História Blaubeermund - Prólogo: Mariana

#E Nomine – Padre Nuestro

Uma moto negra em alta velocidade atravessava as ruas de Despina sem respeitar os semáforos, cortando por entre os poucos carros que se ainda se deslocavam pelos túneis àquela hora. O relógio eletrônico da rua marcava 02:34, e 22°C. Entrando pelas ruas de um bairro residencial de subúrbio, a moto diminuiu a velocidade e parou numa casa, onde uma senhora de cerca de uns 50 anos estava parada. A expressão dela transformou-se de nervosismo em alívio quando viu o piloto descer.

— Padre, padre! Que bom que veio.

—  Ora vamos parar com isso, dona Rosário, você bem sabe que eu não sou padre. Eu sou um Exorcista. Dominic, o Exorcista. Mas o que houve? Nunca pensei que teria que atender-vos. Vossa casa sempre foi chão sagrado, abençoado por Deus e os santos da tua Igreja...

— Ah meu filho, não foi ninguém aqui de casa. Foi uma menina, filha de um conhecido, que foi possuída por um espírito muito mau, que roubou-lhe tudo. A pobrezinha não tem mais amigos, gastou todas as suas economias com coisas do demônio, pentagramas, esqueletos... e está tentando agora tirar a virgindade dela. Tivemos que amarrar a pobrezinha na cama ou o espírito faria ela se possuir com a primeira coisa dura que achasse.

— Mas como ela entrou na tua casa, que até com água benta você lava?

— Não entrou, a cama está lá fora, nos fundos.

Dominic tirou a jaqueta que vestia e foi até os fundos. Por baixo, não vestia batina ou estola, mas sim um casaco estilo gótico, À la militar e um crucifixo que pendia de uma corrente. Parecia velho para vinte e dois anos. A menina possuída estava bem e acordada. Não devia ter mais de 15 anos e estava muito assustada. Implorava que a soltassem. Ao vê-lo, perguntou.

— O senhor é que é o Exorcista que vai me salvar?

— Sou sim, tenha calma, Meu nome é Dominic. Deixem-me a sós com ela, preciso fazer algumas perguntas.

Logo todos saíram.

— Qual é seu nome?

— Meu nome é Mariana, Senhor. Pode me desamarrar?

— Desculpe, mas ainda não. Primeiro tenho que tirar o espírito que há em seu corpo. Porque senão ele...

— EU VOU ESTUPRAR ELA? – Disse a voz espectral, falando pela boca da menina.

— Diga me quem és!

— Meu nome é Gamper. Eu violo donzelas, as faço virarem minhas putas e as violo. Este é o meu trabalho!

-E porque esta?

— Ora, não vê que beleza? – A jovem levantou o vestido e mostrou-lhe as partes íntimas. Mas logo estava de volta a si, e não sabia porque se mostrava. Envergonhada, virou-se.

— AAHHH! Não olhe!

— Mariana, há o espírito de um estuprador no seu corpo, e eu preciso retirá-lo antes que ele tire a sua virgindade, entendeu? Por isso que eles lhe amarraram. Você sabe rezar?

— Sei.

— Então reze em silêncio, para que o espírito não se manifeste.

Dominic chamou de volta todas as mulheres da casa, para rezarem pela menina, e começou o ritual de exorcismo.

— Senhoras, não parem de rezar. Mariana, logo você irá desacordar, mas continue rezando sem parar, enquanto puder. – Dito isso, fez o sinal da cruz com água benta na fronte da menina. Pura formalidade. Detestava aquilo, mas estava acostumado com a simbologia e o ritual. Em sua mão, sua cópia do "Rituale Romanum". E lá ia ele, começar mais uma vez, outro exorcismo.

#E Nomine – Mitternacht

—  EU TE EXORCIZO, ESPÍRITO IMUNDO, JUNTO COM TODO PODER SATÂNICO DO INIMIGO, COM TODO ESPECTRO DO INFERNO – a pele da menina ficou alva como giz e começava a secar – E SEUS COMPANHEIROS! EM NOME DO NOSSO SENHOR, VÁ EMBORA E FIQUE LONGE DESSA CRIATURA DE DEUS! DO DEUS QUE O ATIROU NAS PROFUNDEZAS DO INFERNO...

— Está errando o ritual, padre... – Gamper falava – Faça direito ou a menina morrerá! – Mariana estava desacordada e parecia cada vez mais com um cadáver.

— OUÇA E TREMA DE MEDO, SATANÁS! ANTIGA SERPENTE, INIMIGO DA FÉ, LADRÃO DE ALMAS. PORQUE RESISTIR SE NÃO VAIS A LUGAR ALGUM! EM NOME DO CORDEIRO QUE TRIUNFOU SOBRE OS PODERES DO INFERNO!

— Ora Padre, Faça direito, ou quer que a pobre Mariana morra? – Gamper disse e deu voz à menina, que gritava de horror. – Aaaaaaahhhh! Socorro, Senhor Dominic!

—   RECÉDE ERGO! IN NOMINE PATRIS, ET FÍLII ET SPÍRICTU SANTI, PER HOC SIGNO SANTÆ! – Dominic fez o sinal da cruz na testa da menina com água benta, e parecia que a pele da jovem fervia com a água quente. A menina se contorceu sobre a cama, tentando soltar os braços.

— RECÉDE ERGO! PER HOC SIGNO SANTÆ! RECÉDE! – Dominic repetiu a ordem, com mais intensidade, e dessa vez, derramando água benta no peito da menina, em formato de cruz. As roupas pareciam sacos plásticos se derretendo, e seus pedaços caíam e queimavam a pele da pobre possuída. Foi quando um relâmpago clareou o céu e a sombra macabra, na forma de um velho gordo, saiu pelos olhos da menina.

O ribombar do trovão anunciou que Gamper abandonara-a e partira, na neblina negra de uma tempestade que se formava, em busca de outra virgem para possuir.

— Rápido, levem-na para dentro de casa, antes que ele tente voltar, deem-lhe um banho e vistam-lhe roupas que não derretam! —  A mãe da jovem chorava desesperadamente.

— Moço, graças a Deus o senhor salvou minha filha, Obrigada, Obrigada! Como é que eu posso lhe pagar?

— Mantenha-a no bom caminho. Mas o mais importante é tratar das queimaduras. Agora cuidar do corpo físico é importante. Alimentem-na bem. Ela teve uma insolação e está fraca. Precisa de cuidados para recuperar-se da dor física. – Dominic disse, e tomando um copo de água lhe oferecido por Rosário, se despediu.

—  Dona Rosário. Passo por aqui quando puder. Dê banhos frios de água benta nela. A febre vai baixar e ela ficará protegida por enquanto. —  Disse isso e se encaminhou de volta para a moto. Mas só teve o tempo de montar e dar a partida, e foi atingido em cheio por um carro. O relógio eletrônico da rua marcava 03:45, e ainda os mesmos 22°C.