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História Angels - Seulrene - 10:01 - Uma rotina rotineiramente rotinesca


Escrita por: KimLeah04

Notas do Autor


(CAPÍTULO REVISADO)

Só a critério de curiosidade,hoje é meu aniversário🙊💖🎉🎂 mas o presente vai ser de vcs. Que tal uma att dupla,com a volta do projeto,hein?🤔

~~~♡~~~

Capítulo 13 - 10:01 - Uma rotina rotineiramente rotinesca


Início de tarde, 12 de fevereiro.]

— Eu posso saber o que tu tá fazendo empoleirada aí, que nem uma galinha?

Seulgi fez um gesto impaciente com a mão, como se pretendesse afastar as palavras de Amber. Não era a primeira vez que o amigo a importunava, naquele dia, mas não se encontrava com um fio de disposição para dar ouvidos a ele agora.

O motivo? Ela estava extremamente concentrada em leitura corporal.

O que, em condições favoráveis, já seria um pouco complicado. Seulgi não costumava passar muito tempo olhando diretamente para as pessoas. Logo, não era como se ela soubesse exatamente que tipo de movimentos analisar. Por via das dúvidas, analisava tudo, o que lhe dava mais material para trabalhar em cima.

Por exemplo, quando a mulher que havia ajudado mais cedo passou os braços sobre os ombros da loira que acabara de chegar, estaria ela apenas sendo afetuosa, ou havia algo mais naquele contato? Era difícil determinar. Para cada possibilidade que lhe surgia em mente, havia uma centena de quadros prévios que precisava analisar. Se a alternativa correta fosse a 2, então de onde elas se conheciam? Aquela mulher teria alguma relação com seu nervosismo, na madrugada? E, caso sim, por quê?

Eram muitas perguntas, e a maior parte delas sequer fazia sentido. Como não fazia sentido o que estava fazendo, naquele exato momento.

Sentada em frente à vitrine, com o nariz praticamente colado no vidro numa tentativa de enxergar melhor o que acontecia do outro lado da rua, Seulgi se perguntava o que tinha acontecido com seus neurônios. Talvez os sobreviventes estivessem desorientados demais, ou a voz de sua consciência conseguia convencê-los de que o que estavam fazendo não era, assim, uma loucura tããão grande.

Por mais que tentasse, não conseguia explicar a si mesma qual era o seu interesse naquilo. Não conhecia aquela mulher. Nunca a tinha visto antes, até o momento que atropelaram uma à outra na faixa de pedestres. Que ela estivesse em seu ônibus, e viesse lhe pedir ajuda, eram apenas grandes coincidências. Então, por quê?

Curiosidade. Curiosidade, talvez? É. Podia ser. Mas, a julgar pelo som de repulsa que Amber continuava fazendo às suas costas, não era tão aceitável quanto gostaria que parecesse.

— Vai acabar ficando cega, forçando a visão desse jeito - insistiu, num tom que a lembrou imediatamente de sua avó. Ela adorava dizer aquele tipo de coisa, aos filhos e aos netos. Algumas de suas mais antigas memórias envolviam a vovó Kang acertando suas coxas com uma colher de pau enquanto esbravejava sobre todos os males e doenças que poderia contrair da luz do monitor e dos componentes químicos da televisão.

"Vai queimar suas retinas, e precisar de óculos como os do seu avô, antes de ter uma década de vida. Sem falar que você quase não come, pendurada o dia inteiro nesse negócio. Na minha época, criança vivia do lado de fora. Minha mãe, sua bisa, tinha que me arrastar da rua e me obrigar a tomar banho. Eu vivia rolando junto com os moleques do bairro. Subia em árvore pra pegar fruta, pulava muro pra catar bola e corria de cachorro... E olha só você! Magrela! Não aguenta um sopro de vento. Só quer saber de televisão... televisão! Vai brincar, menina! Cadê o seu irmão? Outro apalermado. Vão brincar, vão! Xô, xô! Não quero ver ninguém aqui dentro até a hora do almoço. E ai de vocês se eu vir esse troço ligado..."

— Olha, eu acho melhor tu sair daí. Vai acabar espantando os clientes, se eles te virem com a cara grudada no vidro desse jeito...

A morena revirou os olhos. Desde que se instalara ali, há mais ou menos uns dez minutos, os resmungos de Liu não a abandonavam nem por um segundo.

— Amber? - chamou, sem desviar o olhar do prédio em frente.

— Hum.

— Cala a boquinha, por favor.

Deu certo. Por um minuto e meio. Foi o tempo que o tailandês precisou para encontrar qualquer coisa em que pudesse se sentar e brotar ao seu lado, na vitrine. Empurrou-a com o ombro, ajeitando-se de modo que também pudesse o olhar

— Chega pra lá, espaçosa. Eu quero ver também.

Seulgi se voltou para ele, devolvendo o empurrão com um pouco menos de sutileza.

— Quem é o fuxiqueiro, agora?

— Quieta, Mavis - rebateu, aos sussurros. Não havia mais ninguém no bazar, mas por algum motivo conversavam em voz baixa. Seulgi não achava que os manequins fossem se incomodar se falassem um pouco mais alto. — Olha lá, olha lá!

Amber deu dois tapinhas em seu joelho, apontando para a frente. Demorou um pouquinho para encontrar aquilo que o amigo sinalizava. A vitrine, como o restante da loja, estava apinhada de coisas que ninguém se interessava em comprar.

Caixas de música com bailarinas que giravam e giravam e giravam. Sinos dos ventos e apanhadores de sonhos tão grandes quanto sua cabeça, e cabeças de cera de pessoas famosas. Entendia por que as esculturas, acima de qualquer outro item, estavam fadadas a apodrecer dentre aquelas paredes, sem jamais serem comprados. Ela também não ia querer se arriscar a um ataque cardíaco, ao levantar de madrugada e dar com o Keanu Reeves sobre a sua cômoda.

Tinha aberto, com algum esforço, algum espaço entre as quinquilharias para seus fins de investigação. A outra função daqueles objetos, além de atrair turistas desavisados e esquecidinhos em busca de um presente para as tias ou primos aos quarenta e cinco do segundo tempo, era ocultar o interior. Infelizmente, o inverso também funcionava nessa situação. Mas ela conseguira uma brecha decente, grande o bastante para espiar o exterior sem que fosse notada de imediato por transeuntes.

Por isso, quando ambas as mulheres se encaminharam do caixa para a mesa, ela pôde acompanhar em primeira mão.

A sorte também parecia estar correndo ao seu lado. Não escolheram uma mesa nos fundos, como Seulgi teria feito em seu lugar, como também não se esconderam atrás de uma pilastra ou do grande grupo de adolescentes apinhados no centro da lanchonete. Analisando pela quantidade de pessoas, pensar-se-ia que seria preciso juntar de duas a três mesas, mas eles haviam se limitado a apanhar umas tantas cadeiras ao redor. Havia gente sentada à mesa, e outros que somente poderiam ser incluídos com segurança no largo grupo por causa da intimidade com que falavam uns com os outros.

Não haviam muitas pessoas ali, comparado ao que se esperaria para um Mcdonalds em um dia de semana, em pleno horário de almoço. Diria que os jovens ali eram estudantes, pela pouca idade que aparentavam ter, mas não poderia ter certeza.

Em um outro dia, uma quinta ou uma sexta, que fosse, o cenário seria muito diferente. Sabia, por seu tempo de experiência e convivência com a lanchonete. Se fosse outro o cenário, a avalanche de clientes seria tamanha, que não conseguiria reconhecer nem mesmo a mais familiar das figuras ali dentro. Universitários e secretários estavam no topo da lista do público que marcava presença quase diariamente no estabelecimento. Empurrados pelos preços exorbitantes dos restaurantes tradicionais, incompatíveis com seus salários mirrados, puxados pela tentação que apenas um hambúrguer quente na chapa poderia exercer sobre uma pessoa faminta.

Seulgi se identificava com eles, pobres oprimidos do sistema, obrigados a se alimentarem de porcarias que bem poderiam matá-los antes dos trinta. Trágico, trágico...

Elas tinham chegado cedo o bastante para que a mulher do ônibus tivesse a chance de escolher uma mesa. Seulgi a viu perambular pelo estabelecimento por alguns instantes, detendo seus passos diante da grande parede de vidro. Ficou ali, olhando para os carros que passavam e para as pessoas, inconsciente do fato de que, do outro lado da rua, era acompanhada com quase devoção pelos olhos da Kang.

Voltou para o balcão, fazendo seu pedido à atendente. Afastou-se novamente, indo sentar-se na mesa precisamente escolhida enquanto o lanche era preparado. Pouco depois disso, a pessoa que estivera esperando chegou. Seulgi não poderia ter imaginado algo mais improvável.

— Você acha que é um encontro? - perguntou Amber, aos murmúrios.

Seulgi deu de ombros. Queria dizer que não, mas não tinha muita experiência com encontros para catalogá-los.

— Parece que só estão conversando - murmurou de volta. Então se lembrou da postura polida e das roupas caras da mulher. — Talvez estejam tratando de negócios.

Liu soltou uma risadinha.

— E quem é que marca uma reunião de negócios dentro de um Mcdonalds, Mavis?

Ninguém, pensou. Ninguém...

Mas, como ela poderia ter certeza? Não conhecia aquelas pessoas. Não conhecia a mulher que chegara por último, sobretudo.

Tinha esperado por vários tipos de aparição, em seus momentos de vigília, mas aquela não estava em sua lista. A loira que chegara logo em seguida, e fora envolvida em um longo abraço por sua "anfitriã" era a última possibilidade que Seulgi cogitaria.

Não conseguiu ver muito dela, em sua chegada. Apenas o cabelo loiro, que lhe caía em grossos cachos pelas costas, produto de longas horas em um salão de beleza, na certa. Vestia roupas simples, ainda mais simples que as da outra mulher. A outra coisa notável em sua aparência, analisando daquela distância, era o grande gesso que envolvia seu braço.

Os minutos se passavam, sem que houvesse qualquer outra pista do que as trouxera até ali. A loira foi guiada até a mesa perto da janela, e passou os momentos seguintes dedicada quase exclusivamente ao sanduíche que a outra lhe comprara. De vez em quando erguia o rosto, afastava mechas do cabelo descolorido do rosto e respondia alguma coisa que a mulher dos cabelos castanhos houvesse perguntado.

Das duas, essa era a que tinha a expressão mais tranquila. Ficou ali, imóvel como um dos manequins que a Kang tinha às suas costas, observando a sua companheira comer. Não havia nada em seu comportamento que denotasse um vínculo mais íntimo. Nada de olhares prolongados, toques ou contato físico de maneira geral, à exceção do abraço na chegada.

Por motivos que não soube explicar nem para si mesma, Seulgi ficou aliviada.

— Eu queria ser uma mosquinha, para saber o que elas tanto conversam...

Concordava tanto com Amber que chegava a doer. E não era uma dor psicológica, uma manifestação provocada por qualquer coisa gerada por sua mente. Era uma dor real, espalhando-se gradativamente por seu sistema.

Seu olhar se desviou da janela, pela primeira vez em quase meia hora. Seus olhos encontraram suas mãos, e os sulcos profundos que as unhas haviam formado nas palmas. Não chegara a cortar, mas as marcas ardiam.

— Tem razão, Amber - sussurrou. — Isso é estúpido.

Podia sentir o olhar do amigo sobre si, durante cada pequena fração de tempo seguinte. Sentia também sua confusão, e as dezenas de perguntas não feitas. A assistiu levantar-se, e arrastar para longe sua cadeira.

Momentos depois, ele também fez o mesmo. Seu momento de espionagem tinha acabado, tão repentinamente como havia começado.

Foi se alocar novamente atrás do balcão, o cronômetro disparado na parte de baixo da tela do computador contando os minutos que faltavam para que seu expediente terminasse. A mesma coisa de sempre. Ainda assim, havia algo de diferente.

Seulgi se sentia diferente. Como poderia ser, se ainda era a mesma pessoa que deixara a casa às pressas naquela manhã? Se era a mesma que pegava o ônibus todos os dias no mesmo horário? Se ainda era ela, por que se sentia tão... daquele jeito?

Deve ser nóia minha. Não dormi direito, também. E tem essa ressaca. Não devia ter ido ontem. Estúpida, estúpida...

Continuou repetindo a palavra para si mesma, até que uma pontada de dor em sua testa a fez cessar o martírio. Agora também tinha dor de cabeça. Ótimo. Pelo menos os comprimidos ainda estavam na bolsa.

✵✵✵

Podia ser apenas sua ansiedade a torturando mais uma vez, mas as horas demoraram a passar. Até tentou se desvencilhar dela, quando percebeu o que estava em curso, mas era inevitável.

A tentação de olhar os relógios era maior, quando se estava tentando evitá-los. Quanto mais os checava, mais tinha a impressão de que seus ponteiros estavam estagnados no mesmo lugar. Minutos se passavam, e apenas segundos de transcorriam, de fato.

Para piorar, estava tendo problemas em encontrar algo para se distrair.

A opção de ir limpar o depósito sempre estava de pé, mas não havia em seu corpo um único átomo energizado cuja voz solene a comandasse a fazer tal coisa. Tinha alinhado os livros das prateleiras de madeira dois dias antes, e ninguém os tocara desde então, segundo suas observações. Parecia que suas únicas opções eram olhar para o nada e olhar para o nada.

Escolheu c, de cochilo, e programou um alarme para dali a quarenta minutos. Confiava em Amber para acordá-la se fosse preciso, e nas bugigangas na vitrine para espantar possíveis clientes, assim não restava nada com que se preocupar.

Encontrou o nicho entre as caixas de suéteres e a bancada de meias, e se deixou perder nos véus do sono. Não teve sonhos, mas quando despertou sentia-se tão bem-disposta que era como se acabasse de despertar do mais perfeito dos cenários de fantasia.

— Bom dia, Margarida - debochou Amber, enquanto a assistia se espreguiçar. Como antes, não lhe deu moral. Saltou para fora de seu ninho improvisado, erguendo uma das mãos para proteger os olhos quando uma flecha de luz do sol recaiu diretamente sobre seu rosto.

— Que horas são? - quis saber, ainda evitando o brilho incômodo do astro rei. Teve apenas alguns instantes para se preparar, e bem menos do que isso para apanhar sua mochila no ar, antes que ela se espatifasse aos seus pés.

— Tarde o bastante para cairmos fora. Vambora, que eu ainda tenho duas temporadas de Greys Anatomy pela frente.

Saíram, com direito a uma pequena pausa de Seulgi para trancar a porta da frente. Caminharam pela calçada lado a lado, até a esquina. Ali, seus caminhos se separavam. A Kang observou as costas do amigo desaparecerem no final da quadra, depois de Liu ter virado à esquerda. Girou sobre os calcanhares, tomando o lado oposto.

Não voltou a pensar na mulher do ônibus, até desembarcar perto de casa. Subiu a rua, tentando se distrair das perguntas sem resposta em sua mente. Não tinha sequer colocado o pé no jardim, quando ouviu o barulho no interior do sobrado.

Comparado ao silêncio de sua partida, era como estivesse adentrando um território completamente diferente, agora. Conseguia ouvir o ruído irritante do liquidificador, e o choro de Mina sob esse primeiro. A Tv parecia estar ligada em algum número bem próximo ao máximo. Se fechasse os olhos e se concentrasse mais, apostaria que podia ouvir o aparelho de som de seu irmão, no andar superior.

Seulgi não sabia como conseguira se manter sã, num ambiente como aquele. Levando em conta o que fez mais cedo, eu não diria que você está completamente sã...

Obrigada, consciência. Muito obrigada...

Inspirou fundo, antes de empurrar a porta. Seu pai não se deu ao trabalho de olhar para ela, o que foi o mais perto de um ato generoso que acreditava que ele poderia chegar. Passou reto pela sala, carregando os sapatos nas mãos enquanto subia os degraus aos pares. No corredor, o barulho predominante era o da música. Uma batida lenta, coberta por solos de guitarra tão distorcidos que a dor de cabeça de antes ameaçou voltar.

Fechou a porta batendo-a, duvidando que seu irmão pudesse ouvir qualquer coisa além do rock alternativo.

Enfiou-se sob o chuveiro, e depois entre as cobertas, com a música servindo de trilha sonora para todos os seus movimentos. Desconheceria para sempre o momento exato em que a mudança aconteceu, mas quando a noite chegou, e as primeiras estrelas surgiram no céu, já não tinha tanta certeza se o gosto musical de Jin era tão desprezível quanto na noite anterior.

✵✵✵

A vantagem de se ter uma vida cíclica, era que o tempo se tornava algo completamente substancial.

Ao passo em que, fora das quatro paredes de seu quarto, milhares de jovens arrancaram os cabelos enquanto lutavam para conciliar provas finais e cargas de trabalho de quatro horas ou seis, a depender do nível de seus cursos, Seulgi estava absolutamente tranquila. A pressão de ser uma jovem adulta em uma sociedade que demandava que jovens adultos fossem produtivos até dizer chega não se estendia aos seus ombros. Precisava acordar cedo, mas não era como se alguém além dela mesma, Amber ou Miyoung fosse ser impactado caso deixasse de fazer isso, qualquer dia desses. A única coisa que estava arriscando era seu emprego.

Não precisava se desesperar, ou se preocupar em receber cobranças. Tudo o que tinha de fazer era realizar as tarefas que lhe eram designadas por contrato, e aguardar que seu pagamento fosse depositado no final do mês.

Era tão simples. Não conseguia entender como outros não conseguiam entendê-la. Aos olhos de metade da população mundial, era ela louca por não querer uma faculdade. Aos seus, aquela tinha sido sua melhor decisão de todos os tempos.

Mas essa mesma vida cíclica que lhe despertava tanta satisfação também era capaz de lhe trazer amarguras, em proporções semelhantes. Uma falta não justificada poderia custar uma fatia de seu salário. Um número errado em seu despertador poderia levá-la a acordar mais cedo do que gostaria, o que seria uma tragédia levando em conta quão pouco vinha dormindo.

Mesmo a mais calma, inofensiva e repetitiva das vidas humanas estava passível de sofrer alguma alteração.

Seulgi amava sua rotina. Não conseguia pensar nos padrões que construíra ao longo de décadas se despedaçando da noite para o dia. Mas imprevistos eram mais complexos. Indesejáveis situações em que algo ou alguém se intrometia em seu caminho natural até sua próxima tarefa.

Como hoje, com seu ônibus se atrasando uma hora inteira até chegar ao ponto, e ficando preso mais quarenta minutos em um engarrafamento a meio caminho de seu destino final. Azar ou quebra de padrões? Bem, ambos.

— Achei que não ia aparecer hoje!

Amber estava com caras de poucos amigos, o que era anormal e intimidador. Mal passara os umbrais da porta, quando suas palavras a atingiram. Os braços cruzados e as sobrancelhas franzidas só reforçavam a severidade de sua postura.

Por causa dos hormônios, era comum que a voz de Liu sofresse alterações, algumas delas em momentos e ambientes completamente aleatórios. Em geral, ele costumava ser muito rigoroso com a administração de seus remédios - e mesmo que não o fosse por natureza, acabaria compelido a tal pelos lembretes constantes de Seulgi. Não se importava em bancar a mãe da amizade, desde que fosse apenas de vez em quando. Mesmo assim, existiam ocasiões em que seu metabolismo processava os químicos com mais ou menos velocidade e intensidade. Quando isso acontecia, os resultados eram diversos.

Naquele dia em questão, parecia que suas cordas vocais haviam desbloqueado um novo degrau negativo na escala.

— Meu ônibus ficou preso num engarrafamento. Isso, depois de ter enrolado um tempão pra chegar - justificou-se. Imaginou que sua cara de cansada denunciava a veracidade dos fatos narrados, porque a expressão severa de Amber se suavizou um pouquinho.

— Mas e você? - perguntou, deixando os braços caírem paralelos ao corpo.

— Tão bem quanto poderia estar numa segunda feira - fez uma pausa, tentando descobrir se precisava ou não acrescentar aquela outra informação. — Meu pai falou um monte, antes de eu sair. Acho que era o universo me mandando algum tipo de sinal.

Viu a tensão retornar ao rosto se Amber em uma fração de tempo.

— O que ele disse?

Seulgi deu de ombros.

— O de sempre. Que eu sou uma ingrata e uma inútil. Eu fiquei tentada a lembrá-lo que a conta de luz do mês passado foi paga com o meu salário, só pra ver como ele iria reagir.

Esse tipo de discussão tinha se tornado tão comum com o passar dos anos, com Seulgi respondendo às provocações cada vez menos, que tinham chego aos dias atuais como simples monólogos.

— Ele ainda trabalha naquele escritório, né?

— Acho que sim. Mas do jeito que tá, não duvido que ele acabe sendo demitido. Até o sr. Jung tem limite de paciência - sr. Jung era o empregador de Junsu há pelo menos uma década e meia. Seu pai era um dos funcionários mais antigos da firma, o segundo ou o terceiro a ser contratado, não se lembrava bem. — Qualquer dia desses ele se cansa, e aí as contas vêm oficialmente pro meu CPF.

— Eu já te disse pra cair fora um milhão de vezes e vir morar comigo, mas você é teimosa. - Amber bufou. — Tenho certeza de que eu seria um colega de apartamento muito, muito mais agradável.

Seulgi sorriu, sem saber se o que sentia era de fato felicidade.

— Eu tenho certeza que sim. Mas não posso sair, não por enquanto. Mina é só um bebê. Não gosto de pensar no que pode acontecer se meu pai direcionar a raiva dele pra minha mãe.

Por mais bizarro que pudesse ser, as desavenças entre Junsu e a filha do meio haviam tirado seu foco da figura da esposa, ao menos parcialmente. As brigas, que antes eram tão frequentes, haviam ganho mais e mais espaço entre si. Se antes coisas bobas como o lixo não recolhido eram capazes de originar dias e dias se caos, agora uma certa paz reinava sobre a residência dos Kang.

— Isso, pra mim é tão estranho... - observou Liu. — Minhas mães também têm uns atritos de vez em quando. Não é bonito, mas elas logo esquecem porque começaram a brigar e fazem as pazes.

Seulgi assentiu.

— Lá em casa é assim, também. Mas... eu não sei. Não é o que você espera para uma briga. Cresci ouvindo meu pai dizer que a família da minha mãe era errada. Antes, eu pensava que era porque mamãe não ia à igreja, nem nada assim. Depois eu percebi que ele também não... e fiquei sem saber do que eles estavam falando. Até hoje ele diz isso, e eu não sei.

O silêncio reinou por um momento, enquanto Amber parecia absorver suas palavras.

— Não acha que ele poderia estar falando de você, né? - perguntou, com uma nota incomum de receio. Foi a vez de Seulgi ficar pensativa.

— Não, eu acho que não. - Encolheu os ombros. — Mesmo alguém com o potencial intelectual de uma ameba como Junsu não poderia ir tão longe, a ponto de fazer uma relação dessas.

— Será? Eu ouvi dizer que a maçã tende a não cair muito longe da árvore...

— Nesse caso... - a morena suspirou, retirando a mochila de sobre os ombros. Moveu o pescoço de um lado a outro, alongando os músculos dormentes. — Eu ficaria de olho no meu irmão.

✵✵✵


Notas Finais


Recomendação de música do dia: Silent Night  - Dreamcatcher🖤

Kissus~♡


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