DUAS SEMANAS DEPOIS
- Já está na nossa hora? - Lídia pergunta com uma expressão esgotada.
Tiro o celular do bolso do meu jeans, e confirmo meu pensamento que só se passou cinco minutos desde a última vez que ela perguntou.
- Só se passou cinco minutos. - respondo, e Lídia choraminga enquanto se debruça sobre o balcão.
- Cuidado! Aqui pode ter câmera. - advirto, e ela imediatamente se ergue e abre um sorriso exagerado.
Solto uma risada baixa, e volto minha atenção para os livros que estão no carrinho. Preciso guardar todos, mas principalmente, na ordem certa. Atenção é o que eu não posso deixar de ter.
Quando termino os livros daquele lado do corredor, viro o carrinho e guardo os livros restantes, tomando cuidado para não fazer barulho e incomodar as pessoas presentes.
Quando estou voltando para o balcão próximo a entrada, uma garota loira desvia sua atenção do livro para me lançar um sorriso amigável, que eu retribuo.
Ela tem se mostrado uma leitora fiel, e quase todos os dias esteve presente na biblioteca. É como se essa poltrona já fosse dela. É praticamente seu lugar marcado.
- Ainda bem que você voltou. Preciso fazer xixi. - minha amiga cochicha quando chego ao balcão.
- Tudo bem. Eu fico aqui.
Ela praticamente corre em direção ao banheiro, tomando cuidado com os saltos, enquanto passa pelos sofás e poltronas já ocupados.
Ela não estava brincando quando disse que adorava salto. Lídia deve ser a única pessoa que usa salto para trabalhar, sem ser obrigada.
A nossa farda consiste apenas numa camisa branca com o nome da biblioteca. Essa é a única parte obrigatória da nossa farda, porque podemos usar calça ou saia, contanto que seja jeans, e não muito curto, óbvio. Desde que comecei o trabalho, há quase um mês, tenho optado por calça. É mais prático e confortável, já que estamos sempre nos movimentando.
Organizo alguns panfletos sobre o balcão, e verifico o e-mail da biblioteca para ver se há alguma mensagem do nosso chefe, mas não tem.
Abro a outra guia, e olho se há algum pedido ou reserva de livro no nosso site, mas parece que Lídia já cuidou de tudo.
- E agora? Falta quanto? - Lídia pergunta, enquanto passa pela portinha que nos separa, e se joga na cadeira.
- Você tem celular, sabia?! - brinco.
- Tenho medo de olhar. - ela choraminga baixinho.
Reviro meus olhos em divertimento, e olho a hora na tela do computador.
- Ainda falta meia hora.
- Oba! - ela comemora, estranhamente feliz ao saber que faltam trinta minutos para o fim do nosso turno.
- Por que essa felicidade? Ainda faltam trinta minutos.
- Eu não quero ir pra casa. Quero conhecer o nosso novo colega de trabalho. - ela responde radiante.
- Não sabia que já tinham contratado alguém.
- Ben me avisou ontem.
Ben é o cara que fica com o turno da tarde. Enquanto Lídia e eu ficamos no horário da manhã, das oito às duas da tarde, Ben fica das duas às oito da noite.
Ele é um cara legal, do tipo que se dá bem com todo mundo. E não é por acaso que no horário dele há mais leitoras.
Isso mesmo! As mulheres o adoram.
- Bom, então você não vai esperar muito. O horário deles começa em breve. - e é só eu fechar a minha boca, que vejo Ben estacionar seu carro do outro lado da rua.
Termino de organizar algumas fichas, e as guardo na gaveta.
- Como estão minhas garotas? - Ben pergunta, assim que chega ao balcão.
- Bem! - respondo, no mesmo instante que Lídia pergunta:
- Cadê ele?
- Cadê quem? - ele pergunta confuso.
- O cara que contrataram.
- Ah!Ele deve estar chegando. - ele responde, e então passa pela portinha e se acomoda ao nosso lado.
- Como ele é? - ela pergunta, mas sei que na verdade ela quer detalhes. Altura, cor do cabelo, cor dos olhos, estado civil...
- Como nós. - ele dá de ombros.
- Quero detalhes. - ela revira os olhos.
- Ah, ok! Deixa eu ver... - ele passa os dedos pelo queixo, de forma pensativa. - ... Ele tem tuas pernas, dois braços, uma cabeça...
- Ha, ha! Muito engraçado. - ela responde com uma careta azeda.
- Você quem pediu. - ele ergue as duas mãos divertido, e eu viro o rosto para que Lídia não veja meu sorriso.
Meu celular vibra no meu bolso, e um número desconhecido aparece na tela.
- Volto logo. - aviso para os meus amigos.
- Se for o gostoso do seu cunhado, diz que eu mandei um beijo. - Lídia pede.
- Se for o seu cunhado, avisa pra ele fugir. - Ben diz, e Lídia o belisca no braço, enquanto ele ri e a puxa para um abraço de lado.
Passo pela porta principal, e desço os degraus até parar embaixo de uma árvore.
- Alô? - atendo, mas tudo o que recebo é o silêncio.
- Oi? - tento mais uma vez, mas não há resposta.
Tiro o celular da orelha, e sinto um frio na espinha ao perceber que a ligação não caiu.
- Quem é? - pergunto, mas sem resposta.
Eu posso ouvir a respiração do outro lado da linha, e isso me apavora. Eu preferia mil vezes que a ligação tivesse caído, ou que simplesmente alguém admitisse que ligou para o número errado. Porque se não é engano, e a ligação de fato é pra mim, por quê ninguém diz nada?
Minha mente trabalha em respostas, mas tudo se liga a festa do Brazil. Será que finalmente descobriram meu número? E pior, será que descobriram onde eu moro ?
Imagens do entregador de pizza surgem na minha cabeça, e sinto minha respiração prender no peito. Preciso de muito esforço para continuar levando ar aos meus pulmões.
Eu continuo ouvindo a respiração do outro lado da linha, e tenho consciência que, quem quer que seja, pode ouvir a minha respiração também.
Então eu tiro o celular da orelha, e faço o que deveria ter feito há muito tempo : eu encerro a ligação.
Eu me encosto ao tronco da árvore, e respiro fundo tentando acalmar meu coração e clarear meus pensamentos.
Quando escuto passos atrás de mim, imediatamente me afasto da árvore e encaro um par de olhos escuros.
- Ham...oi! Eu não queria te assustar. - ele ergue as duas mãos, como se estivesse dizendo que é inofensivo.
Meus olhos o analisam, tentando encontrar algum indício de que era ele quem estava me ligando. Mas então me dou conta que provavelmente estou ficando louca, e ele deve ser apenas uma pessoa caminhando.
Então meus olhos caem para a sua camisa, e eu constato que estou errada. Ele na verdade está indo para o trabalho, que coincidentemente, é o mesmo que o meu.
- Você deve ser o novato. - abro um sorriso forçado, tentando disfarçar meu real estado de espírito.
- Matt. - ele estende a mão, e eu a aperto amigavelmente.
- É um prazer, Matt.
- O prazer é meu, Abby. - ele responde, e um alerta soa na minha cabeça.
Como ele sabe meu nome?
- Como você sabe meu nome?
- Ben me contou. - ele responde prontamente, e eu bato a mão na testa.
É claro!
- Bom, vamos entrar. Não quero te atrasar no seu primeiro dia.
Ele ri, e então me acompanha enquanto subimos os degraus. E mesmo depois de passar pela porta e estar na segurança da biblioteca, eu não consigo deixar de notar que o calafrio não foi embora. Não sei se a sensação se deve ao fato de que as paredes são de vidro e quem quer que seja que esteja lá fora pode nos ver, ou se simplesmente a pessoa que me causa calafrio está presa comigo.
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