- Eu não sei como vou voltar para lá com uma sacola cheia de bebidas, nesse frio, sem morrer de hipotermia - Pensei alto e continuei minha caminhada.
Comecei a perceber um movimento estranho atrás de mim, era como uma sombra me perseguindo... Eu olhava para trás, mas nada via, e isso ao longo dos minutos, começava a me assustar muito. Ignorei e insisti na minha caminhada, porém a suposta sombra se aproximava cada vez mais, e aquilo estava me causando grande espanto e desespero. Acelero meu passo mas isso de nada adianta, alguém me segura pelo braço e me puxa a um beco sem saída, a rua estava completamente vazia, a maioria dos estabelecimentos já haviam fechado, afinal, eram 2 da manhã e estava nevando.
O fato é que era um garoto, moreno e de cabelo liso, de olhos castanhos claros, rosto jovem (julgo ter a minha faixa etária) e pálido (provavelmente pelo frio), magro, um pouco mais alto que eu, qual nunca havia visto na vida, suponho ser novo na cidade, ou retornou após alguns anos. Ele me prendeu na parede, tentei sair algumas vezes, mas ele não deixava, que sua força física era superior a minha, disso eu não tinha mais dúvidas. O mais amedrontador era que ele me encarava, nos olhos, sério, ficamos assim por alguns minutos, julgo eu, apesar de ter parecido horas a fio de medo, mas quem dera eu isso ter sido o ápice da minha noite, não foi, e nunca seria. Minutos após todo o drama, ele sorriu, safado, eu já havia visto aquele sorriso, e eu sabia o quê estava por vir, eu enxerguei em suas pupilas, então eu travei, eu não conseguia me mexer, nem fazer expressão facial alguma, eu apenas o encarei, sabendo e temendo o quê estava por vir. Ele aproximou nossos rostos e cochichou com sua voz rouca, que talvez soe sexy a você, mas soou assustadora a mim.
- Nada de gritos, eu odeio loucas barraqueiras, aproveite o momento, você me parece bem gostosinha, o tipo perfeito para satisfazer qualquer homem. - Ele me disse e me encarou mais algum tempo, perverso.
Eu queria gritar, eu juro que eu queria abrir o maior berreiro, chutar o seu pau e sair correndo dali implorando por socorro. Mas eu não conseguia, eu estava travada, tudo estava se repetindo, eu retornei aos meus 7 anos, e eu não conseguia me mexer, da mesma forma que eu não consegui daquela vez, eu sabia cada detalhe, e eu sentia todos os arrepios novamente. O garoto me orientava a ficar de joelhos, me obrigando a tal posição humilhante, ele continuava a me encarar sorridente, então tudo se iniciou, eu não consigo descrever o quê houve, é muito pesado e eu não vi, fechei meus olhos, eu só sabia sentir, e se eu falasse o quê uma garota bipolar e com síndrome do pânico pensa e sente nessas horas, nem mesmo vocês conseguiriam dormir está noite.
Jack Johnson On ~
Já havia se passado 1 hora desde que a Athena havia ido buscar as bebidas, sabemos que está nevando e isso dificultava a ida e a volta dela, mas o posto não ficava tão longe, meia hora era mais que suficiente para ida e para volta.
- Eu vou ir até lá, ela não atende o celular, estou realmente preocupado, a minha irmã - Nate começou a chorar - se algo muito ruim tiver acontecido com ela? Minha mãe já ligou dizendo que sentiu que algo de ruim aconteceu com ela e a culpa é claramente minha. - Ele estava muito chapado.
- Não Nate, vou eu, você está muito transtornado, isso pode apenas piorar a situação e será uma pessoa a mais para nos preocuparmos. - Disse - Vou pegar a chave do carro em meu quarto! - Subi as escadas rápido e entrei no meu quarto, procurando a chave no criado mudo, até que percebo o barulho de algum vaso se quebrando, olho para a sacada do quarto de Athena, e vejo ela, mais transtornada do quê o irmão.
Ela estava dentro do seu quarto, a luz estava apagada, ela apenas gritava coisas sem sentido, jogava vasos na parede, andava como se estivesse tonta, e chorava muito. Eu poderia ter descido e entrado na sua casa, mas ia demorar mais e eu não queria atrair tanta atenção, ela não ia precisar de tantas pessoas em volta dela.
Abri a porta da minha sacada, e fui até a ponta da mesma, me apoiei na parte que impedia uma queda, e com a maior cautela, passei da minha sacada a dela, abri sua porta e fui até ela, que gritava muito e chorava muito, ela tinha as mãos no ouvido tentando não ouvir algo. A abracei forte, nunca havia abraçado ninguém daquela maneira, mas era óbvio que ela estava assustada, ela estava tendo um crise de pânico.
- ELE ESTÁ ATRÁS DE MIM, ELE, ELE VOLTOU, NÃO, NÃO - Ela gritava desesperada, suas lágrimas apostavam corrida em seu rosto - PORQUÊ ELE QUER ISSO? O QUÊ EU FIZ PARA ISSO? - Sentia sua respiração pesada e seu batimento cardíaco aumentar.
- Calma, calma, eu estou aqui para te proteger, eu estou aqui, tudo está mais calmo, por favor. - Eu dizia repetidas vezes.
- EU NÃO QUERO, SAI DAQUI, POR FAVOR, NÃO, NÃO, SAI DAQUI, NÃO, EU NÃO SOU, EU NÃO QUERO, EU NÃO... - Ela tremia muito, eu poderia ter medo, e obedecido suas ordens, mas eu sabia que ela não falava comigo, ela não pedia a mim, era outro alguém. - ME DEIXA EM PAZ, NÃO ENCOSTA EM MIM - Ela gritava cada vez mais alto e em tons cada vez mais desesperados, agora sim, eu estava ficando assustado. Levei ela até a cama, e fiz ela sentar de pernas cruzadas em cima do lençol, sentei na sua frente e limpei suas lágrimas com minhas mãos.
- Quem quer encostar em você? Quem está te incomodando? - Eu repeti algumas vezes, até ela abandonar a posição anterior, com as mãos tampando sua orelha. Ela ainda estava em outro lugar, seu olhar era de completo pavor, ela me olhava, mas não me enxargava, ela permanecia tremendo, ao menos conseguiu me ouvir.
- Eles, eles me odeiam, estão me perseguindo, porquê? O quê eu fiz? Eu to com muito medo, e se eu morrer? Eu perdi o controle? - Sua respiração ofegante voltou a aparecer, ela segurou em minhas mãos e as segurou fortemente, ela ainda não sabia o quê estava acontecendo na completa realidade. Só queria ser protegida - Meu pai? Porquê você está fazendo isso? Eu acho que eu não quero... Isso dói, me larga, ME LARGA, SAI DAQUI, ME LARGAAAAA. - Ela voltou sua concentração em outro alguém, numa memória, voltou a gritar, eu estava apavorado, não podia a ver nestas condições, só havia me sobrado uma opção, então sem pensar muito... Eu a beijei.
Eu a beijei porquê eu precisava que ela se acalmasse, e eu se eu a calasse de uma forma que demonstrasse carinho, talvez funcionasse... E funcionou, sua respiração ficou mais calma, suas mãos já não estavam mais tremulas, seus batimentos voltaram ao ritmo normal, e ao fim do beijo, ela só fez me abraçar e desabou em lágrimas.
- Me desculpe - Athena se pronunciou, quebrando o silêncio.
- Você não tem MOTIVOS para pedir desculpas - Ela me desabraçou e ficamos nos encarando por alguns minutos.
- Como... Como conseguiu? Como parou meu ataque de pânico? Como fez isso? - Falou curiosa.
- Uma vez eu li que segurar a respiração pode parar um ataque de pânico. Então, quando beijei você, você segurou a respiração. - Respondi sua pergunta.
- Obrigada, isso foi muito inteligente! - Ela falou e sorriu fraco, limpando as lágrimas restantes no rosto.
- Quer me explicar o quê houve para despertar sua crise? Ou prefere deixar isso quieto? - Perguntei, com um pouco de medo de ser inconveniente.
- Tudo bem, eu vou explicar, só... Tenha calma comigo ok? Pode pegar meus remédios lá na cozinha e um copo de água? Juro que não vou fugir. - Ela ri um pouco e a obedeço.
[...]
Volto com seus vidrinhos de remédio e um copo de água. Sento na sua frente e lhe entrego, ela coloca algumas cápsulas em suas mãos e joga em sua boca, logo ingerindo conjunto a água, que lhe entreguei. Ela respirou fundo e encarou seus pés, agora descalços.
- Eu fui estuprada aos meus 7 anos - Athena falou sem medir tempo ou palavras - Ele era uma amigo próximo dos meus pais, ia na minha casa quase que frequentemente, e ela sempre me observava, me olhava, me encarava muitas vezes, mas eu sempre me mantive perto dos meus irmãos, mas um dia... Nate tinha ido dormir na casa de um de seus amigos, e Jacob foi para casa dos meus avós, eu estava desprotegida aos olhos dele, e ele estava correto, então ele aproveitou, meu pai teve uma emergência no trabalho e teve que permanecer ali por mais umas 2 horas, e como hoje, estava nevando muito, ele havia ido na nossa casa jantar, como fazia várias e várias vezes na semana, e então minha mãe pediu que ele permanecesse em casa, enquanto ela buscaria meu pai no trabalho, seu carro estava no concerto. E então tudo aconteceu, eu tinha 7, ele 43, homem doente, louco... E eu nem sabia o quê era sexo... - Seus olhos estavam marejados, mas ela respirou fundo e terminou - Foi assim que eu desenvolvi transtorno bipolar e pânico.
- Desculpe... Eu não sei como agir, não tenho resposta a nenhuma a essa situação, me perdoe. - Encarei os travesseiros.
- Qualquer palavra não seria tão significativa quanto o quê você fez por mim... Mas, meu surto não foi apenas uma lembrança remota enquanto eu voltava do posto... Eu fui estuprada novamente, quase depois de uma década, eu fui invadida, menosprezada, submetida a uma situação horrível, submissa, fui um brinquedo sexual, fui mais uma mulher vítima da má educação alheia, do machismo e da construção social que permite o homem invadir o espaço de uma mulher, mais uma vez. E não era por um homem tão mais velho que eu, desconfio que ele tenha a minha idade, e eu sei que eu não sou a culpada e que não tenho nenhum envolvimento com isso, mas...
- Eu fui o culpado, eu não lhe fiz companhia, eu deveria ter ido com você, mas eu estava meio chapado, com preguiça, como eu sou egoísta. - Falei.
- Você não é o culpado, eu sei que talvez você não entenda, mas nem eu e nem você temos culpa do quê aconteceu, o garoto está numa sociedade onde o ensinaram que eu, como qualquer outra mulher, sou submissa, que eu não devo transar, que não devo ter prazer, que eu sou apenas um brinquedo criado para satisfação masculina, que eu sou apenas mais uma vadia no mundo, um não ou um sim não faz diferença nenhuma na vida dele, ele tem mais força e mais poder do quê eu... A coisa é muito maior e complicada do quê realmente aparenta ser, eu estou completamente agradecida por tudo o quê fez por mim, mas eu ficarei ainda mais grata se você prometer respeitar o espaço feminino, entender que somos pessoas, que merecemos liberdade, prazer, não merecemos ser taxadas de putas ou vadias, sem rótulos, não devemos ser subestimadas apenas por sermos mulheres, isso vale mais do quê QUALQUER outra promessa! - Ela segurou em minhas mãos e olhou em meus olhos enquanto falava.
- Eu juro que serei respeitoso, vou me esforçar para não fazer uma mulher se sentir como você se sentiu. - Falei, apenas concordando com ela, ela estava certa e eu comecei a pensar em todas as vezes que fui machista, talvez não de todas, mas a maioria, eram muitas, eu comecei a mudar a forma de pensar, porque eu presenciei o quê eu poderia causar em alguém seguindo os princípios machistas impostos a mim seguir durante toda a minha vida.
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