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História Apenas uma história - ones - O começo


Escrita por: Nana-chan99

Notas do Autor


ATENÇÃO! Eu postei uma one com o nome "Apenas uma história" há algum tempo e marquei como concluída. Porém, decidi que continuaria a escrever outras dentro da mesma realidade. Portanto, mesmo que cronologicamente esta venha antes, a primeira que postei é a que já foi concluída. Leiam na ordem que preferirem. Continuarei a escrever ones dentro desse "book", mas não prometo regularidade nas postagens.
Por fim, nenhum dos personagens me pertence, mas a história sim, então sem plágio, ok?
Enjoy:)

Capítulo 1 - O começo


Eu era apenas um estudante do segundo ano de Direito quando quis processar um adolescente. 
Lá estava eu, sentado no meu gramado da frente numa tentativa de esfriar um pouco a cabeça, tomando uma cerveja, quando ouço uns "clicks" baixinhos vindos do meu lado direito. Do outro lado da cerca de madeira estava meu novo vizinho. Um adolescente que eu só vira de relance até agora, apontando uma câmera fotográfica para mim. 
- Ei! Pivete! - eu gritei, e ele deu um pulo de surpresa - O que pensa que está fazendo?
O rosto dele começou a corar do modo que só o de um pirralho faria. 
- Sinto muito, senhor - ele respondeu, dando um sorriso sem graça - eu só estav-
- Só estava tirando fotos minhas sem permissão, não é? - o interrompi - Se essas fotos forem parar em qualquer lugar posso processar você por usar minha imagem, sabia? 
Eu faria isso sem o menor remorso. 
- O que?! Não! De jeito nenhum - abanava a cabeça freneticamente - Eu não deixaria que ninguém mais as visse só...as guardaria...comigo. 
Ele desviou o olhar e minha desconfiança natural despertou. 
- E por que você faria isso? 
- Porque...o senhor estava, d-digo...é...muito bonito. 
"Hã?!"
Depois dessa ele simplesmente se encolheu todo e voltou quase correndo pra dentro de casa, me deixando com mais algumas dúvidas com as quais me preocupar. 
Meu dia não estava sendo dos melhores. Aliás, não eram sequer levemente animadores há um bom tempo. Acho que começou mais ou menos quando terminei o ensino médio, com 17 anos. Eu era um adolescente ignorante e irritadiço, que buscava briga por qualquer besteira. Sem muita vontade de ingressar numa faculdade com um bando de outros fedelhos superficiais (assim como eu o era na época) enrolei meus pais tempo o suficiente até ter idade de entrar para o exército. Lá, dei continuidade aos meus treinos de artes marciais e aprendi pelo menos um pouco sobre disciplina. Fiquei perfeitamente acomodado por cinco anos naquele lugar, sem realmente me esforçar para crescer em posições. Isso até eu me meter numa briga com um colega de quartel. Não foi nada tão grave assim, mas nós dois fomos expulsos. Então, tudo estava uma maravilha! Eu tinha 23 anos, muita raiva, nenhum curso superior e muita raiva por ser obrigado a fazer um curso superior. De alguma maneira fomos convencidos de que ou você tem uma formação ou não presta pra mais nada. 
Passei um ano reestudando tudo o que precisaria pra ingressar numa faculdade, depois passei outro ainda estudando, recebendo resultados negativos e trabalhando em tempo integral como professor de artes marciais para adultos (crianças provavelmente teriam mais medo de mim do que os adultos tinham). 
Finalmente, fui aceito numa boa faculdade de Direito, aos 25. Acho que escolhi esse curso porque queria descobrir exatamente como se resolviam conflitos sem ser com violência, não tenho certeza. 
A questão é que minha vida era estável. O que era perfeito para alguém como eu, que se alterava drasticamente por qualquer coisinha. Foi um milagre eu não ter pulado no pescoço do pirralho que tirava fotos minhas naquele dia, mas eu estava mais do que esgotado depois de ter me envolvido numa discussão bastante acalorada com um aluno mais adiantado da faculdade e ter sido ameaçado de expulsão. Se eu fosse expulso mais uma vez, não saberia o que fazer da minha vida. Duas coisas tinham abalado minha tão prezada estabilidade no mesmo dia. Voltei para dentro de casa e fui dormir. 
Na manhã seguinte, minha mãe me acordou dizendo que o rapazinho que morava ao lado queria me ver. Disse que ela deveria mandá-lo pro inferno por me perturbar tão cedo num domingo. 
Obviamente, ela não fez isso. Apenas voltou mais tarde pra me tirar da cama e dizer o que o garoto queria. 
- Quando o Eren esteve aqui mais cedo-
- Quem? - eu indaguei. 
- Eren! - minha mãe respondeu, parecendo incrédula - o filho dos nossos novos vizinhos! Você sequer sabe o nome do rapaz? Francamente, Levi!
- Não é como se isso me importasse - resmunguei. 
- Pois devia! Porque ele fez algo lindo por você! Queria te entregar isso. 
Eu franzi o cenho e peguei o envelope pardo que ela me estendia. Dentro dele encontravam-se várias fotos minhas, todas muito parecidas fora o ângulo, a iluminação, as cores, essas coisas. Junto com elas, um cartão caiu em meu colo. O abri e encontrei palavras escritas numa caligrafia típica de um garoto da idade dele (hieróglifos, por assim dizer). 
"Essas são todas as fotos que existem. Apaguei elas da memória da minha câmera. Isso é tudo que resta daquele momento. Pode ficar com todas, se livrar delas, escolher sua preferida, você que sabe. Mas espero que goste. 
"Eren
"Ps.: Também espero que o que quer que o esteja atormentando tanto desapareça"
Olhando para aquelas imagens, tinha que reconhecer que o pirralho fizera um ótimo trabalho. Eu era consciente de que a maioria das pessoas me achava atraente, mas aquilo era diferente. O "eu" da foto parecia estar em outro mundo, abatido, tristonho, sentado no chão com uma perna dobrada e outra esticada, uma mão atrás do corpo servindo de apoio e a outra apoiada no joelho e segurando a garrafa frouxamente. Todo o ambiente, o modo como a luz batia diretamente no rosto do "eu"... Ele estava calmo, mas não em paz, e sim resignado. Eu podia sentir de novo e vividamente exatamente o que estava sentindo quando aquelas fotos foram tiradas. 
"Também espero que o que quer que o esteja atormentando tanto desapareça"
Moleque esperto.
As fotos eram numeradas na parte de trás, e a número oito era sombreada nas extremidades e tinha uma única faixa de luz direcionada no "eu". Não sei como o guri fazia isso, mas tinha ficado bom. Era como se o "eu" estivesse sozinho. 
Coloquei as fotos dentro do envelope, pus tudo dentro de uma gaveta do guarda-roupas e não pensei mais sobre isso...
Até o dia seguinte em que eu estava voltando pra casa, tinha acabado de descer no ponto de ônibus e percorreria o resto a pé, quando vi o tal Eren. Ele saía de um prédio meio espremido entre as outras lojas daquela rua comercial e carregava uma bolsa de alça longa e transversal pendurada num ombro. Eu não tinha outra opção a não ser passar por ali para ir pra casa, então foi inevitável que o pirralho me visse. 
- Oh, olá - ele sorriu - Que coincidência o encontrar aqui. 
- Não exatamente - respondi - Somos vizinhos. Parece que tomamos o mesmo caminho pra voltar pra casa. 
- Ah, verdade. Faz sentido - lá estava ele, corando de novo. 
Eu não respondi e caminhamos em silêncio. Achei normal seguirmos os mesmo caminho, mas estranhei quando, uma rua antes de nossas casas, o pirralho tomou uma direção diferente. 
- Ainda não vou para casa  - ele me disse, como se me devesse alguma satisfação - Mas muito obrigado pela companhia
Acho que resmunguei alguma coisa antes de me afastar. Não era como se eu me importasse pra onde o pirralho ía. 
Nos dias que se seguiram era sempre assim, fora os domingos. Eu o encontrava saindo daquele lugar e andávamos juntos a maior parte do caminho até o momento em que ele ía pra onde quer que fosse. 
Eren sempre me cumprimentava e se despedia, mas eu sempre achava essa atitude meio...superficial vinda dele. Não podia afirmar nada, afinal mal o conhecia, mas era como se ele só fosse tão polido porque havia aprendido que era assim que se devia agir com pessoas mais velhas. Não dava real importância as formalidades. 
Enfim, essa rotina se repetiu por um bom tempo. Havia se tornado tão comum que, no dia em que não encontrei o pirralho saindo por aquela porta, estranhei. Fiquei alguns segundos parado na calçada, minha mochila pendendo de um ombro. Olhei ao redor, esperei por um minuto inteiro, e nada. Minha paciência era bem curta, então decidi que nada daquilo era da minha conta. Continuei meu caminho, mas ouvi uma voz exaltada que chamou minha atenção. Parecia muito com a do pirralho. Andei mais um pouco e vi a entrada de um beco um pouco antes da esquinas que costumávamos virar. Como era o horário em que a maioria das pessoas voltavam pra casa, nenhum dos civis apressados parecia notar a comoção que acontecia lá dentro. 
Cinco crianças (adolescentes, que seja) faziam um meio círculo contra uma parede, cercando meu jovem vizinho. Eren estava agarrado a alça de sua bolsa como se sua vida dependesse disso. 
- Que isso, Eren! - um dos pivetes disse - Nos deixe ver! A gente só quer dar uma olhada no seu trabalho! Não vamos pegar seu dinheiro nem nada! 
- Não tem nenhum dinheiro comigo - o pirralho tentou sair do meio deles mas foi empurrado de volta contra a parede. 
- Ah, não? - o sarcasmo naquela sentença era gritante - Se não tem dinheiro, então por que tem tanto medo que eu mecha aí? Por acaso tem alguma foto do seu namorado?
Todos riram, como se essa fosse a piada do século. 
- Deixe de idiotices. Eu não tenho namorado nenhum!
- Ah! Então nem as mulheres e nem os homens te quiseram? Que triste!
Eu juro que ía interferir naquele instante antes que as coisas ficassem feias, mas decidi assistir um pouquinho mais quando vi o pirralho empurrar o bastardo que falava. Não me julguem, claro que não deixaria ninguém se machucar. 
Bom, a questão é que o tal bastardo não gostou de ser desafiado, então mandou seus outros amiguinhos brutamontes segurarem os braços do pirralho. Eu estava até admirado. Ele estava imobilizado e em clara desvantagem, mas não vi sinal de medo em nenhum momento em seus olhos. 
- Você é valente, Jaegar? Vamos ver por quanto tempo vai manter essa marra depois que eu te espancar até a inconsciência - nada, o guri nem piscava - estraçalhar seu rostinho de mulherzinha - acho até que ele parecia mais desafiador - e quebrar um por um os seus dedos. 
E foi simples assim que o pirralho saiu de uma expressão desafiadora pra pânico. Chegou a fechar as mãos em punhos, como se para protejer os dedos. Acho que não fui o único a perceber isso. 
- Isso mesmo. Vou quebrar todos eles até você não ser capaz de mantê-los retos, muito menos segurar um lápis. 
É, essa era minha deixa. 
- O que está fazendo, pirralho? - Não gosto de entradas dramáticas. Simplesmente apareço e falo - Pare de brincar com seus amiguinhos e vamos logo. Eu já estou atrasado por sua causa. 
- L-Levi?!
- Quem é o anão de jardim? Seu namorado? 
Aquele garoto estava pedindo pra morrer. Eu ía mostrar o anão de jardim. Esse era o momento em que mostrava pra eles como se lutava de verdade, sem quebrar nada importante, e os assustava até a morte. Mas, vejam só, nem precisei fazer isso!
- D-Duncan... - isso foi um dos pivetes chamando o mais desbocado deles. Olhei melhor para ele e, que ironia, era um de meus alunos! Não me admira que estivesse tão amedrontado. Adivinhem quem iria fazer o triplo de flexões na segunda-feira?
- O que é? - Duncan ralhou. Meu pobre aluno foi até ele e cochichou algo em seu ouvido - Esse anãozinho?! Seu professor? Tá brincando!
Todos se mostraram tão descrentes quanto ele e meu aluno já suava frio.
Acho que posso resumir essa parte. Não demorei muito a provar para o tal Duncan o porquê seu amiguinho tinha tanto medo de mim. Os outros pirralhos não tiveram coragem nem de tentar e "o" pirralho ficou me encarando meio estupefato até que eu o puxei pelo casaco para que saíssemos daquele beco imundo. 
- Aquilo foi...incrível - Eren me disse enquanto caminhávamos - Obrigado. 
- Não me agradeça, e tenha a certeza de não se meter mais em encrencas e fazer eu me atrasar - repliquei, na esperança de que me tom mal-humorado o fizesse ficar quieto. 
- Sim senhor - ele disse, rindo levemente. Garoto esquisito. 
Andamos em silêncio até o momento em que nos separávamos. Ele ía se despedindo quando as palavras escorregaram de minha boca. 
- Pra onde você vai quando nos separamos aqui? - perguntei. O corpo todo dele tensionou levemente e eu tentei desconversar - Esqueça, foi estupidez minha perguntar. Não é da minha con- 
- Não! - ele me interrompeu - Digo, você salvou minha vida lá atrás. Acho que posso te mostrar, se tiver tempo, claro. 
Achei que "salvar a vida" era um modo muito dramático de descrever. 
Eu não tinha nada melhor pra fazer, então o segui. Ele me guiou até um estabelecimento que parecia abandonado a primeira vista. Tirou uma chave da bolsa e entrou. 
Eu quase dei meia volta e saí. Aquele lugar estava uma zona. O prédio em si era comum. Tamanho médio, pilastras aqui e ali, paredes de tijolos. Bem, eu vi apenas um pouco da parede de tijolos, porque a maior parte dela estava coberta por quadros e folhas de diversos tamanhos, todos preenchidos pelos mais variados desenhos, pinturas, colagens, o que quer que fosse. Havia mesas distribuídas pelo espaço e elas estavam abarrotadas de materiais dos mais diversos tipos. Alguns eu sequer sabia que existiam. Até mesmo esculturas estavam dispostas aparentemente sem ordem. O ar tinha um cheiro pesado e tinta a óleo e solvente. Resumindo, uma zona. 
- Bem-vindo ao meu ateliê - o garoto sorriu para mim, os olhos brilhando. 
- Isso está uma bagunça... - até eu admito que fui bem insensível, mas eu gostava de limpeza e organização, além de ter a disciplina de um militar impregnada em mim. Não era como se pudesse evitar. Felizmente, Eren não pareceu ofendido. 
- Escuto muito isso, mas, acredite ou não, eu sei exatamente onde tudo está. 
Não sei se acreditava, mas, de novo, não era da minha conta. 
O resto da tarde se seguiu com Eren me explicando o que era aquilo tudo. Ele parecia se animar facilmente quando o assunto era seu trabalho. 
- E essa aqui eu fiz especialmente para o senhor Arlert - ele dizia enquanto apontava para um quadro que retratava a cidade de Londres no fim da tarde. 
- Quem? - eu perguntei. 
- Ah, desculpe - ele coçou a nuca - O senhor Arlert é o dono de uma escola de artes. O lugar onde sempre nos encontramos. 
- Hm. Já devia ter imaginado que você fazia aulas de arte. 
- O que? - ele indagou - Ah, não, não. Eu não faço aulas. Eu dou aulas.
Claro que dava. Porque não bastava que o pirralho fosse super crescido, ele também tinha que ser algum tipo de prodígio com olhos maravilhosos (é, eu pensei isso. Não tinha como evitar). 
- O neto dele, Armin, é meu melhor amigo e dá aulas de redação e escrita criativa. 
- Mas qual o problema com os adolescentes de hoje? - eu disse - Vocês são super dotados ou coisa assim?
Eren riu de novo e se sentou em cima de uma mesa, empurrando uma cadeira com o pé para que eu me sentasse. 
- Não é bem assim - ele respondeu - Nós bem que queríamos ter o ritmo que outros adolescentes têm, mas quando se escolhe caminhos como os nossos, você tem que se esforçar pra ser o melhor. 
- Caminhos? - eu indaguei. Não era como se eu achasse que jovens da idade dele tivessem que fazer grandes escolhas. 
- Caminho profissional. Acho que os adultos se esquecem ou não se importam, mas é estressante ter 16 ou 17 anos. Dizem que você pode fazer o que quiser, mas são apenas palavras porque na realidade querem nos impor as profissões mais lucrativas. Mesmo assim, ainda temos que fazer "alguma coisa", porque ou você tem um curso superior e não sei mais o que ou não tem nada. Por fim, crescemos sabendo que o mundo caótico que vemos nos noticiários todos os dias é o que nos espera e o que temos que tentar consertar. É muita pressão. Agora passar por tudo isso e ainda ser artista é pior. Afinal, não é uma "profissão de verdade", como meu pai gostava de dizer. 
Fiquei vendo enquanto ele fitava o espaço vazio com um olhar vago. O que ele falou me deixou pensativo. Acho que eu era um desses adultos que tinha se esquecido de como era ser adolescente. Na verdade, nem quando eu tinha aquela idade tinha dado muita importância pra tudo isso, ou pra qualquer coisa. 
Eren logo se desculpou por ter divagado tanto e tomado meu tempo, e eu até me surpreendi ao perceber que já tinha anoitecido. Tinha verdadeiramente apreciado ver o trabalho do pirralho. Uma mistura de talento com prováveis inúmeras horas de treino e dedicação. Vi obras tão lindas que não saberia descrever. 
Nós andamos juntos para casa e, antes que o garoto se despedisse, eu falei primeiro. 
- Oito - vi seus olhos confusos - A número oito. É a minha preferida. 
Ele sorriu para mim, agradeceu, se despediu e entrou em casa. 
Naquela noite eu conheci a primeira camada de toda a profundidade da mente de Eren. 
...
Nem preciso dizer que nossas caminhadas de volta pra casa agora eram levemente recheadas com uma conversa descontraída da parte de Eren e alguma contribuição ocasional minha, a não ser quando ele me perguntava da minha vida, aí se colocava no papel de ouvinte atento. 
Ele pareceu ficar animado com o fato de eu ter sido do exército. Me disse que sua irmã mais velha tinha acabado de  se alistar. 
Enfim, Eren também passou a me convidar para acompanhá-lo até seu ateliê e vez ou outra, eu aceitava. Continuávamos com o que quer que estivéssemos conversando e eu assistia enquanto o pirralho trabalhava. Às vezes eu até estudava lá e ficávamos apreciando a companhia um do outro em silêncio. Quase nem notava mais o cheiro forte de verniz, tinta a óleo e solvente. 
Se você já viu todo o processo de produção de um desenho ou um quadro, deve entender o que vou dizer. É surpreendente o fato de um monte de rabiscos soltos lentamente se transformarem numa obra de arte. 
Nós até fizemos uma troca. O guri tentou me ensinar a desenhar e eu o levei a algumas aulas minhas na academia. Conclusão, eu sou um completo desastre com um lápis na mão, e Eren até tem determinação, mas nenhuma aptidão para a luta. 
Enfim, essa se tornou nossa rotina. Fora o tempo que eu passava com Eren, eu ía pra faculdade, estudava e trabalhava, e não é difícil deduzir qual era a parte que eu mais gostava. Acho que a espontaneidade e a alegria do garoto me encantaram sem que eu sequer percebesse. Eu era muito alheio aos meus próprios sentimentos na época para perceber isso sozinho. Foi preciso que eu sentisse sua falta para isso, o que aconteceu uns dois meses depois da primeira vez que fui ao seu ateliê. 
Assim que não o encontrei saindo da escola de artes já me inquietei. Esperei por uns dois minutos e quando estava prestes a ir a procura dele, a porta se abriu, mas não era Eren. Um outro garoto, bem mais baixo, com cabelos loiros e feições infantis me encarou com grandes os azuis. 
- Hã...posso ajudá-lo? - ele perguntou. 
- Sim. Conhece um garoto chamado Eren? Sabe me dizer quando ele sai? - eu perguntei. 
- Ah! Você deve ser o Levi. Eren fala muito de você - ele sorriu - Ele saiu mais cedo hoje e pediu que o avisasse que estava bem. Me mandou uma mensagem dizendo do que chegou bem ao ateliê e que fala com você a noite se não chegar muito tarde. 
Acho que a palavra que melhor descreveria como me senti naquele momento é "desprezado". Eren não só tinha me deixado preocupado, como displicentemente enviado um amiguinho qualquer pra me dar uma mensagem e um "talvez te veja a noite". Senti raiva. Muita raiva. 
Com um grunhido irritado e minha expressão mal-humorada de sempre, deixei o loirinho para trás e voltei para casa sem pensar mais em Eren. Não era da minha conta, certo? Naquela noite fiz questão de dormir bem cedo. 
Isso aconteceu mais de uma vez. Eren saía mais cedo e pedia para que o garoto, Armin ou algo assim, me avisasse. Eventualmente eu parei de esperá-lo na porta, vez ou outra simplesmente pegava carona no carro de algum colega. 
Minha vida estava totalmente organizado e nos eixos novamente...e completamente sem graça. 
Numa tarde em que eu voltava a pé e passava sem sequer olhar para o pequeno estabelecimento, uma voz familiar me chamou. 
- Levi! - eu me virei e encarei os olhos azuis daquele garoto - Tem um minuto? 
Eu grunhi para ele e acho que ele entendeu isso como um "sim", porque continuou falando enquanto me acompanhava em minha caminhada. 
- Percebi que quase não passa mais por aqui e o Eren disse que ás vezes volta sozinho para casa. Tem algum motivo para isso? - ele disse e sorriu. 
Eu o fitei com veneno nos olhos. Aquele sorrisinho inocente me inquietava. Eu tinha certeza que ele sabia a resposta para a pergunta. 
- Ele que parou de aparecer primeiro. Não é como se eu fosse ficar esperando como um cachorrinho obediente e aceitando qualquer desculpa esfarrapada dele. 
- Ah... - o garoto disse, como se eu tivesse apenas confirmado suas suspeitas - Entendo porquê de estar chateado. O Eren nunca foi muito bom com compromissos. Ás vezes parece até que não se importa. 
- Eu que o diga, pirralho - resmunguei. O loiro parecia até ser bem sensato. 
- Mas, sabe, isso é só porque ele é muito lerdo. Ele falou muito de você - O olhei de esguelha e deixei minha expressão mais apática aparecer - É verdade! Ele tem esse jeito inocente de cachorrinho, mas na verdade nunca confia em ninguém de primeira. Mesmo assim, ele parece ter se apegado bastante a você. 
- Hm - resmunguei - Se isso fosse verdade ele não teria sumido assim. 
- Talvez ele esteja trabalhando em algo importante. Só espero que não seja naquela sala assustadora dele...
- Sala assustadora? - perguntei. 
- Oh! Você não viu... - ele fez uma expressão constrangida - Bom, não é nada demais. Apenas uma sala mais escondida naquele ateliê dele onde ele deixa umas obras meio...tristes. Pelo menos eu tenho certeza de que ele não vai pra lá hoje. Disse que tinha que ajudar a dona Carla com umas tarefas da casa. Ele sempre foi tão prestativo...
Te toda essa frase, a única parte que parecia ser mentira era "não é nada importante". Aquilo ficou se remexendo na minha mente. Cheguei na esquina em que viraria e só depois de ter me separado do pirralho foi que me perguntei o porquê de ele ter me seguido num caminho que nem aprecia ser o mesmo que o dele. 
*Author's POV*
Armin suspirou e deu meia volta. Seria uma longa caminhada até sua casa, mas tinha valido a pena. Um sorriso brincou em seus lábios. 
- Ah, Eren. Você me deve mais uma. 
...
É claro que eu sabia o que o amiguinho de Eren queria, mas não é como se isso mudasse alguma coisa. O pirralhinho manipulador queria me deixar curioso e conseguiu. Era tão dissimulado que me lembrava de um velho amigo, mas isso não vem ao caso.
Nem sei quanto tempo eu passei andando pelo meu quarto, remoendo aquilo. Sabia que o garoto não tinha mentido, mas talvez tivesse exagerado...será? 
E por que o pirralho não tinha me dito nada? Não confiava em mim? 
Resultado óbvio, não aguentei de curiosidade. Armin tinha dito que Eren ficaria em casa pela noite, e eu confirmei pelo menos essa informação. Podia ver ele na cozinha com a mãe pela janela que ficava de frente pra minha. 
Fase um, ok. 
Fase dois: arrombar o ateliê....pensando nisso agora, foi algo bem cretino a se fazer, mas eu estava muito curioso. 
A bem da informação, devo dizer que não é muito difícil abrir uma fechadura com poucas ferramentas simples, e que essa foi uma das coisas não muito legais que aprendi durante meu tempo no exército. Se bem que a fechadura daquela porta me deu um trabalhinho extra. Minha sorte era que não havia câmeras na rua. 
Já do lado de dentro, eu ascendi a luz e escaneei o ambiente. Eu tinha passado muito tempo naquele lugar e nunca tinha visto a tal sala, e o garoto tinha dito que ela estava escondida. Sabendo disso, me pus a examinar as paredes, imaginando que atrás de algum daqueles quadros, esculturas e tecidos houvesse uma porta. 
Nem foi uma tarefa tão difícil assim. A porta era pintada com uma cor igual à da parede em volta e ficava atrás de um grande tecido colorido estampado com pequenas flores. Obviamente, eu tive que arrombar essa porta também. Até esse momento, eu já tinha me perguntado umas seiscentas vezes se deveria mesmo fazer aquilo. Mas sabe quando uma parte da sua mente manda a outra calar a boca e ir pro inferno? Então...
Finalmente consegui abrir aquela maldita tranca e entrei. Era uma sala empoeirada, escura e sem janelas, abarrotada de quadros. Mas esses eram diferentes. Não havia flores, animais, cidades, florestas, formas coloridas ou pessoas sorridentes. Mas cores escuras, sombrias, borrões de tinta rudemente jogados na tela. Autorretratos que mostravam um lado de Eren que eu não conhecia. O lado infeliz. 
Acho que todo mundo tem isso. Um lado feliz e outro mais melancólico. Mas quando esse último era representado em imagens tão fortes...é pra deixar qualquer um desconfortável, exatamente como eu estava. 
A maioria não representava uma cena específica, apenas sentimentos ruins. Outras retratavam Eren chorando, gritando, sendo machucado por sei lá quem, com raiva. Era tudo tão.....pesado. 
- Levi? 
Ouvi essa voz chamando meu nome e me virei. Eren estava parado na soleira da porta, tinha um esfregão numa mão, algumas olheiras e me encarava levemente surpreso. 
- E-Eren! Eu... - nem me lembro da última vez que gaguejei. Só espero não ter corado de constrangimento - Achei que não viria aqui hoje...
Ele pareceu confuso por um instante, mas depois um sorriso brincou em seus lábios. 
- Eu só passei em casa pra pegar meu celular que tinha esquecido. Por que? Por acaso falou com o Armin enquanto voltava pra casa hoje?
O garoto...eu iria arrancar aqueles cabelinhos loiros da cabeça dele como se depenasse uma galinha. 
Minha expressão de homicídio deve ter sido muito explícita, porque dessa vez Eren riu com vontade. 
- Não se sinta culpado. Armin é adorável até decidir manipular alguém. Aí, é um perigo. 
- Eu sabia o que ele estava tentando fazer... - eu resmunguei, querendo manter meu orgulho intacto. 
- Bom - Eren replicou - ele sabia que você sabia e também sabia exatamente no que você iria focar sua atenção e o que iria ignorar. Eu repito: ele é terrível. Mas ainda é meu melhor amigo. 
Eu senti uma pontada ínfima, quase insignificante, de ciúmes depois disso. Mas, de repente, me lembrei do que eu estava fazendo ali e fiquei tenso de novo. Sabe o que aconteceria com a minha carreira se eu fosse processado?
- Me desculpe por-
- Nhá. Eu sabia que você iria acabar descobrindo. Desculpe não ter contado antes. 
Ah...ele era tão adorável. 
Foco, Levi. Foco. 
- O que é...tudo isso? - eu perguntei. 
- Isso... - ele hesitou - é uma fase menos feliz da minha vida. Faz muito tempo que não trago uma obra pra cá. A última... Foi um dia antes de ficar te stalkeando no seu jardim. 
Ele riu se lembrando daquele dia e eu não consegui evitar rir também. 
- E o que elas representam? - eu continuei, na esperança de não estar sendo intrometido demais.  
- Hm - ele parecia ponderar o assunto - Se lembra do dia em que me salvou daqueles agressores na rua depois do estúdio? - eu assenti, me irritando só com a memória - Tenho certeza de que você conseguiu deduzir os motivos de eles terem tentado me bater. 
Óbvio. Qualquer idiota teria. Por ele ser artista e gay. 
- Claro que sim - respondi - E daí?
- "Daí" que por causa dessas duas coisas eu acabei pintando esses quadros. Amigos da minha escola antiga, pessoas na rua, professores...meu pai... Simplesmente me julgam por causa disso e me fazem sentir tudo isso. O que predomina é a solidão, com certeza. 
Eren assumiu um ar meio contemplativo enquanto olhava suas obras. 
- Seu pai - eu disse, chamando sua atenção - ele não aceitou você ser homossexual?
- O que? Que nada! - sua expressão era de deboche - ele não sabe disso. Ele e minha mãe não estavam em bons termos, aí eu disse que queria ser artista e de repente ele mal ficava em casa por causa das viagens de trabalho, acho até que começou a ter um caso. Minha mãe até tenta enfiar juízo na cabeça dele quando ele aparece, só que não tem jeito. Eventualmente ela diz que vai pedir divórcio, mas isso não é algo fácil. 
Eu fiquei bem estático com essa nova informação. Que tipo de pai simplesmente para de aparecer em casa e trai a esposa porque não aprova a profissão do filho? Ele com certeza nunca deve ter sido muito normal...
- E o que mudou? - perguntei - Você disse que não traz nada pra cá há algum tempo. 
Eren corou um pouco, fitava os pés e brincava com o esfregão. 
- Eu conheci você - ele murmurou e eu quase não ouvi - Parecia tão solitário quanto eu naquele dia. Mas no início eu só te achava legal, acho. Depois você me ajudou e...não questionou ou me julgou por qualquer coisa. Simplesmente agiu como se nada daquilo importasse. 
Bom, pra mim, realmente não importava. Até demorei um pouco pra entender do que ele estava falando. Então, de novo, me lembrei do motivo de estar ali. 
- Se gostava tanto assim de mim, por que sumiu de repente? -Credo. Eu me sentia um daqueles adolescentes dramáticos de novelas ruins. 
- Sinto muito por isso - ele coçou a nuca - Eu estava ocupado com um projeto. 
- E por que eu não podia ficar aqui enquanto você trabalhava como sempre fazíamos?
Eren inspirou profundamente uma vez e sorriu brilhantemente para mim. 
- Vem comigo. 
Ele deixou o esfregão encostado numa parede (Ele provavelmente tinha achado que eu era um assaltante, então que merda ele estava pensando em fazer com isso?) e me guiou através do ateliê até uma parede nos fundos do estabelecimento que estava escondida atrás de uma cortina. Eren respirou fundo outra vez, parecia nervoso, então puxou uma corda e de algum modo todo o tecido despencou do suporte do teto, revelando o que estava por trás.
Era eu. Bem, não eu, mas o "eu". O "eu" que só Eren parecia enxergar. Levi estava vestido com uma camisa simples de botões e calças marrons, simples e largas. Seu olhar era penetrante, mas não ameaçador, e sim pacífico, me fitando diretamente. Um indício de um sorriso em seus lábios. A postura relaxada. Mas o mais impressionante eram as asas. Um par de imensas asas negras dispostas atrás do personagem, como se protegessem quem estivesse a sua frente. Os tons variavam entre preto, cinza, branco, bege. O mais brilhante era o azul dos olhos. Apesar disso, diferentemente das obras da sala anterior, essa não era triste. Era imponente, mas cuidadosa. Reconheci até o jogo de luz que ele havia usado na foto número oito. 
Eu passei algum tempo apenas apreciando, então procurei por Eren e o encontrei olhando para mim, receoso, feliz, apreensivo. 
E eu não tinha nada que prestasse pra dizer. 
- A...quanto tempo você vem trabalhando nisso? - idiota. 
- Desde o dia em que você me salvou. Mas demorou muito para que eu conseguisse alcançar o sentimento certo. 
As olheiras sob seus olhos de repente pareceram mais proeminentes. 
- A quanto tempo você não dorme, pirralho? - indaguei. Duplamente idiota. 
Eren sorriu. Sorriu! Mesmo com minhas respostas cretinas. Era como se dissesse "sei que não é bom em expressar o que sente, mas obrigado por tentar". Éramos dois idiotas. 
Ficamos num silêncio confortável enquanto eu voltava a analisar minha imagem. Então me lembrei de um tópico de uma de nossas inúmeras conversas. 
- Você me disse uma vez - comecei - que um dos primeiros passos para um artista falir é distribuir trabalhos de graça para amigos e família. 
- Ah - ele disse vagamente enquanto se aproximava mais de mim, as mãos nos bolsos da calça - eu disse isso. 
- E então? - eu me virei para ele. Estávamos a um palma de distância agora - o que eu te devo?
Ele mirou aquele par de esmeraldas brilhantes em mim, suas bochechas estavam coradas, mas ele parecia decidido. 
- Um beijo. 
Se tem uma coisa de que nunca gostei era de ter dívidas. 



 
 


Notas Finais


E aí? Gostaram?


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