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História Beijada pelas Águas - Enfim, a Escola


Escrita por: giulsAn

Capítulo 8 - Enfim, a Escola


O caminho até a nova escola não demorou muito, infelizmente. Para ser sincera, a ansiedade estava me comendo viva. Eu queria passar pelo menos um dia sem sofrer com o nervosismo constante. A probabilidade de uma gastrite crônica desenvolver era grande. Tentando manter a calma, o que para mim é tecnicamente impossível, observava a paisagem de florestas fechadas e de um vilarejo que, por mais que pequeno, não parecia ter muita gente nas ruas. 

Talvez, pelo horário, todos estavam almoçando, pensei. Hoje o sol não estava dando as caras. Não que fosse fazer diferença na temperatura, mas deixava a situação um pouco mais feliz, eu acho. Irônico porque nunca gostei do calor que vivia no Brasil, contudo, de alguma forma era difícil não sentir falta.

Fechei os olhos, sentindo meu coração ecoar no peito. Assim que engoli a seco, minha garganta, a qual estava seca, ardeu. 

Franzi o cenho. 

Parecia que estava indo para guerra, mas na verdade era apenas uma escola nova.

— Nervosa?

A voz calma de Mundur fez com que eu o olhasse pelo retrovisor. Ele tentava manter os olhos na estrada, mas parecia preocupado com a minha reação.

— Você acha que vão gostar de mim?

Sei que sempre preferi ficar sozinha, mas não conseguia evitar querer, pelo menos uma vez na vida, me encaixar em algum grupo. Às vezes era bom ficar sozinha, mas não o tempo todo. Ficar isolada na solidão era cruel. Senti meus olhos arderam por conta das lágrimas e respirei fundo.

 Não podia chorar, não agora. 

As dores que me acompanhavam não podiam se expor agora. 

— Senhorita O’Brien, não precisa se preocupar com isso. — Suspirou Mundur, tentando me acalmar. Tinha completa certeza de que ele estava vendo o quanto essa situação me afetou. — Vão gostar de você.

— Como pode ter tanta certeza?

— Porque não tem por que não gostar.

— Pessoas podem ser cruéis as vezes. Odeiam e excluem sem razão.

— Pensei que a senhorita gostasse de ficar sozinha. — Mundur soltou uma risada baixa. Talvez eu gostasse porque nunca tive outra opção. Minha visão ficou turva por conta das lagrimas. Limpei rapidamente os olhos, soluçando baixo.

— Desculpe, eu não sei por que isso está me afetando tanto. 

Eu não sabia mesmo. Fazia anos que não chorava por conta de exclusão social. Por que isso está rastejando em minhas emoções agora? Tantos momentos possíveis que eu estava sozinha, por que quando estou prestes a chegar na escola?

— Nós, humanos, temos o costume de assimilar dores e sentimentos como fraqueza. — O encarei, franzindo o cenho. Mundur estacionou o carro próxima a entrada da escola e as borboletas em meu estômago voavam, voltando a vida. — Por mais que a vida nos traga dores, não quer dizer que devemos ter medo de sentir, Lia. 

No momento que ouvi meu apelido, sorri. Mundur retribuiu o sorriso. Respirando fundo, apertei os dedos que envolvia a alça da minha mochila e, limpando pela última vez as lágrimas, assenti com a cabeça. Precisava enfrentar, o homem de terno tinha razão.

— Te vejo mais tarde, Mundur. — Sorri, abrindo a porta. — Obrigada.

Ele não respondeu, apenas olhou para frente e, no momento que fechei a porta e senti uma brisa gelada. Mundur se foi, me deixando sozinha perto da entrada do colégio. 

Olhei novamente para as portas do inferno e criei coragem para evitar possíveis surtos e correr para longe dali. Além do mais, hoje era apenas para intercambistas, então todos devem estar se sentindo deslocados e preocupados como eu, certo?

Cada passo que dava, sentia cada articulação do meu corpo doer com a brisa gelada que tocava meu ser. Me encolhi, encarando algumas pessoas, as quais eu assumi que sejam os alunos, entrarem no local. Por mais que existissem poucos intercambistas nessa região, como eu já havia suspeitado, era inevitável perceber os grupos que já estavam formados. 

Os alunos se tratavam como conhecidos de longa data e eu me questionava quantos dias eu vivi naquela realidade paralela para já haver grupos fechados.

Assim que passei a porta de vidro quando acabamentos de alumínio, soltei um breve suspiro por conta da diferença de temperatura. 

Aqui dentro, definitivamente, está mais quentinho, pensei. 

A escola aparentava ser um colégio comum de filmes adolescentes, contudo, a única diferença eram as placas que ficavam perto de cada porta, tanto a da frente quanto as pequenas, que assumia dizer qual matéria seria dada em casa sala. 

Pelo menos, eu esperava que fosse.

No fim das contas não faria diferença porque eu não entendo islandês e estou rezando para falarem mais inglês que a língua materna aqui. 

Acredito que por ser uma escola que aceita intercambistas, talvez exista algum auxílio referente a comunicação.

Caminhando com cautela nesse território inimigo, comecei a notar os detalhes de cada grupo de amizade já formado. Grupos esses que eu tinha certeza que nunca faria parte. Respira, Lia. Seja corajosa, suspirei, tentando me manter calma e não deixando que a ansiedade me controlasse. Dezessete anos da minha vida que eu permito a ansiedade tomar conta do meu corpo e das minhas ações, preciso quebrar esse ciclo. 

Observando olhares recaírem em mim, prendo minha respiração. Minhas mãos, as quais estão suando frio, vão até as pontas do meu cabelo, mexendo-os freneticamente. Mordi o lábio com força e, de forma rápida, procurei alguma sala que pudesse me ajudar nesse escape. 

 Ouvindo as pessoas sussurrarem, comecei a acelerar meus passos por um dos corredores até encontrar uma placa, a qual embaixo de inúmeras letras que formavam uma palavra em islandês, estava escrito de uma forma bem pequena: Restroom.

— Ótimo, banheiro! — Falei aliviada, adentrado o lugar. Uma onda de paz se espalhou pelo meu peito ao perceber que, assim que as luzes automáticas ligaram, estava sozinha. É irônico me sentir assim, já que no fundo também queria fazer amigos, ser sociável, mas sabia que seria quase impossível. 

Me arrastei até pia, a qual tinha um espelho retangular logo acima na parede. Abrindo a torneira, deixei que a água gelada tocasse meus dedos, enquanto me analisava com certa pena. Os cabelos ruivos, os quais estavam presos em um rabo, agora estavam arrepiados. Talvez as brisas geladas tenham o bagunçado, pensei, sabendo que a resposta não era essa, já que nunca encontrava vaidade o suficiente para se quer secá-los após levá-los. 

Enchendo a palma da minha mão com uma quantia pequena de água, levei meu rosto até seu encontro, sentindo o líquido gelado refrescar meus poros nervosos. 

Isso era relaxante.

— Amélia. — Uma voz indecifrável ecoou pelos meus ouvidos fazendo todo meu corpo congelar. Por Deus, eu iria enlouquecer. Observei meu reflexo atentamente, sem conseguir me mexer, esperando que algum monstro aparecesse por trás e me matasse. — Amélia. —Engoli a seco. As batidas do meu coração começaram a acelerar e todo meu corpo começou a tremer. 

— Quem está aí? — A frase quase saiu inaudível. Minhas mãos estavam grudadas na pia branca de mármore. 

As luzes, as quais estavam acesas, começaram a piscar. Comecei a rezar para que fosse problema técnico, já que eram automáticas, mas sabia que isso era apenas para me enganar. Eu não conseguia sair da posição em que estava. As torneiras, que estavam fechadas, abriram rapidamente, fazendo com que eu cambaleasse para trás e prendesse a respiração. 

— Amélia. — A voz fora sussurrada bem ao meu lado assim que uma rajada contínua de ventou foi ao meu encontro.

Tampei meus ouvidos, fechei meus olhos e me agachei em um ato de desespero, encontrando dificuldade para respirar. Meus cabelos voavam loucamente para todos os lados. 

Ouvindo meu nome mais uma vez de forma abafada, inflei meus pulmões aterrorizada.

— Para, por favor! — Gritei entre as ventanias. — Eu lhe imploro!

No momento que pronunciei as últimas palavras, senti algo tocar meu ombro. O grito que rasgou minha garganta ecoou pelo banheiro todo e ultrapassou as ventanias. Era a minha morte, pensei. Contudo, assim que abri meus olhos, me deparei com uma menina negra de cabelos longos e trançados, me encarando preocupada. 

— Eu só abri a porta. — Sua voz começou a me trazer de volta a realidade. Eu estava completamente petrificada. — Você está bem? Te assustei?

Sua pronúncia em inglês era perfeita e seu sotaque era bem nítido. A encarei, ainda mortificada com tudo que aconteceu e, assentindo cuidadosamente, comecei a me levantar.

— Estou sim, obrigada. 

— Me chamo Chinara Moyo, mas pode me chamar de Nara. — Disse a mesma, com um sorriso amigável, tentando decifrar minhas reações. De maneira nervosa, balancei a cabeça e fui até o espelho, fingindo arrumar meus cabelos e roupas para evitar meu nervosismo. — Sou uma estudante intercambista da África. Especificamente da Nigéria.

— Sou Amélia O’Brien, mas pode me chamar de Lia. — Afirmei, me voltando a ela, tentando engolir a ansiedade. Comecei a apertar meus dedos de maneira escondida. — Sou do Brasil.

— Brasil? Uau. — Chinara pareceu quase surpresa. Assenti sem entender a tamanha surpresa e coloquei alguns fios rebeldes do meu cabelo para trás da orelha. — E você vai me dizer o que estava acontecendo? Fiquei curiosa e um pouco apavorada, não nego.

Eu estava apavorada. Não conseguia entender até agora o que havia acontecido. Será que foi uma ilusão por conta da falta de sono? Isso é possível? Relembrar a cena fazia meu estômago embrulhar.

— Nada. Não aconteceu nada.

— Então você estava agachada e implorando para algo parar só por diversão? — Indagou Nara. A expressão que surgiu em seu rosto, fez com que eu desviasse meu olhar para o chão. — Um pouco estranho, não?

— Eu sou estranha, acho. — Afirmei, tentando desviar a atenção da conversa, pois não queria ter que falar sobre esse episódio. Sabia que iria me achar louca e provavelmente seria apenas outra justificativa para ser excluída. 

— Ainda bem. — Suspirou aliviada, seguido por um sorriso extremamente amigável. Franzi o cenho tentando compreender sua resposta. Ainda bem que eu sou estranha? Isso existe? — Odeio normalidade. 

— Ah... Obrigada, eu acho. 

— Sem problemas! — Riu ela, fazendo com que meu rosto relaxasse e formasse um pequeno sorriso. Por alguma razão, me sentia confortável perto dela, assim como com Rosa ou Mundur.  — Fico feliz em saber que terei uma amiga tão estranha quanto eu nesse lugar. Estava com medo de ser a única.

Amiga?

Sorri com a palavra. 



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