História Bem melhor que Neil Armstrong - Capítulo Único

 Fazem exatamente 14 sóis — dias, Mark— que Watney chegou à Terra. Não que ele estivesse contando, ele podia ser paranóico, mas não tanto assim. Acontece que quando o seu nome está em todos os jornais e televisões do país e todos ficam querendo saber sobre cada detalhe da sua vida, é difícil tentar ignorar. NASA, depois de ser obrigada a cancelar dezenas de entrevistas para Mark e até pagar um psiquiatra — ele realmente não precisava daquilo, sério — começou a adorar a atenção. Mesmo que ele já tenha visto Ted mandar muitos jornalistas transarem consigo mesmos, todos os astronautas e astrofísicos estavam felizes com o resgate de Mark, e era isso o que importava.

 Ninguém nunca perguntou sobre o seu diário de bordo, o que ele não se importava muito — era até legal que o pessoal pensava que ele conseguia preservar sua sanidade por quase dois anos naquele inferno sem nada além de músicas disco — até que recentemente um comunicador da NASA explicou que todos os vídeos que Mark fez foram gravados em um arquivo e assistidos um por um.

 Oh.

 — Oh — Mark corou, lembrando das conversas que teve com o diário. — Eu pensei que ninguém as estava recebendo.

 — Bom, nós não recebemos nada até o sol 78, um pouco depois quando estabelecemos contato — O homem soltou uma risadinha. — Mindy quase pirou quando viu os vídeos pela primeira vez.

Mindy?

——

Ok, aparentemente Mindy Park foi a primeira a receber informações sobre Mark quando este estava em Marte. Como uma babá espacial, ela monitorava cada um de seus movimentos e depois reportava para NASA aquilo que achava importante reportar. E isso incluía os diários de bordo.

Watney sentiu tanta vergonha ao imaginar o mundo inteiro vendo suas conversas com o diário que quase teve vontade de voltar para Marte. Quase.

 Por algum motivo, Mark também ficou um pouco reconfortado ao perceber que durante todo esse tempo, ele não estava conversando sozinho como pensara. Ele passara noites em claro só confessando seus pensamentos e inseguranças para a câmera, e quem diria que, no final das contas, havia alguém escutando?

 Depois de mais 7 sóis — dias, Mark —, Watney finalmente tomou coragem e foi falar com Mindy. Ele bateu na porta e, ao ouvir uma voz dizer para entrar, ele avistou uma jovem mulher loira com um copo de café na mão, grandes olheiras debaixo dos olhos e vestindo um suéter grande demais para o seu tamanho.

 Mark percebeu que ela virou para falar alguma coisa, porém perdeu a voz quando seus olhos notaram quem estava a sua frente. Mindy ajustou seus óculos e corou instantaneamente.

 — Ah. E-Err… Como posso ajudá-lo? — Ela estendeu a mão, e Watney a cumprimentou. — Mindy Park.

 — Mark Watney.

 — Eu sei quem você é — Ela disse e sorriu afetuosamente, e seus olhos se arregalaram ao perceber o que tinha acabado de dizer. — Q-Quer dizer, não que eu esteja te seguindo ou algo parecido. Deus, isso soou estranho.

 Mark riu e levantou uma sobrancelha.

 — Eu acho que você já me seguiu por tempo suficiente, se me permite dizer — Mindy estava prestes a exclamar algo até o ex-astronauta a confortar. — Não quis te ofender em nenhum modo. Eu… só queria conversar.

 Ele procurou pelas palavras certas, mas foi inútil. Parece que mais de dois anos no espaço faz isso com as habilidades sociais de uma pessoa.

 — Ah, claro. Sobre o... incidente? — Ela apontou para seu computador cuja tela havia fotos da superfície de Marte e Mark tentou não rir. O mundo inteiro usava nomes diferentes para descrever a situação dele preso no planeta deserto, mas “incidente” nunca foi um deles. É, talvez ele pudesse se acostumar com aquilo de novo. Socializar.

 — Então, err... — Watney coçou a nuca. — Quanto daquilo você viu?

 — Você fala dos vídeos? Tudinho. Não pulei nenhum — Ela sorriu. — Sinto muito pelo seu sofrimento com as músicas de disco. Eu enviaria algumas músicas dessa década se pudesse, mas não deu muito certo.

 — Pois é, essa foi a pior parte. As mesmas músicas por mais de um ano — disse, sarcástico. — Sem falar das batatas.

 Ele aquiesceu ao lembrar. Malditas batatas.

 — Não pense que eu não percebi você colocar todo aquele analgésico nas batatas — Mindy apontou um dedo acusador para Mark. — Mas felizmente eu escolhi não mostrar para a NASA.

Watney elevou as sobrancelhas em uma reação surpresa.

 — Então a NASA não viu exatamente todas as minhas loucuras, huh? Ufa, isso é um alívio — Ele fingiu um suspiro, o que causou algumas risadas da loira. Que bom, todo aquele tempo em Marte aperfeiçoando seu sarcasmo não foi para nada. Sua equipe nunca foi muito fã das suas tentativas de humor, mas felizmente Mindy era. Mark fez uma careta ao imaginar tudo o que ela teve que aturar com ele durante todo aquele tempo.

 — Na verdade, eu decidi não mostrar tanta coisa para a NASA — Ela falou, abaixando o tom, como se aquela informação fosse secreta. E talvez fosse mesmo. — Achei pessoal demais para mostrar para o mundo inteiro. Eles viram só o necessário.

 Mark abriu um sorriso largo e genuíno, o que não era comum, se levasse em conta todos os sorrisos que tivera que forçar em frente às câmeras.

 — Foi muito gentil da sua parte, Mindy. Eu agradeço. — E pela primeira vez desde a sua saída de Marte, Mark sentiu que alguém finalmente sabia o que ele realmente tinha passado.Mindy só corou e assentiu.

 — Se serve de algum consolo, Sr.Watney, — começou ela. — Eu realmente acho o senhor bem melhor que Neil Armstrong.

 Mark estufou o peito em orgulho.

 — Obrigado, é sempre bom ter alguém aumentando meu ego de vez em quando. — Haha, como se a mídia já não fizesse isso o bastante.

 Bom, ele não queria se gabar, mas ele era, literalmente, o melhor botânico e o primeiro colonizador de Marte.