Horas antes
Luísa checar o que estava acontecendo e deixar Emily sozinha com as duas mulheres que ela não suportava, foi uma péssima escolha. Ela não tinha muita paciência e para que não perdesse o controle optou por fazer algo de útil, como uma cabana improvisada. Em sua mochila havia alguns cobertores e lençóis. Amarrou-os em algumas árvores baixas e fez uma cobertura para o sereno da madrugada. Agora, tentava fazer um espaço confortável para passar a noite.
— Precisa de ajuda? — perguntou Ester, adentrando o local.
— Não. Já terminei — respondeu seca.
— Ainda está com raiva… — deduziu a mulher.
— Eu não guardo magoas. Estamos todas livres e bem, não estamos? Amanhã mesmo cada uma seguirá seu caminho e tudo ficará melhor ainda.
— Vocês não irão para minha fazenda? — questionou Ester.
— Luísa irá — afirmou Emily. — Sou capaz de tomar minhas decisões sozinhas.
— E você tem algum lugar para ficar?
— Por que está interessada? — retrucou.
— Escute, Emily…
Mas antes que Ester terminasse, foram interrompidas por suspiros e pedidos de socorro. As duas levantaram-se assustadas, e curiosas, caminharam até a parte externa da cabana. Uma garota loira estava apavorada, implorava por ajuda.
— O que aconteceu? — perguntou Emily, indo ao encontro da jovem.
— F… Fui mordida — exclamou ofegante. — Por favor, não me deixem transformar.
Emily, um pouco confusa, analisou o sangue que escorria do braço da garota. Ela estava pálida e arfava muito, parecia aterrorizada e algumas lágrimas persistiam em molhar suas bochechas coradas, devido ao grande esforço que ela fez para sair da estrada e fugir dos zumbis.
— Um cachorro te mordeu? Ninguém se transforma em um animal, porque fui mordido por um cachorro. — Riu Ester — Ou você foi mordida por um vampiro? Foi o Drácula?
— Preciso amputar meu braço. Por favor, me ajudem — implorou, caminhando em círculos e tentando encontrar um bom local para isso.
— Isso é loucura! — disse Emily, segurando-a e impedindo que ela se movimentasse.
— Por favor — suplicou, entregando seu facão a ex-detenta.
— Por que acha que amputar seu braço seja a melhor solução? É melhor cuidarmos do ferimento e pararmos o sangramento — sugeriu, tentando tranquilizar a jovem.
— Foram zumbis — disse com a voz trêmula e os olhos marejados.
— Coitada, está delirando! — debochou Ester.
— Não leram as notícias? Os mortos-vivos estão perambulando por aí e atacando os humanos. A mordida é fatal e te transforma em um deles — explicou brevemente. — Não é loucura! Na minha mochila tem algumas reportagens. Precisam acreditar em mim!
Estava apavorada e depois conscientizou-se que não deveria ter contado isso a elas, provavelmente agora seria morta com um tiro na cabeça. Era o mais seguro e a medida de precaução que qualquer pessoa normal faria sem hesitar. Em meio a um apocalipse zumbi a coisa mais improvável de se acontecer seria uma fugitiva ajudar um estranho.
Mas coisas improváveis acontecem.
Emily rapidamente abriu a mochila nas costas da garota e analisou os jornais que a abarrotavam. Ester, curiosa também, começou a ler as notícias. As matérias eram estranhas, assustadoras e não faziam sentido nenhum para elas, porém eram de editoras confiáveis. Isso levou as duas acreditarem que a jovem não estava louca.
— Vocês têm dez minutos — anunciou — Depois de ser mordida a pessoa leva de quinze a vinte minutos para se transformar.
— Não sou o tipo de mulher que se impressiona facilmente, mas isso é realmente muito estanho. — Ester ainda estava impressionada.
— Temos que fazer algo — propôs Emily. — Está nas reportagens, não pode ser mentira. Precisamos ajudá-la!
— Não sujarei minhas mãos — afirmou Ester.
— E você irá deixá-la para morrer?
Março, 1995
Ester andava cautelosamente pela rua escura. Estava coberta com seu casaco de pele e acompanhada pela sua mais fiel empregada. Que olhava em volta preocupada se alguém estaria vendo aquela cena horrível, qual ela fora obrigada a participar.
— Tem certeza, senhora? — perguntou a empregada, contendo sua revolta.
— Você sabe que não tenho outra opção — justificou-se, porém com certa insegurança.
A empregada realmente não esperava escutar isso de Ester. Por pior que fossem suas decisões ela nunca se mostrava insegura sobre elas, mas agora estava. E se houvesse ao menos um poste iluminando naquele breu, seria possível ver as suas lágrimas.
— Não tenho outra opção… — murmurou novamente, tentando se reconfortar.
— E você irá deixá-la para morrer? — questionou a empregada, com o coração apertado.
Emily encarava a mulher a sua frente com raiva por ser ignorada e por acreditar que ela lhe ajudaria em algo. Aquilo era loucura, mas dentre todas as loucuras que ela já havia cometido essa era por um bom motivo.
— Se não pretende me ajudar, é melhor sair da frente — reclamou impaciente.
— Tudo bem! Eu ajudo — respondeu Ester, pensando melhor.
Emily deixou a garota entrar na cabana improvisada e recebeu um olhar desaprovador de Ester que não gostava da ideia de sujar os lençóis de sangue. Quando adolescente, ela pensava na possibilidade de ser médica, mas não havia começado a faculdade por problemas com a justiça. Agora era sua chance de salvar alguém! E mesmo que as possibilidades de a garota morrer fossem bem maiores, ela ainda mantinha algumas esperanças.
Cautelosamente, deitou a jovem e pediu que ela esticasse o braço. A mordida não havia sido muito funda e analisando um pouco, ela percebeu que não era a mordida de algum cachorro ou animal, era a arcada dentária de um humano.
Ester pegou um pedaço de pano e sem avisos prévios amordaçou a garota loira.
— Irá doer, ela gritará e eu não pretendo ficar surda — justificou-se.
— Ótima forma de acalmar um paciente — ironizou Emily.
Em seguida, pegou um pedaço de pano e amarrou bem firme no braço da garota. Preparou o facão que parecia afiado o suficiente e se preparou.
— Seja rápida! — aconselhou Ester.
Ela respirou fundo e com um golpe certeiro acertou o braço da garota, amputando-o. Mesmo com o tecido, o grito da jovem não foi inteiramente abafado. Ester preparou rapidamente o pano e pressionou no braço da jovem, antes que ela sujasse a cabana toda.
— Está bem? — perguntou Ester a Emily, que havia ficado pálida — Deixe comigo.
Com cuidado, ela fez um curativo simples e provisório para que a garota não perdesse muito sangue. Emily respirou fundo e ajudou a posicionar a jovem que havia desmaiado.
— Está consciente? — perguntou ela.
Ester balançou a garota e ela abriu os olhos, porém era nítido que não estava nada bem.
— Aguente firme e, se possível, com os olhos abertos — pediu Emily.
Mas logo a garota fechou os olhos novamente.
— Já vai pensando em alguma maneira de desovar o corpo, provavelmente ela não aguentará — aconselhou Ester com sua incrível sinceridade.
— Ela sobreviverá — garantiu Emily, acreditando fielmente em suas palavras.
Mas antes que sua colega acabasse com suas esperanças e as duas começassem a discutir, alguém entrou na cabana. Devido a tensão e os gritos ninguém havia escutado os seus passos se aproximando. Assustadas as duas viraram-se juntas para checar quem se aproximava. Haviam várias opções ruins: poderia ser um policial, algum parente próximo da garota ou na pior hipótese, um zumbi.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.