como ele devia estar concentrado, focado em tocar aquilo. A cada passo que davam, Olivia ouvia melhor o som e a leveza com que a sinfonia saía para o corredor. Quando elas pararam, Liv sabia que ele estava na porta ao seu lado, tocando calmamente e provavelmente nem se lembrando de que teria visita naquela tarde. Abby bateu na porta duas vezes e girou a maçaneta, não esperando ser chamada. – Olá Raphael. – Ela disse alegremente, guiando Liv para dentro da sala. O som do piano fora interrompido de repente e ela sabia que Harry olhava para elas. – Podíamos te ouvir do corredor, sabia? Está ótimo! – Abby falou para ele. Olivia soltou-se de Abby, já com a bengala estendida e foi passando-a de um lado para o outro, adentrando a sala.

            - Você deve ser Olivia Hayes. – Uma voz que ela não conhecia pronunciou-se mas ela sabia que era Raphael. Tentou remexer em sua mente algo que lembrasse ele, pois sabia que Abby havia mencionado algo, mas só soube quando ele falou: - Sou o guardião de Harry, muito prazer. – Olivia estendeu a mão livre para ele, sabendo que a sua já estava disposta. Não tinha calos e aparentava ser jovem, pois como ela pôde perceber, sua pele era lisa como um pêssego.

            - Prazer em conhecê-lo também, Senhor... – Então ela percebeu que Harry jamais teria o mesmo sobrenome que seu guardião, ao qual ela pensara em chamar de Senhor Styles. Sentiu-se um pouco incômoda e envergonhada, mas logo ele se pronunciou novamente.

            - Dupont, mas me chame apenas de Raphael. – Ele disse. Olivia ouviu os passos dele se afastando e a voz de Abby começar a falar algo sobre alguma coisa que vira na Times Square na outra noite quando o perfume de Harry invadiu suas narinas. Ela sentiu o menino segurar sua mão e cumprimentá-la com delicadeza, como se ela fosse um diamante muito precioso com o qual ele deveria ter o máximo de cuidado possível.

            - Olá, de novo. – Ele disse, enquanto cuidadosamente encaixava seu braço ao dela, ajudando-a a guiar-se pela sala.

            - Niall vem? – Abby perguntou. Olivia ouviu o som de uma cadeira sendo arrastada e o baque surdo de Abby sentando-se nela. Ouviu Harry também puxar uma cadeira, e guiou Olivia até ela, onde ela sentou-se e dobrou a bengala, relaxando-a no colo.

            - Já deve estar chegando. – Harry respondeu, sentando-se em uma cadeira ao lado dela. – Niall é um amigo nosso, acho que você já deve ter... ouvido ele. – Ela sorriu. Sabia que ele ia falar a palavra “visto”, mas ficou feliz de ele ter se corrigido em tempo. – É um garoto bem engraçado, vai gostar dele.

            - É do voluntariado também? – Ela perguntou. Abby e Raphael conversavam animadamente sobre um anúncio da Apple e um novo aparelho, mas Olivia não estava prestando atenção apesar de ouvi-los.

            - Não, mas bem que eu já tentei convencê-lo a entrar. Ele é mais ligado nessas coisas de esportes, entende? Joga futebol e agora começam os jogos estaduais, então ele não teria tempo de qualquer jeito. – Harry explicou. A voz do menino lembrava tanto à Liv o seu sonho que ela ficou pensando como seria possível ela ter levado a voz de um garoto que mal conhecia tão fundo em são pensamentos.

            - Não sabia que seu guardião estaria aqui hoje. – Ela desviou de assunto, virando-se na direção de Harry. O garoto suspirou e ela ouviu-o estalar os lábios para abrir um sorriso. Gostaria tanto de saber como seus lábios uma vez unidos separavam-se e curvavam-se formando o sorriso depois de seu sonho estranho.

            - Ele é quem está ensinando música aqui. Se surpreenderia com a quantidade de instrumentos musicais que ele é capaz de tocar. – Harry disse. Ela sorriu delicadamente, voltando sua atenção para a conversa animada de Abby e Raphael. Sua voz era calma e tranqüila, ele parecia jovem apesar de estar com uma responsabilidade tão grande quanto cuidar de um garoto que nem ao menos era seu parente. Ao mesmo tempo em que ele falava e que Olivia podia notar sua voz jovem, ela podia notar o quanto ele era velho. O modo como falava, as palavras que escolhia para usar na frase e o estranho sotaque que ela não reconhecia deixavam claro que ele tinha experiências suficientes para ser um bom guardião.

            - Harry achou um tabuleiro de xadrez então não precisamos no preocupar com o que fazer aquele dia. Mas você gostou então? – Raphael perguntou para Abby. Olivia estava completamente fora do assunto, mas mesmo assim prestou atenção.

            - Teria sido mais divertido se vocês tivessem ido. Niall e eu ficamos cantando a noite toda. – Abby riu. – Mas tenho certeza que ainda poderemos ir mais vezes lá, e dessa vez vamos todos juntos. Olivia vai adorar aquele lugar.

            - Estão falando do Out of Routine, um restaurante no Brooklyn. Semana passada Niall nos convidou para irmos até no sábado, mas eu e Raphael estávamos ocupados com uma fase de Mortal Combat e decidimos não ir. – Harry riu, sendo seguido por Olivia. Ela pôde ouvir uma risada nasalada de Raphael e então percebeu que agora a atenção da conversa estava voltada para ela e Harry. – Não sabemos o que diabos acontece com a energia do apartamento sempre que decidimos fazer algo de interessante e então todas as luzes se desligaram e ficaram assim por quase duas horas.

            - Nós pegamos lanternas e fomos procurar algo para fazer. Até Harry achar o tabuleiro para passarmos o tempo. Foi divertido, afinal.

            - Na verdade, acho que teríamos aproveitado mais se tivéssemos ido ao Out of Routine com Abby e Niall. – Harry falou, dando de ombros.

            - E o que tinha nesse tal restaurante? – Olivia deixou a pergunta sair, envolvida na conversa.

            - Era a noite do karaokê. – Abby respondeu e imediatamente começou a rir. – Mas a luz acabou lá também, bem na hora do refrão de Yellow Submarine que Niall cantava.

            - Que por sinal estava indo muito bem, até a energia acabar e me deixar sem fôlego pra continuar. – Olivia ouviu o som de outra voz. Não era rouca como a de Harry, nem calma como a de Raphael. O garoto falava rápido e tinha um sotaque diferente do de Harry, mas ao mesmo tempo similar. Era uma voz que com certeza, ao cantar faria um som maravilhoso.

            - Queria ter visto essa cena. – Ao lado de Olivia, Harry disse. Ela ouviu o som da cadeira sendo arrastada e Harry se levantando para cumprimentar o menino que Liv deduziu ser Niall. – Teremos uma visitante hoje, meu amigo. Olivia, este é Niall. Niall, esta é Olivia.

            - A menina da Abby? – Niall perguntou, falando baixo, mas acabou soando ainda um pouco alto demais, de modo que ela e Abby ouvissem e acabassem rindo. – É um prazer, Olivia. Abby falou bastante sobre como estava ansiosa em poder te ajudar. – Olivia, sentiu a mão do rapaz em seu ombro e sua presença perto de si. Ficou vermelha pela milésima vez em dois dias. Abby havia falado sobre ela para todos?

            - Fico feliz em saber disso. – Ela disse, mais para Abby do que para Niall. – É um prazer te conhecer também. – Ela disse, esticando a bengala e se levantando para poder cumprimentar o menino educadamente.

            - Liv e Abby vão ficar aqui hoje e depois vamos sair, quem sabe você possa ir conosco. – Harry falou, convidando o amigo. Olivia sabia que Niall havia sorrido e ela não conseguiu não conter o sorriso nos seus também. Acabara de fazer mais um amigo e aquilo estava a deixando tão contente.

            - Claro que sim! Abriu uma creperia perto da minha casa. Sinceramente, foram os melhores crepes franceses que já comi na vida. – Niall falou, animadamente.

            - Posso levar vocês até lá, mas terei que voltar para Manhattan resolver algumas coisas. Quando vocês estiverem prontos me liguem que volto para buscá-los. – Raphael disse. Olivia sentiu que devia concordar com a cabeça, pois provavelmente era o que todos estavam fazendo quando o pequeno instante de silencio instalou-se na sala. – Bom, Abby e Liv podem se sentar onde quiserem e apreciar a musica, mas já vou avisando que não vamos falar nada sobre a apresentação. Será surpresa até para o diretor. – Raphael disse novamente, calmamente. Olivia pensou em como sua voz parecia angelical e tranqüila, como se ele jamais tivesse problemas e sua vida fosse perfeitamente normal. Fazia tempo que ela não sabia o que era ter uma vida perfeitamente normal, sem problemas, sem erros e sem escuridão.

            Ela voltou a sentar-se na cadeira que estava antes e sentiu quando Abby sentou-se ao seu lado. Dobrou sua bengala e esperou que a música começasse.

            Olivia nunca fora uma grande fã de música clássica mesmo quando fazia aulas de violino, era muito menos ainda fã de orquestras, mas sabia que aquela apresentação em que Harry e Niall tocariam seria uma grande mudança em seu gosto musical. Sempre apreciara o som do piano, as notas que saíam dele e a delicadeza que mudava totalmente o sentido da música. Ela ficou apreciando o som que Harry e Niall tocavam em conjunto, fazendo com que saísse mais alto e mais bonito. Ela adora escutar músicas, fosse de qualquer estilo. Aprendera a ouvir mais, sentir mais, e ela sabia que ambos os meninos tocavam aquilo com muito sentimento escondido em cada aperto de tecla e nota nova.

            Nem ela e nem Abby abriram a boca em nenhum momento até o fim da música. Ela porquê estava entretida demais tentando desvendar quais os sentimentos faziam com que aquela música soasse tão bem aos seus ouvidos, o que Niall e Harry estavam pensando enquanto tocavam e há quanto tempo estavam aprendendo aquilo para tocarem tão bem. Acreditava que Abby não estava tão longe de seus pensamentos também, pois não escutara nenhum suspiro longo ou movimento durante os oito minutos que se passaram até que a música cessasse e Raphael interrompesse o som que ainda reverberava pelos ouvidos de Liv.

                - Vou liberar vocês mais cedo hoje porque está simplesmente perfeito! – Ele disse animadamente. Ela e Abby abriram sorrisos no rosto, contentes em saber que estavam se saindo bem. – E porque acho que vão se divertir mais fora dessa sala com aquelas duas ali. – E todos eles riram. Olivia ouviu as cadeiras sendo arrastadas e resolveu esticar sua bengala, pondo-a no chão e batendo em algo assim que sua base tocou em algo.

            - Sua bengala sente atração pelo meu pé. – Harry disse em tom brincalhão, enlaçando seu braço ao dela enquanto guiava-a para fora da sala.