Minha respiração era calma. Apesar de tudo, eu estava calma. Tudo estava escuro e tranquilo. Sem sinal de presença de outras pessoas. Não fosse por um choro baixinho e quase imperceptível em algum lugar perto de mim. Eu queria saber quem era. Queria saber quem chorava e porquê. De repente percebi que não conseguia. Não poderia saber.
Sentia meu peito arder, meus olhos não abriam e eu me mexia desesperada. Não conseguia respirar e ouvia um barulho irritante ao fundo.
Bip, bip, bip.
- O coração dela tá parando, chame os enfermeiros! - alguém gritou ao fundo e eu não entendia nada. Sentia uma falta de ar imensa e perturbadora. O choro foi ouvido no fundo quase que gritante. Até que um impacto enorme sobre meu corpo foi desferido e tudo se silenciou.
- Momori...Amor, você tá me ouvindo? - depois de sentir que dias se passaram finalmente ouvi aquela voz. A sua voz.
- Você deve deixá-la descansar, senhorita. - uma outra voz mais serena falou e eu enfim me mexi. Mas somente um pouco.
- Viu?! Você viu isso?! Ela apertou minha mão! Ela tá consciente - sua pele tremia sobre a minha e eu podia sentir seu desespero - fala comigo, amor. Eu tô aqui...você consegue falar? - senti seu toque em meu rosto e sua respiração perto demais. Sem conseguir fazer algo mais, apertei novamente sua mão.
- Senhorita, por favor. Precisa sair. - a outra voz insistia já me deixando irritada.
- Não! Ela é minha namorada, eu preciso ficar com ela, eu sei que ela tá me ouvindo - exclamou com a voz embargada - me deixa ficar aqui, por favor... - seu aperto em minha mão ficou mais forte quase que num gesto inseguro.
- Tudo bem, mas precisa ficar quieta e deixar que ela descanse. Se passou muito tempo, mas agora que ela reagiu, precisa descansar. - a outra voz falou e o som de algo batendo fraco foi ouvido.
- Momori...por favor, você precisa acordar. Precisa voltar pra mim, eu sinto tanto a sua falta...você ainda lembra de mim, não é? Os medicos falaram que talvez você não lembrasse... - a insegurança em sua voz era palpável e isso me agustiava.
Eu não lembrava de nada. Se devia lembrar, não sabia exatamente o que deveria lembrar. Estava tudo confuso. Por que meus olhos não abriam? Por que eu estava consciente e não conseguia falar? Sobre o que as pessoas estavam falando? E acima de tudo, quem era essa pessoa que tanto me chamava de amor? Minhas perguntas não obtiveram respostas e eu continuei no meu estado paralítico somente conseguindo apertar os dedos da pessoa novamente.
- Você me entende, não é? - senti uma lufada de ar seguida de um riso baixo e quis sorrir também - vamos fazer como nos filmes? Se a resposta for sim, você aperta minha mão uma vez. Se for não, aperta duas vezes, tá bom? - perguntou com a voz trêmula. Minha única reação foi apertar uma vez querendo dizer sim para reconfortá-la. - isso! Isso mesmo, amor. - sorriu. Eu sei que a pessoa sorriu. E eu adorava quando me chamava assim - você se sente bem?
Apertei três vezes.
- Isso parece ser um talvez - riu me fazendo sentir um toque em meu ombro. - certo...Então, sabe por quê está aqui?
Apertei duas vezes.
- Tudo bem. O médico vai te explicar melhor quando você estiver realmente acordada. Você...lembra de algo?
Apertei duas vezes.
- Entendi. E você lembra de mim?
Apertei duas vezes.
- Tá, eu acho que tudo bem... - ouvi seu suspiro pesado e por instinto tive vontade de abraçá-la.
Não sabia porquê, mas era o que eu mais desejava naquele momento: tomá-la em meus braços e lhe abraçar bem forte como se nada pudesse nos separar.
- Você está sentindo dores?
Apertei duas vezes.
- Quer algo?
Apertei uma vez.
- Quer comer?
Apertei duas vezes.
- Quer levantar?
Apertei uma vez.
- Você quer sua casa, não é?
Apertei uma vez.
- Você deve não se lembrar também, mas você ama sua casa - riu mudando a forma como segurava minha mão. - eu sinto sua falta, Momori...já passou muito tempo. Você podia voltar pra mim, não acha?
Apertei uma vez fazendo-a soltar um suspiro surpreso.
- Você quer, Momo?
Apertei uma vez juntando a força que tinha para pressionar mais minha pele contra a sua.
Passaram-se mais algumas horas e eu finalmente consegui reagir. Abri os olhos vislumbrando o quarto extremamente branco e com uma luz forte vindo da janela. Uma garota alta e magra de cabelos curtos estava numa poltrona ao lado do que percebi ser uma maca onde eu estava deitada.
- Ei. Ei! Psiu! - a chamei logo fazendo-a despertar num susto.
- Momo? - me olhou incrédula como quem vê um fantasma - você acordou! Você realmente acordou! Senti tanto a sua falta, meu bem...- a garota falou chorando ao abraçar meu pescoço.
- Bom, senhorita Hirai. Bem vinda de volta. - o médico anunciou quando eu já estava desperta e ao lado da minha suposta namorada, Jeongyeon - me disseram que você não lembra de nada, então vou explicar, tudo bem?
- Sim, por favor - soltei um sorriso constrangido desviando meu olhar para Jeongyeon logo voltando a fitar o médico.
- Certo. Seguinte: você passou por uma cirurgia para extrair o tumor da sua glândula mamária, tudo bem? Compreende isso? - perguntou após falar calmamente.
- Sim, eu...entendi - apertei a mão de Jeongyeon que estava junto à minha quase com receio de ainda poder estar com o tal câncer.
- Ótimo. Então, após a cirurgia, você foi colocada em coma induzido. Porém, não acordou mais. E isso nos preocupou bastante. - ele empurrou o par de óculos para cima me olhando sério.
- E...Eu fiquei quanto tempo desacordada? - perguntei com receio de quanto tempo da minha vida eu havia perdido.
- Hoje faria duzentos e quarenta dias. O equivalente a oito meses. - minha boca ficou entreaberta ao passo que soltei um arfar surpreso. - estávamos a um dia de desligar os aparelhos, totalmente sem esperança. Até que você deu o disparo cardíaco comprovando que ainda podia reagir de alguma forma.
- E sobre o tumor? - perguntei já ansiosa por saber se tinha acordado só pra sentir dor até morrer.
- Foi retirado com sucesso. Você está curada do câncer.
- Jeongyeon, sabe - comecei e ela me interrompeu após sairmos do carro.
- Você me chamava de Jeong.
- Como?
- Nada. Continue. - respondeu caminhando para o lugar que disse ser nossa moradia.
- Eu sonhei com algo e você estava lá.
- Mesmo, e como foi?
- Bom, foi -
- Sohye! Mamãe está de volta! - minha namorada anunciou ao chegarmos na nossa casa me interrompendo outra vez.
- Sohye? Quem é? - perguntei confusa fitando a garota.
De acordo com o que o médico havia dito, eu recuperaria toda a minha memória dentro de uma ou duas semanas. Caso isso não acontecesse, significaria que meu cérebro foi danificado pela paralisia dos neurônios e eu não recuperaria sequer uma lembrança.
- Mamãe! - uma menina de uns quatro anos ou menos me abraçou a perna com força causando um leve balanço em meu corpo. Ao olhar para ela foi como se tudo se esclarecesse. Seus olhos me remeteram à lembrança de quando Jeongyeon quis adotar um bebê.
Aquela era nossa filha.
- M-minha princesinha...- fui tomada por lágrimas ao pegar a pequena no colo a abraçando com saudades. Seu cheirinho de morango do shampoo que ela mais gostava parecia tão familiar e seus cabelos na altura do pescoço brilhavam como no dia em que a vi andar pela primeira vez no gramado do quintal à luz do sol.
Eu estava em casa. Estava com a minha esposa e a minha filha. Até a babá e a diarista me fizeram lembrar de muitas coisas. Bastava olhar para cada cantinho ao adentrar nossa alegre e aconchegante casa. Eu era uma dançarina profissional e Jeongyeon era designer de moda. Nossa filha havia vindo para nós dois anos depois que eu e Jeongyeon havíamos casado. Sohye era tudo que ela esperava.
Meu câncer tinha sido descoberto assim que estava prestes a fazer uma viagem longa a trabalho. Comecei o tratamento e quando estava prestes a melhorar, o tumor se alastrou por todo o meu seio e as dores ficaram cada vez mais constantes. Passava mal frequentemente em um dia só e logo quis fazer a cirurgia quando pareceu ser seguro. Felizmente acordei a tempo do aniversário de cinco anos de Sohye.
- Eu amo as mamães! - nossa pequena gritou alto assim que abriu a caixa grande com uma casa de boneca enorme em cor azul marinho (sua cor preferida).
"Tá, mas e sobre a história da bailarina e blá blá blá?"
Bom, isso é pauta pra outra discussão, já que eu não lembro mais de nada.
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