Kiara levantou cedo na manhã de domingo, bastante ansiosa para reencontrar Erik e sair mais uma vez, ela se arrumou rapidamente, já cobrindo até mesmo suas orelhas e cauda, então se manteve sentada no sofá da sala, aguardando a chegada de seu amigo pacientemente.
Algum tempo depois, quando Asgore acordou, o monstro ficou bastante surpreso ao ver a jovem já preparada na sala, sem tirar os olhos da escadaria que levava para a floricultura logo abaixo.
- Minha nossa, pequena, levantou bastante cedo, hein? – Disse Asgore, se aproximando da jovem.
- Ah! Oi, Tio Asgore! – Disse Kiara, sorridente. – Tô esperando o Erik, vamos sair de novo!
- Sim, você me contou seus planos, mas ainda é um pouco cedo para estar pronta assim, não acha? Há há há! – Disse Asgore, rindo um pouco. – Por acaso já comeu?
- Não, eu...esqueci disso... – Disse Kiara, com o rosto um pouco vermelho, sem graça.
- Imaginei, há há há! Vou preparar algumas coisas, afinal não pode sair por aí de barriga vazia, os jovens precisam de muita energia! – Disse Asgore, gentilmente, caminhando em direção a cozinha. – Gostaria de me ajudar?
Kiara sorriu e imediatamente se levantou, seguindo o grande monstro até a cozinha.
Em outra parte da cidade, Erik também havia levantado cedo, o rapaz estava igualmente ansioso para ver a cidade através dos olhos de Kiara; como no dia anterior, o jovem realizou sua primeira refeição do dia com seus pais, sem trocar uma palavra com Isaak e apenas respondendo algumas perguntas de sua mãe, avisando que também passaria o domingo fora de casa.
Maia não ficou muito feliz em saber que o filho ficaria fora praticamente todo o final de semana, mas não disse nada para tentar dissuadi-lo, lembrando-se da sua conversa com Isaak, então a adulta apenas insistiu para que Erik tomasse cuidado e voltasse antes de escurecer.
Após se preparar e se despedir de sua mãe, Erik saiu de casa e se apressou em seu caminho até a Floricultura Dreemur, chegando até seu destino alguns minutos depois; o rapaz bateu levemente na porta algumas vezes e Asgore desceu para atende-lo sem demora, o monstro, como de costume, sorriu e cumprimentou o rapaz, então permitiu que ele entrasse e subisse diretamente as escadas.
No momento em que pisou no último degrau da escadaria, Kiara saltou em cima de Erik e o abraçou, quase fazendo o rapaz humano cair para trás, o que fez com que Asgore risse um pouco.
- Ki-Kiara, cuidado! Eu quase caí da escada... – Disse Erik, bastante envergonhado, afastando a amiga e se afastando da escadaria.
- Me-Me desculpa! Eu não pensei nisso, eu... – Disse Kiara, bastante preocupada, claramente arrependida. – Eu só estava muito ansiosa...
- Com certeza, ela acordou até mesmo antes de mim e já estava pronta para sair com você! – Disse Asgore, levando uma de suas grandes mãos até um dos ombros de Erik.
- Ah... Entendi, eu...também estava ansioso, na verdade... – Disse Erik, coçando o rosto, um pouco tímido.
Observando os dois jovens frente a frente, bastante tímidos, Asgore sorriu, lembrando-se um pouco da época em que era um jovem monstros e conheceu o futuro amor de sua vida.
- Bom, o que estão esperando? Creio que já tomou café da manhã, certo, Erik? – Disse Asgore, chamando a atenção de ambos.
- S-Sim! Eu já estou satisfeito. – Disse Erik, prontamente.
- Que ótimo, nós também, Kiara até mesmo me ajudou preparando a massa para alguns biscoitos que assarei a tarde! – Disse Asgore.
- Ajudou...? – Disse Erik, surpreso.
- Sim, eu... Eu não sabia muito o que fazer, mas o Tio Asgore me ensinou e foi bem legal! – Disse Kiara, sorrindo levemente.
Erik estava surpreso, não apenas pelo fato de Kiara ter ajudado na cozinha de Asgore, mas com tudo: a jovem estava diferente, estava radiante, como quando ele a levou no aquário no dia anterior, claro que ainda parecia tímida como sempre, mas estava sorrindo mais e chamou até Asgore de “tio”.
- Então, podem sair, finalmente! Apenas tomem cuidado e tenham certeza de não voltar muito tarde! – Disse Asgore, dando um leve tapa nas costas de Erik, tirando o rapaz de seus pensamentos.
- Tá bem! Vamos, Erik? – Disse Kiara, ansiosa.
- Hã... Sim, sim, vamos! – Disse Erik, ainda um pouco surpreso com toda a situação, sorrindo para a amiga.
Os dois jovens se despediram de Asgore e então desceram as escadas apressadamente, saindo da floricultura e começando a caminhar lado a lado para a área mais movimentada da cidade.
- Então, aonde vamos exatamente? – Perguntou Erik, curioso.
- Vai ver logo, há há há! – Disse Kiara, rindo um pouco. – Só me siga!
Intrigado, Erik concordou e assim manteve-se seguindo sua amiga, que rapidamente tomou a liderança; inicialmente, o jovem não entendeu de onde surgiu tanta coragem para se andar pela cidade, sendo que no dia anterior havia começado bastante insegura e assustada, porém não levou muito tempo para que Erik começasse a compreender a razão.
Kiara adentrou rapidamente um beco à direita, deixando Erik um pouco confuso e surpreso.
- Mas que... O que tá fazendo? – Disse Erik.
- Eu disse que te mostraria a cidade como eu vejo, não é? Então me segue! – Disse Kiara, estendendo sua mão direita para o rapaz.
Um pouco relutante, Erik segurou a mão de Kiara e então foi puxado para o beco, juntos, os dois seguiram por um verdadeiro labirinto de becos, alguns eram extremamente estreitos, outros mais largos, parte deles cheirava de forma péssima, enquanto outros eram incrivelmente limpos.
O caminho seguiu dessa forma por um bom tempo, a sensação que Erik tinha ao seguir por aqueles becos era de um constante incômodo, mas também adrenalina, como se estivesse fugindo de algo, ao mesmo tempo, constantemente o rapaz se sentia reprimido pela grandeza dos prédios e construções ao redor; era como se a cidade inteira pudesse esmaga-lo sem esforço algum, apenas por existir ali.
- Pronto, aqui está bom. – Disse Kiara, repentinamente parando, virada para a lateral de um prédio à esquerda.
- Como assim? – Perguntou Erik, confuso.
- Você viu um pouco como é aqui em baixo, mas nunca viu tão de cima! – Disse Kiara, sorrindo para o amigo. – Vamos lá!
Flexionando um pouco suas pernas, Kiara deu um grande salto para o alto, então pulou de uma parede a outra até alcançar, sem dificuldade alguma, o topo do alto prédio que observava antes de baixo.
Erik estava boquiaberto; percebendo que o rapaz não a seguiu, Kiara espiou para baixo, curiosa.
- Não vai subir? – Perguntou Kiara, confusa.
- Caramba... Essa força e agilidade toda eu não tenho... – Disse Erik, engolindo em seco.
- Quer que eu te ajude? – Perguntou Kiara.
- Nã-Não! Está tudo bem, eu consigo! – Disse Erik, sinalizando negativamente para a jovem.
Erik se afastou um pouco, respirou fundo e então fechou seus olhos, ele já havia visto Ronan dar pulos parecidos utilizando sua magia como propulsor e base, o rapaz tentou o mesmo algumas vezes, mas não conseguiu passar nem perto da habilidade de Ronan, ou seja, ele teria de arrumar uma forma própria de subir, com sua própria magia.
Concentrando-se ao máximo, uma energia de coloração laranja surgiu ao redor de ambas as suas mãos, aos poucos, o poder foi diminuindo e tomando uma forma mais concreta e limpa, se tornando, por fim, em uma luva laranja transparente com garras afiadas em cada dedo.
Abrindo novamente os olhos, Erik se aproximou da parede e então saltou o mais alto que podia, logo usando suas luvas com garras para se agarrar na parede do prédio; observando que não havia caído, o jovem começou a tentar subir lentamente, ele ainda tinha receios, especialmente de seu poder desaparecer a qualquer momento, mas manteve-se subindo usando toda a concentração que podia.
Ao chegar perto do topo, a magia laranja começou a estremecer e fraquejar, então, quando Erik estava prestes a cair, Kiara segurou seus braços rapidamente e o ajudou a subir.
- Ufa... Valeu... Pensei que iria me ferrar feio agora... – Disse Erik, ofegante.
- Desculpa, Erik, eu devia ter te trazido primeiro... Não pensei que não soubesse pular alto assim, desculpa, desculpa mesmo... – Disse Kiara, um pouco triste.
- Tudo bem, eu fui pego de surpresa, mas não foi sua culpa! – Disse Erik. – Nos meus treinos, o Ronan costumava me ajudar a manipular meu poder para que eu pudesse saltar grandes alturas, voar e coisas assim... Altura não é bem meu forte e, como você viu, minhas soluções não são muito eficientes...
- Aquilo...era a sua magia então? – Disse Kiara.
- Sim... Ao menos, parte dela. – Disse Erik, coçando a cabeça. – Enfim, por que o topo de um prédio?
- Ah sim! Vem, levanta, você vai entender! – Disse Kiara, se levantando, estendendo sua mão mais uma vez para o rapaz.
Erik aceitou a ajuda e se levantou, de pé, o jovem vislumbrou um cenário impressionante: a cidade onde nasceu vista de cima; todas as pessoas, Humanos e Monstros, eram pequenos dali, até mesmo podiam ser vistas poucas diferenças entre ambos, os carros pareciam brinquedos de criança e toda a cidade parecia dez vezes maior do que ele conhecia vista daquele ângulo.
Percebendo a expressão de surpresa e o brilho nos olhos de Erik, Kiara sorriu.
- Nossa, aqui é bem alto...e tudo lá em baixo é tão pequeno... – Disse Erik.
- Ainda não estamos no melhor lugar, vem comigo que eu te mostro! – Disse Kiara.
- Hã...quer dizer que vamos ter que ir pulando prédios agora? – Disse Erik, receoso.
- Há há há! Eu vou pular e te levar, você não precisa fazer aquela magia desta vez. – Disse Kiara, rindo um pouco.
- Que!? – Disse Erik, nervoso, vendo a jovem se aproximar de uma das beiradas do prédio. – Ki-Kiara! Eu não sei se é boa ideia, parece perigoso...
- Tudo bem, já fiz isso muitas vezes! – Disse Kiara, sorrindo para o rapaz. – E eu prometo que não vou te deixar cair!
Suspirando, Erik se aproximou da jovem.
- Certo..., mas como? – Disse Erik.
- Segure-se nas minhas costas! – Disse Kiara.
- Como...!? – Disse Erik, com o rosto vermelho.
- É só segurar em mim, eu vou ir pulando, então, se segurar firme, não vai cair! – Disse Kiara, simplesmente.
- Nã-Não sei não, Kiara... Isso é meio... – Disse Erik, nervoso.
- Você não confia em mim? – Disse Kiara, confusa.
Surpreso, Erik se lembrou de quando conheceu Kiara pela primeira vez, mesmo sendo um desconhecido para ela, a jovem declarou confiar nele com convicção, e desde então, apesar de todas as falhas do rapaz, Kiara se manteve sempre acreditando nele; portanto, seria o mínimo que o jovem retribuísse tal confiança.
- Confio, definitivamente! – Disse Erik, determinado. – Só...que alturas não são o meu forte, como eu disse.
Kiara não entendia muito bem todas as razões de Erik estar tão hesitante, mas uma delas a jovem reconhecia muito bem: o medo.
Percebendo insegurança e medo nas palavras e no olhar de Erik, Kiara sorriu e se aproximou um pouco do amigo, segurando suas duas mãos delicadamente.
- Ter medo é normal...foi o que você me disse uma vez. – Disse Kiara, bondosamente. – Mas eu estou com você agora, não precisa ter medo mais, só confie em mim, que eu irei proteger você!
Erik se surpreendeu diante das palavras e da postura de Kiara, ela definitivamente havia começado a mudar e mudou muito em um final de semana, agora, ela lembrava o próprio rapaz no começo da semana, quando tentou de tudo para mostrar segurança e proteção para ela.
- Kiara... Tá certo, seja o que for que quer fazer, eu estou dentro e confio em você. – Disse Erik, segurando as mãos da jovem também, sorrindo, um pouco mais confiante.
A jovem concordou e então se voltou para a beirada, instruindo Erik para que ele subisse em suas costas e segurasse bem nela, o rapaz obedeceu em silêncio, ainda um pouco nervoso, mas mais por ter de se agarrar a jovem e não pela altura. Quando Erik se preparou, Kiara se agachou um pouco, tocando as mãos na beirada, flexionou os joelhos e então saltou em direção ao próximo prédio.
Durante os dois primeiros saltos, Erik estava apavorado, tanto que mal pôde abrir os olhos, porém aos poucos ele foi se acostumando a sensação de “voar”, com o vento passando através de seus cabelos e alisando eu rosto e o sol mais quente acima; em alguns minutos, Erik já estava de olhos abertos e pôde sentir uma grande sensação de liberdade a cada pulo que Kiara dava.
Depois de um tempo, Kiara parou em um prédio bastante alto e avisou ao seu amigo que eles haviam chegado, Erik rapidamente se separou da jovem, com o rosto vermelho.
- Você conseguiu mesmo me levar e saltar tanto ao mesmo tempo... Valeu, mas fiquei surpreso com isso... – Disse Erik, tímido.
- Ah é... Acho que sou bem forte, deve ser o meu lado de Monstro... – Disse Kiara, igualmente, coçando o rosto.
Ao observar Kiara, Erik notou algo importante: a bandana na cabeça da jovem estava quase caindo, deixando suas orelhas felpudas à mostra.
- Sua bandana, está saindo. – Avisou Erik.
- Hum? Ah! Poxa, eu não vi, eu... – Disse Kiara, nervosa, tentando recolocar a vestimenta, mas encontrando dificuldades por causa do vento. – Não consigo...
- Há há há! Calma, deixa que eu te ajudo, aqui venta bastante, por isso está com dificuldades. – Disse Erik, rindo um pouco, aproximando-se da amiga.
O rapaz ajudou a amarrar de volta a bandana sobre a cabeça da jovem, escondendo suas orelhas verdadeiras, Kiara agradeceu e então caminhou até uma das beiras do edifício, sentando-se por lá; Erik fez o mesmo, não sentindo-se muito confortável ao olhar para baixo e ver o quão alto estava.
- Não olhe muito pra baixo, olhe lá! – Disse Kiara, apontando para o horizonte.
Seguindo a direção apontada por Kiara, Erik vislumbrou uma incrível visão completa de toda a cidade, além das florestas ao redor, as montanhas mais além e até mesmo o mar.
- Fala sério... Dá para ver tudo daqui, nossa! – Disse Erik, impressionado.
- Há há há! Sim, é bonito a noite também, quando tem todas as luzes e aquele escudo verde maior... – Disse Kiara, observando a paisagem também. – Ninguém olha muito pra cima, por isso sempre gostei de me esconder em lugares altos, mas também ficava nos becos e no esgoto mais abaixo... Ah, lá eu não vou te levar, cheira muito mal e você não ia gostar, há há há!
Observando Kiara falar e aquela paisagem, Erik pensou em tudo o que viu e sentiu até ali naquele dia: os becos escuros e claustrofóbicos, os prédios altos e assustadores, a liberdade do alto e a sensação de ser invisível para todos na cidade abaixo.
Apesar de Kiara contar tudo com um sorriso e mais confiança, Erik não podia deixar de se sentir triste, pois só conseguia imaginar por quanto tempo a garota havia sofrido, suportado tudo aquilo, vivido sem um teto, sem comida, sem ninguém ao seu lado, sem se sentir segura e sem menos ainda saber quem era.
- Agora eu entendo um pouco porque você tinha tanto medo quando te conheci...e porque se sentia tão insegura com tudo. – Disse Erik, de repente, com os punhos cerrados.
- Ah... Você...não gostou do que mostrei? – Disse Kiara, preocupada.
- Não é isso, eu gostei e estou gostando, mas é como você disse: essa é a cidade na sua visão, a sua perspectiva. – Disse Erik. – E pra mim, apesar do cenário ser bonito, esta cidade parece ainda mais sufocante daqui... Não tem muito barulho, mas é o oposto, é o silêncio.
Kiara estava confusa, mas manteve-se prestando atenção na reflexão do amigo.
- Você passou sabe-se lá quanto tempo vivendo por aí, por aqueles becos, por estes telhados e prédios... Fugindo e se escondendo, sendo diferente de todos, sem saber quem é e sem ter memória alguma do passado... – Continuou Erik, sem tirar os olhos do horizonte. – É triste e doloroso.
Apesar de ser tudo muito novo, a última semana e, em especial, os últimos dias de Kiara foram cheios de aprendizado, segurança, conforto, amor e alegria...coisas que ela nunca teve, ao menos não que se lembrasse; porém, as lembranças do medo, da solidão, da tristeza e da confusão jamais deixaram a jovem, as falas de Erik, naquele momento, fizeram com que parte desses sentimentos voltassem para ela em dose menor.
Vendo Kiara abaixar a cabeça, parecendo triste, Erik se aproximou mais da amiga e tocou sua mão direita.
- Desculpa, não quis te chatear, eu só... – Disse Erik, preocupado, logo respirando fundo. – Com isso tudo, o que eu quero dizer é que, não importa o que aconteça ou o que eu tenha de fazer, eu não vou permitir que você volte para essa vida de medo e solidão. Você não está mais sozinha, já sabe disso, mas eu vou garantir que realmente nunca mais se sinta sozinha, Kiara.
Kiara segurou a mão de Erik e sorriu levemente, erguendo sua cabeça novamente.
- Obrigada... – Disse Kiara, respirando fundo, claramente segurando o choro.
Enquanto ambos observavam a vista da cidade, de mãos dadas e em silêncio, as almas dos dois jovens surgiram aos poucos e brilhavam, ressoando uma com a outra, assim como no dia em que se conheceram.
Kiara e Erik ficaram surpresos, mas nada disseram ou fizeram sobre isso, mesmo que não soubessem o que significava, eles não queriam mais pensar sobre os problemas ou mistérios que os rodeavam, ao menos no momento, pois só queriam aproveitar o tempo pacifico que tinham juntos naquele resto de fim de semana.
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