O sol raiava numa calorosa tarde de quase-Primavera e Filomena aproveitou para passear pelos jardins da mansão de seus pais, admirando a beleza de um jardim primorosamente cuidado, com flores de todas as cores, exóticas e comuns, e uma enorme fonte com água sempre corrente, cujo som permeava por quase toda a propriedade. Propriedade, que um dia iria ser sua.
- Sabia que te iria encontrar por aqui...
A voz era familiar.
- Boa tarde, Adalberto, como vai? - Filomena sorriu levemente, sem se voltar.
- Agora muito melhor. - Adalberto apressou o passo para a acompanhar e fixou-a com o olhar.
Assim que o sentiu ao seu lado, Filomena finalmente o encarou. O sorriso travesso de Adalberto divertiu-a. Ela sabia exatamente o que ele queria, mas não estava disposta a lhe dar essa satisfação.
- Se está procurando a Carmela, ela saiu com a Romana e a mamma. E a Cesca deve estar na sala com o Giggio... ou com o Marcelo, dependendo da sua disposição.
Adalberto riu silenciosamente. Olhou-a durante alguns segundos e se aproximou, tocando-lhe no braço, sua mão descendo suavemente até pegar na mão dela.
- Não é a Cacá que eu estou procurando. Nem a Cesca.
Por mais que Filomena o tentasse negar, Adalberto tinha um efeito sobre ela. Ele sabia como ser galante, charmoso e convidativo, mas Filomena sabia muito bem que a única coisa que lhe interessava era entrar para a família, para os negócios, e não própriamente o amor das Ferreto. Mas isso não a impedia de se divertir ás suas custas.
Se havia alguém de quem ele gostava era de Francesca e mesmo assim era um sentimento um tanto ou quanto duvidoso. Também tinha um carinho especial por Carmela, provavelmente porque cada vez que ele lhe aparecia à frente ela suspirava e se derretia de amor, e isso lhe apaziguava o ego. Pazza. Ainda não se aprecebeu que ele não é flor que se cheire.
No entanto, Adalberto nutria uma fixação desconcertante por Filomena. Teria sido porque Francesca lhe havia dado um fora e ele via a possibilidade de entrar para a família em risco? Porquê vir atrás de Filomena quando tem Carmela a seus pés?
Adalberto notou o olhar pensativo de Filomena e se aproximou um pouco mais, a sua cara agora a meros centímetros da dela.
- Pára de analisar a situação, Filó...
- Só estou curiosa.
- Curiosa? Quer saber o que eu vou fazer com você? - Adalberto arriscou um beijo.
- O que você quer fazer comigo sei eu. Quero é saber o motivo. - Filomena sorriu.
- Eu sou apaixonado por você. Mas você sabe disso.
- Você não está me convencendo, Adalberto.
Beijou-a mais uma vez, agora com sofreguidão, um beijo digno de passar num filme Americano. Filomena sentiu um calafrio por todo o corpo quando os braços dele a envolveram num abraço apertado, uma de suas mãos no fundo das suas costas puxando-a o mais próximo possível do corpo dele. Com a cabeça ás voltas, Filomena deixou-se ficar naquele momento por alguns segundos, mas por mais paixão que sentisse por ele, não podia deixar que fossem vistos.
- Chega! - Com um movimento brusco, Filomena se soltou.
- Estava tão bom...
- Adalberto, eu estou com o Eliseu. Não é apropriado.
- Mas você gosta...
- É... até que você não beija mal. - Filomena sorriu, divertida.
- Você sabe que quando quiser... um pouco mais, é só me pedir. - o tal sorriso travesso ressurgiu.
Adalberto ia pegar na mão de Filomena mais uma vez mas ela se distanciou, pois havia avistado o mordomo saindo de casa, provavelmente à sua procura. Adalberto notou a deixa e colocou as mãos nos bolsos, dando a parecer que ambos estavam conversando.
- Signorina Filomena...
- Sim?
- Il Signore Giardini è arrivato, vi aspetta in soggiorno.
- Grazie, Lorenzo, já estou indo. Adalberto? - Filomena olhou para ele como se nada tivesse acontecido.
- Eu a acompanho.
Seguiram o mordomo até casa, onde encontraram Francesca, Giggio, Salvatore, pai de Filomena e Francesca, e Eliseu, conversando animadamente na sala de estar.
- Posso organizar, babbo? - Francesca estava de pé como quem tinha acabado de encenar algo.
- Claro, tesoro. Mas é algo íntimo, não vá fazer uma grande festa como as da Romana, que a sua sorella non piace. - Salvatore disse animado.
- Essa minha mulher só pensa em festa! Ao menos assim não se distrai com bobagens... - Giggio acariciou a mão de Francesca que acabara de se sentar ao seu lado.
- Filó! - Eliseu se levantou sorridente quando ela entrou. No entanto a sua expressão mudou assim que notou quem a seguia.
- Ciao, Eliseu. Come stai? - Filomena sorriu, pegando na mão dele.
- Bene, bene... e você? - Eliseu perguntou ainda olhando para Adalberto.
- Bom, então está tutto combinado! Jantar de famiglia il Sabato prossimo. Vero, bambinas?
- Vero. - Francesca e Filomena disseram em unísono.
- Adalberto, quer se juntar a nós? Afinal é amigo próximo da família...
Eliseu olhou para Filomena como se ela tivesse dito algo absurdo.
- Terei muito gosto em comparecer. Alguma ocasião especial?
- É só um jantar com familiares próximos... forse una sorpresa o due. - Salvatore sorriu para Filomena.
- Bem, o trabalho me espera! - Giggio se levantou do sofá. - Amore... me acompanha até à porta?
- Claro, querido. - Francesca disse, fixando Adalberto.
- Adalberto, veio ver a Carmela? - Salvatore perguntou. - Receio que se tenham desencontrado, ela saiu com Romana e Vittoria. Acho que foram no cabeleireiro, você sabe como mulheres são, capazes de perder um dia inteiro lá.
- Que pena... eu vinha convidá-la para um passeio, mas assim já fica tarde. Então eu volto amanhã, talvez tenha mais sorte. - Adalberto havia ficado curioso acerca do motivo do jantar. Assim tinha desculpa para tentar arrancar informação, e talvez mais alguma coisa, de uma das irmãs.
- Adalberto, não vá embora ainda – Francesca retornou, agora sem Giggio – você pode me ajudar com um detalhe da festa?
- Com certeza.
- Bem, vou vos deixar que a vossa mamma me pediu para dar uma olhada nuns papéis do Frigorífico. Se ela volta e eu não fiz nada, lei mi uccide!
Filomena viu Francesca e Adalberto subirem assim que Salvatore entrou no escritório. Xingou-o mentalmente. Que homem fácil. No momento que Francesca lhe deu atenção ele foi que nem um cachorrinho. Inútil!
- O que você estava fazendo com esse idiota, Filó?!
- Scusa? - Filomena foi apanhada de surpresa pelo tom austero de Eliseu.
- Você sabe que eu detesto esse homem perto de você. Eu sei que ele tem outras intenções.
- Eliseu... você não tem de se preocupar, eu sei me cuidar.
- Mas eu não gosto! E você insiste em se dar com ele. Que idéia foi essa de o convidar para o nosso jantar? - Eliseu carregou na palavra “nosso”.
- Eliseu, eu não estou percebendo o seu problema. Já disse que não tem de se preocupar, está fazendo uma tempestade num copo de água!
- Eu vejo como ele olha para você!
- Amore... - Filomena sorriu, divertida com o ciúme de Eliseu – Adalberto está interessado na Carmela, na Cesca... e você sabe que eu só quero você.
- Não sei... não sei se ele só está interessado nelas – Eliseu acenou com a cabeça para o andar de cima, para onde Adalberto e Francesca haviam subido – assim como não sei se você só me quer a mim. Há certas situações que eu vejo e não gosto.
- Eliseu, assim você está me insultando! Mesmo nas vésperas do nosso jantar! Como você ainda pode duvidar de mim?! Eu lhe dei a maior prova de amor que poderia dar, – Filomena baixou a voz para um sussurro – que mais você precisa para confirmar que eu quero ficar com você?! Se minha mamma e meu babbo descobrem...
- Eu sei Filózinha, mi scusa...- Eliseu tentou acalmar Filomena, abraçando-a.
Ficaram ali por uns instantes, Eliseu surpreendido por Filomena não o enxotar como era seu costume quando estavam na sala. Ela sempre se preocupava muito com o que deixava as outras pessoas ver, o que acabava por ser frustrante para Eliseu pois os outros nunca viam o quão doce e carinhosa Filomena conseguia ser. Ninguém a via como ele a via. Ninguém percebia a relação deles.
- Sono un pazzo. - Eliseu queria beijar Filomena mas sabia que ela não iria gostar da demonstração de afeto. Acariciou sua face e guardou o beijo para depois.
- Non. Non è un pazzo... - Filomena sorriu, tocando na mão que a acariciava. - solo un po geloso.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.