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História Belas Criaturas (fanfic Lady Dimitrescu) - Perfeita


Escrita por: Arwen_Nyah

Notas do Autor


Eu não poderia deixar vocês passarem o feriado sem mais um capítulo, então aqui está cheio de grandes emoções! o/
Digam ou não se não faço tudo por vocês?
Antes de mais nada, me desculpem por qualquer errinho, não tenho leitor beta e tá ficando bem difícil, mas é isso.

No mais, por favor comentem e me ajudem a crescer ainda mais aqui na plataforma o/ recebi uma segunda proposta de editora pequena e isso graças ao envolvimento de vocês, então por favor continuem e me ajudem a realizar meu sonho de um dia publicar um livro.

Boa leitura!

Capítulo 20 - Perfeita


A tempestade sempre passa. Isso era algo que Alcina ouvia com frequência ao crescer. Em algum momento a tempestade vai embora e a calmaria, a verdadeira e não a falsa sensação causada por estar no olho do furacão, volta e todos podem respirar aliviado; para alguém como ela, cheia de ímpeto e personalidade forte, isso não passava de uma grande besteira. É claro, eram outros tempos, Alcina era jovem, tola, apaixonada e quase sempre precisava ser contida para encaixar-se em uma posição nobre que não desejava; agora, já mais velha e vivendo através das décadas, com quatro filhas que precisava educar e proteger, achava que entendia um pouco daquilo.

Bela estava sofrendo, Cassandra permanecia feliz e realizada ao lado de sua namorada, e não havia muitas coisas capazes de estragar a felicidade de Daniela, já Judith ainda era uma criança e a vida se estendia cheia de possibilidades ao seu redor. Isso dava a Alcina um total de uma filha para se preocupar no momento, além de manter um olho em Ella para que permanecesse na cama.

Depois de sua pequena aventura tentando enganar Alcina, Ella estava se tornando cada vez mais sedenta por sair caminhando por aí a despeito da preocupação da condessa com sua saúde. Aos poucos voltava a ser a figura indomável que invadiu o castelo Dimitrescu tantos meses atrás, como se ao reestabelecer a saúde também fosse capaz de reencontrar parte de sua essência; em verdade, Ella jamais foi uma criatura serena e de hábitos calmos, Alcina já sabia o que devia esperar vindo disso. Ninguém mais se encaixaria tão bem em sua pequena família, fosse humano ou não ninguém seria capaz de chegar aos seus pés e Alcina só conseguiu enxergar isso como um todo após uma fatalidade que quase ceifou a vida de Ella; nem mesmo Emilly, a quem amou profundamente em algum momento de sua vida, parecia se encaixar tão bem no Castelo Dimitrescu, como se sempre pertencesse ao local. Ella era natural, não precisava se esforçar para agradar nenhuma delas e ainda assim conquistou seu próprio espaço.

Chegaria o dia em que faria dela sua esposa, uma cerimônia regida por Mãe Miranda seria o suficiente e isso concederia o título nobre à Ella. Ainda que não fosse proferir isso em voz alta por aí, pelo menos não por enquanto, Elleanor Dimitrescu soava muito bem, como se até mesmo seu nome fosse escolhido para encaixar-se perfeitamente ao de Alcina.

Alcina sorriu para si mesma com o pensamento. Ainda precisava escolher um anel de noivado à altura, bem como o momento ideal para propor o casamento e, ainda que tivesse certeza de que Ella não negaria o pedido, não pretendia fazer isso com pressa; elas tinham tempo, todo o tempo do mundo, para aquele momento em especial e Alcina faria de tudo para ser completamente perfeito afinal de contas pretendia casar-se apenas uma vez.

A seu ver, ainda que fosse irmã de Ella, Judith passaria a ser oficialmente sua filha, mas sua árvore genealógica como uma das filhas de Mãe Miranda não era das mais fáceis de, mas Alcina estava feliz em podar o galho de Heisenberg após fazer sua filha chorar, Ella também ficou chateada com toda a situação e isso só tornou tudo mais fácil para a condessa. No que dizia a seu respeito, queria Heisenberg bem longe de sua família.

Haviam se passado alguns dias desde o incidente, era assim que estavam chamando, e as coisas finalmente pareciam se acalmar. Bela não ficava mais trancada em seu quarto e quase sempre podia ser vista com Daniela e Judith, muitas vezes na companhia de Ella em seus aposentos, como se evitasse ficar sozinha por muito tempo e isso feria o coração de Alcina.

Judith, por sua vez, parou de usar a corrente horrorosa dada por Heisenberg, Alcina nem mesmo viu o projeto de caixa de música jogado pelo quarto da criança. A raiva infantil demonstrava-se através de pequenos gestos como aquele, o repúdio por objetos que deviam significam algum elo com outra pessoa era logo descartado, e ao ser perguntada, Judith alegou que estava brava por seu tio ter feito Bela chorar; apesar de não serem as mais próximas, esta seria Daniela, Judy adorava Bela como sua irmã mais velha.

Após a sua lição de piano aquela manhã, na qual Judy insistiu em ficar mais tempo do que haviam programado, Alcina lhe dispensou alguma atenção em particular; preocupava-se com os sentimentos da criança, como estava encarando sua nova vida e, principalmente, sua nova família. Mesmo que tudo parecesse perfeito com Judith, sempre tão ansiosa para demonstrar seu amor para com sua nova mãe e irmãs, Alcina temia que um dia a menina a repudiasse por ser exatamente quem e o que era; em algum momento que ela esperava que demorasse a chegar, Judy compreenderia sua existência e o que ela significava para aquelas pessoas, como havia chegado àquele resultado, e a condessa não se sentia nada pronta para isso. No entanto, apesar de seus temores, Judith apenas afirmou que estava feliz, gostava de sua nova vida e das coisas que tinha – Alcina adorava mimá-la com novos vestidos e brinquedos – apesar de se ressentir um pouco por ficar longe dos amigos do vilarejo; nessa parte a condessa fez uma careta, se dependesse dela Judy jamais teria contato com aquelas crianças, mas não podia simplesmente impedir quando Ella achava que seria bom que tivesse amigos da mesma idade.

Judith lhe parecia tão pequena quanto um bebê, ainda que tivesse crescido após sua chegada ao castelo, e Alcina não podia evitar o despertar dos seus instintos mais protetores em relação à filhinha mais nova, principalmente quando se aninhava ao seu lado ou pedia para ser pega no colo.

Alcina sorriu ao tocar as caixas aveludadas em suas mãos, Duke enviou suas encomendas especiais, feitas sob medida, no momento exato em que esperava por elas. Dispensou Judith da aula de piano e deixou que Agatha a levasse para servir-lhe o almoço, não antes é claro de recomendar que a obedecesse e não desse trabalho à sua babá; em todo seu tempo no castelo a menina não havia realizado grandes travessuras, mas Alcina não via mal algum em lembrá-la de que esperava que fosse obediente e uma pequena dama.

Mal chegou ao início da escada antes que um pequeno corpo se chocasse com suas pernas, Judith havia se desvencilhando de Agatha – e estava ficando muito boa nisso – para persegui-la.

- Esqueci de te abraçar depois da aula – disse como se fosse uma ocorrência rotineira, nada demais.

Alcina riu baixinho e se abaixou para pegar a criança com um apenas um braço, Judith não perdeu tempo ao pressionar um beijo em seu rosto e enlaçar seu pescoço com toda a força que tinha.

- Você é uma boa menina.

Agatha era a responsável por pentear e vestir Judith todas as manhãs, naquela em especial havia puxado as mechas dianteiras do cabelo da menina e as prendido atrás de sua cabeça com um laço estreito e vermelho, a mesma cor do seu vestido; os fios escuros caíam lisos por seus ombros e costas, longos e bastante lisos exceto pelas pontas onde formavam pequenos cachos delicados. Alcina não suportava a ideia de cortá-los, embora soubesse que logo a criança precisaria de um corte de cabelo; de alguma forma os fios perderiam aquele último toque da maciez de cabelo de bebê, o que demonstraria que Judith estava crescendo rápido demais e ela havia perdido muito disso. Analisou mais uma vez a aparência da criança, o colarinho branco estava bem alinhado, combinava bem com as meias na mesma cor e botas pretas que usava; Alcina precisava admitir que Agatha cuidava muito bem de sua filha mais nova.

- Até mais tarde, mamãe.

Um beijo rápido foi pressionado em seu rosto e Alcina deixou-a ir, assistiu enquanto corria novamente para os braços de Agatha que a esperava próximo às portas que levavam ao salão de jantar.

Subiu as escadas lentamente, sem pressa alguma, Ella estava tendo um momento com Bela e ambas sorriam quando Alcina deixou o quarto aquela manhã; vinho tornando-se difícil ver a filha sorrir, logo não desejava interromper o vinculo entre elas. Sua Ella estava cada vez mais próxima das filhas e a condessa admirava e amava cada segundo disso.

Antes mesmo de virar o corredor, encontrou Daniela pressionando uma pequena criada contra a parede e balançou a cabeça para as travessuras da filha; a criaturinha parecia ainda me menor e mais amedrontada do que nunca diante de Daniela, seu lenço havia sido desfeito e jogado ao chão revelando os cabelos curtos e de um loiro escuro, Alcina percebeu que tratava-se da criada utilizada no plano infantil de suas filhas algumas noites atrás.

- Daniela.

Alcina chamou em tom sério ao que sua filha praticamente saltou, o que demonstrou o quanto estava envolvida com a pequena criada.

- Mãe.

- O que eu já disse sobre as criadas.

Daniela cruzou os braços sobre o peito e fez um beicinho emburrado, e Alcina sabia que era sua própria culpa por mimar a filha.

- Estou esperando, Daniela.

- Não tocá-las sem permissão expressa – Daniela recitou como se houvesse decorado um sermão: - Não devo me aproximar ou tocar nenhuma mulher sem sua permissão ou que ela deixe claro que deseja o contato, preciso respeitar os limites e quando dizem não.

- Muito bem.

Embora Alcina soubesse que a maioria das criadas não seria capaz de negar os avanços de qualquer uma de suas filhas, principalmente por medo de castigos ou até mesmo a morte, as virgens poderiam ser transformadas em vinho e havia outras tantas possibilidades desventuras; mas desde a chegada de Ella ao castelo as coisas estavam mais calmas, mesmo suas filhas não sentiam necessidade de punir as criadas por cada pequeno erro.

- Acho que... – Alcina fez uma pausa ao olhar a criada de cima abaixo e continuou  - Qual o nome dela?

- Ratinha.

Daniela respondeu com naturalidade e Alcina ergueu a sobrancelha como se perguntasse “isso é sério?”

- Me desculpe, minha senhora – a criada fez uma leve mesura em sua direção – Meu nome é Naomi, minha senhora.

 - Melhor assim – Alcina se virou para Daniela e continuou: - Me parece que sua criada não deseja sua companhia de tal forma, minha querida.

Parecendo ultrajada, sua filha virou-se em direção a criada.

- Isso é verdade?! Achei que tínhamos algo especial, ratinha.

A criada não respondeu, mas Alcina notou que suas bochechas coraram ao encarar o chão.

- Entendi... – Daniela gemeu – Mas ela pode continuar sendo minha camareira? Não quero que ela tenha que esfregar o chão da adega ou da cozinha.

- É claro, querida – Alcina sorriu para a filha e falou em tom firme com a criada – Você continua obedecendo Daniela e servindo como sua camareira.

- Sim, senhora.

- Ótimo. Daniela, mostre a ela o que fazer.

Alcina as deixou a sós e continuou seu caminho, apesar de desejar ceder e dar tudo o que suas filhas desejavam também precisava ensinar lições valiosas e das mais importantes tratava-se de consentimento. A maioria das criadas cobiçava o serviço de camareira, assim se livrariam de esfregar o chão da adega e de outros serviços pesados, então Alcina entendeu que de alguma forma Daniela desejava cuidar da sua ratinha.

Ao chegar às portas dos seus aposentos, Alcina deparou-se com a camareira de Ella saindo com os restos do seu almoço em uma bandeja, a criada lhe fez uma pequena reverência antes de seguir seu caminho e a porta foi novamente aberta, desta vez para deixar Bela passar.

- Mãe.

- Minha querida – Alcina estendeu a mão e tocou o rosto da filha – Ella comeu?

- Quase tudo, eu me certifiquei disso para você, mãe.

- Que ótima filha – a condessa sorriu -E como você está?

- Estou bem.

Mas Alcina pode identificar aquele brilho de melancolia em seus olhos ainda que tentasse parecer forte.

- Irei dar continuidade no trabalho em seu escritório se não houver problemas, mãe. E meus estudos também, é claro.

- Uma filha tão boa... – Alcina arrulhou e se inclinou para aplicar um beijo na testa de Bela – Vá em frente, querida.

Bela se despediu e seguiu caminho pelo corredor. Sempre uma boa filha, estudando sobre o vinho e novas técnicas, trabalhando na vinícola, tratando da exportação do Sanguis Virginis; se Bela tivesse tido a oportunidade de levar sua vida humana longe daquele vilarejo, de conhecer grandes lugares como Alcina fez, teria atraído olhares de admiração, colecionado pretendentes como a herdeira perfeita que era e disso a condessa não tinha dúvidas. Cassandra e Daniela teriam seu destaque também, apenas de modo diferente, Alcina teria preparado as filhas para se tornarem mulheres incríveis que deixariam sua marca no mundo moderno.

Entrou em seu quarto e deparou-se com Ella parada em frente ao espelho. Ainda que não fosse uma criatura de hábitos vaidosos, Ella tinha o costume de olhar-se criticamente não importava quantas vezes Alcina a elogiasse.

Ao ouvir sua aproximação, Ella virou-se e sorriu de forma radiante.

- Olá, amor.

O coração de Alcina bateu um pouco mais forte, uma sensação que passará décadas adormecida, e não apenas pelo termo carinhoso ou o sorriso brilhante que a deixava ainda mais bonita. Os longos cabelos de Ella foram cortados na altura do ombro, o que deu leveza ao corte e ressaltou seu rosto principalmente quando ela passou os dedos pelos fios para jogá-los de lado o que os deixou um tanto quanto bagunçados. Alcina adorava os cabelos longos da sua amada, principalmente quando refletiam os raios de sol, eram como fios de ouro, mas amou seu novo visual.

- Ophélia me ajudou a cortar – Ella pareceu um pouco nervosa – Me senti em dúvida se devia ou não... Afinal, as cicatrizes ficarão mais aparentes dessa forma já que não terei como escondê-las, mas resolvi dar uma chance. O que achou?

Alcina deixou as caixas sobre a mesa de cabeceira e se aproximou para dar uma boa olhada em Ella.

- Você está linda, draga mea – sorriu ao tocar seu rosto com carinho – Verdadeiramente linda.

- Tem certeza? As cicatrizes...

Abaixou-se até que seus olhos ficassem na mesma altura que aos de Ella e segurou seu rosto.

- Você é uma criatura bela, indomável. Cicatrizes são símbolos de coragem, marcas da provação pela qual e sobreviveu. Você lutou tanto por sua vida, draga mea... – Alcina a beijou terna e rapidamente – Apenas covardes não consegue carregar as próprias cicatrizes, e não consigo pensar em alguém menos covarde do que você, meu amor. Por vezes sua coragem chega a beirar a imprudência, e sabe disso.

Ella riu baixinho e desviou o olhar, como se sentisse envergonhada ao ser elogiada.

- Eu amei – Alcina sorriu ao passar as mãos pelos cabelos curtos – Você está linda.

E realmente estava. Diferente da garota magricela que invadiu seu castelo no que parecia ser uma vida atrás, em menos de um ano Ella transformava-se em uma mulher linda.

- Tenho algo para você, venha comigo.

Agarrou a mão de Ella e levou-a até a cama onde a ajudou a se sentar, apesar de tudo estavam tendo um bom dia, o tempo esquentou e o sol brilhava lá fora; Ella vestiu um dos vestidos mais leves que não incomodaria seus ferimentos e parecia tão bonita quanto delicada.

- Bom, um deles não é exatamente para você – disse Alcina ao sentar ao seu lado na cama e pegou a caixa maior – Na verdade, é para mim mas queria que desse uma olhada antes.

Abriu a caixa aveludada para revelar o novo broxe de rosas negras, dessa vez quatro, perfeitamente preservadas.

- É como o seu.

- Uma rosa para cada uma das minhas filhas – Alcina explicou – Achei que estava na hora de Judith ter uma representação.

Os olhos de Ella se tornaram brilhantes, dessa vez por lágrimas contidas de emoção.

- Isso é fofo, Alci. Ela vai adorar isso.

- Espero que sim. Aquela garotinha conquistou meu coração, ela merece seu lugar neste castelo.

Ella se inclinou um pouco para mais perto e beijou-a, como sempre o contato pareceu enviar uma corrente elétrica através do corpo de Alcina, uma sensação com a qual pode apenas sonhar durante décadas de solidão. A condessa perdeu a conta de quantas donzelas passaram por sua cama, regozijaram-se sob seus toques, sempre perdendo o interesse após o prazer carnal se extinguir; sempre solitária, sem qualquer pessoa que conseguisse manter sua atenção após alguns orgasmos. Mas Ella... Ah, sua pequena caçadora sempre foi uma criatura possível de atenção, curiosa e envolvente, alguém capaz de despertar o melhor lado de Alcina.

Separaram-se lentamente, como se nenhuma desejasse perder o contato imediatamente, e Alcina passou os dedos pelo cabelo de Ella; era novo, estava acostumada aos fios longos, mas era bom.

- Agora, não vamos nos esquecer que tenho algo para você.

- Não precisa me dar nada...

- Meu amor, nós duas sabemos que não fosse suas recusas eu a cobriria de mimos todos os dias. No entanto, isto é algo que você não pode negar.

Alcina alcançou o estojo restante sobre a mesa de cabeceira e abriu-o com cuidado de modo a deixar que Ella visse seu conteúdo, sobre um fundo de seda preta repousava uma corrente com o brasão da casa Dimitrescu ambos em prata.

- Para substituir o antigo – Alcina explicou – Como você me disse que não gosta de dourado, imaginei que a prata lhe cairia melhor.

- É lindo – Ella estendeu a mão e tocou o brasão como se fosse feito do mais ínfimo material – Mas, se me permite perguntar, por que agora?

- Bem, achei que seria apropriado – respondeu Alcina ao tirar o colar do estojo e colocá-lo ao redor do pescoço de Ella, a corrente era longa o bastante para que o brasão pousasse logo acima de seus seios – O antigo demonstrava a todos que você me pertencia, este demonstra que está ao meu lado.

Ella sorriu e levou a mão ao peito.

- Obrigada, Alci, eu amei.

- Minha companheira na vida merece tudo isso – Alcina levou a mão de Ella aos lábios e aplicou um beijo – Tudo o que desejar.

Teria que trocar aquela corrente por algo mais rebuscado quando fizesse de Ella sua esposa, mas haveria muito tempo para pensar nisso; principalmente porque a loira atrevida se esgueirou para seu colo e se aconchegou impossivelmente perto, como se não desejasse nada além de estar nos braços de Alcina e isso a fez amá-la ainda mais.

Ella puxou o decote do seu vestido e pressionou um beijo no topo do seu seio, um sorriso sapeca brincava em seu rosto e Alcina sabia bem o que significava.

- Draga mea...

- O que?

- Não podemos, você ainda está se recuperando e...

Sem lhe dar a chance de continuar falando, Ella agarrou seu pescoço e a puxou para um beijo; era verdade que Alcina poderia ter facilmente se recusado, mas já havia aprendido que sua vontade às vezes falhava quando se tratava da loira indômita. No entanto, seus lábios mal se tocaram antes que alguém batesse na porta do quarto fazendo com que Alcina grunhisse de raiva.

- Entre – Ella ordenou e então acariciou o rosto de Alcina – Está tudo bem, amor... Não fique brava.

A criada de Ella adentrou seus aposentos e fez uma breve reverência.

- Lady Dimitrescu, Lady Ella, uma visita as espera.

Alcina bufou e fez um gesto de desdém.

- Não desejamos ser incomodadas, quem quer que seja poderá vir em momento mais oportuno. Dispense-o e não nos incomode nas próximas horas

- Sinto muito, Lady Dimitrescu, mas Lorde Heisenberg...

A menção do nome de Heisenberg fez Alcina rosnar.

- Aquele ingrato, energúmeno, traidor... – trincou os dentes de raiva – Ele deve ser posto para fora como o cão sarnento que é.

- Lorde Heisenb...

- Eu disse que ele deve ser posto para fora! – Alcina vociferou – Obedeça!

- Alcina – Ella chamou ao acariciar seu rosto – Deixe-a pelo menos falar.

Às vezes se esquecia momentaneamente como Ella adorava testar sua paciência na frente das criadas.

- Vá em frente – disse para a criada – Não que vá mudar muita coisa.

A criada assentiu levemente antes de continuar:

- Lorde Heisenberg requer uma reunião com a senhora Lady Dimitrescu, com Lady Ella e a presença de Lady  também é requisitada.

- Rá! De jeito nenhum aquele bicho homem se aproximará da minha filha novamente.

- Ele disse sobre o que se trata essa reunião? – Ella perguntou – Alguma pista?

- Não, Lady Ella. Mas Lorde Heisenberg não está sozinho, sua aprendiz está em sua companhia.

Alcina colocou Ella de volta na cama e se levantou, deu algumas voltas no quarto tamanha sua consternação.

- Como ele se atreve? Bicho homem estupido! Veio até aqui para fazer Bela sofrer ainda mais...

- Alci...

- Eu o quero fora daqui! Heisenberg nunca mais deverá por os pés neste castelo ou em minhas terras ou eu juro que vou arrancar seus olhos com minhas próprias mãos!

- Alci...

- Não! Dessa vez não terá uma palavra sobre isso – Alcina rosnou em direção a Ella – Você viu como Bela sofreu.

- Alcina Dimitrescu, você vai me ouvir! – Ella disse em tom firme, nunca antes havia levantado a voz daquele jeito para Alcina – Estou tão chateada com ele quanto você, estou tão brava pelo aconteceu a Bela... Mas se ele está aqui com Velaska devemos ouvir o que quer e ponderar. Talvez ele queira se desculpar.

Alcina piscou algumas vezes sem conseguir assimilar o que estava acontecendo.

- Quem disse que pode falar assim comigo?

- Você acabou de dizer que sou sua companheira de vida e não está me ouvindo.

Odiava quando Ella estava certa e fazia sentido sem que Alcina pudesse ter a última palavra.

Antes, se qualquer pessoa ousasse perguntar se Alcina desejava se casar e com qual tipo de mulher se casaria, ela responderia que deveria ser alguém bonita o bastante para estar ao seu lado, mas, sobretudo, que devia ser obediente, característica que Ella não possuía de forma alguma e foram justamente sua petulância e vivacidade que fizeram a condessa se apaixonar. Bem, agora precisava lidar com a personalidade forme e indomável da mulher que amava, e que Mãe Miranda a ajudasse.

- Alci – Ella começou com calma – Acho que podemos falar com ele, talvez sem Bela para poupá-la, e depois a chamamos caso achemos necessário.

Alcina rosnou levemente e balançou a cabeça. Aquele devia ser um bom dia, elas passariam algum tempo juntas apenas desfrutando da companhia uma da outra, mas é claro que Heisenberg seria capaz de estragar tudo com sua presença enfadonha e cheiro desagradável; Alcina só desejava uma pausa, uma tarde tranquila e sem problemas a resolver, só que começava a achar que jamais teria tal oportunidade. Sabia, por experiência própria, que Ella estava certa e de todo jeito a forma mais rápida de se livrar de Heisenberg seria ouvir o que tinha a dizer e dispensá-lo a seguir.

- Você fica aqui – determinou por fim - Mandarei que Bela a encontre e o receberei no escritório.

Ella a olhou como se fosse óbvio que não ficaria para trás.

- Estarei ao seu lado o tempo todo.

- Não posso fazê-la mudar de ideia, não é?

- Alguém precisa mediar esse encontro e evitar que vocês agarrem o pescoço um do outro.

- Mais como posso enfiar as garras no pescoço dele.

Alcina suspirou e fez um gesto em direção a criada para lhe dar ordens:

- Encontre Bela em meu escritório e diga-lhe para permanecer em meus aposentos, não diga a ela sobre Heisenberg ou sua aprendiz, em seguida encontre-o e mande que vá ao meu escritório.

- Sim, senhora.

A criada saiu e Ella se levantou na cama, caminhou até Alcina e segurou sua mão com extrema delicadeza.

- Prometa que vai pelo menos ouvir.

- Por que eu deveria fazer isso?

- Alci, isso pode ser importante até mesmo para Bela.

- É bom que ele seja convincente, porque neste exato momento eu quero a cabeça dele numa bandeja de prata.

- Isso foi muito específico, amor – Ella deu uma risadinha – Vamos, vamos fazer isso de uma vez por todas.

A criada não tardou a volta com Bela e Alcina a instruiu a permanecer ali mas não lhe deu mais explicações, como a boa filha que era a mais velha não pediu por nenhuma e se resignou a obedecer.

Antes de entrarem em seu escritório Ella pediu, de forma muito educada, que a criada aguardasse no corredor caso fosse preciso chamar Bela; assim que entraram depararam-se com Heisenberg sentado em uma das cadeiras de frente a mesa de Alcina enquanto Velaska permaneceu de pé deixando o segundo assento livre, além disso ainda trazia o arco com a aljava de flechas e alguns papéis enrolados em tubos. Ao vê-las a jovem aprendiz deu um passo para o lado e indicou a cadeira vazia para Ella, e Alcina deduziu que sabia o que tinha acontecido através de Bela ou do próprio Heisenberg; a condessa puxou a cadeira para que ficasse ao lado da sua enquanto a loira foi gentil o basta te para indicar que a outra se sentasse no sofá ao lado.

- Seja breve – Alcina rosnou – Não estou com paciência para você ou suas besteiras.

- Alcina, por favor...

O tom condescendente e o uso do seu nome e não de um dos impropérios que o homem sempre lhe direcionava, fez Alcina lhe dar atenção pela primeira vez.

- Fale.

- Antes de mais nada, devo um pedido de desculpas a loirinha – Heisenberg tirou os óculos e os colocou sobre a mesa – Estava com raiva e a acabei a ofendendo, eu gosto dela e não devia ter feito isso, não quando meus maiores problemas são com você.

- Você tem sido uma pedra no meu caminho desde que chegou – Alcina retrucou.

- E me orgulho muito disso! Mas como eu disse, não gostaria de ter envolvido a loirinha e muito menos a ofendido.

- Desculpas aceitas – Ella sorriu brevemente – Mas você foi um grande idiota.

- Essa é a minha especialidade.

Heisenberg se levantou com o arco e o moveu levemente como se testasse sua qualidade e averiguasse se estava tudo em ordem.

- Peguei isso com seu amigo no vilarejo, estava amassado e levemente empenado para o lado direito. Acho que consegui consertar e também trouxe mais flechas, você pode precisar  delas em algum momento – o arco foi deixado de lado e o olhar do homem se perdeu por um momento – Ah, seu amigo também perguntou se você e ele pareceu muito preocupado.

Alcina rosnou baixinho, não gostava da ideia de um homem que provavelmente ainda era muito apaixonado por Ella se preocupando e perguntando a seu respeito.

- Disse a ele que estou bem? – Ella perguntou.

- Sim, sim eu disse. Uma vizinha dele se machucou, mas a família se saiu muito bem ao que parece, pelo menos ele não comentou sobre qualquer morte.

- É muito bom saber disso – a loira balançou a cabeça – Apesar de tudo são boas pessoas.

Heisenberg finalmente se virou diretamente a Alcina.

- Olha, sei que as coisas nunca estiveram em bons termos entre nós, principalmente porque você pode ser um pé no saco às vezes, mas saiba que dessa vez e só dessa vez eu peço desculpas.

Suas palavras fizeram Alcina rir com escárnio.

- Alcina... – disse Ella em tom de aviso – Por favor, escute.

- Sinto que passo mais tempo dizendo isso do que qualquer outra coisa, mas você adora testar minha paciência!

- É por isso que você me ama – a loira deu de ombros – Agora seja paciente, por favor.

Alcina virou-se para o irmão e fez um gesto de desdém.

- Prossiga.

- Eu ficaria grato se fizesse suas filhas pararem de rosnar para mim, Cassandra e Daniela foram completamente hostis quando cheguei; sei que fiz uma merda das grandes, mas às vezes não sei se você criou três filhas ou cães de guarda – antes que Alcina pudesse expandir as garras e tentar cortar sua garganta, Heisenberg continuou – Mas eu adoro essas garotas e sinto muito por feito Bela sofrer, minha raiva direcionada a você não me deixou ver bem o quadro geral, e por isso vim me desculpar com ela também.

- Como se eu fosse deixar minha filha preciosa perto de você novamente!

- Você está certa, Alcina.

Devia estar custando tudo de Heisenberg admitir em voz alta que Alcina estava certa, pela careta de desgosto que fez muito provavelmente aquela admissão lhe causava dor física e a condessa regozijou o sentimento. Heisenberg desenrolou as longas folhas que trazia consigo e as colocou sobre a mesa, um projeto completo de algo que parecia uma cúpula intrigou Alcina.

- O que isso?

- É o seu projeto, V – Heisenberg acenou para a aprendiz se aproximar – Explique para elas.

Ella sorriu para Velaska, encorajando-a a falar e Alcina aguardou pacientemente até que conseguiu reunir coragem para começar.

- É um projeto completo para a construção de uma estufa anexada ao castelo, pelo que vi das janelas do quarto da Bela... – Velaska engasgou levemente e se recompôs: - Quero dizer, acho que tem espaço suficiente em vários locais ao redor do castelo, mas Lorde Heisenberg deu a ideia de transformar o pátio em uma estufa e poderíamos aquecer para tornar agradável no outono e no inverno; podemos usar o próprio sistema de aquecimento do castelo, construir canteiros com espaço para trabalho e talvez até um espaço para ferramentas...

- E para que exatamente seria isso?

- Para Bela – Velaska explicou – Ela me contou sobre não poder sair no frio, que mal pode ver a luz do sol durante o inverno, e eu passei os últimos dias procurando um jeito de fazer isso funcionar. Assim os invernos podem ser mais agradáveis, não só para Bela mas para as irmãs também.

 Alcina estava realmente impressionada.

- Dito isso – Heisenberg apontou para o projeto – Tenho uma proposta, preciso que ajude com alguma mão de obra, mas vou ceder trabalhadores e todo o material necessário para construir a estufa para minhas sobrinhas.

- E por que? – Alcina perguntou.

- Acho que elas iriam adorar – Ella sorriu – Principalmente Bela.

- Eu fui um idiota e quero me redimir. Quando chegamos à fábrica aquela noite, Velaska se pôs a trabalhar nisso imediatamente e foi quando notei que ela realmente gosta da Bela.

- Talvez a fuga para ficarem juntas e o drama que quase fez Romeu e Julieta se tornarem obsoletos pudessem te dar uma dica disso – Alcina retrucou.

- Amor – Ella falou calmamente – Seja gentil, ele quer fazer algo para Bela, Cass e Dani. E acho que a Bela precisa ouvir isso.

Sem esperar por uma resposta Ella foi até o corredor e pediu que a criada buscasse Bela, ao que permaneceram em silêncio até que a loira chegasse. Alcina ainda não estava em todo de acordo com o que estava acontecendo, principalmente porque temia que Bela saísse novamente machucada, e estava menos disposta a aceitar tudo aquilo do que Ella.

Ao adentrar o escritório, Bela olhou para todos os presentes com os olhos arregalados sem entender o que estava acontecendo.

- Mãe?

- Seu tio veio se desculpar, admitiu que é um idiota e tem uma proposta para nós.

Alcina explicou brevemente sobre a construção da estufa e de como Heisenberg estava disposto a fazer acontecer para que tivessem um inverno melhor.

- Velaska projetou isso pra você e seu tio ajudou a aperfeiçoar – Ella contou gentilmente – É a forma dele pedir desculpas.

- E pra suas irmãs pararem de rosnar pra mim – Karl apontou – E tem mais uma coisa... Percebi como ela gosta de você, ela praticamente não parou de trabalhar nisso por dias! Então tenho uma proposta para vocês duas.

Alcina percebeu que essa parte também era surpresa para Velaska que parecia tão confusas quanto o restante delas.

Karl continuou a explicar:

- É o seguinte, não quero perder minha aprendiz, ela é a melhor pessoa daquela fábrica e isso contando comigo! Mas acho que não há problema em deixar que namorem, Velaska pode passar algumas noites aqui se voltar na manhã seguinte para o trabalho e vamos ver como será no inverno.

Bela olhou do tio para a mãe várias vezes antes de se aproximar da mãe.

- Mãe?

- Não vejo porque não – Alcina tentou sorrir – Sua namorada é bem vinda, desde que ela queira...

Deixou a pergunta no ar e sob o olhar de todos Velaska riu parecendo envergonhada.

- Eu adoraria...

Bela soltou um gritinho feliz e se jogou nos braços de Velaska da mesma forma que Ella costumava fazer com Alcina, o que foi engraçado porque sua filha era mais alta que a namorada e ainda assim deu um jeito de pousar a cabeça em seu ombro.

- Meu trabalho aqui está feito – disse Heisenberg ao se levantar e bagunçou k cabelo de Bela – Perdoe seu tio idiota. E V, tire dois dias de folga e então volte ao trabalho, estarei esperando.

- É claro, Lorde Heisenberg.

- Obrigada, tio Karl!

Ao contrário de Cassandra, Bela não era do tipo de guardava mágoas por tudo muito e pelo visto havia perdoado o tio na primeira oportunidade, ou apenas estivesse feliz o suficiente para ligar para qualquer outra coisa.

- Alcina – Karl acenou levemente com a cabeça e após recuperar seus óculos sobre a mesa, aproximou-se Ella e trocaram um highfive rápido – Se cuida, loirinha.

- Você também. Gosto de você, Karl, e sabia que ia fazer a coisa certa.

- Às vezes eu faço – Ele riu – Ah, e eu adorei o cabelo! Me faça um favor, sim? Se um dia tiverem uma filha, garanta que ela vai herdar sua aparência e personalidade, odiaria que minha afilhada se parecesse com a minha irmã ali.

- Fora!

Alcina vociferou, mas teve que admitir que não teve o efeito desejado com todos rindo, principalmente Heisenberg que gargalhou ao sair.

[...]

Judith observou Daniela rir para a criada, não entendia o que havia de tão especial naquela mulher para que sua irmã mais velha lhe desse toda a atenção; ela não era muito alta, mas em compensação também não era muito magra e tinha o rosto em formato de coração, seu cabelo loiro escuro fora cortado foi cortado bem curto e se parecia com o penteado do príncipe encantado em um dos seus livros; a criada não era chata como Ophélia, mas também não lhe parecia exatamente atrativa. Naomi ainda era um mistério.

Daniela estava muito ocupada pintando e falando sem parar e Judith achava que ela estava tentando chamar a atenção da Naomi, mas se quisesse fazer dar certo devia dar flores a ela ou dar chocolates. Judith viu o colar bonito e pesado que sua mãe deu a Ella, até pode colocá-lo um pouco no próprio pescoço, e Cass sempre aparecia com uma flor para Agatha, então imaginou que Daniela precisava fazer o mesmo; pensando em seus modelos românticos, chegou à conclusão de que talvez Daniela precisasse de ajuda com sua paixão, talvez escrever uma carta ou elogiá-la melhor.

- Dani, acho que já vou indo...

Não queria ficar ali assistindo a irmã mais velha servir de babá.

- Tem certeza?

- Absoluta, vou fazer outra coisa.

Daniela aquiesceu e Judith se despediu das duas. Pelo menos Naomi parecia melhor do que Ophélia.

Não era como se Judith não quisesse passar o tempo com elas, só que tinha alguns planos secretos com seus próprios amigos. Deixou-as a sós no ateliê, com sorte Daniela não faria nada que a envergonhasse, e correu até seu quarto onde pegou algumas roupas velhas no fundo do seu armário, uma calça com remendos e uma camisa manchada que mamãe não queria que mais que ela usasse porque não era digno, Judith não se importava mas se incomodava sua mãe era melhor não insistir; de toda forma poderia dar bom uso para aquelas roupas pelo menos mais uma vez, e quem sabe depois quando Ella estivesse melhor e pudesse levá-la para encontra os amigos poderia usá-las novamente, brincar usando vestidos não era tão divertido. Judith encontrou a velha sacola de pano em que suas roupas vieram da casa da senhora Constantin, enfiou lá dentro as peças que escolheu e

Ao voltar pelo mesmo caminho, deparou-se com Ophélia guiando Tio Karl e a namorada da Bela, ou pelo menos aquela que foi a namorada da Bela. Como ainda estava brava e magoada com tio Karl, Judith se escondeu até que eles estivessem fora de vista e só então continuou seu trajeto até a cozinha.

Ao contrário de Daniela, Judith gostava de estar na cozinha. Era sempre agitado, cheia de mulheres conversando e trabalhando, mexendo panelas ou sovando a massa do pão; gostava de ir até lá com Agatha para cozinharem juntas, quase sempre biscoitos ou bolinhos e, embora mamãe regulasse a quantidade de doce que poderia comer antes do jantar, nunca lhe era negado um agrado. Dessa vez não foi diferente, toda a cacofonia e cheiros deliciosos a envolveram assim que entrou na cozinha e não demorou para que uma criada, uma jovem, parasse na sua frente para impedi-la de continuar.

- Onde a senhorita pensa vai? Aqui é perigoso para uma criança sozinha, onde está Agatha?

Judith usou sua melhor expressão de inocência.

- Eu só quero um copo de leite, por favor.

- Leite? – a empregada perguntou desconfiada.

- Sem açúcar, sem chocolate nem nada – Judith explicou – Só leite.

- O que você está aprontando? E essas roupas?

- Só estou brincando – e então a cartada de mestre: - E mamãe permitiu!

- Opal, o que está fazendo?!

Uma outra criada mais velha e mais corpulenta do que a que se chamava Opal aproximou-se gingando esbaforida, suas bochechas estavam vermelhas como se corresse uma maratona e Judith achou engraçado até imaginar que a mulher poderia estar brava com ela, se estivesse ganharia uma bronca e contariam para mamãe que estava tentando sair do castelo. Mas não foi nada disso.

- Quando uma das filhas de Lady Dimitrescu quer algo você deve providenciar o mais rápido possível!

- Mas... – Opal pareceu sem jeito – Ela pode estar apr...

- Não nos importa! – a mais velha interrompeu com rispidez – Ela disse que a mãe lhe deu permissão, as únicas responsáveis pela educação dela são Lady Dimitrescu e Lady Ella. Agora vá buscar o que ela lhe pediu.

Opal saiu praticamente correndo e se perdeu no meio das outras criadas que trabalhavam como se não estivessem vendo a cena se desenrolar diante dos seus olhos. A empregada mais velha se curvou para que seus olhos ficassem na altura dos de Judith e sorriu no que devia parecer gentil, mas na verdade foi um tanto quanto forçado.

- Você é uma boa menina, não é? Veja, não precisa contar para sua mãe sobre esse incidente.

- Por que eu contaria? É só leite.

- Sua mãe pode ficar chateada se souber que Opal lhe fez perguntas ao invés de obedecê-la imediatamente.

Judith inclinou a cabeça para o lado, não tinha certeza se estava entendendo bem o que estava acontecendo ali.

- Eu pedi por favor, não mandei nela.

- Sei disso, você é uma garotinha muito educada e boazinha.

Os olhos de Judith pousaram sobre o pote de vidro cheio de biscoitos, ela e Agatha fizeram mais na tarde anterior – uma receita especial só para Cassandra e suas irmãs, outra para Judy.

- Posso levar os biscoitos? Quero dar uma festa do chá.

Mais do que depressa a criada lhe deu vários biscoitos em um guardanapo, e quando Opal voltou com o leite ainda lhe perguntaram se gostaria que servissem chá de verdade em seu quarto, assim poderia brincar melhor.

- Não, obrigada – Judith agradeceu ao guardar os biscoitos na bolsa – Mas posso levar algumas maçãs? Quero ir ao estábulo ver os cavalos.

Seu pedido foi prontamente atendido, Judith colocou as maçãs em sua bolsa tanto cuidado para que não quebrassem os biscoitos e saiu com seu copo de leite. Felizmente conseguiu chegar até os estábulos sem derramar o leite ou derrubar qualquer coisa, nenhuma de suas irmãs a parou e nenhuma outra criada perguntou o que estava fazendo. A responsável pelos estábulos não estava, provavelmente devia estar ajudando com os jardins, e Judith rapidamente encontrou a pequena tigela que havia escondido ali e com muito cuidado despejou o leite nela; como se atraído pelo cheiro, ou pela presença de Judith, o gatinho preta se esgueirou para fora do seu esconderijo e se aproximou lentamente.

- Aí está você!

Estendeu a mão para que a gatinha cheirasse e então coçou suas orelhas.

- Oi, Floquinho! Olha o que eu tenho pra você...

Escorregou a tigela para perto do gatinho e sorriu quando ele começou a tomar o leite rapidamente, seus bigodes ficaram sujos e a fizeram rir. Apesar do nome, Floquinho era um filhote de gato preto cujas patinhas eram brancas, por isso Judith pensou em chamá-lo de Sr. Meias, mas gostou mais de floquinho pela maneira como ele era fofo e carinhoso.

Ainda não sabia se mamãe a deixaria ficar com Floquinho, então nem mesmo Dani sabia a seu respeito. Talvez Judith conseguisse criá-lo ali, até o momento havia conseguido levar comida e leite para ele todos os dias e nem mesmo a criada responsável pelos estábulos o tinha visto. Mamãe disse que em breve ela poderia ter seu próprio cavalo, e um gato era muito menor do que um cavalo, logo Judith imaginou que tudo bem manter Floquinho para si mesma.

Brincou e acariciou o gatinho durante algum tempo, infelizmente esta tarde tinha outros compromissos e logo precisou sair, mas antes trocou o vestido novo pelas roupas que trouxera do seu quarto e o colocou junto ao copo em um lugar seguro, ao voltar passaria por ali e levaria tudo de volta ao castelo.

Tal qual o dito por Daniela, não foi difícil escalar a árvore e saltar do outro para o outro lado. Dali só precisou caminhar alguns metros até encontrar o riacho e então seguir a correnteza, e então foi como se o mundo todo lhe pertencesse; o sol brilhava no alto e os raios que conseguiam infiltrar-se pelas copas das árvores davam um toque meio mágico ao lugar, aqui e ali pequenas flores coloridas floresciam livremente, selvagens e sem qualquer controle, muito diferentes das do castelo.

A água refletia o som, criando pequenos reflexos dourados que mais pareciam peixinhos dourados como os dos livros que Judith lia em casa, passou por um tronco de árvore caído no qual vários cogumelos cresciam, alguns brancos que deviam refulgir na escuridão sob os raios lunares e outros vermelhos com pintinhas brancas; a floresta ao redor do castelo detinha um toque mágico, quase como se tivesse saído diretamente dos livros de conto de fadas que Judith lia.

As risadas dos seus amigos chegaram até ela e aumentou o passo para encontrá-los rapidamente.

Dimitri, Anna e Joe estavam próximos ao lago cutucando alguma coisa com gravetos, e Judith ficou feliz por Myrtle não estar com eles dessa vez; aqueles eram os amigos que não a provocavam por morar no castelo, até mesmo Dimitri havia pedido desculpas.

- O que estão fazendo!

- Você veio! – Anna comemorou – Vem! Vem!

- É uma coisa gosmenta – Joe avisou – Vem ver!

Judith se aproximou e trocou um soquinho com Dimitri ao se aproximar dos amigos e viu que cutucavam um sapo morto e já inchado pelo tempo exposto ao sol.

- Eca! – Judith riu – Vocês são nojentos!

- É só um sapo morto! – Dimitri riu junto – Você que é fresca.

O animal morto logo perdeu o i ter esse e as crianças pularam no lago para brincar. Não era fundo, na verdade era pequeno o bastante para que conseguissem ver onde terminava por todos os lados, e Judith tirou as botas para pisar na água fria; conseguiu ver pequenos girinos nadando por ali, balançando suas penas caudas despreocupadamente, também havia pequenos peixes e por todos os lados libélulas e outros pequenos insetos voavam até a água antes de voltar a subir.

Eram crianças e o mundo se estendia para eles indefinidamente, podiam ser reis, rainhas e soldados ou quem sabe magos, bruxas e princesas. Crianças detém a incrível habilidade imaginativa que falta aos adultos, um graveto se torna uma espada com facilidade, um reflexo pode muito bem ser uma fada e qualquer barulho incomum podia significar que os duendes estavam confabulando para roubar suas riquezas. A magia de crescer livremente só atende aqueles que, porventura, sabem usufruir de sua liberdade e crianças são ótimas nisso.

Encontraram uma velha corda presa em um galho, provavelmente esquecida ali por alguma criança que já devia ter crescido e perdido parte daquela liberdade bruta, e acharam que seria uma ofensa a quem quer que fosse não se balançarem nela. Passaram horas se balançando e pulando no lado, Judith sequer se lembrou das roupas ou qualquer outra coisa, era difícil se livrar de responsabilidades quando se estava divertindo-se tanto com os amigos.

Quando a fome fez-se presente, devoraram as maçãs e os biscoitos, mas logo voltaram a brincar.

Já estava perto do sol se pôr quando Judith se lembrou que devia estar em casa, que logo procurariam por ela, isso se já não estivesse à sua procura, e informou aos amigos que precisava ir. Dimitri insistiu que a acompanhariam, e do castelo poderiam seguir para a vila, ainda que Judith insistisse que não seria necessário não conseguiu demover os amigos.

- Meu pai disse que eu devia ser seu amigo, mas que precisava cuidar bem de você. Acho que é porque é menina – ele deu de ombros – Então vamos indo.

Judith resolveu não discutir, ainda precisava pular o muro de volta e passar nos estábulos para trocar de roupa e verificar se Floquinho estava bem. Os quatro correram pela floresta, apostando corrida entre si e gargalhando sem preocupação alguma, mal passando por suas cabecinhas que podiam atrair atenção indesejada, afinal de contas quem seria tolo o bastante para fazer qualquer mal a uma das filhas de Lady Dimitrescu.

Não estavam longe do castelo quando aconteceu. Uma figura sinistra saltou diante de Joe, que detinha a dianteira, e esticou os braços para impedir que o ultrapassem; o homem riu e tentou agarrar o garoto, logo em seguida esticou a mão para segurar Judith mas a menina se abaixou no último segundo e conseguiu se esquivar.

- Olhem o que eu encontrei aqui!

Um segundo homem apareceu e segurou Anna pela gola do vestido puído, e enquanto Dimitri tentava lutar que soltasse sua amiga Judith se lançou sobre o primeiro homem e mordeu sua mão; a dor o fez soltar Joe e os dois empurraram o captor que tropeçou em uma raiz ao tentar se afastar.

Juntos, Joe e Judith correram para soltar Anna e imitando o gesto anterior, ambos morderam o braço do homem que gritou a deixou livre.

- Corram! – Dimitri gritou.

Joe agarrou a mão de Anna e a puxou como podia aos trancos e barrancos. Judith fez o mesmo e agarrou a mão de Dimitri, mas não foram muito longe antes que o primeiro homem voltasse e agarrasse seu braço.

- Sua vadiazinha!

- O nome dela é Judith.

Aquela voz fez todos os pelinhos do pescoço de Judith se arrepiarem. Uma voz que ela não esperava ouvir novamente.

- Ela é minha filha.

[...]

Ella estava prestes a arrancar os cabelos. De uma tarde tranquila passaram para o terror absoluto ao notar que Judith havia desaparecido, aquele era um castelo muito grande e nenhuma das adultas responsáveis conseguiu notar a ausência da criança porquanto uma pensava que outra estava em sua companhia. Como ela podia ter saído bem debaixo dos seus narizes ela não tinha ideia, não era o tipo de coisa que Judith costumava fazer.

- Vamos encontrá-la, draga mea – Alcina assegurou – Ela deve estar escondida em algum lugar.

Não queria dizer a Alcina que sua intuição dizia que Judith havia saído do castelo para encontrar os amigos, com todos os acontecimentos recentes esqueceu-se completamente se mencionar o pedido da menina para sair sozinha com outras crianças do vilarejo e temia que ela tivesse feito exatamente isso.

Daniela voltou da direção da biblioteca e sua expressão não era das mais animadoras.

- Ela não está na biblioteca, nem no ateliê e nem no anfiteatro.

- Eu olhei na torre do campanário, no terraço e em alguns quartos – disse Bela ao se aproximar – Nenhum sinal da Judith.

Velaska, de quem a loira parecia evitar se aproximar, e agarrou sua mão como que para tranquilizá-la.

- Também ajudei e não encontramos nada.

Mal terminou de falar e Agatha adentrou do hall parecendo vir da cozinha.

- Uma das criadas a viu após o almoço, disse que Judith pediu um copo de leite, biscoitos e algumas maçãs para levar aos estábulos, Cassandra foi procurar por ela.

- Com sorte ela estará lá – Alcina sorriu a ponte do nariz e fez uma careta – Precisaremos ter uma séria conversa sobre isso.

Não demorou para que Cassandra voltasse, mas cada minuto pareceu se arrastar para Ella; parecia que não podia ter muito tempo de paz e sempre havia algo acontecendo em sua vida, talvez ser mãe se uma criança hiperativa queria dizer exatamente isso. Alcina tentou fazer com que voltasse para o quarto, mas se pensava que deixaria Ella de fora das buscas estava muito enganada.

- Ela não estava mas estábulos, mas encontrei isso – Cassandra ergueu o vestido vermelho que Ella reconheceu como sendo de Judith – Encontrei junto ao copo sujo de leite, tem um gatinho nos estábulos e provavelmente Judith o estava alimentando escondida de todas nós.

O foco de Ella estava no vestido nas mãos de Cassandra e não no fato de Judith ter realmente estado lá com ou sem um gato.

- Alguém tirou o vestido dela?

A pergunta de Velaska fez com que olhassem para ela, mas todas estavam pensando a mesma coisa ainda que não conseguissem verbalizar em voz alta.

- Estava bem dobrado e parcialmente escondido, não havia cheiro de outra pessoa e farejei o rastro até o muro onde...

Daniela gemeu audivelmente e pareceu se encolher sob o olhar atento da mãe.

- Algo que queira dividir conosco, Daniela?

A expressão de Alcina não deixava espaço para mentiras ou subterfúgios e suas filhas sabiam muito bem disso.

- Judith me perguntou como Bela e eu tiramos Ella do castelo aquela vez, e eu contei para ela – Daniela admitiu – Tem uma parte do muro perto dos estábulos onde é fácil pular se usar a árvore para escalar.

- Mistério resolvido – Bela murmurou.

- Daniela... – Alcina suspirou – No que estava pensando?

- Achei que ela só queria ouvir uma história divertida! Sinto muito, mãe...

À esta altura Ella achou por bem que deveria interferir.

- Judith me pediu permissão para sair com os amigos e eu neguei, posso apostar que é onde está agora. Ela deve ter trocado de roupa para não sujar o vestido, isso é algo que eu faria.

Porém, existia uma grande diferença entre fugir para brincar com os amigos e desaparecer completamente, qualquer coisa pode ter acontecido com Judith para impedi-la de voltar para casa.

- Quando eu disse que ela parecia uma miniatura de você, não imaginei que seria tão à risca – Alcina suspirou – Vamos procurar por ela. Garotas, sabem o que fazer.

- Eu também vou.

- Não.

- Alcina...

- Eu disse não – Alcina reforçou – Você ainda está ferida, não vai se enfiar na floresta no meio da noite.

Ella bufou, não podia acreditar que Alcina estava sendo teimosa em um momento como aquele.

- Judith está sozinha lá fora, está escuro e tem todo tipo de coisa naquela floresta – Ella reforçou: - Pode haver lycans lá fora. Meu pai está lá fora.

- Podemos dar conta disso sem você.

- Mas comigo poderá cobrir mais terreno em menos tempo.

Encararam-se como se travassem uma guerra silenciosa, cada uma com suas convicções e deveres. Ella desejava procurar pela irmãzinha enquanto Alcina gostaria de preservar sua saúde e bem estar, ambas tinham boas intenções ainda que naquele momento não poderia entender o lado da outra.

- Se me permite senhora – Velaska se aproximou um passo com Bela ainda ao seu lado – Posso levá-la à cavalo, prometo mantê-la em segurança e não precisará se esforçar correndo por aí. Podemos patrulhar as estradas.

Alcina considerou a proposta por alguns segundos e por fim suspirou de exasperação.

- Que assim seja – Alcina fez um gesto para Cassandra – Seja gentil e vá até o arsenal, Ella não poderia usar o arco por algum tempo então uma lâmina curta pode servir para protegê-la.

- Sim, mãe.

- Agora vão!

Uma verdadeira operação foi montada nós próximos minutos. Cassandra voltou com uma espada se lâmina fina e um pouco mais leve do que o esperado, era se fácil manuseio mesmo que cada movimento enviasse uma fisgada nos ferimentos em suas costas; um cavalo foi selado rapidamente e Ella montou atrás de Velaska com alguma ajuda de Bela, e então estavam prontas para partirem.

Alcina e as garotas se embrenhariam no meio da floresta, a condessa não ficaria se castelo enquanto sua filha caçula estava perdida na floresta no meio da noite, mas não tiveram tempo de ir muito longe ou mesmo separarem-se de Ella e Velaska que seguiriam pelas estradas; uma figura correu em direção ao castelo com as mãos erguidas como se pedisse socorro, Bela e as outras sacaram suas foices e adotaram uma postura hostil em relação ao desconhecido até que sua voz chegou até elas.

- Ella! Ella!

- É Elijah, ele é irmão do Klaus... – Ella as avisou: - Não o machuquem!

Alcina rosnou e Daniela a imitou em seguida, mas Bela e Cassandra não afastaram a postura ameaçadora.

- Ella!

- Elinah!

Elijah se aproximou correndo, ofegava como se já tivesse enfrentado uma maratona e isso alterou todos os instintos de sobrevivência de Ella. Soube naquele exato momento que algo estava muito errado.

- Ella – Elijah ofegou ao parar quase derrapando – a Judith... Levaram ela...

- O que?! – Alcina vociferou – Quem se atreveu?!

- Não sabemos – Elijah respondeu após algumas longas respirações – Ela estava com alguns amigos, duas crianças conseguiram fugir e chegaram ao vilarejo... Ao que parece, pegaram Judith e outro amigo, um menino chamado Dimitri Castellan. Klaus e os outros foram procurar no local indicado pelas crianças.

- Nos leve até lá – Alcina exigiu – O mais rápido que puder.

- É claro, minha senhora!

[...]

Judith se moveu desconfortavelmente contra a árvore a qual foi praticamente jogada, suas mãos foram puxadas para trás e a corda fazia a pele em seus pulsos pinicarem; além do desconforto também sentia medo, muito medo, como qualquer garotinha da sua idade sentiria ao ser capturada por um grupo de homens e feita como refém, a diferença é que ela se negava a permitir que soubessem o quão assustada estava.

O acampamento deles não era grande coisa, apenas duas barracas decrépitas de lona ao redor de uma fogueira, nada como as exuberantes barracas do povo nômade com quem ela passou um tempo após se separar de Ella; não havia muita coisa a mais do que isso, alguns utensílios e armas jogadas por aí descuidadamente e três lampiões a óleo os quais iluminavam a pequena clareira. Mesmo em sua tenra idade Judith sabia que não era inteligente chamar tanto atenção para si mesmo, principalmente após sequestrar uma criança.

Não sabia a quanto tempo estava ali, talvez uma hora ou menos do que isso. Dimitri foi solto por Otto e estava longe de ser visto, Judith só podia torcer que ele conseguisse encontrar o caminho de volta no escuro e chamar alguém.

Sua garganta estava seca, mas recusou-se a pedir qualquer coisa daquelas pessoas, principalmente por não saber o que poderiam colocar na água. Ella sempre dizia para não aceitar nada de estranhos, aqueles homens eram estranhos e maus, logo Judith não queria nada dele. O medo ameaçou tomá-la, se enraizar em seu peito e cabeça para fazê-la chorar e pedir pela mãe como toda garotinha faria nesta situação, mas também se negou a fazer isso; tentou se lembrar das palavras de Cassandra sobre como se livrar de um capturador, o que fazer quando as opções eram poucas... Para começar, havia chance de fugir caso conseguisse correr o suficiente para contornar a lareira e atingir o limite do acampamento com o qual seus capturadores não pareciam se importar, ali não havia um lampião e estaria ainda mais escuro; pelas sombras também pode identificar que a mata se tornava mais fechada e cheia de arbustos, poderia se esconder por lá entre os arbustos, seu tamanho a permitiria se ocultar com relativa facilidade. Se conseguisse fazer isso, poderia se afastar silenciosamente como Ella ensinou e se orientar pelas estrelas para encontrar o norte, daí só precisaria seguir em linha reta até encontrar as luzes do exuberante castelo onde morava.

 Mas antes de mais nada, para colocar seu plano em prática, precisava se livrar das cordas.

O lado bom de ser a mais nova de um trio de irmãs caóticas era poder aprender com elas, e Judith ouviu atentamente sobre a vez em que Cassandra e Bela amarraram Daniela no arsenal para que a até então caçula parasse de perturbá-las; Dani esfregou a corta em uma das paredes de pedra até que o material se desgastasse e pudesse se libertar, então Judy também faria isso.

- Pode parar com isso. Sei o que está fazendo e não gostei nada.

Seu pai se aproximou coxeando, a cada passo seu corpo pendia para o lado e Judith achou engraçado, mas sabia que não devia rir.

Apenas mais um homem estava no acampamento, o alto com cabelo escuro, e o outro havia saído há algum tempo e não retornara.

- Vamos ter uma conversa séria, só nós dois – seu pai grunhiu ao sentar-se com dificuldade a sua frente – Só preciso que me diga onde está sua irmã, tenho contas a acertar com ela – ele indicou a perna ruim – E depois vocês duas podem ir embora.

Judith pressionou os lábios juntos e não disse uma palavra.

- Se você está aqui, sua irmã está aqui e eu sei disso, ela jamais te deixaria por aí. Seu amigo tentou me enganar, mas eu tinha certeza que a vi e a maior prova disso é que você está aqui agora, então seja uma menina obediente e diga para o seu pai onde a desgraçada da sua irmã está!

Ainda assim Judith não respondeu, sequer se encolheu quando o pai levantou a mão e acertou um tapa em seu rosto. Ardeu. O tapa daquela mão calejada doeu como dezenas de ferroadas em seu rosto, mas não se permitiu chorar ou falou qualquer coisa sobre sua irmã; estava acostumada a apanhar, era sempre castigada na antiga casa, e ainda que fosse criança sabia muito bem que sua nova mãe não o deixaria sair impune.

Uma figura pequena saiu das sombras e jogou sobre o ombro de seu pai. Dimitri esperneou e socou como podia, tentando acertá-lo às cegas em um ímpeto de fúria devido a injustiça cometida.

- Me solta, moleque! Viktor, tira esse menino de cima de mim!

O grandalhão de cabelo escuro se aproximou e agarrou Dimitri como se não passasse de um boneco, jogou-o no chão com facilidade e os homens amarraram suas mãos e pernas para que não pudesse se mover.

- Garoto imbecil! – Otto vociferou – Nós o mandamos embora e é assim que nos retribui.

- Não podem machucar ela!

- Dimitri... – Judith avisou – Está tudo bem, logo minha mãe vem buscar a gente.

Isso fez seu par gargalhar.

- Sua mãe não está aqui, garota. Dolores está por aí cometendo mais erros na vida e esses eu não vou ter que sustentar.

- Ela não – Judith respondeu com frieza ao encarar os olhos do homem – Minha mãe é Lady Dimitrescu.

Um som alto chamou a atenção de todos. O segundo homem, o com cabelo loiro ensebado de sujeira, adentrou a clareira carregando um monte de lenha seca nos braços e as deixou cair pesadamente aos seus pés enquanto encarava Judith com terror aparente.

- Ela é filha da Condessa? É uma das filhas de Lady Dimitrescu?

- Se for mesmo, podemos pedir uma recompensa – Viktor riu – Aposto que ela pagaria bem para ter a menina de volta.

Otto grunhiu de desgosto e balançou a cabeça.

- Pensem seus idiotas! Acham que se eu tivesse engravidado uma condessa estaria na merda como estou?

Isso arrancou risadas do homem chamado Viktor que mal parecia capaz de se conter.

- Não, você estaria deitado na cama dela sendo tratado como rei depois de colocar ela embaixo de você.

Judith não entendeu o que queria dizer, mas achou nojento como falavam sobre sua mãe.

- Ella está no castelo para se casar com Lady Dimitrescu – disse por fim – Mamãe me adotou quando cheguei lá.

O loiro ensebado pareceu ainda mais apavorado.

- Vocês perderam a porra do juízo?! Ela é filha da Lady Dimitrescu! – berrou a plenos pulmões – Seremos mortos da maneira mais lenta e degradante possível!

- Ela não é filha dessa condessa! – Otto retrucou – A irmã dela deve estar trabalhando no castelo e essa coisinha está tentando nos enganar.

Suas palavras não tiveram efeito no homem que parecia prestes a perder o juízo, Juidth reconheceu o pavor absoluto em seus olhos que começava a levar a maior sobre sua consciência.

- Olhem só, eu costumava caçar e se tem uma coisa que aprendi é que se você captura o filhote a mãe vai aparecer atrás dele em algum momento e não vai demorar para Lady Dimitrescu chegar aqui! – o homem estremeceu visivelmente e quando Viktor tentou interferir ele voltou a falar rapidamente: - Cala a porra da boca e me escuta! Vocês me acham louco mas eu cresci aqui e sei do que ela é capaz, principalmente se essa menina for filha dela! Lady Dimitrescu não perdoa ou se comove perante súplicas, e não estou disposto a duvidar do que essa menina diz porque se tiver dez por cento de chance de ser verdade...

- É verdade – Dimitri o interrompeu – Ela mora no castelo com Lady Dimitrescu e minha mãe nem queria que fosse amigo dela, mas meu pai disse que é melhor se eu for amigo da Judy e brincar com ela.

- Eles estão mentindo – disse Otto.

- Olha só, se deixarmos a menina aqui ainda dá tempo de fugir – o loiro argumentou – Com sorte podemos chegar até a fronteira enquanto Lady Dimitrescu a encontra, porque ela vai fazer isso, ou então...

 - Então o que, Bryar? – perguntou Viktor.

- Podemos matar os dois – Bryar encarou Judith e Dimitri com os olhos vidrados, cheiro de insanidade – Matamos eles e jogamos os corpos por aí, então não poderão contar o que fizemos e aí poderemos fugir... É isso, basta cortá-los em pedacinhos e jogar por aí!

- Chega! – Otto gritou e agarrou o rosto de Judith com força, seus dedos fincaram na carne da garota e a fizeram choramingar – Onde sua irmã está?

Judith tentou morder a mão que continuava em seu rosto, mas Otto apertou com mais força e, lembrando-se de Daniela, a menina rosnou.

- É como um filhotinho de cachorro – Otto riu quando Judith rosnou novamente – Quem te ensinou a ser mal educada assim?

Um rosnado maior e mais alto preencheu a clareira, alto como um trovão e capaz de fazer até mesmo o mais corajoso dos homens tremer sob sua magnitude; para Judith, no entanto, foi como um bálsamo causando alívio sobre a ferida. A leoa feroz estava pronta para defender seu filhote, as garras à mostra e presas prontas para rasgar o infeliz que se atreveu a roubar sua caçula.

Exames de insetos voaram ao redor da clareira e logo Cassandra e Daniela se materializaram com as foices em punho, elas encurralaram Viktor e Bryar ao pressionar as lâminas em seus pescoços, ambas sibilando perigosamente em um claro sinal de aviso.

- Devia ter ouvido o primeiro aviso do seu amigo – Lady Dimitrescu disse cheia de fúria – Uma mãe sempre vai à procura do filhote.

Bela apareceu ao lado de Otto e fincou a lâmina em sua perna, as irmãs gargalharam com os gritos de dor e terror que saíram do homem patético, e o arrastou até que ficasse aos pés de sua mãe.

- Mamãe! – Judith gritou assim que a mão de Otto libertou seu rosto – Mamãe!

- Mamãe já vai, minha querida – disse Alcina sem tirar os olhos do homem patético caído aos seus pés – Bela, seja gentil...

Bela soltou as amarras de Judith e Dimitri, a menininha correu para os braços da irmã mais velha e a abraçou no exato momento em que Ella adentrou a clareira acompanhada por Velaska e Elijah.

- O que você fez? – Ella praticamente cuspiu as palavras, Judith percebeu que a irmã tremia e seu rosto estava vermelho de raiva – Como se atreve a tocar nela?!

Elijah correu e verificou se Dimitri estava bem. Pelos sons ao redor Judith desconfiou que havia mais pessoas chegando, talvez outros habitantes do vilarejo.

- Estou bem – Dimitri garantiu – Eles me soltaram mas eu voltei pela Judith.

- Ele me ajudou – Judith confirmou ainda abraçada a Bela.

Alcina se inclinou em direção ao homem que chorava covardemente no chão e pressionou uma garra em seu pescoço, uma gota de sangue escorreu e mesmo daquela distância Judith pode ver, mas não sentiu nem um pouco de dó do homem que devia ser seu pai.

- O que devemos fazer com ele, fraga mea? – Alcina perguntou para Ella – É sua decisão.

O tempo pareceu parar, Ella encarou com frieza o homem caído no chão, como se não passasse de um verme nojento sob sua bota.

- Podem levá-lo para as masmorras, as garotas vão gostar de brincar com eles.

Daniela praticamente deu pulinhos de felicidades, Cassandra sorriu daquele modo sádico ao qual até mesmo Judith havia se acostumado e Bela riu; pareciam crianças recebendo os presentes de Natal antes da hora, os melhores brinquedos que sua mãe poderia dar.

- Podemos, mãe? – Daniela perguntou – Eu prometo que vai levar muito tempo até quebrarem.

- Dias, na verdade – Cassandra completou – Nos deixe fazer isso.

- É claro que vocês podem, meus amores – Alcina arrulhou – Vocês são tão boas filhas para mim. Mas quero que levem os outros dois, tirem Judith daqui...

Ao receber ordens da mãe, Cassandra e Daniela obedeceram prontamente ao arrastar Viktor e Bryar para for da clareira enquanto Bela ocupou-se se Judith.

- Vou encontrar os outros e levar esse aqui pra casa – Elijah afirmou – Klaus e os outros estão perto, posso ouvi-los. Agradeço a ajuda, Lady Dimitrescu.

Alcina não respondeu, não conseguiria tirar os olhos do verme que chorava sob seu pé. Bela tirou Judith dali e Velaska a seguiu, só quando apenas Ella permaneceu de pé ao seu lado é que Alcina voltou a falar e mesmo que soasse calmo qualquer um seria capaz de sentir a ira em suas palavras e que a vingança seria sangrenta.

- Maldito bicho homem... Tocando minha filha... Que você pensa que é... – Alcina praticamente delirava de ódio -Vou te fazer desejar jamais ter colocado os pés em meus domínios...

- E-ella, por favor... – o homem chorou de forma patética – Minha filha...

- Ela não é sua filha! – Alcina gritou – Um traste imundo como você jamais deveria se dirigir a alguém como ela, você sequer merece estar na sujeira sob seus sapatos.

- Alcina... – Ella chamou – Eu lhe peço...

- Qual o seu desejo, Draga mea?

- Acabe com isso. De uma vez por todas.

Alcina sorriu de orelha a orelha.

- Como você deseja, meu amor, mas não precisa assistir se não quiser.

Ella titubeou, não sabia se devia ou não permanecer no local, se por um lado desejava finalmente ter o desfecho de uma vida de sofrimentos por outro não sabia se queria assistir o que Alcina estava disposta a fazer.

- Eu quero que saiba que não me alegro com isso – disse Ella para o homem caído aos seus pés – Mas também não o perdoo por tudo o que fez. Você teve a chance, todos os dias da sua vida, de ser um pai melhor e um ser humano decente mas não quis isso... Não é porque vai morrer que seus pecados serão redimidos, o medo da morte não torna ninguém melhor apenas torna evidente aqueles que são covardes o suficiente para não manter o que foram em vida; corajoso seria se tivesse mantido Fred vivo, Judith e eu bem cuidadas e amadas mas você incapaz até mesmo de fazer o mínimo.

- Eu tentei...

- Não, você não. E tentar fazer mal àquela garotinha como fez hoje... Essa foi a gota d’água.

Sem olhar para trás, a respeito das súplicas e do choro patético do homem que se lamentava com o rosto enfiado na terra, Ella saiu da clareira e seguiu a mesma direção que as garotas seguiam antes dela, o que deixou Alcina sozinha com o bicho homem. Por tudo o que sua amada e sua filha caçula lhe contaram ela sonhou com este momento, em lhe demonstrar suas garras poderosas e o que acontecia quando machucavam algo que pertencia à Lady Dimitrescu; não haveria piedade, misericórdia só servia pessoas melhores e Alcina com certeza não usava muito da sua e não pretendia começar justamente aquela noite.

- Você pode chorar, pode gritar... E acredite em mim, vai ser muito melhor assim!

Com um único golpe decepou o braço direito do homem que gritou horrorizado ao vê-lo separado de seu corpo, a cena fez Alcina gargalhar.

- Espero que saiba que está com sorte, minhas filhas teriam te comido vivo, fazendo com que assistisse enquanto mastigam sua carne até os ossos...

Alcina caminhou  lentamente ao redor da sua presa e fincou as garras em uma das pernas dele, um novo uivo de dor e medo escapou da sua boca como se alguém pudesse ajudá-lo.

- A sua sorte é que não as deixo comer porcarias. É isso que você é, apenas carne podre....

- Tenha misericórdia...

- Você não teve com suas próprias filhas, por que eu deveria sentir por você? – Alcina riu. Estava se divertindo bastante ao rasgar a carne da coxa de Otto do joelho até a próximo ao seu quadril, o sangue jorrou e maculou a terra – Seus amigos sofrerão por mais tempo, minhas filhas garantirão isso. Não é sempre que elas tem sangue de homem à disposição e não posso lhes negar este pequeno prazer quando são tão boas filhas.

Lenta e dolorosamente, Alcina cortou a barriga daquele verme asqueroso, no começo apenas a pele superficial mas ela não era conhecida por sua paciência e logo o corte foi profundo o suficiente para que o intestino ficasse visível.

Alcina gargalhou com os gritos horrorizados.

- Você não tem ideia de como isso é satisfatório! Só morre logo...

Com um único golpe de suas garras, Alcina cortou o pescoço do homem que gorgolejou horrivelmente enquanto se afogava no próprio sangue.

- Coisa asquerosa – comentou com nojo, ainda que um sorriso brincasse no canto dos seus lábios – Aliás, pretendo transformá-la em Lady Elleanor Dimitrescu, para que até mesmo seu sobrenome desapareça da face da terra!

Alcina permaneceu para assistir os últimos suspiros do homem amaldiçoado. O sangue que tomava conta dos seus pulmões fazia um som asquerosos, como uma tubulação cheia de algas velhas e molhadas. Podre por fora e por dentro.

- Queime no inferno...

Foram suas últimas palavras para o cadáver que encarava o céu noturno com olhos vazios.

Alcina caminhou até encontrar Ella a esperando, havia marcas de lágrimas em seu rosto mas como sua amada nada disse resolveu não tocar no assunto. Aquele era o fim de uma era, agora sua companheira poderia seguir livre e sem amarras dolorosas ao seu passado infeliz e Alcina estava feliz por poder lhe proporcionar aquilo.

Já no castelo descobriram que suas filhas haviam prendido os prisioneiros nas masmorras e estavam esperando apenas a permissão de sua mãe para seguir em frente e brincar com eles, o que Alcina estava bastante feliz em saber; ainda precisaria falar com Daniela sobre suas responsabilidades e, principalmente, sobre o que não deveria ensinar a sua irmã mais nova mas isso poderia esperar o dia seguinte já que ainda havia muitas coisas a fazer.

Alcina deu banho em Judith, lavou seus cabelos com carinho e nada disse sobre o ocorrido enquanto cuidava da filha, Agatha levou seu jantar no quarto e se retirou deixando-a a sós com Ella e a menina. Somente quando toda a comida desapareceu do prato é que Alcina tocou no assunto, mas apenas depois que Judith contou toda a história e como acabou com os sequestradores.

- Espero que saiba o quão errado foi ter saído sem permissão e o quanto deixou a todas preocupadas.

- Eu sei – Judith admitiu em um murmúrio – Só queria brincar com meus amigos...

- E muitas coisas ruins poderiam ter acontecido – Alcina soou firme – Você desobedeceu Ella, mentiu e fugiu.

- Te pedi para ter paciência – Ella disse em tom mais brando – Eu sei que é difícil ficar presa no castelo quando não há outra criança da sua idade, mas todo mundo aqui faz qualquer coisa por você e ficamos terrivelmente preocupadas ao notar sua ausência.

- Sinto muito.

- Você está de castigo e não vai ver seus amigos por um tempo – Alcina determinou – Terá lições com Bela e poderá sair quando Cassandra desejar prosseguir com seu treinamento, mas é só.

Judith a olhou com os olhos arregalados, uma pitada de medo brilhou ali e Alcina temeu por um momento que a menina tivesse ouvido o que aconteceu na clareira, mas logo seu olhar se voltou para Ella.

- Ella... – suplicou.

- Ella não poderá tirá-la dos seus problemas – Alcina determinou – Você fez algo errado e terá consequências.

- Ella – Judith ainda sussurrou – O escuro não...

Como se tivesse entendido o que a menina quis dizer, Ella sorriu de forma tranquilizadora e acariciou seus cabelos.

- Não se preocupe, você não vai ficar de castigo no escuro – então explicou para Alcina – Às vezes quando eu saía a noite, eles a colocavam de castigo no armário e a deixavam trancada no escuro e ela está com medo de que faça isso também.

Se aquele homem não passasse de um cadáver estripado no meio da floresta, Alcina com certeza iria atrás dele para fazê-lo sofrer mais.

- Você não ficará trancada e muito menos no escuro – Alcina garantiu ao puxar a pequena menina para seu colo – Mas você quase me matou de preocupação, não sei o que teríamos feito se tivéssemos te perdido.

- Prometo não fazer mais isso – Judith sorriu e se levantou o suficiente para beijar o rosto de Alcina – Te amo, mamãe. Obrigada por me salvar.

- Sempre, minha querida – Alcina a colocou na cama tendo plena consciência de que Ella as observava sorrindo – Hora de dormir, você teve uma aventura e tanto. Agatha ficará com você essa noite já que Cassandra está muito ocupada.

- Certo, mamãe.

Alcina ajeitou as cobertas ao redor de Judith e beijou seu rosto.

- Boa noite, querida, mamãe ama você.

Judith sorriu, principalmente quando Ella a beijou e disse que a amava muito. Finalmente estava na família certa, que a protegeria de todas as coisas ruins como toda criança devia ser.

A condessa sentia-se mais do que pronta para encerrar aquele dia, finalmente sua filha mais nova estava segura em casa e sua última preocupação era com os ferimentos de Ella ainda em fase de cicatrização. Após a loira garantir que não desejava, nem conseguiria, comer qualquer coisa, Alcina a ajudou a se despir e tomaram um banho rápido juntas ao que Ella acabou admitindo que, apesar de nenhum ponto ter se rompido, suas costas doíam de todo o esforço e tensão daquele dia o que fez a condessa lhe dar um comprimido para a dor, uma dosagem menor e que não a deixaria alta como uma pipa, mas ainda assim eficaz.

A medicação fez Ella relaxar consideravelmente no colo de Alcina, sentada sobre suas pernas e com a cabeça apoiada em seu seio – o mais macio segundo Ella, é claro – e sorriu bobamente quando a condessa acariciou seus cabelos.

- Foi um dia e tanto – Ella murmurou – Aquela garota ainda vai me matar de preocupação.

- Ela é uma criança saudável, precisa aprender a ter responsabilidade mas é uma boa menina.

- Fico feliz que pense assim – Ella fez uma pausa e se aconchegou ainda mais junto ao peito de Alcina – Nunca vou me cansar de dizer o quanto amo estar em seus braços.

- Então é uma coisa boa que eu ame ter você em meus braços – Alcina sorriu ao aplicar um beijo no rosto da sua amada e acariciou o ponto atrás da orelha onde sabia que ela adorava receber carinho – E preciso dizer mais uma vez, adorei seu novo visual.

Ella riu bobamente, o que fez Alcina pensar que talvez a medicação, mesmo em dose menor, a tenha deixado um tanto alta.

- Sabe, estive pensando no que o Heisenberg disse...

- Sobre qual tolice que saiu da boca dele desde que o conheceu? Eu meio que abstraio tudo o que meu irmão idiota diz.

O comentário fez Ella rir novamente.

- Sobre uma filha nossa e ela ter que se parecer comigo – Ella parou de falar e acariciou o rosto de Alcina ao que esta beijou sua mão – Se isso fosse acontecer, queria que ela tivesse os cabelos escuros como os seus e o mesmo sorriso.

Alcina sorriu com o comentário.

- Viu só? – Ella comentou como se tivesse razão – Lindo sorriso!

- Só se ela tiver seus olhos – Alcina comentou: - Mesmo que talvez eu não saiba como lidar com uma criaturinha que tenha seus olhos.

- Talvez ela tivesse sua personalidade e eu teria que lidar com uma miniatura de Lady Dimitrescu – a forma como Ella riu fez Alcina ter certeza que o remédio a havia deixado alta como uma pipa – Se isso acontecesse, hipoteticamente falando, já pensou em como ela se chamaria?

Levou alguns segundos para Alcina responder, ao contrário de sua amada ela não tinha os remédios para inibir seus sentimentos.

- Já. Ava Theodora Dimitrescu.

Ella murmurou o nome para si mesma e pareceu gostar.

- Algum motivo especial?

- Ava é uma referência a Eva, a primeira mulher – Alcina fez uma pausa e respirou fundo, apertou Ella um pouco mais forte – E Theodora significa presente de Deus, e também era o nome da minha irmã mais nova.

- O que aconteceu com ela? – Ella fez uma careta e balançou a cabeça – Não precisa responder se não quiser, não quero me intrometer se for doloroso.

- É doloroso – Alcina admitiu – Mas quero dividir tudo com você.

Era mais fácil falar sobre essas coisas com Ella segura em seus braços, quando podia sentir seu coração batendo forte e contínuo e era envolvida por uma onda de ternura tão forte que não sabia o que fazer com aquele sentimento, nada parecia bom ou forte o bastante.

- Ela morreu, amor. Crianças tendiam a morrer com muita facilidade e a tuberculose fez muitas vítimas em várias faixas etárias, Theodora tinha seis anos – Alcina respirou fundo – Quando Bela acordou pensei em lhe dar esse nome, mas ainda doía muito e eu não estava em um bom lugar... Hoje me sinto melhor emocionalmente para lidar com isso.

E achava que Ella tinha grande participação nisso, mas não falou em voz alta e sua amada não questionou provavelmente por saber que não se sentia pronta para falar sobre tais sentimentos.

- E você, já pensou em um nome hipotético?

Ella assentiu.

- Alice.

- Alice... – Alcina experimentou o nome – É bonito, significa de linhagem nobre.

- Bonito, mas escolhi por um motivo bem mais mundano – Ella riu – É que tem quase as mesmas letras que Alcina e seria fofo ver vocês duas juntas.

Imagine amar e ser amada por alguém que diz uma coisa dessas. Não pela primeira vez, Alcina pensou na sorte que tinha por uma mulher tão maravilhosa pudesse ver além do monstro, reconhecer os sentimentos ainda muito humanos que tinha no peito, e que ainda assim conseguisse aceitá-la exatamente como era.

Ella havia adormecido em seus braços, ressonando tranquilamente com a cabeça pousada em seu peito completamente à mercê dos seus toques.

- Eu te amo, minha Elleanor.

Ainda que não tivesse uma resposta verbal, Alcina não precisava de uma, não quando Ella confiava o bastante para adormecer ao seu lado noite após noite, amava suas filhas em cada gesto e fazia de tudo por elas.

Elleanor era perfeita.


Notas Finais


*************

Só pq senti saudades da Ella deitada com a cabeça no peito da Alcina :D

E aí, o que acharam? Além de muitas emoções tem muitos ganchos para o futuro da história (um prêmio para quem adivinhar corretamente!)

ideias e sugestões são sempre bem-vindas!

Por favor deixem um comentário e me ajudem a crescer aqui!

beijinhos e até mais


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