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História Angels - Seulrene - 06:01 - Bode expiatório


Escrita por: KimLeah04

Notas do Autor


(CAPÍTULO REVISADO)
'-'
Hey-yo 🙊🙉🙈
Tudo bom com vocês? 
Wattpad tem um ranço inexplicável pela minha fic. Por lá,já sumiu pedaço dela no rascunho e nas postagens umas sete vezes. Se aparecer alguma coisa estranha aqui,também,me avisem e eu tomarei as providências para colocar tudo em seu lugar. ok? Ok.
^^
Beijos de luz💫

Capítulo 9 - 06:01 - Bode expiatório


[Madrugada de domingo, 12 de fevereiro. 02:21]

Foram necessárias três taças de gin com tônica e meio shot de tequila para Seulgi se arrepender de ter ido até ali. E não porque sentia o efeito da bebida, nem nada do gênero. Em realidade, o álcool sequer começava a fazer cócegas em seus sentidos. Apesar de toda a sua bagunça social e mental, ela ainda tinha uma boa tolerância à bebida.

Se lhe servia de alguma coisa, disso já não sentia. Era bem provável que não. Mas já lhe dava alguma vantagem sobre os demais convidados da festa.

Era evidente que a maioria dos presentes tinha chego bem antes do horário marcado. Haviam copos e guardanapos usados espalhados pelo balcão, no momento em que chegou, acompanhada de Amber.

Atravessar a pista de dança havia sido a primeira de suas várias provas de resiliência naquela madrugada. Por natureza, tendia a repelir locais que possuíssem uma grande concentração de pessoas. Ter que se meter no meio de uma multidão de corpos suados e elétricos definitivamente estava bem longe do topo da sua To-do list para aquele final de semana. Mas não havia outro jeito. Para aonde quer que olhassem, a boate estava lotada.

Era como se metade de Seoul tivesse decidido sair e encher a cara, naquela noite de sábado.

Apesar de conhecer a história e acompanhar a Odisseia jornalística em torno da Underworld, era a primeira vez que colocava seus pés além da calçada do prédio. Por mais de uma vez, Seulgi tinha se visto diante de seu letreiro luminosa, perdida em pensamentos, imaginando como seria o interior. E, por mais de uma vez, ela desistiu no último segundo. Havia algo, como um campo magnético, que a impedia de ir além, entrar, dançar, beber, como qualquer outro jovem faria. Ou talvez devesse dizer que era apenas a sua insegurança, gritando mais alto que os murmúrios da tentação em sua consciência. Mantivera distância, pondo sua curiosidade de lado e enchendo sua mente com outros assuntos.

Agora que estava ali, sabia exatamente porque tinha adiado tanto aquele momento.

A primeira coisa que constatou a respeito da boate, era que os elogios que lhe eram feitos pela mídia não faziam jus à realidade. Underworld era muito mais grandiosa e instigante do que qualquer descrição jornalística poderia fazer. A fachada escandalosa era o de menos, quando comparada ao interior. Vira algumas fotos, tanto nas matérias quanto por redes sociais diversas. Era difícil não conhecer alguém que tivesse estado naquele lugar, quando cada dia mais famosos e subcelebridades integravam o longo catálogo de clientes assíduos do estabelecimento. Mas mesmo o relato mais detalhista seria incapaz de traduzir a impressão que tudo aquilo causava, ao vivo e à cores.

E quantas cores.

Havia uma miríade delas, por toda parte. Nas lâmpadas de led que brilhavam no teto, iluminando os corredores. Nas marcações em forma de seta no chão, que apontavam para as possíveis saídas de emergência. Nas pulseiras neon que cintilavam nos pulsos das pessoas, e nas próprias pessoas. Para qualquer lado que olhasse, deparava-se com um grupo ou outro cujos integrantes tinham o rosto pintado com tinta e maquiagem fluorescente, que se tornavam máscaras de brilho sempre que tocados pela luz negra.

A pista de dança fervilhava de gente, enquanto a música pulsava nas caixas de som, alto o bastante para encobrir suas palavras, mas não o suficiente para deixá-la surda. Conseguia ouvir risadas, provocações ao acaso e tentativas de paquera ao seu redor, a cada passo dado. Contou ao menos três casais aos amassos, e não estavam sequer na metade do caminho.

Pareceu ter se passado toda uma hora, até que chegaram ao outro lado. A todo momento era preciso pedir licença, esquivar-se desse ou daquele conviva mais animadinho. Apesar de seus esforços, foi impossível não esbarrar em uma pessoa ou outra. Proferiu pedidos de desculpa, mas jamais saberia se tinham ouvido. Ninguém ali estava prestando atenção nela, e por Seulgi poderia ter continuado exatamente assim pelo restante da noite.

Disse a si mesma que não deveria se surpreender, por seu desejo não ter se concretizado. Teve uma boa pista de que estava para enfrentar uma noite turbulenta quando Lisa veio em sua direção, e sem nem ao menos lhe dar tempo para se preparar, lançou-se sobre si em um abraço. Seulgi odiava abraços, mas alguma coisa a fez corresponder àquele. Talvez fosse o sentimento de nostalgia, a sensação de que aquele abraço era semelhante a outros, embora muito tempo houvesse se passado. Ou poderia ser esse ímpeto, incompreensível e irracional, de se aproximar um pouco mais dela.

Quando seus braços a envolveram, os fios de seu cabelo roçaram em seu rosto, e pôde sentir o aroma doce e suave de seu xampu de morango. As pontas de seus dedos resvalaram a pele nua das costas da loira, onde o vestido se abria em um decote profundo, quase até o quadril. Sentia sua respiração, quente e úmida, contra seu pescoço. Seus olhos brilhavam, e um sorriso bobo tomava conta de seus lábios, denunciando que ela começava a ficar alterada pelo álcool.

Sua voz se sobrepunha à música, às outras vozes e ao próprio som do coração da Kang. Sua mente dava voltas e mais voltas. Havia tantas coisas que queria dizer, tantas perguntas para as quais procurava respostas, há anos. Coisas que julgava estarem enterradas bem fundo em seu coração, que agora vinham à tona, como cápsulas do tempo escavadas e assaltadas por mãos curiosas, revistadas por olhos bêbados de ansiedade juvenil. Senti sua falta. Você sentiu a minha falta também?

Tentou manter sua voz o mais calma e inexpressiva possível, quando a outra mulher se aproximou. A conhecia, é claro que conhecia. Roseanne Park não parecia ter sido tocada pelos dias que se passaram desde o último dia de seu ensino médio. Ainda tinha o mesmo rosto levemente infantil, as írises castanhas cheias de vida e segundas e terceiras intenções, o sorriso tímido e os lábios maldosos de antes.

Fingiu não ver o modo possessivo com que suas mãos se fecharam ao redor do braço de Lisa, com força suficiente para deixar uma marca. Quis lhe dizer que não precisava de nada daquilo, que não precisava se deixar intimidar pela atmosfera estranha no ar. Que Manobam não tinha intenção alguma de deixá-la e sair dali correndo com Seulgi. Que tal possibilidade, aliás, nunca existira.

Porque nunca tinha existido nada entre elas, em primeiro lugar. Ou ao menos era o que Lisa sempre dizia.

Clara e objetiva, eram os adjetivos que mais vinham à sua mente naqueles dias, quando pensava em palavras que pudessem defini-la. Manobam sempre tratava de deixar suas intenções bem específicas, translúcida como água e como cristais, sempre rápida em conseguir aquilo que desejava.

E parecia à Seulgi que não havia nada que ela não desejasse, ou que não pudesse ter. Sua determinação era algo que a quieta e encolhida Kang não conhecia por experiência própria. Com seus recém completos dezessete anos, Lisa era mais ousada do que a soma de todas as garotas consideradas inconsequentes daquele colégio. Mas se a outras o ato de não pensar antes de agir fazia com que se tornassem estúpidas, à Lisa somente conferia um brilho especial. Havia nela uma disposição para violar as regras que ia além do simples estereótipo de adolescente revoltada.

Manobam era mestre na arte de surpreender. E que surpresa agradável foi quando ela puxou o isqueiro do bolso, e se inclinou para acender o cilindro entre os lábios de Seulgi, naquele dia. A chama vermelha tremulou, refletindo-se em seus olhos castanhos e projetando um brilho fantasmagórico sobre seu rosto. Se a achava atraente antes disso, agora tinha certeza de que era a mulher mais bonita do mundo.

Não fora uma tarefa fácil, reunir coragem para ir até ali. Foram dias, semanas, meses inteiros observando-a de longe, sentindo seu coração bater mais forte a cada vez que ela sorria de um gracejo feito pelos amigos ou uma insinuação mais descarada de alguma das amigas.

O fascínio crescia em seu peito, acompanhado de perto por essa erva daninha indesejada a quem chamavam ciúme. Invejava as pessoas que a rodeavam, por terem seus quinhões da atenção dela, enquanto tudo o que conseguia eram suspiros e mais suspiros, sonhando acordada com um cenário em que finalmente vencia sua timidez e conseguia se aproximar. Imaginava o que diria, e então o que ela diria, e como sua conversa ganharia rumo a partir daí.

Imaginou-o, em uma dúzia de cenários diferentes.

Só que nem mesmo o mais insano de seus delírios poderia tê-la preparado para aquela realidade. Comparado àquilo seus sonhos se desbotavam e se esvaiam como fumaça. Aquela era a Lisa real diante de seus olhos, não a caricatura cinzenta de sua imaginação. A tinha ali, tão perto que se colocava ao alcance de suas mãos.

Os olhos dela se arregalaram, quando seus dedos tocaram sua bochecha. Seulgi podia sentir a vergonha tingir sua pele de vermelho, seu coração abrindo caminho entre suas costelas, pronto para se derramar de seu peito. Se encararam, a surpresa em Lisa se esvaindo a cada instante, dando lugar a uma outra emoção, mais densa e sombria.

Pensou que fosse afastá-la, bater seu braço para longe e sair a passos duros do banheiro. Ao invés disso, a loira quebrou a distância que havia entre seus rostos.

Não era seu primeiro beijo, nem o primeiro com uma garota, mas sentiu como se fosse. A agitação em seu interior a fazia sentir-se como uma garotinha de dez anos, e não alguém à beira dos dezoito. A suavidade da boca dela a surpreendeu, e deixou-a estática por um segundo ou dois. Lisa fez correr a língua sobre seu lábio inferior, e foi como se uma alavanca fosse puxada em algum lugar de seu cérebro.

O beijo tinha um gosto estranho, de menta e tabaco, mas estava bem longe de ser ruim. O mundo poderia ter caído fora daquelas paredes, e não teriam notado. Só vieram a se separar quando a pressão em seus pulmões se fez insuportável, mas permaneceram próximas. Olhos nos olhos, os lábios róseos e brilhantes.

Ninguém percebeu que estavam ali, e se alguém as viu saindo juntas, momentos depois, não houve comentários. Se afastaram, nos calcanhares uma da outra. Lisa não disse nada, e Seulgi estava com vergonha demais para fazer mais do que balbuciar incoerências. Seu coração ainda palpitava no peito, e pensou que ele fosse parar quando os dedos da loira deslizaram entre os seus.

Arregalou os olhos, mas logo o contato se rompeu. Sentiu a textura levemente áspera de um pedaço de papel em sua palma.

— Me liga quando quiser mais. - disse, antes de virar as costas e ir embora. A Kang ficou ali, com o queixo caído e a respiração ainda instável. Que diabos tinha acabado de acontecer?

Que diabos tinha acabado de acontecer? se perguntava. Em suas mãos, seu sex on the beach jazia, esquecido. Tinha avançado em apenas um sexto do copo, antes de desistir dele. Brincava com as pedras de gelo, fazendo-as girar com o canudo, tentando ignorar os resmungos do garoto sentado à sua frente.

Ela ainda não tinha certeza de como, mas em algum momento da noite se convertera no bode expiatório de Park Jimin.

Devia ter sentido o cheiro de problemas no ar, quando ele apareceu. Podia se perceber, de sua rápida e intensa discussão com Lisa, que não era do tipo acostumado a levar um não como resposta, o que já era um mal começo. Seulgi não tinha o dom nem a paciência para lidar com gente mimada.

Se vou numa sinuca de bico, quando o rapaz loiro se encaminhou em sua direção. Para piorar tudo, ela estava sozinha. Uma hora e meia antes aquele que se dizia seu melhor amigo a tinha abandonado, em um local repleto de desconhecidos. Não duvidava nada que estivesse agora num canto escuro qualquer, se atracando com um macho qualquer.

Amaldiçoou Amber até sua terceira geração, lutando um combate interno para decidir se levantava da mesa ou mandava o garoto pastar. No fim, não fez nem uma coisa nem outra. Jimin se acomodou ali, como se fosse o próprio dono do lugar.

De certa forma, ele era mesmo.

A reportagem que tinha visto mais cedo veio à sua cabeça, tão logo seus olhos pousaram sobre a figura de Jeon Jungkook. E, tal como mais cedo, por telefone, o efeito que ele tinha sobre as pessoas ao redor era difícil de se ignorar.

O ar pesou em seus pulmões e crepitou acima de sua cabeça, carregado de eletricidade e tensão. Adrenalina correu em suas veias, despertando ansiedade em Seulgi e nos demais. Os risos e as brincadeiras cessaram, e os olhares de alguns se voltaram para o chão. Ninguém além de Lisa ousou trocar uma palavra com Jeon. E apesar de ter se dirigido ao grupo em um tom agradável e amigável, houve um suspiro coletivo quando ele se retirou.

A parte ruim? Jimin ficou. Como a criança birrenta que era, ele se intrometeu em seu meio, ocupando o espaço imediatamente ao lado de Seulgi. Julgando pelo sorrisinho em seu rosto, era óbvio que não tinha intenção alguma de sair dali, se não fosse por vontade própria. Não era como se alguém fosse tentar obrigá-lo, de toda forma. Seulgi muito menos.

— Eu não sei qual o problema dele em me deixar fazer o que quero!

Há muito perdera a contagem dos protestos. Embora sua natureza variasse, eram todos lamurientos e infantis, e costumavam vir acompanhados de pequenas caretas e lábios franzidos. Também não os respondia, deixando que ele tagarelasse à vontade.

Em sua mente, Seulgi se perguntava como alguém era capaz de falar tanto.

Qualquer esperança que pudesse receber ajuda para lidar com o pirralho de Jeon tinha ido pelos ares, meia hora antes, quando a "mesa" se desfez.

Não era tonta. Sabia que sua chegada, bem como as boas-vindas efusivas de Lisa haviam abalado a atmosfera até então pacífica do grupo. O descontentamento de Roseanne com sua presença era algo palpável, e compreensível. Se estivesse no lugar dela, também ficaria desconfortável e incomodada se uma ex-ficante de sua atual namorada aparecesse, sem nem ao menos ter sido convidada. Pelas incontáveis vezes que a flagrou olhando-a de cara feia, teve certeza de que Manobam sequer havia se dado ao trabalho de comunicar-lhe sobre a presença de Seulgi na festa.

Existiam possibilidades e mais possibilidades para justificar isso. Preferiu pensar que, como ela própria, Lisa não colocara a mão no fogo pela promessa de Amber. Por mais persuasivo e chantagista que pudesse ser, Liu não era nenhum deus para mudar a mente de Seulgi, de um momento para o outro.

Fosse porque não suportava mais sua presença ou por estar cansada das piadas idiotas de Mark e Jackson, Rosé decidiu que já estava de bom tamanho. Levantou-se e despediu-se rapidamente dos convidados, sem nem ao menos olhar para Seulgi, arrastando consigo uma Lisa alegrinha até demais. Park tentou ampará-la, colocando uma não sobre sua cintura. A loira grunhiu, irritada.

— Não precisa! - resmungou, com a voz enrolada. Afastou-se da namorada, cambaleando. - Eu tô pem... olha...

Deus dois passos, e logo precisou se amparar em uma mesa vizinha para não cair. Jackson saltou do banco, engolindo o que restava em seu copo antes de ir ajudá-las. Lisa reclamou e tentou empurrá-lo, mas logo os três se punham em movimento, lentamente e aos tropeços.

Se tivessem conseguido logo um táxi, àquela hora já estariam em casa. Ou em qualquer lugar que disponibilizasse uma cama.

Com a saída da aniversariante, a maioria dos convidados havia ido embora, cada qual apresentando uma desculpa esfarrapada para os que ficavam. Cansaço, provas de fechamento de semestre para as quais precisavam estudar, pais que não podiam saber de sua escapadela noturna. No final, tudo poderia ser resumido em uma frase só:

"Foi-se quem pagava as bebidas, vou-me eu também."

Bando de interesseiros, pensou, sabendo que não lhes era superior em nada. Era uma penetra, em uma festa em que a aniversariante claramente a odiava, rodeada de pessoas que mal deveriam se lembrar quem ela era ou quando a conheceram. Aqueles eram os amigos de Lisa e de Chaeyoung, não seus.

Não, não era melhor do que nenhum dos papa-cachaça acomodados no bar. Era pior, mais baixa do que eles. Não era a oferta de bebida e comida grátis que a atraíra, nem a oportunidade de conhecer um dos lugares mais badalados da cidade. Também não o fizera para escapar de sua casa, da família que a repudiava, embora essa fosse uma justificativa tão válida quanto, aos seus olhos.

Tinha ido porque queria ver Lisa de novo. Humilhante e simples verdade.

— Quer dizer, é só um cigarro... - o muxoxo de Jimin continuava. — Não é como se fosse me matar...

Era assim que todos os vícios começavam. Era como tinha se sentido, quando pediu um à Lisa, na mesma tarde em que tiveram seu primeiro beijo. Tinha fumado antes, por pura curiosidade, e em ambas ocasiões sua consciência se defendera com as mesmas palavras. Mentiras e mais mentiras...

— Meu aniversário é daqui a algumas semanas. Vou fazer vinte e um, mas todo mundo me trata como se eu fosse uma criança.

Talvez seja porque você se comporta como uma, pensou, franzindo o nariz. Será que ele não percebia que ela não estava nem aí, que não tinha nem um pingo de interesse naquela história toda?

Estava tentando não ser mal educada, mas a cada segundo que se passava ficava mais difícil manter sua compostura.

Garoto irritante. Irritante e mimado, completou lembrando-se das palavras de Lisa. Estava, de alguma forma, grata. Se ela tivesse cedido e entregado o maldito cigarro, Park teria começado a pedir outras coisas. Ao mesmo tempo, se perguntava se não deveriam ter lhe dado algo para ocupar a boca.

Mas isso era apenas um pensamento distante, sem nenhum poder de se moldar em realidade, alguma vez. Lisa odiava obedecer, e odiava ordens. Suas vontades eram suas leis, e era a elas, e somente a elas, que se mantinha leal.

Sua extravagância, a mesma que a levara a emancipar-se dos pais ainda aos dezessete e tocar a vida sozinha desde então, tinha sido uma das coisas que chamaram a atenção de Seulgi, em primeiro lugar.

Nos curtos meses que seu estranho relacionamento floresceu, descobriu uma centena de coisas que tinha em comum com Lisa, e que mal imaginara. Que amava gatos, mas nunca tivera um. Que seu sabor de sorvete preferido era baunilha, e que sua família era tão disfuncional quanto os Kang, e que praticamente contara os segundos até o momento de sair de casa. Que sua cor favorita era rosa, e que se pudesse decoraria seu apartamento apenas com ela - um gosto que combinava mais com Sooyoung do que com Seulgi, mas como foi bom saber.

Como foi bom conhecer pedacinhos dela a cada dia, mergulhar um centímetro por vez naquelas águas desconhecidas, puxar para a superfície uma Lisa que poucos conheciam. A Lisa pela qual se apaixonou, verdadeiramente, e a qual ousou sonhar que a amaria de volta.

Doces, doces mentiras...

A risada de Park Jimin perfurou seus ouvidos, como uma furadeira atravessando um bloco de concreto.

Tinha o rosto corado, a maquiagem meio borrada pelas lágrimas que se formaram neste momento e naquele de seu desabafo. O sorriso destoava completamente do tom dos últimos minutos. Então ela notou o copo familiar, em suas mãos.

Quando é que ele tinha roubado sua bebida?

— Sabe o que é? - perguntou, entre risos. — Eu tô aqui, te contando tudo sobre a minha vida... e nem sei direito quem você é.

Sua nova gargalhada foi a gota d'água. O som fez com que suas entranhas se revirassem.

Como pusera ser tão estúpida? Não deveria estar ali. Não havia nada para ela ali. Nunca houvera.

— Tem razão - resmungou, sua voz pesada. Não pelo álcool, mas pelo amargo em sua garganta. — Não te disse nada sobre mim, as aí vai um resumo: meu nome é Kang Seulgi. E eu sou especialista em foder com a minha vida.

✵✵✵

[Madrugada de domingo, 12 de fevereiro. 02:36]

Do lado de fora da Underworld, o ar estava incrivelmente frio. O calor humano embriagador dentro do prédio parecia uma lembrança distante, desvanecida entre tantas outras em sua mente.

Sentiu o choque térmico logo que colocou os pés na calçada, tão ou mais apinhada de gente quanto horas antes. Amaldiçoou-se por não ter levado uma jaqueta consigo, e também por não ter surrupiado a de Amber quando teve a chance.

Falando nele, não tivera um único vislumbre de sua figura em seu caminho até a porta. Considerou dar meia volta e procurá-lo pelos corredores, e nos arredores do banheiro, mas desistiu. O mais provável era que acabasse vendo algo que não desejava ver, e interromper mais uma "celebração" estava bem longe de ser seu objetivo.

Também não estava com paciência para esperar. Na verdade, não estava com paciência para absolutamente nada. O simples fato de precisar caminhar por uma quadra e meia até o ponto de ônibus mais próximo lhe causava um tique no olho. Irritação corria por suas veias.

E a culpa era toda de Park Jimin.

Devia tê-lo mandando pastar, no exato momento em que se aproximou, cortado sua ladainha pela raiz. Mas, idiota como era, se calara. Quem cala consente, dizia o ditado. Seu silêncio originara consequências.

Tanto Jimin quanto Lisa queriam a mesma coisa dela. Em ambos os casos, o preço por se deixar levar veio, e veio caro. Lisa acabou ferrando com seu coração. Jimin, com sua paciência.

Com um resmungo mental e uma praga, envolveu o tronco com os braços para conservar o pouco calor que lhe restava, mergulhando na massa de pedestres. Seus pés mal tocavam o solo, tamanha era sua pressa. Desacelerava apenas quando precisava desviar de alguma outra pessoa, o que foram poucas vezes já que a maioria seguia o mesmo sentido que ela. O boneco vermelho no painel de sinalização lançava uma luz tênue sobre aqueles que passavam junto ao seu poste, e logo adiante uma grande quantidade de carros aguardava que as luzes mudassem de cor.

Podia sentir os olhares dos motoristas nos volantes, impacientes e ansiosos, mesmo que não estivessem diretamente endereçados a ela. Ao seu redor também havia pessoas, e nenhuma delas parecia se importar minimamente consigo. Então por que tinha a sensação de que estava sendo julgada? Por que cada passo parecia mais dolorido do que o anterior?

Seulgi não era perfeita. Nenhum humano algum dia poderia sê-lo, era verdade. Tivera seus deslizes, seus tropeços e quedas, mas também seus momentos de glória e felicidade. Equilibrou-se como podia sobre a corda bamba dessa coisa chamada vida. Tivera sua cota de infrações e crimes, e não achava que se apaixonar era um deles. Por que os outros não viam as coisas da mesma maneira, da maneira que eram? Por que eram tão cruéis com ela, por algo sobre o qual não tinha controle?

Engasgava com tantos por quê?. Eles estavam ali, presos em sua garganta, marcados à ferro e fogo em sua mente.

O mundo virava um borrão, quando mergulhava nesses pensamentos. As pessoas se tornavam meras manchas em sua visão, os sons, indistintos e disformes. Ainda caminhava, mas não sentia as pernas nem os pés. Se lhe dessem asas, sairia voando.

Sentia as respostas para todas as suas perguntas na ponta da língua, mas se via incapazes de pronunciá-las. Era como se estivessem em outro idioma, estranho, antigo, totalmente inacessível. Como se pertencessem à outra vida, outra pessoa. Alguém que era, e ao mesmo tempo não era ela.

Não sabia mais para onde estava indo. Todos por quem passava pareciam iguais. Seus rostos, igualmente vazios, olhos afiados como lâminas. Tinha a cabeça pesada, como se uma bola de ferro houvesse sido atada ao seu pescoço.

Não devia ter bebido.

Maldita fosse por ter bebido. Maldita fosse por não ter esperado por Amber. Maldita fosse por sair andando. Poderia ter chamado um táxi, à exemplo de Lisa e Rosé. Malditas fossem elas, também, e maldita fosse a sua felicidade. Malditas fossem as maldições!

Amaldiçoava, ainda, quando o choque aconteceu. Um passo, e adiante outro mais. E então o impacto na lateral de seu corpo, tão forte e violento que rompeu o estupor e jogou-a ao chão.

Não houve tempo de reagir, nem se preparar para a queda. Deu por si com as costas sobre o asfalto frio, com uma nuvem de cabelos castanhos e um rosto furioso pairando acima de si, os olhos gélidos e mortais.

— Você ficou maluca?! Perdeu o juízo, garota?! - bradou a mulher. Todas as linhas de seu rosto estavam distorcidas em uma careta, enquanto ela lutava para se colocar de pé.

Não era uma tarefa simples, dada a confusão de braços e pernas na qual tinham aterrissado. A estranha passou as mãos pelas roupas, numa tentativa desesperada de alinhá-las. Puxou a jaqueta, de um vivo tom de vermelho, encarando Seulgi com os olhos em brasas.

— Por acaso você é idiota? Eu falei com você!

Seulgi ainda estava atordoada, embasbacada, na verdade. Voltou à realidade com um estalo, uma centelha de irritação queimando em seu interior.

— Ei! Também não é pra tanto! Desculpa, tá legal?! Não precisa ficar louca só porque eu esbarrei em você...

— Fique com as suas desculpas - a mulher a interrompeu, no mesmo tom duro e inflexível. — Vê se olha por onde anda. Poderia ter me matado. Ou se matado.

Deu-lhe as costas, afastando-se com passos apressados. Seulgi ficou ali, confusa e incrédula. A mulher sequer lhe perguntou se estava bem, se tinha se machucado. Isso, depois de cair por cima dela. E eu que sou a maluca.

Bem lentamente, ela se ergueu, apoiando o peso do corpo nos cotovelos. Seu antebraço ardeu, e ao se virar para checá-lo viu os arranhões, onde sua pele tinha se arrastado sobre o chão.

Pessoas iam e vinham. Algumas a olhavam e cochichavam, mas a maioria só a ignorou, descrevendo um meio círculo ao redor e seguindo adiante. Como se ela fosse um saco de lixo jogado no meio da rua.

Seu olhar se ergueu, para o lugar onde tivera o último relance da mulher em quem havia esbarrado. Mesmo que estivesse disposta a ir atrás dela, o que não estava, era pouco provável que a encontrasse. Procurar um desconhecido naquela multidão seria o mesmo que buscar uma agulha no palheiro.

O som de uma buzina a despertou para a realidade. O motorista baixou a janela e colocou a cabeça para fora.

- Levanta daí, menina! Não vê que tá atrapalhando o trânsito?

Seulgi se assustou com a irritação na voz do homem. Com alguma dificuldade e sentindo o braço machucado pulsar, se levantou, caminhando para a calçada mais próxima com passos largos e tão rápidos quanto pôde produzir.

Girou a cabeça de um lado para o outro. Tinha passado reto pelo lugar onde pretendia virar, e estava agora ao dobro de quadras do ponto de ônibus.

- Era só o que me faltava... - resmungou, para si mesma. Colocando-se nas pontas dos pés, ergueu-se acima da multidão de ombros, costas e cabeças.

Havia outro ponto, algumas dezenas de metros adiante. A distância era mais ou menos a mesma que ela havia percorrido, sem que tivesse consciência. Podia seguir adiante, ou dar meia volta.

Dá no mesmo, concluiu. Deu de ombros, segurando a alça da bolsa com ambas as mãos, dando o primeiro passo. Não era porque tudo estava dando errado, que pretendia ser roubada.

✵✵✵ 


Notas Finais


Ao contrário dos meus personagens,eu tô bem sóbria,viu? 😁
Kkkkk
Ou talvez não 👿

~💙


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