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História Aos Olhos do Mundo - Sobre Pessoas


Escrita por: NoahBlack

Capítulo 3 - Sobre Pessoas


Aos Olhos do Mundo

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Capitulo III - Sobre Pessoas

 

Eu sofri um acidente automobilístico no qual sabe Deus como sobrevivi.

Um acidente que fez dos tendões dos meus joelhos pontas desunidas e me deu alguns dias de descanso do mundo. Lá estava eu em coma na ala hospitalar em alguma cidade da Suíça. Eu não lembro como, mas o táxi capotou algumas vezes e algumas vezes meu corpo parecia flutuar.

Acordei 8 dias depois.

E com a mão da minha mãe entrelaçada a minha. Não consegui mexer meus dedos para lhe fazer um carinho e dizer que estava tudo bem, que eu só estava dormindo e que no fim era disso que eu precisava ultimamente.

Dormir e não precisar ter pesadelos.

Roger estava lá também, igualmente preocupado, e meu pai apenas havia saído para comer alguma coisa - era o turno dele e Roger teve de insistir muito.

Minha mãe, obviamente, chorou ao me ver de olhos abertos e Roger quase se jogou para fora do quarto para procurar meu pai. Tudo bem, eu pensava, mas eu não queria de fato dizer nada. Queria olhá-los, ver o quão claro eram as paredes do quarto e quão bonita a neve caía lá fora.

Eu passei por cirurgias para os joelhos e vários entendidos para tentarem me explicar porque meu braço não mexia. Psicossomático, eles disseram e eu aceitei, apesar de não entender como poderia eu psicossomatizar sendo que nem me lembrava de como fora o acidente. Não lembrava de dores, não lembrava de choques e nem de cortes. Mas tinha uma boa lembrança de como fora quando eu tropeçara na quadra de tênis numa das primeiras vezes em que pisei em uma e cai com a cara no chão e consegui abrir o supercílio.

Naquela tarde, no hospital, segurando minha mãe enquanto a enfermeira me dava alguns pontos, papai me disse para não desistir.

- Mas eles vão rir de mim, papai. Eu cai e ninguém mais caiu.

- Eles são um bando de bobões. Você já sabe o que quadra pode fazer, então agora precisa mostrar para eles o que você pode fazer com a quadra. Arrebenta, filha. - E ele me sorriu e no dia seguinte eu estava na aula com um curativo enorme na cara.

Eu ainda sinto dor.

Não sei o que aconteceu com o meu ombro, mas ele dói às vezes também, mais que os joelhos. Mais que os calcanhares, o punho, cotovelo. Dores de um tenista que faz excessivamente movimentos repetidos e recebe muita força no meio de sua raquete.

- O que foi? - Meu treinador, John, se aproxima de mim ao me ver fazendo algumas caretas.

- Nada, só tá enchendo o saco de novo.

John mantém a preocupação na ruga franzida em sua testa.

- Podemos_

- Não, John. Vamos continuar. - Peço calmamente enquanto giro meu ombro.

E volto para a minha posição em quadra e ele na dele porque bem sabe que eu sou teimosa. Algo dentro de mim começa a sussurrar. São as dores que não cessarão. Por um bom tempo na minha vida ser tenista me foi o único futuro provável e sonhado. Não quero ouvir as vozes porque tenho medo do que elas me dirão.

Acabamos o treino e John me parabeniza, novamente, pelo desempenho e eu apenas consigo menear a cabeça concordando enquanto vejo os pingos de suor mancharem amplamente o chão. Pego minhas coisas e penso se tomo banho no clube ou em casa.

- Srta Lunière?

Um rapaz alto me chama e eu o reconheço. Trabalha no clube há algum tempo apesar da pouca idade.

- Essa carta foi entregue hoje de manhã e está endereçada à senhorita.

Pego o envelope de sua mão e agradeço Phillip pela gentileza de me esperar terminar para fazer a entrega.

- Jamais seria capaz de desconcentrar a senhorita.

- Muita bondade de sua parte, Phillip - e sorrio genuinamente para ele. - Sua irmã?

- Já melhorou, obrigado por perguntar. Vai poder voltar para a escola em breve.

Fico feliz.

Eu preciso saber um pouco da intimidade de quem me cerca para mostrar a eles que tenho interesse neles como pessoa - e não somente como alguém que pode me trazer uma carta lá de cima no frio só para poder me ver e se sentir próximo a mim. Muitos fazem isso, mas Phillip não é um desses. Quando comecei a treinar aqui, ele era apenas uma criança mais interessada no meu poder de mira do que em quem já havia me tornado.

A carta não tem nada de especial e nem ao menos pode ser considerado carta. É um bilhete escrito em pedaço de papel em que a pessoa que escreveu teve um pouco de cuidado para destacar aquele pedaço. Caligrafia inclinada e com pontas, em que os "l" parecessem quase espadas.

- As pessoas ainda fazem isso hoje em dia?

- O que exatamente, senhorita? - Phillip, pego de surpresa com a minha voz descontraída, passa a me olhar um pouco assustado sem saber de fato se deveria ter me respondido com tanta intimidade.

- Convidar para se juntar a elas em jogos, mesas, almoços. Você sabe quem essa pessoa é? - E mostro a assinatura da carta. A cara de incrédulo daquele jovem rapaz me é mortal, julgando-me por não conhecer o nome de um dos maiores astros ingleses da atualidade.

- É o Mr Cumberbatch - Phillip me responde meios aos sopros e mexendo a cabeça de cima à baixo devagar para ver se eu terei um insight a cada palavra pronunciada.

Mas obviamente que não.

Já me encontrei com muitas pessoas. Muitos deles vão aos jogos, estão nas festas e nos compromissos com os patrocinadores, estão nos bailes beneficentes e alguns aniversários. Porém, sempre são muitos - e ao menos que a pessoa esteja em algo que eu particularmente goste muito, não consigo me lembrar.

- Ele atua em Sherlock. - E eu ainda fico parada olhando. - Jogo de Imitação?!

- OH! - Exclamo em genuína felicidade. - Esse eu vi... - e Phillip me julga por não assistir a Sherlock.

- Devo mandar alguma resposta ao Mr Cumberbatch?

A voz de Phillip me parece mais entusiástica do que apreensiva. Olho para ele: está pressionando os dedos sobre a palma da mão e me observa com o corpo petrificado e lutando para que respiração esteja em um ritmo humanamente normal para um indivíduo em repouso e que não esteja ansioso para se apresentar e pronunciar a minha resposta para o próprio Cumberbatch em pessoa.

- Agradeça a ele o convite e pela formalidade da educação ao me enviar uma "carta" - e faço as aspas no ar e aviso Phillip para não fazer as aspas para o Mr Cumerbatch, - mas, infelizmente, diante dos meus compromissos já agendados terei de declinar a atenção - e sorrio.

- Muito bom, senhorita - e me sorri porque dou a ele a oportunidade de muito se pronunciar para essa pessoa tão estimada.

A verdade é que eu não tenho absolutamente nada para fazer no resto da tarde, com exceção aos meus pais. Um dos poucos dias do ano em que posso me dar esse prazer. Vou para o vestiário mas não sem antes poder capturar a corrida de Phillip morro acima para seja-lá-onde-esse-cidadão-se-encontra. Eu não sou dada às formalidades, mas aprendi que isso é necessário quando não se está entre os seus. No Brasil, bastaria dizer um desculpe, não posso, muito obrigado e seguir minha rotina, mas aqui eu preciso me cercar de alguns cuidados.

Jane Austen já me ensinou isso com sua Elizabeth Bennet.

Vou ao vestiário, troco de roupa, pego meu celular. Anne me enviou algumas mensagens de alertas sobre futuros compromissos, como uma festa de patrocinador e até mesmo o almoço com os meus pais. Atenciosa.

Entro no meu carro, vidros escuros, blindados. Foi Roger quem me presenteou com o modelo italiano, dizendo ser de minha necessidade física um carro como aquele diante da quantidade de assaltos, tiroteios e sequestros que têm acontecidos ultimamente. Hiperbólico como sabe-Deus-o-motivo sempre.

Atravesso Londres sempre com um olho no asfalto, no trânsito e no céu, ciente do meu guarda-chuva reserva debaixo do banco. Entro em casa e me enfio debaixo do chuveiro porque, afinal, se não sair de casa em meia hora, já estarei atrasada para almoçar com eles.

Meus pais se aposentaram há alguns anos e eu quis que eles tirassem as férias das vidas deles, passeando por todos os lugares que sempre sonharam conhecer. E eles estão nessa empreitada desde então, planejando cada viagem e cada presente que devem levar para a filha. Em algumas oportunidades conseguem fazer escala em Londres e almoçamos ou jantamos juntos.

Quando chego no restaurante reservado por eles, já encontro meu nome destacado em fluorescente na lista da maître. Ela, elegantemente, me deseja boa tarde (afinal, eu atrasei), me guia até a mesa dos meus pais e chama um garçom para me atender.

Papai se levanta e me abraça e mamãe faz o mesmo em seguida. Estão corados. Conversamos na simplicidade que se é conversar com os seus pais quando vocês têm um bom relacionamento. Eles me contam da última viagem, das aventuras, das pessoas que conheceram e da quantidade de coisas que compraram para mim, que em breve chegarão na minha casa.

Não é surpresa que fico com eles pelas próximas três horas, e sinto o calor do aconchego do lar. Mesmo estando há tanto tempo morando longe e com a minha própria casa, nunca de fato me senti como se tivesse um lar. Sei que muitos anseiam pelo momento de morarem sozinhos, terem seu canto e longe dos pais: para mim, grande parte de mim - na verdade - anseia pelo momento em que eles possam vir morar comigo. Eles não farão isso porque, mesmo que o mundo agucem a curiosidade deles, é lá na cidade do interior de São Paulo que eles sempre retornarão depois de cada jornada.

Acostumamo-nos assim. E Skype, Whatsapp e afins realmente nos ajudam a ficar próximos.

Eles seguem comigo para casa na insistência minha de que saiam imediatamente do hotel.

- Hotel! Qual é pai! Tem um quarto enorme lá em casa sempre esperando por vocês! - Reclamo enquanto encerramos a conta.

- Mas sabemos como final de ano é... e não_

Olho para minha mãe com ternura.

- Jamais. Se em Londres, sempre em casa.



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