1. Spirit Fanfics >
  2. Assassin's Creed: Aftermath >
  3. Epílogo

História Assassin's Creed: Aftermath - Epílogo


Escrita por: B4dWolf

Capítulo 63 - Epílogo


Sinto minhas mãos trêmulas, enquanto me esforço em escrever. Curiosamente, meus pequenos dedos infantis conseguem reproduzir a minha caligrafia elegante, adquirida após longos anos de escrita em diários e documentos, e isto é algo que ainda encontro dificuldade em processar. Tudo ao meu redor soa tão absurdamente enlouquecedor que só mesmo um Artefato Daqueles Que Vieram Antes e toda sua magia me faz ter certeza de que eu não perdi minha sanidade.

De fato, estou em um corpo de um menino de dez anos recém-completados. De fato, estou na Inglaterra, minha antiga morada, e local que presenciou aqueles que foram os anos mais calmos de minha vida, se assim posso dizer. De fato, estou cercado por todos os entes queridos que perdi nesta época, e isso é algo que me emociona, mas ao mesmo tempo me alarma, em um misto de emoções distintas que ainda tento apaziguar dentro de mim.

            Escrevo em um diário à parte. Não pretendo reproduzir a mesma ingenuidade de meu filho Connor, de manter um diário com um conteúdo tão revelador em minha possessão todo o tempo. Já escolhi um local seguro para guarda-lo em minha casa, na Queen Mary Square, longe dos olhos de bisbilhoteiros, muito embora eu duvide que alguém vá se interessar em ler o que um menino de dez anos anda a escrever. No entanto, um pouco de cautela não faz mal.

            Lembro-me de ter acordado e chamado pelo nome de minha esposa, e então, ter percebido que minha voz tinha se infantilizado. Minha reação foi olhar ao redor, e ser então, golpeado pelas lembranças de minha infância. Minha cama, os quadros nas paredes, meus brinquedos guardados no velho baú... O passo seguinte foi analisar meu corpo. A mesma casaca azul-marinho com bordas avermelhadas, que usava quando criança. Meus sapatos negros e afivelados. Lembro-me de ter também tocado em meu cabelo, por algum momento. Devo ter soltado qualquer desapontamento, por notar que meu rabo-de-cavalo tinha praticamente desaparecido, dando lugar a um mero fiapo que ostentava com orgulho quando menino.

            Eu não tinha mais dúvidas. Eu era uma criança agora.

            Pânico e desespero tomaram meu ser. Lembrei-me de ter estado no navio, de ter discutido e lutado contra Davidson para tomar a Maçã. Lembrei-me também de tê-la tocado, de mentalizar tudo que eu mais amava: minha vida na fazenda, calma e pacífica. O carinho de Tessa. A esperteza de meu caçula, Jim. A tenacidade de Connor. Meu amor por Ziio. Eu os queria de volta, e tudo que pensei, quando toquei naquele Artefato, foi neles.

            Então, porque essa maldita Maçã decidiu me levar à época mais triste de minha vida?

            -Ah, então você está aí, fedelho...

            Claro, ainda havia o que piorar na minha situação. Mal havia absorvido os recentes acontecimentos, e eis que surge ninguém menos que minha “adorável” irmã mais velha, Jenny. Foi estranho vê-la jovem, depois de tanto tempo. Eu tinha uma idéia vaga quanto à sua aparência, mas a primeira coisa que me assustou foi sua voz. Impressionante como nossa voz sofre alteração, nos tornando irreconhecíveis. Minha última lembrança de Jenny também não ajudava a me tornar menos perplexo, afinal eu a tinha visto pela última vez como uma senhora de quarenta anos, amargurada e ranzinza. Sim, a Jenny diante de meus olhos ainda era ranzinza, mas trazia o frescor da juventude e o atrevimento de uma filha rebelde, diferentes de uma mulher que ficara tanto tempo mantida como escrava de um harém, em um país estranho.

            -O que foi, pirralho? Por que está me olhando com essa cara de tonto?

            -Nada. – limitei-me a dizer, ainda perplexo e sem reação.

            -Ótimo. Venha, só estamos esperando por você para jantarmos.

            Conhecendo a irmã que tinha, eu sabia que deveria obedecê-la. Afinal, nas atuais circunstâncias, eu era mesmo um “pirralho”, nada mais que isto. Não tinha mais a minha altura avantajada, nem meus músculos para retruca-la. Se fizesse qualquer menção à irritá-la, ela certamente puxaria minha orelha, ou me ameaçaria em revelar de meu atrevimento à minha mãe. Fora que tais atitudes não costumavam ser de meu feitio. Eu era uma criança obediente e educada demais para retruca-la, e qualquer um acharia estranho se eu viesse a quebrar esta regra. Portanto, deveria me comportar, caso não quisesse chamar a atenção. Uma pena.

            Desci as escadas ao lado de Jenny. Eu ainda estava embasbacado com tudo que estava acontecendo, e aposto que Jenny deve ter me achado a mais louca das criaturas, pois eu não parava de reparar em minha própria casa, como se fosse um estranho. O carpete, o tapete, o cheiro da comida feita por Anne, a cozinheira da casa... Tudo estava lá. Como se nada tivesse acontecido.

            Entretanto, nada se comparava a ver o meu pai outra vez. Isso me atemorizava, ainda mais por saber que esse encontro poderia acontecer a qualquer momento. Não sei se estava preparado para este choque. Eu sempre o idolatrei, o amava incondicionalmente. Temia por uma reação inesperada, como choro ou até mesmo um desmaio. Procurei processar em minha mente todas as lembranças que tive dele. Meus momentos de treinamento, nossas idas ao Teatro ou ao Café, suas conversas...

            -Haytham, meu filho... Já estava preocupado contigo. – disse finalmente meu pai, Edward Kenway, em seu sotaque galês.

            Meu preparo de pouco adiantou, pois lembro-me de ter perdido momentaneamente o ar assim que ouvi sua voz. Diante de mim, estava o homem cuja morte mudara completamente a minha vida, vivo. Lá estava ele, seu olhar carinhoso e calmo. A cicatriz em seu rosto, que agora sei que foi provavelmente obtida em sua vida como pirata, parcialmente escondida por sua barba loira e cortada de modo elegante, já se tornando grisalha. Seu sorriso cúmplice, que transbordava todo o orgulho e amor que ele sentia por mim.

            Isso só pode ser um sonho...

            -O que foi, meu filho? Você parece pálido...

            Vejo agora o quão tola era a minha situação, pois ao desviar de meu pai, para evitar que minha abismação por vê-lo vivo outra vez diante de mim se irradiasse por todo o meu ser, meu olhar acabou por se voltar à minha mãe. Lá estava ela, sentada ao lado dele, com seu olhar tranquilo. Desde que meu pai morrera, eu jamais a vira com um olhar tão jovial assim. Pelo contrário. Tudo que recebi de minha mãe, após aquela fatídica noite, foi desprezo. Porque ela me considerava um monstro.

            -Deve ser a emoção de saber que daqui a três dias terá dez anos. Uma década de vida.

Claro, Jenny não perdia a oportunidade de me caçoar. Meu pai riu de seu deboche.

—Ele tem suas razões. Esta é uma data importante. Não é mesmo, Haytham?

            -Si-Sim, pai. Mal posso esperar por este dia. – respondi, finalmente.

            Durante o jantar, eu observava os meus pais e minha irmã jantando com educação e elegância o imenso banquete disposto à mesa. Cada detalhe, cada gesto deles, era observado atentamente e com emoção por mim, de modo que eu tinha que me policiar para não parecer tão embasbacado. Sinto que em certos momentos, eu me segurei para não chorar ali mesmo, diante deles, pois sabia que haveria pouco a explicar se isso acontecesse.

            Ao mesmo tempo, um turbilhão de pensamentos passava por minha mente, durante o jantar.

            Três dias... Faltam três dias para o meu aniversário de dez anos... Três dias para que meu pai seja morto, e meu destino seja traçado.

            Não. Eu não posso deixar que isso aconteça de novo. Não posso.

            Quando o jantar acabou, minha mãe fez um gesto à Edith, minha ama, que se aproximou de mim, desejando me conduzir até o meu quarto, onde eu seria limpo e vestido com meu pijama. Notei no relógio que ainda era nove da noite. Franzi o cenho. Faz tanto tempo que não durmo tão cedo assim... Tive de disfarçar minha relutância em obedecê-la, pois sabia que este horário era, de fato, o que eu costumava dormir. Como o filho obediente e gentil que era, segui para o meu quarto, onde meu “ritual de dormir” iria começar.

            Foi estranho, para dizer o mínimo, ser vestido por Edith. Só agora, percebo o quão idiota era tal situação. Simplesmente, fiquei de pé, enquanto Edith retirava minhas vestes, sem que eu fizesse qualquer menção a ajuda-la. A independência de minha vida de adulto me fornecia um grande desejo de impedi-la, mas sabia que essa reação seria inesperada. Portanto, me limitei a apenas me comportar como uma criança de meu status realmente se comportava. Aliás, uma criança de meu status e de minha época, porque meus filhos jamais foram tratados desta forma.

            E agora, lá estava a tal “criança”, impaciente em um quarto escuro, contorcendo-se na cama, pensando no que fazer, quais medidas adotar. Eu precisava alertar meu pai sobre Reginald Birch, avisá-lo de alguma maneira. Mas como? Quem daria ouvidos a uma criança? Sentia-me impotente.

            Bom... Mas talvez Jenny pudesse fazer alguma coisa...

            Um pouco mais esperançoso e animado, eu me levantei, e rapidamente caminhei, furtivamente, até o quarto de minha irmã Jenny. Como presumia, a adolescente Jenny tinha uma maior vantagem do que eu e poderia ficar acordada por mais tempo, pois lá estava ela, de pé, lendo um livro qualquer. Soltava alguns suspiros sufocantes, claramente porque estava insatisfeita com os rumos que sua vida estava tomando. Eu a observava, tez franzina enquanto lia o livro.

Sem dúvida, diante de mim estava uma aliada e tanto para deter Reginald Birch.

            Quando bati à porta, percebi que provavelmente Jenny ficou sobressaltada, uma vez que a ouvi fechando o livro com raiva. Certamente ao notar que era eu, o seu irmão caçula impertinente.

            -O que foi, pirralho? Mijou na cama?

            -Nada disso, Jenny. – disse, cuidadosamente. – É só que... Quero conversar algo muito sério com você.

            Ela riu.

            -Olha só, se não fosse pelo cheiro de leite vindo de sua boca, poderia dizer que um adulto estava falando comigo.

            Você também não facilita nem um pouco, Jenny...

            -Eu queria te contar algo muito estranho sobre Mestre Birch, mas parece que você não está interessada mesmo. Então vou voltar a dormir...

            -Espere, Birch?!

            Eu estava de costas, de modo que ela não pôde ver meu sorriso vitorioso. Parei no limiar da porta, deixando morrer meu leve sorriso. Bela estratégia, pensava consigo mesmo. Pigarreei, voltando-se para minha irmã.

            -Ele me fez perguntas. Perguntou sobre o local onde meu pai guarda suas espadas, armas, estas coisas... Eu estranhei e decidi segui-lo, quando ele estava indo embora. Ele comentou com outro homem, do outro lado da rua, sobre um “ataque”. Eu acho que ele está tramando alguma coisa ruim contra nosso pai...

            Isso não parecia surpreender Jenny, notei.

            E isso me dava grande alívio. Afinal, não precisava ser mais persuasivo.

            -Eu não duvido. Aquele homem é detestável. Eu sempre duvidei que ele tivesse boas intenções para conosco. De qualquer modo, é a nossa palavra contra a dele.

            -Não se pudermos provar.

            Jenny ergueu as sobrancelhas.

            -O que está havendo com você, moleque? Parece que tem vinte anos a mais de idade.

            Quarenta e cinco anos, para ser mais preciso.

            -Não é nada. – limitei-me  dizer, afastando minhas respostas mentais. – Mas ora, você quer que Birch realmente se case com você, e que ele faça algo contra todos nós?

            -Não. Claro que não. De qualquer modo, o que faremos?

            -Eu tenho uma idéia.



§§§§§§§§§§§§§

 

            -Se meu pai souber que você está aqui, ele me mata.

            Limitei-me a sorrir para a ameaça de minha irmã, Jenny. Foi com intenso esforço que consegui convencer minha irmã a levar-me a uma visita vespertina à casa de Birch em seu plano de obter provas contra o templário. Faltava apenas dois dias para o fatídico ataque à nossa casa, e eu sabia que aquela seria minha última chance de alertar o meu pai – e quem sabe, salvá-lo de ser morto. Como possuo grande conhecimento da casa de Birch, adquirido por anos em sua convivência, eu sabia onde o meu Mentor Templário guardava tudo de mais importante em seu escritório, por isso, eu seria muito mais útil que Jenny para localizar as provas. Pena que eu não poderia contar sobre esse detalhe para minha irmã, tendo de ouvir suas reclamações e ameaças o tempo todo em nossa carruagem.

            -A partir daqui, você se vira, pirralho. Se você for pego... Está nas mãos de Deus. – disse Jenny, antes que eu pudesse sair da carruagem.

            -Está bem, Jenny. Boa sorte. – disse, subindo com extrema facilidade o muro da casa de Birch.

            Onde ele aprendeu a fazer isso?, foi o que ouvi de Jenny, ao longe, notando seus olhos vidrados em mim, enquanto escalava o muro.

            Já dentro da mansão, eu entrei pela janela da biblioteca, local que eu sabia que era o mais mal-vigiado de sua extensa mansão. Era uma dádiva que eu conhecesse tão bem assim a rotina daquela casa, pois eu sabia onde cada empregado estaria e o que estaria fazendo àquela hora do dia. Mesmo que minha convivência ali tivesse ocorrido há décadas atrás em minhas lembranças, eu notara tudo extremamente familiar.

            Estar no escritório de Birch exigiu paciência e cuidado para aguardar o momento certo e não ser pego por nenhum empregado, mas finalmente consegui. Naquele momento, notei que meu tamanho ajudara na furtividade. Bastava me esconder atrás de algumas plantas decorativas, ou até mesmo enfiar-me embaixo de sofás e cadeiras! Pego-me rindo agora de tal coisa, mas naquele momento estava longe de achar graça de invadir a casa de um dos homens mais perigosos que já conheci.

Cheguei a ouvir Birch recepcionar a minha irmã, Jenny. Com a promessa de que minha irmã seria capaz de distraí-lo na sala de estar, aproveitei a deixa dada por ela e procurei por todo o escritório por provas.

            Após uma demorada busca, finalmente encontrei as provas que procurava. Tratavam-se de cartas dos Templários, e um papel de próprio punho de Birch relatando sobre “as benesses que a morte de Edward Kenway trará aos Templários, com a obtenção de um manuscrito Daqueles Que Vieram Antes e todas as vantagens que os Templários possuirão futuramente”. Senti vontade de vomitar com aquelas palavras, mas guardei minhas emoções e escondi as correspondências no bolso de minha casaca.

            Quando movimentei-me para sair, acabei me deparando com o próprio Reginald Birch, parado no limiar de sua porta, com um sorriso que, embora parecesse divertido, significava minha eminente morte. Já o tinha visto várias vezes sorrir desta maneira para suas vítimas, quando prestes a mata-las.

            -Bisbilhotando minhas coisas, menino? Confesso que esperava tal coisa de sua irmã, mas jamais de você. Aposto que foi ela quem pôs caraminholas em vossa cabeça para fazê-lo cometer tal ato de indelicadeza para comigo. Mas está tudo bem. – ele disse, com uma voz tranquila, provavelmente porque queria me dominar verbalmente. Ele estendeu a mão, com certa cortesia em seus olhos. – Devolva-me os documentos que vi você guardar em sua casaca, e eu esquecerei este episódio lamentável. Tem a minha palavra de que não revelarei nada do que aconteceu aqui ao seu pai e a sua mãe. Isso será nosso segredo. O que acha?

            Desgraçado! Quem ele pensava que era? Seu olhar confiante e voz paciente me enojavam. Como pude ter confiado tanto neste homem? Eu era, de fato, muito tolo para deixa-lo em meu círculo de confiança por tanto tempo.

Deixei a mão dele estendida ao vento, determinado a não entregar as cartas. Sua paciência começara a se desgastar, com minha atitude aparentemente teimosa.

—Então? Não irá mesmo me devolver meus documentos?

Recusei com a cabeça. Ele suspirou pesadamente.

            -Uma pena, Haytham. Uma pena, pois eu tentei. Juro que tentei. Eu tinha um futuro fascinante destinado a você, e seu ato de teimosia irá coloca-lo em xeque. Creio que você não me dá outra escolha, então.

            Mal recitada estas palavras, ele desembainhou sua espada – oculta em sua bengala, algo que eu já sabia. Eu, que estava desarmado, não vi outra escolha senão recorrer a uma pequena faca de prata que estava sob sua mesa, destinada a cortar envelopes e correspondências. Ao ver-me com aquela pequena e desprezível arma em minhas mãos, ele riu.

            -Creio que esta é uma arma adequada a ti. – zombou. Eu ignorei, colocando-me em guarda. Naquele momento, não mais me lembrei que precisava disfarçar a respeito de meu conhecimento – meu real conhecimento, de um homem de cinquenta anos de idade bem experiente nos assuntos da Morte – e a empunhei como uma adaga, talvez de forma mais adequada que muitos homens que Birch conhecera. A julgar por um lampejo que vi em seus olhos, ele estava surpreso com minha atitude, inadequada demais para um menino que treinava com espadas de madeira até pouco tempo.

            Coube a Birch fazer o primeiro movimento, facilmente desviado por mim. Naquele momento, senti-me agradecido por minha estatura consideravelmente menor, que me tornava um alvo mais complicado de se acertar. Birch parecia abismado pela facilidade com que me esquivei de seu golpe.

—Bom, se há algo que não posso reclamar de seu pai é que ele te treinou bem o bastante.

Outra vez, ele avançou para cima de mim. Avanço, esquiva. Avanço, esquiva. Parecíamos um casal a valsar, na solidão de seu escritório. Notei que esse jogo de gato e rato começara a deixa-lo irritado. Gotas de suor já eram vistas em sua testa. Acredito que ser feito de bobo em uma luta por um menino de dez anos estava machucando seu próprio ego.

Em sua próxima tentativa, mais desajeitada, aproveitei-me e fui mais ousado, cravando a faca de prata em seu braço. Neste momento, notei a desvantagem de ser criança. Por maior que fosse a força aplicada, a faca mal cravou em sua carne. Por sorte, fui rápido o bastante para retirá-la. Sangue logo começou a escorrer do braço de Reginald Birch.

—Isso foi longe demais, Haytham. Longe demais.

Bufando de raiva, provavelmente por sentir-se humilhado por mim, ele tentou mais uma vez me golpear, sem sucesso. Cravei outra vez a faca, desta vez em sua perna. Porém, o golpe que dei foi mais forte, e infelizmente eu não consegui retirá-la de sua coxa.

Birch deu um grito de dor, quase horripilante. Já vi homens morrendo de hemorragia após receber um golpe daqueles, e tenho certeza que o semelhante aconteceria a Birch, pois sua primeira providência foi rasgar um tecido de sua própria camisa e usá-la para estancar o sangue. Isso acabou deixando-o concentrado demais, a ponto de não perceber sua espada cair no chão.

Com os movimentos limitados, ele tentou se sentar à mesa, enquanto tentava, com pouco sucesso, arrancar a pequena faca de sua coxa, pois a dor daquela lesão o impedia de fazê-lo. Com sua espada na minha mão, aproximei-me dele, arfando. Não sabia se do cansaço e do nervosismo daquela luta, ou da raiva de estar diante do homem que causara grande devastação à minha vida.

Embora meu semblante fosse sério, ele riu de mim.

—Você não iria tão longe. Iria?

Sem hesitar, apliquei o primeiro golpe, em seu peito. Ele gorgolejou de dor, e olhou-me com o olhar petrificado, atônito, eu diria. Porém meu golpe não fora letal, propositalmente. O desgraçado ainda estava vivo. E vivo porque eu queria.

            -Isto é pelo meu pai. – disse, depois de retirar bruscamente a espada de seu corpo, fazendo-o estremecer de dor. Cravei-a outra vez.

            -Isto é pela minha mãe.

            E outra vez. Ele tossiu.

            -Isto é por Jenny.

Sangue começava a escorrer de sua boca, mas seu sofrimento só me deixava mais determinado.

            -Isto é por destruir minha família.

Não lembro quantos golpes vieram a seguir. Só me lembro de ter parado em algum momento, ao perceber o seu olhar vidrado e congelado pela morte. Mas ele ainda respirava. Ele respirava, e isso me fazia estar ainda sedento por mais.

            -E isto... É por ter me transformado em um Templário.

            Apliquei meu golpe final. Um corte no pescoço. Golpe clássico de Assassino. Não sei se ele ouviu a última frase, a julgar por seu estado cadavérico, e se tivesse escutado, não teria entendido qualquer coisa. Respirei fundo, ainda arfando e suando pelos recentes acontecimentos.

Eu matei Reginald Birch. Matei-o, antes que ele matasse ao meu pai. Ainda tentava processar os meus atos, tentava, creio eu, degustar as consequências. Meu pai viveria mais um dia, e isso era o que importava. Tonto, joguei a espada de Birch no chão. Sabia que precisava sair dali o quanto antes. Com uma calma beirando a letargia, eu desci pela janela dos fundos, chegando ao jardim. Cheguei a avistar uma empregadinha namorando um dos cocheiros da casa, mas sequer fui visto. Mais tarde, pensei eu, ela terá de fazer uma boa limpeza naquele escritório.

            Encontrei Jenny dentro da sala de estar, sentada a uma cadeira. Notei pelo seu semblante que ela parecia preocupada. Decerto, sabia que Birch estava lá em cima, e temia que eu fosse pego. Minha irmã, preocupada comigo? Isso era estranho demais para mim, mas procurei não tocar neste assunto.

            Assobiei, com tínhamos combinado. Eu a vi falando a um dos empregados sobre uma má disposição qualquer e se despedindo. Quando do lado de fora, no jardim, ao me ver, ela quase soltou um grito. Por sorte, a própria abafou.

            -Por Deus, pirralho! Acaso esteve em um matadouro?

            Analisei a mim mesmo. De fato, minha casaca e camisa estavam completamente sujas de sangue.

            -Este sangue não é meu. – limitei-me a dizer. – É de Birch.

            Ela soltou uma exclamação, de abismação.

            -Você o matou?!

            -Eu não tive escolha! Ele me pegou em flagrante. Eu sairia de lá morto, ainda mais depois do que... Depois do que consegui sobre ele.

            O horror de Jenny se dissipou, dando lugar a curiosidade.

            -O que conseguiu?

            -Leia você mesmo. – disse, entregando a correspondência com um sorriso vitorioso.

            Durante a leitura, notei o semblante de minha irmã se contorcer em desgosto algumas vezes.

—Filho da puta. – deixou escapar. Sem dúvida, ela tivera o mesmo sentimento que eu. Por fim, veio o veredito.

            -Bom trabalho, pirralho. Hoje mesmo eu contarei ao meu pai.

            -Espere, “eu contarei”? E quanto a mim?

            Jenny resmungou.

            -Você não faz idéia das coisas que eu tive de fazer com aquele homem nojento para te dar tempo, moleque. Portanto, o mérito será todo meu. Aliás, você não pode aparecer em casa com estas roupas sujas de sangue. Terá de tirá-las.

            -Tudo bem. Posso tirá-las e atirá-las ao fogo, ou ao Tâmisa.

            -Puxa, mas que mente criminosa você possui! Terei de tomar mais cuidado com você. – ela disse, realmente chocada.

Contenha-se, Haytham.



§§§§§§§§§§§§§

 

            E eis que chegou o dia de meu aniversário.

            Eu não vi o meu pai durante todo o dia. E isto me preocupava. Eu me lembrava de quase todos os detalhes daquele dia, e, no entanto, notava que tudo estava diferente. Jenny tinha revelado na mesma noite em que voltamos para casa após à excursão à casa de Birch sobre os planos dele e dos Templários que envolviam a nossa família, e na manhã seguinte, as notícias sobre a morte de Birch chegaram. Jornais noticiavam o ataque como um crime violento e vulgar, provavelmente cometido por um rival de negócios ou um assalto fracassado à sua casa.

Desde a morte de Birch, notei que o meu pai havia desaparecido. Tessa, minha mãe, tinha se limitado a dizer que meu pai Edward teve “negócios inadiáveis” a tratar. E infelizmente, só me restava esperar que meu pai voltasse vivo de tais “negócios”, cuja natureza eu conhecia muito bem. Afinal, Birch não era o único templário de Londres, embora fosse o mais desejoso a atacá-lo e roubar seu material sobre Aqueles Que Vieram Antes. Os demais templários não tinham motivos tão diretos como os dele para atacar a nossa família, mas ainda assim, isso não me deixava em paz.

            No cair da noite, no horário próximo ao do ataque que arruinou a nossa família, eu estava sentado na poltrona preferida de meu pai, fitando a lareira com o semblante provavelmente aborrecido, impaciente com minhas expectativas, e ao mesmo tempo alarmado, temendo que a qualquer momento, nossa casa fosse atacada e todo o pesadelo de minha vida se repetisse.

Perto de meu horário de dormir, eu ouvi a porta se abrir.

            Foi impossível não abrir um enorme sorriso, quando vi meu pai vivo, diante de mim.

            -Pai! – gritei, correndo para abraça-lo.

            -Oh, então você pensou que eu realmente não estaria aqui para o seu aniversário? – disse meu pai, devolvendo o meu abraço com entusiasmo.

            -Como foram os negócios, pai? – perguntou Jenny, trocando um olhar cúmplice com ele.

            -Transcorreram muito bem, minha filha. – ele disse, calmamente. – Espero que não fique magoado comigo, meu filho, por eu não ter jantado com você. Mas acredite, embora já seja tarde da noite, seu aniversário ainda aguarda muitas surpresas. Venha, eu quero te mostrar uma coisa.

            Eu já tinha um pressentimento do que era, mas preferi deixar que meu pai fizesse suas revelações, ao invés de estragar tudo com palpites. Caminhando lentamente até o escritório de meu pai, eu ainda pude ver o olhar entristecido de Jenny, minha irmã. Decerto, ela sabia o que estava por vir, e pior, sabia que tal destino estava renegado a ela, quase da mesma forma que esteve renegado a mim. Eu o vi abrir uma passagem secreta após tocar algumas notas no piano de sua sala de estudos, revelando um cômodo completamente secreto – até mesmo para mim, que conhecia bem aquela casa e jamais soubera de tal coisa.

Após descermos as escadas, meu pai finalmente começou a falar.

            -Meu filho, você passou por um árduo treinamento, até chegar este dia. Você sempre me perguntou o porquê do seu treinamento. Pois bem, é dada a hora de você saber a verdade. Aproxime-se.

            À medida que meu pai, Edward Kenway, acendia os candelabros da escura sala, o ambiente começava a se revelar. Havia um conjunto de sabres e armas, de todos os tipos, dispostas pela parede, adornada por mapas, ouro, bandeiras de algumas Nações e até mesmo caveiras, bem como o leme de um navio e uma bandeira negra, com uma caveira e o símbolo dos Assassinos. Sem dúvida, o local era uma espécie de “Santuário”, concentrando todas as lembranças da infame vida do pirata Assassino Edward Kenway pelos mares e terras longínquas da América.

            -Há muito tempo atrás, no Oriente, um grupo de homens lutava para assegurar a paz, por intermédio do livre-arbítrio e da liberdade. Estes homens formavam a Ordem dos Assassinos.

            Juro, eu teria rolado os olhos para aquela velha história sobre a origem dos Assassinos, mas curiosamente tudo parecia mágico, contado por meio de meu pai. Como se estivesse hipnotizado, eu escutava com paciência e interesse àquela história.

            -Os Assassinos possuem um forte conjunto de valores a reger nosso modo de vida, que chamamos de “Credo”. O Credo consiste de três dogmas importantes: Mantenha sua lâmina longe dos inocentes; Mantenha-se escondido na multidão e; Nunca comprometa a Irmandade.

Embora tudo fosse deslumbrante e sedutor aos ouvidos de qualquer leigo que ouvisse tal narrativa, eu não estava surpreso. Tinha sido um Templário a vida toda, e sabia de todos os pontos a respeito da Crença dos Assassinos.

Até eu finalmente notar, no centro da sala, o Manto de Assassino de meu pai, Edward Kenway.

            O mesmo Manto usado por meu filho, Connor.

            Percebendo-me embasbacado, meu pai sorriu.

            -Filho... – disse meu pai, apontando para o Manto. – Este traje pode parecer fascinante à primeira vista, mas saiba que vesti-lo acarreta em enormes responsabilidades. Responsabilidades que creio que você está pronto para assumi-las. – após uma pausa, Edward voltou a falar. – Eu treinei você desde os cinco anos, Haytham, para que você estivesse pronto para vestir um manto semelhante. Não vesti-lo apenas por vestir, mas... Para que se tornasse um Assassino. Como eu sou. Para lutar por aqueles que se encontram impedidos de fazê-lo, seja por sua moralidade, seja por temor.

            Após uma longa pausa, notei meu pai se mover para outra parede. Quando ele apertou um livro oculto, acabou movendo mais uma parede, revelando algo que eu realmente não esperava.

            Um Manto, da cor azul-marinho, com capuz negro e detalhes dourados, tendo uma amarra vermelha na cintura. Novo em folha.

            Será que esse Manto existira? Provavelmente. Eu teria descoberto, se não fosse pelo incêndio.

            -Este é o seu Manto, Haytham. Quando chegar a hora, ele será seu. Mas você precisará treinar ainda mais, até que esteja pronto para vesti-lo e se denominar um Assassino de verdade. E então, está pronto?

            Suspirei fundo. Diante daquele Manto – meu Manto – eu me lembrei de minha vida como Templário. Tudo que vivi, em prol da Ordem, sob o comando de Reginald Birch. Minha vida tinha sido forjada em mentiras, eu dissera uma vez. E quando a verdade foi finalmente revelada, percebi que era tarde demais para muda-la, que eu vivia aquela mentira há muito tempo. Eu matara, roubara e mentira em benefício daqueles que arruinaram o que eu tinha de mais precioso, em minha mais tenra idade: minha própria família. E se antes eu fazia tal coisa motivado por minhas crenças templárias, sinto agora, depois de viver por mais de cinquenta anos de guerra, que eu já não mais as possuía. Não tinha mais convicção. Convicção de que o mundo precisava de ordem, a qualquer custo. Convicção de que a liberdade realmente gerava caos. Eu não era mais um Templário: a vida tinha se encarregado de me mostrar que eu estava errado. Em prol da construção de uma família de verdade, algo próximo do que tinha antes do incêndio, eu tinha me reduzido a um homem sem crenças. Entretanto, ainda que sem crenças, um homem disposto a conhecer melhor e viver o outro lado da Guerra.

            Pois afinal, eu ainda tinha muito que viver.

Por Ziio. Por Connor. Por Tessa. Por Jim. Eu ainda desejava tê-los. Sabia que a mera existência de meu pai poderia colocar em xeque a possibilidade de conhecer Ziio, e consequentemente o nascimento de nossos filhos. Confesso que o amor que sentia por Ziio e por meus filhos fez-me hesitar. Pensei em negar minha ida ao Credo, dar as costas ao meu pai e me tornar um Templário, com ou sem Birch, apenas para garantir que eu voltasse a vê-los novamente, que minha vida pudesse voltar a ser o que era. Mas o olhar expectante de meu pai, e ao mesmo tempo ansioso por minha resposta... Era irresistível demais.

            -Eu me preparei a vida toda para isto.

            Foi estranho dizê-lo. Ali, eu admiti que queria ser um Assassino. Um Assassino, eu?! Em tempos passados, riria desta hipótese. Mas agora, sentia... Nada. Talvez, um estranho frio na barriga diante do desconhecido que se desenhava lentamente diante de mim, com aquela resposta. Mas ao mesmo tempo, sentia-me um Traidor. Aquela seria uma pá de cal contra minha chance de ter minha família de volta, uma vez que eu não mais seria um Templário?

Não seja tolo, Haytham. Ziio pode estar do outro lado do oceano, embrenhada na floresta, mas ela ainda está lá. Você poderá conhece-la de outra maneira. E quem sabe, poderá até ter mais meia dúzia de filhos com ela, além de Connor, Tessa e Jim.

Realmente. Meu medo era sem fundamento. A aflição que deveria estar estampada em meu rosto, ainda que por uma fração de segundos, provavelmente deu lugar a alívio. Quando finalmente tirei meus olhos do Manto, já não mais submerso em meus pensamentos incertos, percebi que meu pai estava sorrindo, surpreso com a resposta bastante “adulta” de seu filho precoce.

            -Então... Bem-vindo à Irmandade, Haytham.


Notas Finais


E mais de 60 capítulos depois... A fanfic terminou.

Espero que tenham gostado do final dela.

Como disse a uma leitora, eu imaginava esse final desde o início. Acredito que toda a tragédia vivida pelos Kenway (as vidas de Connor/Haytham) tenha começado desde a morte do Edward. Por isso, desde o momento em que eu comecei a escrever, sabia que Connor não seria capaz de tornar a vida dele completamente boa. Fora que ele se tornou um tanto obcecado com isso. Acho que o maior erro dele, como personagem, foi ter ido à confronto com Howard apenas porque queria a Maçã como garantia de que Amália não morreria "para sempre". Ele deveria ter afundado aquele navio e lançado a Maçã para o fundo do oceano, mas conheço bem a personalidade de Connor para saber que ele seria incapaz de fazer isso.

E ainda salvei a vida do Edward no processo, rsrs.

Enfim, brincadeiras à parte, gostaria de agradecer à todos que acompanharam a fanfic, dos leitores das antigas até aqueles que chegaram agora, com um abraço especial àqueles que deixaram reviews, favoritaram e até mesmo recomendaram a fanfic. Acreditem, essa "troca" fez essa fanfic continuar, e por vezes muitas palavras que vocês deixaram para mim a respeito dela salvaram o meu dia, ou o tornaram mais especial. Aprendi muita coisa durante essa fanfic, e realmente gostei de interagir com vocês.

E para adiantar: essa fanfic não terá sequência. Quero trabalhar com outras histórias e outros arcos, apesar de amar os Kenway.

Um grande abraço!!! Até a próxima!!!

Obs: Ainda essa semana, começo a postar a fic de "The Witcher 3"... Fiquem de olho ;)


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...