(...) Eu irei passar
Eu irei sobreviver
Quando o mundo desabar
Quando eu acertar o chão
Eu vou me virar
Não tente me impedir
Eu não vou chorar (...)
Àquela costumava ser uma data imaculada para ela. As lembranças corriqueiras de um passado recente cercavam-lhe a mente buscando renovação. Resguardava-as a sete chaves em sua memória. Todas faziam parte de um pacote exclusivo de felicidade do qual tivera acesso outrora, não mais. Hoje, com sorte, o maior proveito que conseguiria tirar de tais flashes nostálgicos, era uma imensurável frustação disfarçada de gargalhada em algum círculo idiota de associados do escritório Hudson’s, onde Jason Trawick não abria mão de leva-la a tira colo, com o objetivo de expô-la como uma relíquia adquirida num leilão de artigos antigos.
Trata-se de uma boa primeira impressão, meus caros. Ah, e uma apreciada taça do melhor vinho que o Perch oferecia: Peter Michael Au Paradis.
Halloween, baby.
Lamentavelmente, sua última comemoração a caráter fora há quatro anos, quando Laura e Courtney resolveram visita-la e reservaram o primeiro voo com destino à Los Angeles que encontraram pela frente. Ambas tinham suas vidas em Louisiana, então a irmandade que as unia desde crianças, aprendeu ao longo do tempo suportar a distância.
Os trajes haviam sido escolhidos meticulosamente por elas. Suas primas optaram por ser uma espécie peculiar de fadas madrinhas, enquanto Britney, uma bruxa sexy denominada por seu alter ego de Veronica.
O destino foi à festa de Halloween que Cade organizava anualmente para a elite de Beverly Hills, em prol de arrecadar fundos para uma instituição de crianças carentes que fundara em 2010. Ela nunca seria capaz de entender o quanto seu melhor amigo é conhecido por entre as celebridades, considerando a profissão que exercia e o forçava a dedicar grande parte do seu tempo a uma saleta no penúltimo andar do edifício Hudson’s. Palpites a parte, um sobressaía: o coração bondoso e espirituoso que ele tinha. De longe, Cade Hudson é uma de suas pessoas preferidas no mundo e, embora todos os malefícios que casar-se com Jason trouxera, conhece-lo estava no topo da lista de privilégios.
Naquele dia a parte, ele agiu como um verdadeiro cavalheiro e em meio a luzes ofuscantes e doses de tequila, a pediu em casamento. O.K. Não tinha sido a ocasião mais adequada e convencional, afinal, ambos estavam embriagados, contudo, seu futuro cônjuge a fazia se sentir amparada como um pequeno e indefeso pássaro a procura do ninho e simultaneamente, em perigo, inconsequente, explorando e abusando dos limites improváveis do seu corpo, como se estivesse à beira de um precipício, prestes a pular de cabeça no desconhecido. Em tempos remotos, tal característica a cativou, tanto quanto adorava explorar o mistério dos seus olhos negros, cuja escuridão jamais lhe deixou escapar, que tal abismo, não teria fim.
Uma sucessiva progressão de recordações a invadia em meio à aura solar daquela tarde, enquanto sentada a borda da piscina, assistia seu pequeno homenzinho se divertir no espaçoso jardim da mansão. Este, sem dúvidas, era um dos seus momentos preferidos desde que se tornara mãe: vê-lo crescer e se tornar um ser humano respeitável, gentil e forte. Tentava a todo custo poupá-lo das brigas constantes que aterrorizavam o lar sempre que Jason Trawick encontrava-se “presente”. Preston é um garoto tão carinhoso e um dos seus martírios, é observa-lo sofrer a seu modo, por não receber em troca todo o amor que demonstra pelo pai. Cerca de um ano atrás, suspeitou que a ausência do esposo, causaria sérias consequências no comportamento do filho, todavia, podia orgulhar-se da mãe que se revelara ser, pois preencher o gigantesco espaço que o patriarca deixava não se tratava mais de uma necessidade, mas de um objetivo que Britney focara desde quando descobriu o jogo de interesses disfarçado de casamento em que havia entrado.
Aos sábados, costumava levantar-se cedo para preparar o café da manhã. Trejeitos que carrega consigo desde que saiu de sua cidade natal para aventurar-se em busca do seu grande sonho, cujo aprendizado deve-se a sua querida mãe. Brownie’s, panquecas, bacon e ovos compunha o cardápio. Ás vezes, ela adicionava outras opções, como o velho e bom cereal ao leite, que a Preston adora. Porém, hoje sua rotina tinha sido gravemente alterada, devido os acontecimentos da noite anterior, que lhe presentearam com uma insistente insônia. Como de praxe, perdeu a hora e ao acordar, seu futuro ex-marido já tinha saído para sabe se lá Deus onde.
Preferiu assim. Não estava com estômago para suportar o teatro que era tê-lo por perto, sempre a espreita de qualquer indício que ela viesse a dar de revolta. Esta, em questão, tratava-se do divórcio. Já tentara em outros ensejos roga-lo, contudo, ele desviava, sempre com um artifício em mãos, seja fingindo amá-la e realizando o papel de pai presente pelo tempo que lhe fosse conveniente, seja inventando algum compromisso de última hora. Mas hoje seria diferente, Britney estava decidida a manter sua palavra e exigir a separação, aguardando o tempo que fosse preciso até seu retorno.
Desse modo, ocupou-se como pôde até o horário do almoço, saindo às compras de Halloween e regressando com comida tailandesa. Para este ano, Preston fez jus a sua fascinação pelo Pokémon e iria fantasiar-se de Pikachu. Britney, por outro lado, não optara por nenhum traje a caráter. Embora Cade houvesse lhe convidado para a festa beneficente ‘Childlike Dawn’ e Strawberry insistido por sua presença, ela escolhera passear com seu anjinho pelo condomínio, em busca de doces e travessuras.
Já passava das 17h e estava prestes a se levantar, quando acidentalmente o pequenino esbarrou-se nela, ao correr atrás do seu gatinho de estimação, Freddie, derrubando todo o refresco de laranja que Britney havia preparado minutos atrás e encharcando sua camiseta branca.
– Mamãe, desculpas... – fez biquinho, os olhos marejados.
– Tudo bem, meu amor. – depositou-lhe um beijo na fronte, a fim de tranquiliza-lo. – Vamos entrar, está tarde. – segurou uma de suas mãozinhas e partiu em direção a mansão. – Você ajuda a mamãe a preparar o jantar? – assentiu.
– O papai não vai jantar conosco? – fungou, a passo que ela o colocava sentado no balcão.
– Claro que sim.
Ela pulou em sobressalto. Era ele. Jason surgiu atrás de si, como um predador em busca da sua presa.
– Nossa, eu não o vi chegar... – pigarreou, sentido o bafo de álcool a menos de 10 centímetros dela. – Está aí há muito tempo?
– Não importa... – aproximou-se ainda mais. – Quero esse corpinho todo para mim. Estarei te esperando no nosso quarto. – sussurrou, enquanto apertava sua bunda com a mão esquerda.
– Jason, o Preston não pode ficar sozinho. – rebateu. – Todos os empregados e babá foram dispensados. É final de semana.
– O garotão aqui não se importa em ficar assistindo TV por alguns minutinhos, se importa?
– E-eu estou com fome, papai. – respondeu, brincando com alguns talheres.
– Você não quer ver sua mãe feliz, é isso? – segurou-o pelo braço.
– Tudo bem, querido. – Britney interviu, nervosa. – Eu já estou indo.
– Ambos merecem um prêmio pela obediência! – gritou, completamente alterado, à medida que se afastava em meio a tropeços.
– Meu bem, agora você tem de me escutar e fazer tudo o que eu mandar, certo? – inclinou-se para ficar da altura do filho.
– Sim. – os assustados e curiosos olhos caramelados, respondeu, encarando-a fixamente.
– Mamãe vai colocar um desenho bem legal para você assistir em seu quarto e tu tem que me prometer que não vai sair de lá por motivo algum, a não ser que eu vá busca-lo, combinado? – acariciou-lhe os cabelos.
– Sim. – repetiu.
Regada a discussões, álcool e mentiras, aquela relação tinha ultrapassado todos os limites do inverossímil e Britney jamais sequer poderia admitir que tamanha covardia sua, afetasse seu bebê.
Dentre tantas oportunidades que tivera ao decorrer dos três anos de matrimônio, finalmente, ela sentia-se preparada e encorajada a arrancar as algemas que havia lhe imposto sem aviso prévio. Mesmo desconhecendo as consequências, estava disposta a dar o primeiro passo que mudaria o resto de sua vida. Permanecer casada com Jason Trawick era o mesmo que entregar-lhe de mãos beijadas a sua sanidade e de quebra, satisfazer as dezenas de tabloides que estampavam o quanto tudo a sua volta parecia estar ruindo e somente ela mesma poderia evitar tal desmoronamento.
Sendo assim, levou Preston até o quarto e o aconchegou em meio a diversas almofadas, entretendo-o com um dos seus animes favoritos. Partia seu coração ao meio vê-lo assustado por causa do próprio pai e então, sem delongas, partiu em direção ao fim do corredor, respirando fundo e adentrando o que ela chama de recomeço.
Ele encontrava-se seminu, cambaleando até a porta do banheiro. Parou e virou-se, a feição intimidante, sempre tentando fazê-la sentir o que qualquer pessoa sentiria em seu lugar: medo.
– Olhe só para você... – disse, ao vê-la entrar no quarto. – Estonteantemente gostosa e burra. – sibilou, a voz entorpecida. – Tire a roupa. – gritou, após uma pausa, fora de si.
– Não. – ela retrucou, sem mover-se de onde estava.
– O quê? – franziu a testa, pego de surpresa.
– Isso mesmo que você ouviu. Eu não vou tirar a roupa, Jason Trawick. – suas pernas tremiam, invadidas por um tipo de adrenalina peculiar.
– Você é uma piada. – soltou uma gargalhada, fazendo-a arrepiar-se. – Venha aqui agora, Britney. – ordenou, os dentes cerrados.
– Não. – repetiu, engolindo em seco. – Nós precisamos conversar.
– A conversa fica para depois. – andando em sua direção, ela pensou por um instante que ele tivesse recuperado toda a sobriedade perdida ao decorrer do dia, pelo modo como ele andava rápido e fincava os pés no chão, como se estivesse fazendo um esforço sobrenatural para contornar aquela situação. – Agora eu quero você. – segurou-a pelo braço, jogando-a na cama.
– Jason, para com isso, por favor! – pediu baixinho, voltando a ficar de pé. – Não há amor, respeito e confiança neste casamento. E-eu não aguento mais... – gaguejou. – Todas as suas traições, ausências e estupidez. – suspirou, extenuada. – Quero o divórcio. – despejou.
– A bonequinha quer o divórcio? Foi isso mesmo que ouvi? – agarrou-lhe pelo pescoço, tirando-a do chão. – Quanta ingratidão, não é mesmo? Quem a tirou do fundo do poço? Quer mesmo que eu a relembre? Se não fosse por mim – esbravejou, sem tirar a mão direita do seu pescoço, enquanto apontava para o próprio peito. – você estaria internada numa clínica de reabilitação! Sem amor, sem carreira e sem a coisa que você julga ser a mais importante em sua vida. Seu filho.
– Me solta, Jason... – tossia, cada vez mais pálida.
– Você nunca irá se livrar de mim, meu amor. – soltou-a, fazendo-a cair no chão. – Caso insista, perderá o moleque.
– Você não teria coragem de fazer isso comigo! – vociferou, em meio a lágrimas.
Ela sabia que ele tinha. Sabia do que era capaz. Tudo para mantê-la sob controle. Como um cão adestrado.
– Quer pagar para ver, Britney Spears? – indagou, abaixando-se a fim de encara-la.
– Meus pais irão tomar providências assim que souberem o que fez comigo durante todos esses anos.
Jason riu, descontrolado.
– Interessante. – segurou-a pelo maxilar, dando-lhe um tapa no rosto. – Os pais que sabem que a filha é traída e ainda assim salvaguardam o querido genro, que só age assim, devido o comportamento bipolar e doentio da própria? Afinal, eu sou um homem bastante ocupado e preciso de atenção e cuidados que você é incapaz de ter consigo mesma.
Fitando o chão, Britney esforçava-se para acreditar que tudo aquilo não passava de mais uma de suas mentiras. Seus pais não tinham conhecimento do inferno que vivia. Não tinham. Não. Não podia ser. Eles não eram tão egoístas a ponto de assisti-la de camarote sofrer.
Seu rosto ardia. Provavelmente estampava os dedos dele, assim como o pescoço. Gostaria de gritar, pedir ajuda, mas sabia que ninguém podia ouvi-la. A casa estava vazia. Além da voz debochada de Jason, os únicos sons audíveis era o da televisão no quarto ao lado.
“Você tem de ser forte, Britney.”, repetia consigo.
– Se você está tentando me fazer voltar atrás, perde seu tempo. – disse. – Eu vou entrar com o pedido de divórcio hoje mesmo. – levantou-se.
– Onde você pensa que vai? – gritou, seguindo-a.
Precisava sair daquele lugar o mais rapidamente possível. Sentia-se sufocada e prestes a desabar a qualquer momento. Podia negar para os outros a sua volta, mas sabia o poder que Jason exercia sobre si e tinha a plena noção de que quanto mais tempo permanecesse ali, mais fácil cederia aos seus caprichos.
Mantenha-se forte, por favor.
A passos acelerados, buscou Preston em seu quarto, o colocando nos braços. Estar sóbria lhe dava preciosos segundos de vantagem em relação a ele. No entanto, compreendia que a qualquer instante poderia alcança-la, por isso, sem perder tempo, desceu as escadas, olhando para trás, temendo o que poderia acontecer caso fosse pega.
– Mamãe, para onde estamos indo?
– Eu não sei, meu amor. Eu não sei. – as lágrimas, incessantes, embaçavam sua vista e deixava o pequeno ainda mais apavorado. – Apenas confie em mim.
– Volte aqui sua vagabunda! – ele berrava, logo atrás de si.
“Eu estava te defendendo.”, ela ouvia aquela voz sussurrar em seus ouvidos e recordou-se de como havia dito, de jeito presunçoso, o quanto não precisava da ajuda de ninguém.
Ah, como eu estava enganada, Stinky.
Então, de repente, tudo que conseguiu sentir, além de arrependimento, foi uma dor lancinante e a escuridão preenchendo todo o espaço a seu redor, como em um blackout, cuja maior fantasia que podia vestir, era não ser ela mesma.
Vivendo um eterno Halloween em modo replay.
Estou pronta para me despir, baby.
(...) Me encontrei no País das Maravilhas
De volta sob meus pés de novo
Isso é real? Isso é faz de conta?
Eu vou tomar uma posição até o final (...) – Alice, Avril Lavigne.
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