Desço as escadas ao acordar, e minha mãe já não está em casa. Hoje é um daqueles dias que ela trabalha em todo o período diurno, o que significa que o café da manhã fica por minha conta. Pego alguns trocados em cima da geladeira e vou até a padaria. Ao chegar tenho que enfrentar um aglomerado, com pelo menos mais cinco pessoas a minha frente.
Espero um tempo na fila, quando ouço a porta da padaria se abrindo e olho de relance. Lá está ele, vestindo uma calça moletom e um casaco justo ao corpo. Gregg me vê na fila, abre um sorriso e segue até mim.
– Bom dia, Shawn – ele me cumprimenta dando um falso soco no meu estômago. Acho isso fofo e engraçado.
– Bom dia, Gregg – digo de frente para ele e de costa para a fila. – Bom te ver – sinto um sorriso tímido no meu rosto.
– Digo o mesmo – e sorri. – Olha, eu juro que não estou te seguindo, sério.
– Não vejo problema nenhum nisso – digo com a mão na nuca.
– Como foi seu dia, ontem? A gente mal se falou pelo celular – diz com uma feição dramaticamente infeliz.
– Ah... foi tranquilo – me sinto inseguro sobre se devo mencionar Cameron. – Eu passei a tarde fazendo um trabalho de química com um amigo.
– A matéria que você mais odeia, pelo que me lembro – ele afirma. Fico feliz de ele não especular quem seria o amigo em questão.
– Eu odeio química. Sério! Não consigo entender nada dessas ligações, nomenclatura e sei lá o que mais.
Ele dá uma risada muito graciosa, e nesse momento sinto vontade de aperta-lo. Não consigo pensar em uma pessoa que consiga ser tão agradável e sensível quanto Gregg.
– Mas e aí? – ele pergunta. – Você e Cameron conseguiram terminar o trabalho?
Ai meu Deus! Meu coração gela.
– Sim, sim – permaneço encarando ele. – Eu não lembro de ter dito que estava com Cameron. Como sabia?
– Só deduzi – diz ele com naturalidade.
Sua resposta não me convence, mas prefiro deixar o assunto para lá, quando finalmente sou atendido. Joseph, uma das minhas antigas paixões é quem me atende.
– E aí, Shawn – ele diz informalmente.
– Oi, Joseph – digo sorrindo. – vou levar só 3 pães e uma margarina.
– Okay, só um minuto – ele se retira.
Gregg permanece ali, em silêncio. Eu o encaro sério, e começamos a rir juntos. Após nossas compras, saímos da padaria e ele se oferece para me acompanhar até em casa. Ele está sem a motocicleta, e isso significa que irá andar bastante, por mim. Eu insisto que não se preocupe comigo, mas acabo cedendo. Até porque não seria nenhum sacrifício passar um tempo a mais com ele. Muito pelo contrário.
A gente segue conversando por todo o caminho, e pergunto a ele sobre sua prima.
– Ela já voltou para o Brasil – comenta ele. – Foi embora um dia depois que vocês se conheceram.
– Não sabia que ela morava no Brasil – digo surpreso.
– Sim, ela nasceu lá. O pai, que é divorciado da mãe dela, é brasileiro. Ela fica um pouco dividida entre os dois países e os dois idiomas, mas ela claramente prefere o Brasil.
– Tem uma modelo brasileira famosa que eu amo demais! Gisele Brint.
Gregg de repente me encara e começa a gargalhar alto, e eu me sinto envergonhado.
– O nome dela é Gisele Bündchen, Shawn – e eu o encaro com um olhar sério.
– Foi quase a mesma coisa – digo. – Você entendeu.
Ele continua fazendo piadas do meu pequeno erro gramatical pelo caminho até chegarmos em casa.
– Entregue – diz após subir os degraus da entrada comigo e abrindo um sorriso.
– Bom... minha mãe não está em casa – digo cruzando os braços e ainda segurando minha sacola. – Você poderia ficar para o café da manhã.
– Eu ia adorar. Mas minha avó está me esperando, e, bom... eu estou com os pães – ele diz fazendo uma cara de lamento.
– Okay – digo imitando sua feição.
– A gente podia sair hoje, mais tarde – ele chega mais perto de mim.
– Eu adorei a ideia – sorrio.
– Tem um parque de diversão maneiro na cidade, perto da praia. O que acha?
– Eu adoro parques – só concordo, mas ele entende que o que eu quero mesmo é sair com ele, de novo. Ele ri.
– Okay. A gente combina o horário certo e depois venho te buscar.
Mal termino de absorver suas palavras, e quando dou por mim, sinto seus lábios tocando os meus. Um beijo como quem diz "estou feliz por estar aqui com você". Após o beijo ele abre um sorriso e se despede.
Entro para dentro de casa e enquanto preparo meu café, penso naquele beijo. Até que finalmente percebo a gravidade da situação. Penso que talvez esteja indo rápido demais com Gregg. A possibilidade de estar evoluindo para um relacionamento sério com ele, me assusta de uma maneira que nem sei ao certo como explicar. Nunca passei por essa situação antes. Imagino que um segundo encontro em menos de uma semana pode ser arriscado, então ligo para Maia, enquanto espero a água do café ferver.
– Oi, amiga! – digo ansioso.
– Oi – ela responde num tom seco e triste.
– Hey, está tudo bem?
– Sim, Shawn – ela diz ainda mais desanimada. – Eu estou bem, e você?
Quando Maia me chama pelo nome, e não pelo apelido, significa que ela está muito brava comigo ou muito chateada com qualquer outra pessoa.
– Desculpe falar, mas você não está nada bem, amiga – a corrijo. – Vai me falar o que está rolando?
– Não, Shawn. Não quero falar sobre isso.
– Foi o Colton, certo? O que ele fez?
– ...
– Hey... me fala! Sabe que eu posso encontrar a casa dele, e dar uma surra nele só por te magoar, não sabe?
– Ontem, ele me levou para jantar em sua casa, e para conhecer sua família. - ela resolve desabafar.
– UAU!
– É, eu sabia que você diria isso – ela continua. – Os pais dele são executivos, pessoas de classe. Um irmão dele faz faculdade em Harvard e outro em Princeton. Nós jantamos e quase todo o tempo me sentia deslocada, sabe? A mãe dele perguntou o que eu queria fazer da vida, após o ensino médio, e você sabe que não tenho nenhuma grande ambição sobre isso – ela pausa para respirar fundo. – Depois do jantar, ela me chamou para mostrar o jardim, e era divino. Parecia uma floricultura de tantas espécies de rosas. Eu realmente pensei que poderíamos nos dar bem, aí ela começou a dizer que eu não era boa o suficiente para Colton – sinto sua voz falhar nesse momento. – Ela disse que eu Colton somos de mundos distintos, e que não importa o que eu faça, nunca iremos dar certo. Já estava me sentindo um lixo, até que ela me ofereceu dinheiro. Disse que eu podia dizer meu preço. O preço para sair do caminho do filho dela – consigo ouvi-la segurando o choro.
– Que mulher babaca! – digo sentindo a raiva pulsar em meu corpo. – Quem ela pensa que é? O que você fez depois disso?
– Eu só recusei – ela diz, esforçando para se recompor. – Voltei para a cozinha, segurando as lágrimas, e me despedi de todos. Antes que me respondessem, peguei o caminho até a porta e fui embora. Colton veio atrás de mim e eu só pedi para ele me deixar em paz. Ele segurou meu braço, dizendo que não deixaria que fosse para casa sozinha. Vi um taxi passando e pedi que parasse. Entrei e não dirigi mais nenhuma palavra a Colton. Deve ter umas 40 chamadas perdidas dele registradas no meu celular, até agora.
– Maia, não fica mal por isso. Eu sei que eu fui a primeira pessoa a dizer que você estava indo rápido demais...
– E você estava absolutamente certo – ela interrompe.
– Na verdade, não absolutamente – a corrijo. – Eu disse isso porque achava que Colton pudesse ser um otário, até porque minha história com jogadores de futebol não é das melhores. Mas eu estava errado. Não acho que Colton seja babaca. E não estou dizendo isso só por ele ter me ajudado, e muito, a fazer as pazes com Cameron. Digo isso porque ele parece ter um bom coração. Deveria dar uma chance para ele. Você nem se quer o ouviu, ou disse para ele sobre a proposta de sua mãe.
– Ah, claro – diz em um tom de deboche. – Acha mesmo que vou falar mal da mãe dele para ele? Eu não quero causar a discórdia naquela casa...
– O que significa que você sabe que Colton te daria razão e a defenderia – interrompo com essa constatação.
– É, eu sei que ele faria isso – diz indiferente.
– Então porque desistiria dele?
– Porque talvez a mãe dele esteja certa, e eu não pertença ao mundo dele. Eu sou pobre e bolsista no colégio, e ele é um príncipe riquinho.
– Acha mesmo que Colton é mesquinho a ponto de se importar com isso? Sério?
– Eu não sei o que Colton pensa. Mas sei o que eu penso, e eu penso que não vamos dar certo – ela respira fundo de novo e prossegue. – Olha, valeu por tentar levantar meu ânimo, Shawn. Eu tenho que descer. Depois a gente se fala.
– Fica bem, amiga.
– Obrigada, amigo. Beijo! – e desliga o telefone.
Eu esperava chamar ela para ir comigo e Gregg ao parque só para não ficar a sós com ele, mas agora a questão de ajudar meus amigos. Apago o fogo da água fervente para o café e ligo para Colton. Logo ao atender percebo o seu desespero, então eu explico a situação para ele. Maia provavelmente irá me matar por isso, mas se fosse ela no meu lugar faria o mesmo.
– Eu juro que não imaginei que minha mãe a trataria assim – ele se explica. – Me sinto tão mal por isso, Shawn. Sério. Eu sou completamente louco por essa garota. E quero que se dane esse drama de classe social. Eu sei quem eu quero, e eu quero ela.
Confesso que ouvi-lo dizer essas palavras tão pesadas e meigas me fazem suspirar. Colton é diferente da maioria dos caras que já conheci. Até agora já havia conhecido seu lado palhaço, desinibido, amigo, e agora o apaixonado. Fico feliz por meu conceito inicial sobre ele estar totalmente errado. Sinto que preciso ajudá-lo a fazer as pazes com Maia. A felicidade dela é prioridade para mim.
– Eu acredito em você, Colton – digo e ficamos em silêncio por alguns segundos. – Bom, acho que sei o que você pode fazer para convencer Maia a fazer as pazes.
– O que? Me diz!
– Primeiro, você precisa comprar uma caixa de morangos – ela ama morangos. – E flores. Depois você vai até a casa dela. Ela provavelmente não vai te atender. Então você começa a tirar a roupa – eu começo a rir.
– Adorei essa ideia – só alguém bem louco para concordar com isso.
– Ainda não terminei – continuo. – Você tem que fazer isso às 13h, que é o horário que a mãe dela sai aos domingos, para ajudar em um brechó da igreja. Se tudo ocorrer como eu espero, você não vai chegar na parte de remover a cueca – ele interrompe dizendo que vai tirar a cueca sim, e eu rio. – Como eu estava dizendo, ela vai te impedir de tirar toda a roupa, e essa é sua chance de entrar na casa dela. Depois disso você entrega os morangos e a flores. Inventa um discurso tão bonito como o que você me disse. Eu sei que ela não vai resistir. Pode dizer que eu contei tudo, que eu seguro essa barra depois.
– Acha mesmo que esse plano vai dar certo? – ele me pergunta rindo.
– Claro que vai. Quem resiste há um jogador quase pelado no quintal? – digo sem vergonha alguma.
– Okay. Vou fazer tudo o que me disse.
– Bom... depois disso acho que vocês deveriam sair entre amigos para não ficar num clima ruim – essa é a minha chance. – Que tal em um parque de diversões?
– Sim! Parece uma boa ideia – ele responde animado. – Você vem com a gente?
– Ah. Acho que não tenho nada para fazer hoje – dessa vez eu mereço um prêmio pela boa atuação. – Vou sim, claro.
– Cara, eu vou lá comprar os morangos e as flores. Depois a gente se fala.
– Beleza. Boa sorte!
– Ah, valeu! Você é incrível, Shawn.
– Eu sei.
Desligo a chamada e faço um sinal silencioso de vitória com os dois braços. Se tudo der certo, meus dois amigos reatam, e de graça transformo meu encontro à dois em encontro de casais, o que já é alguma coisa.
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