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História Blue Bird - Não estás a ser tu


Escrita por: rainfiorest

Notas do Autor


podem tacar pedras pela demora

Capítulo 20 - Não estás a ser tu


Não estás a ser tu

Kakashi regressou uma semana depois, já Sakura tinha saído do hospital. Contra toda a sua vontade, uma missiva fora enviada para o jounin a contar o que se passara; por isso, quando regressou, a primeira coisa que ele fez foi visitar Sakura.

— Kakashi-sensei! — admirou-se Sakura, abrindo-lhe a porta. — Já voltou da missão?

O ninja entrou sem cerimónia, as mãos tradicionalmente enfiadas nos bolsos. Trazia ainda consigo a trouxa da missão.

— Sakura, eu vou direto ao assunto — disse o professor, voltando-se para ela com um ar sério — Conta-me o que se passou.

E ela contou. Serviu um chá gelado aos dois e explicou o mesmo que os médicos lhe tinham explicado a ela: que desenvolvera Stresse Pós-Traumático depois do Exame, que tivera um ataque de pânico e que precisava de ser acompanhada por um psiquiatra durante algum tempo para se libertar do trauma.

— Eu não lhes disse — confessou Sakura, evitando o olhar de Kakashi — mas eu já tinha pesadelos desde… — interrompeu-se, mas Kakashi sabia do que ela estava a falar. Desde que Sasuke a tentara matar. — Acho que o Exame apenas despertou o pior do SPT.

— Hmm — o ninja cópia esfregava o queixo, pensativo — Também acredito nisso. Mas como te sentes?

— Os calmantes impedem-me de sentir stresse ou ansiedade, mas sinto-me sempre cansada e com sono. Na verdade, fui dispensada no Hospital, por não conseguir concentrar-me. Vou continuar a dar aulas na Academia, mas não posso sair em missões; a minha equipe vai fazê-las com outro jounin. — suspirou, desanimada — Ainda só passou uma semana desde que os comecei a tomar e já me sinto sem vida.  O meu psiquiatra diz que é normal, mas…

— Mas não estás a ser tu. — concluiu Kakashi, perante a dificuldade dela em encontrar palavras. Sakura anuiu, confirmando. — Sakura, não podes deixar-te domar, ou vais acabar por entrar em depressão. Mantém-te ativa. Podes vir assistir às minhas aulas, se quiseres, ou aos treinos com Naruto. Sasuke também se juntou a eles.

— Obrigada, Sensei. — olhou-o, grata, finalmente tendo uma boa notícia. Mas tudo o que Kakashi viu foi um profundo sofrimento nos seus olhos, que aumentou a sua preocupação.

 

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Sakura não compareceu em nenhum treino nas semanas seguintes. A única coisa que a fazia sair eram as aulas na Academia, mas rapidamente regressava a casa. Não pouco frequentemente era Naruto ou Kakashi que a arrastavam para ir almoçar com eles, mas pouco mais conseguiam fazer.

Passava os seus dias a ler, a estudar ou a arrumar a casa — quando não adormecia a meio das tarefas ou ficava demasiado cansada para continuar. Sentia-se uma sombra de si própria e a enterrar-se rapidamente na melancolia. Mas não conseguia escapar às garras negras da medicação para se libertar desses sentimentos.

A terapia, contudo, estava a surtir algum efeito. Pelo menos já compreendia toda a metáfora em redor dos seus pesadelos, toda a definição da sua doença e porque é que se sentia daquela forma. Também lhe foi ordenado que enfrentasse os seus medos — e isso significava ver Sasuke mais vezes e ir assistir aos treinos —, mas ela temia que isso, na verdade, apenas piorasse a situação. Na verdade, já algumas vezes tentara — mas recuara a meio do caminho com pequenos ataques de pânico, que apenas a levaram a medicar-se ainda mais e dormir o resto do dia.

Pelo menos a medicação bloqueara-lhe os pesadelos e o seu sono era limpo e regular.

Naquela manhã acordara particularmente cedo, e decidira arrumar a casa para se manter ativa. Mais tarde iria à mercearia do bairro comprar mais fruta e vegetais — que faziam parte da sua nova dieta, recomendação médica — e já contava que Naruto ou Kakashi passassem por lá para a levar almoçar.

Contudo, quando bateram à porta e ela abriu, não era nenhum dos dois que a esperava do outro lado.

— Sasuke-kun? — Ele anuiu, com uma expressão neutra. Mas os seus olhos correram rapidamente por Sakura, avaliando-a. Ergueu ligeiramente uma sobrancelha, e Sakura não percebeu se isso era bom ou mau. Não importava. — Que fazes aqui?

— Está na hora de almoço. — respondeu, como quem dizia que o céu era azul — Vim-te buscar.

Sakura queria perguntar porque é que viera ele, mas absteve-se. Livrou-se do avental e foi buscar a sua bolsa. Sem fazer perguntas — ainda que tivesse muitas —, acompanhou-o. Ou ele acompanhou-a.

— Como te sentes? — perguntou ele a meio do caminho. Sakura olhou para ele, surpreendida, mas os olhos dele fixavam-se no caminho à frente.

— Hm. Bem. Eu acho. — respondeu timidamente.

— Hm. — e muito mais tarde, quando estavam a chegar à barraca de ramen do costume, disse: — Tens planos para mais tarde?

— Não. — O que é que se estava a passar?

— Ótimo. Preciso da tua ajuda. Achas que consegues?

— Ah — Sakura gaguejava, tanto confusa quanto surpresa — De-depende do que for.

— Explico-te no caminho. Agora vamos almoçar.

Naruto já lá estava, e Kakashi atrasou-se como já era costume. Sakura não percebeu porque é que fora Sasuke a ir busca-la, mas também não perguntou.

A conversa tomou o rumo habitual: Naruto falou da sua relação com Hinata — que avançava rapidamente e apaixonadamente —, dos seus progressos nos treinos, no quão chato era Kakashi e que Tsunade ainda não reconhecera o potencial dele (Sakura sabia que isso não era verdade; Tsunde apenas não queria inflamar o ego de Naruto). Sasuke fez um ou dois comentários sobre os treinos — em que nunca ninguém conseguia derrotar ninguém —; e depois Kakashi apareceu.

— Kakashi-sensei! — exclamou Naruto, entusiasmado — Estás atrasado!

— Ah, gomene, gomene. — o jounin coçou a cabeça, embaraçado — Estive a tratar de papelada.

— Mentira! Sabemos que estiveste a ler aqueles teus livros pornográficos.

Kakashi não respondeu, ainda que tivesse rido, e apenas sentou-se no seu lugar habitual, ao lado de Sasuke. Cada um pediu o seu almoço e comeram enquanto conversavam sobre tudo e sobre nada.

Nestes momentos, Sakura sentia-se segura. Quando estava com os seus amigos — entre os quais Kakashi estava incluído —, sentia-se saudável e capaz de domar o mundo. A solidão era a sua maior inimiga e, ainda assim, era tão fácil deixar-se levar por ela.

— Sakura — chamou Kakashi, despertando-a — Hoje vou treinar com o Naruto. Queres vir?

Preparava-se para dizer que não, mas Sasuke respondeu antes que ela tivesse tempo para tal.

— Ela vai ajudar-me hoje.

Tanto Kakashi quanto Naruto se viraram para ele, surpreendidos.

— Ah — Kakashi disse apenas, acenando. — Muito bem. — e voltou-se para a sua tigela de sopa sem mais questões. Naruto demorou um pouco mais a olhar para ele, mas também acabou por deixar cair o assunto.

Sakura reparou em como nenhum deles fez nenhuma pergunta. Certamente já sabiam do que se tratava. Só ela é que estava na ignorância?

 

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— Então, Sasuke-kun — perguntou quando Naruto e Kakashi foram embora — podes explicar-me o que se passa?

Sasuke não respondeu. Na verdade, num primeiro momento, pareceu mesmo ignorar a pergunta. Levantou-se, pouco expressivo, e deslocou o pano da barraca para sair. Sakura só se levantou quando ele desapareceu e quase teve de correr para o conseguir apanhar. Caminharam lado a lado durante algum tempo, Sakura apenas tomando o mesmo caminho que ele.

— Sasuke-kun? — insistiu.

— Apenas vem comigo. — retrucou, irritado. Sakura calou-se, frustrada.

Só quando estavam na entrada do distrito Uchiha é que percebeu que havia algo de importante a acontecer. O que, considerando que era de Sasuke que estava a ‘falar’, podia ser literalmente qualquer coisa, por mais pequenina. Com Sasuke, até os pequeninos passos eram grandes.

Encaminharam-se para a primeira — aquela onde as coisas de Sasuke tinham sido guardadas. Sasuke tirou as chaves do bolso e abriu a porta, convidando-a a entrar com um gesto. A casa era escura e fria, com o intenso cheiro a mofo característico de casas fechadas e abandonadas. Estava em surpreendente bom estado, contudo; os móveis cobertos de pó e o chão sujo eram os únicos sinais do seu abandono.

Sasuke percorreu o corredor e entrou numa divisão, seguido por Sakura. Ela rapidamente percebeu, apesar do caos de caixas e sacos que reinava, que aquela devia ser a sala.

Sakura mal acreditava que estava numa das casas dos Uchiha.

— Eu estou a pensar mudar-me para este distrito. — disse ele, despertando-a do torpor. Ergueu o olhar para ele, encontrando os olhos escuros dele tão frios como era costume — Mas preciso de organizar as coisas primeiro. — fez sinal para o caos daquela divisão — Isto é tudo meu, coisas que estavam no meu antigo apartamento.

— Precisas de ajuda com isto? — perguntou suavemente, surpreendida com a simplicidade da tarefa.

— Não. — Sasuke passou por ela e regressou ao exterior. Encarou a rua, as casas vazias ao longo dela. — Preciso de ajuda com isto. — fez um movimento com o braço que embarcou todas as casas à vista.

O distrito era enorme. Não havia a mais pequena forma de eles sozinhos conseguirem…

— Não tudo. — rapidamente esclareceu Sasuke, ainda que calmamente — Apenas as da minha família mais próxima. Todas as outras já foram limpas pelos ANBU depois do massacre. — fez uma breve pausa, olhando para a casa de onde tinham acabado de sair — Mas deixaram as da minha família para mim. — olhou então para Sakura — Só preciso de organizar as roupas, doar as que ainda estiverem boas, e recolher pertences pessoais. Podes ajudar-me?

Sakura já decidira que sim no momento em que lhe pedira da primeira vez, fosse qual fosse a tarefa. Era tola, pois não conseguia negar nada a Sasuke. Mas era assim que ela era. E o facto dele ele lhe estar a pedir ajuda… Não havia valor contável nisso. Era demasiado valioso. Completamente irrecusável.

— Claro, Sasuke-kun.

Ele suspirou, parecendo aliviado. Esperava que ela recusasse. Não a culparia se o fizesse. Mas Sakura era Sakura, uma alma bondosa e sempre disponível para os amigos. Sempre disponível para ele, mesmo quando tentava afastar-se.

— Naruto e Kakashi… Eles estão sempre ocupados. Só mesmo tu, Sakura. — explicou, considerando que ela provavelmente devia estar confusa quanto ao porquê de lhe pedir a ela.

— Não precisas de explicar. — respondeu, sorrindo — Eu ajudo-te, Sasuke-kun. Começamos hoje?

 

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Sasuke ainda não decidira qual das casas iria habitar quando se mudasse para o distrito Uchiha. Iria primeiro avaliar o estado das casas e decidir coisas mais importantes. Por isso, começaram mesmo pela casa onde as suas coisas estavam: deixando as coisas dele num canto — havia tempo para tratar disso mais tarde —, começaram a organizar as coisas da casa. Contudo, não havia muito — esta fora uma das casas que a ANBU tinha limpo. Apenas tinham deixado a mobília e alguns quadros não pessoais.

— Vamos usar esta para arrumar as coisas, por enquanto — sugeriu Sasuke, quando concluíram que não havia nada a fazer ali — Há umas cinco casas que precisamos de ver; deve haver quartos suficientes para cada uma.

Sakura anuiu, concordando. Começaram a encaminhar-se para a casa seguinte, imediatamente ao lado.

— Sasuke-kun, já as visitaste todas? — perguntou suavemente.

— Não. Só aquela.

— Como sabes quais foram limpas, então?

Sasuke não respondeu; em vez disso, apontou para uma fita amarela que ia de um lado ao outro da porta, com a inscrição ‘LOCAL DE CRIME’. Sakura olhou imediatamente em redor, para todas as casas. À vista, só mais duas ou três é que tinham essa fita — o que significava que não tinham sito tocadas. Sasuke já estava a abrir a porta, calmamente.

— Sasuke-kun. — tocou-lhe no braço, com um mau pressentimento — Fazes ideia do que vais encontrar lá dentro?

O Uchiha abanou a cabeça, mas não parecia preocupado. Quando abriu a porta, a sensação de desconforto de Sakura aumentou. Sabia que não encontrariam corpos lá, evidentemente, mas, se as casas não tinham sido limpas…

— Deixa-me entrar primeiro. — pediu. Sasuke preparou-se para protestar, mas Sakura colocou-se firmemente à sua frente. — Por favor?

Ele não deu permissão, mas também não a impediu; assim, Sakura foi a primeira a entrar.

As janelas estavam firmemente fechadas, bloqueando qualquer tipo de luz que pudesse entrar. No corredor, apenas os primeiros metros eram visíveis, com a luz da porta aberta, e assim que deu os primeiros passos levantou-se uma nuvem de pó.

Cuidadosamente, avançou. Os olhos foram aos poucos adaptando-se à escuridão, e conseguiu distinguir a localização das portas. Logo à direita havia uma, e Sakura abriu-a cuidadosamente. Ao entrar na divisão, uma sensação realmente má atingiu-a no estômago. Fez sinal a Sasuke de que não entrasse ainda, e procurou a janela, que abriu para deixar entrar luz.

E foi então, ao virar-se, que viu.

Toda a divisão — um quarto — estava o caos; roupa espalhada por todo o lado, livros no chão, a capa desfeita e a mobília tombada. Certamente trabalho da ANBU quando vieram procurar provas após recolherem os corpos. Mas não foi isso que chamou a atenção de Sakura.

Foram as manchas.

Manchas castanhas nos lençóis e na parede, sangue seco com quase vinte anos.

Saiu a correr aos tropeções, passando por Sasuke e saltando para a rua. Lá fora, respirou profundamente o ar limpo e livre de pó, e permitiu-se acalmar. Sasuke não podia ver aquilo. De forma absolutamente nenhuma.

— Sasuke-kun — chamou, virando-se para ele. O colega parecia genuinamente surpreendido com o que acabara de acontecer, e fazia tensão de entrar para perceber o que fora que ela vira. — Não! Não entres!

Mas isso, claro, só o levou a fazer exactamente o contrário, e ele entrou. Sakura tentou impedi-lo, mas já era tarde demais quando o alcançou. Sasuke parou na porta do quarto e congelou. Sakura ia tocar-lhe, dizer-lhe para ir embora, mas não precisou.

Numa vaga de adrenalina, o Uchiha correu de volta para a rua, arfando, e vomitou no alpendre. Sakura apenas teve tempo de ir segurar-lhe o cabelo e esfregar-lhe as costas em consolo. O jovem murmurou algumas coisas que Sakura não compreendeu realmente, mas ele não parecia esperar resposta. Apenas deixou-a cuidar dele naquele momento, chorando e esvaziando o estômago. Nem parecia Sasuke, na verdade. E isso mostrava o quão frágil ele era na verdade — frágil ao ponto de ficar assim tão afectado sem conseguir esconde-lo. Afinal de contas, ele acabara de ver uma das provas do massacre da sua família.

Sasuke podia ser cruel e um assassino qualificado, mas nenhum homem é de ferro ao ver o sangue da própria família.

Ficaram assim durante bastante tempo. Só eles estavam naquele lado da vila, e só eles sentiam a solidão daquele distrito. Só Sakura testemunhou o sofrimento de Sasuke naquele momento.

Quando finalmente conseguiu recuperar, Sasuke mostrou que queria voltar a entrar na casa. Sakura deu-lhe uma garrafa de água e, passando-lhe a mão pelo rosto com ternura, disse:

— Fica aqui. Vou limpar todas as provas e esconder o que não der para limpar. Depois entras.

Julgou que ele iria protestar, mas não o fez. Apenas acenou e deu um gole na água, claramente perturbado. Antes de entrar novamente na casa, Sakura deu-lhe mais uma coisa: uma bola de pelúcia, que lhe colocou na palma da mão.

— Aperta-a ou atira-a ao chão. É mesmo para descarregar a raiva e tudo o que sentes.

Sasuke ficou a olhar para o objecto quando ela se fora embora. Não explicou que era algo que ela usava para evitar ataques de pânico quando estava mais tensa, e que fora o seu psiquiatra que lho recomendara.



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