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História Blue Ocean Floor - Tempestade


Escrita por: megalitica

Capítulo 1 - Tempestade


 

Por baixo do casaco de lona escura, Jackson suava. Suava frio. E seus batimentos cardíacos martelavam sua caixa torácica com desespero, apertando suas costelas e o obrigando a arfar. Encarou o horizonte e pensou quanto tempo mais teria que esperar. O Sol já tinha se posto e só tinha sobrado o céu cinzento acima de sua cabeça, cobrindo toda sua esperança de um sorriso.

Sentou-se na beirada da ponte de madeira do cais, cansado demais para aguentar as próprias pernas esticadas. Ele não queria correr para chegar até ali, mas era um instinto que não conseguia desvencilhar de seus costumes. Correr era como uma atividade para aliviar aquela sensação desagradável que se alimentava em seu peito, mas ela nunca passava não importava o que fizesse. Mesmo que passasse horas fazendo exercícios todas as manhãs e noites, repetidamente, incessantemente, aquele sentimento não ia embora do seu coração.

Sentiu uma pontada no flanco esquerdo e apertou a região com a mão direita, ignorando completamente a dor para focar-se em seu objetivo ali. Continuou a vasculhar o oceano azul-escuro e profundo à sua frente, procurando vestígios de alguma coisa que não sabia ao certo que era. Só procurava. Procurava a fim de aliviar aquele sofrimento que consumia seus dias nem que fosse por algumas horas. E por incrível que pareça, era só quando estava ali que Jackson sentia que sua dor era um pouco menos dolorosa do que realmente era.

Há quanto tempo vinha repetindo aquele ritual? Não lembrava mais. Parecia cerca de anos, décadas, como se houvesse nascido com aquele propósito e só precisava cumpri-lo como um dogma. Difícil era ver Jackson questionando e lamentando a rotina. Estava tão absorto em saciar esse seu anseio de voltar para o oceano que o pensamento de desistir não conseguia espaço em sua mente tão corrompida. Corrompida pela saudade, pela dor, pelo sofrimento. Corrompida pelas imagens que vinham à tona e mostravam aquele sorriso, aqueles olhos, aquelas mãos em torno de seu rosto.

Automaticamente fechou os olhos ao perceber a brisa roçar sua pele como se ela estivesse acompanhando o ritmo das suas lembranças. Inspirou com dificuldade aquele cheiro salobro e não evitou recordar que era esse mesmo cheiro que se impregnava no casaco dele. Aquele perfume de água e sal. De algas. De peixes. Ele deve estar completamente dissolvido com esse cheiro agora, não deve?

Jackson afastou esse pensamento. Ele não queria pensar que tinha perdido pra sempre o amor da sua vida. Recusava-se a acreditar que ele nunca mais voltaria. Ele sempre voltava, não voltava? Era o que prometia antes de pôr os pés para fora de casa. Mas dessa vez ele fora embora com tanta raiva que era difícil dizer que quisesse retornar para os braços de Jackson.

As nuvens no alto começaram a ficar mais escuras e aglomeradas. Sua densidade faz parecer que estão mais próximas do alcance das mãos. O oceano fica cada vez mais negro com a sombra que elas produzem, se remexe em ondas impacientes, se turva como um mau presságio. Jackson se debruça e deseja poder ver seu reflexo na água, mas nada encontra a não ser a escuridão indistinta, engolindo-o.

Um trovão soa e a ventania sopra seus cabelos loiros e seu pescoço descoberto, fazendo-o se arrepiar por inteiro. Imediatamente se lembra de como seu amor costumava fazer cócegas em sua pele sensível ao acariciar a região com os lábios. Percorria desde o maxilar até os ombros, afastando as mangas de sua camiseta e fazendo-o suspirar como agora fazia ao tentar recriar a sensação. Mas os lábios dele eram quentes e macios, insuportavelmente sedutores, enquanto o vento é frio e áspero, bate em sua pele e varre sua felicidade.

Quando Jackson percebe, algo brota de seus olhos e demora a entender que está chorando novamente. Para afastar aquela vontade de mergulhar em prantos, pega a pequena garrafa vazia dentro de seu casaco e olha para o rolo de papel dentro dela. Gira o vidro e confere se a rolha está bem firme. Dedilha a superfície vítrea e lança outro olhar ao oceano. Pergunta-se quanto tempo mais terá de esperar. É sempre esse o questionamento que faz ao grande e poderoso mar antes de cumprir o que viera fazer, mas ele só vai e vem e não traz resposta nenhuma.

Jackson buscou com os olhos entristecidos a garrafa que seu amor teria lançado à água, como ele sempre fazia ao passar longos dias em alto mar. Era o costume incorrigível dele o de colocar uma mensagem numa garrafa e jogá-la na direção da praia, sabendo que num determinado instante chegaria. E ela sempre chegava. E o seu correspondente sempre estava lá para recebê-la. Sinto sua falta Jackson, era o que ele sempre escrevia ao final de suas mensagens que normalmente eram curtas pela falta de espaço no papel.

O destinatário sempre sorria ao ler o rabisco daquela caligrafia, o coração pulando no peito com tanto amor. Seu dia ficava ganho com aquela mensagem. Passava o restante da semana com uma saudade que não cabia em seu peito, mas que era suportável por causa daquelas palavras.

Todavia, durante essa viagem que seu namorado começou há mais de um mês sequer uma garrafinha chegou à praia. Normalmente chegava com uma semana após sua partida e Jackson esperou pacientemente os sete dias, mas nenhuma veio. Depois de trinta dias sem notícias, ele ficou muito preocupado. Será que tinha acontecido alguma coisa? Não. A guarda costeira teria o avisado de qualquer tragédia. Então por que a garrafa não aparecia? Por que seu namorado não lhe enviava mais mensagens?

Então Jackson relembra de quando seu namorado sai enfurecido de sua casa após uma discussão.

Jaebum queria romper o relacionamento dos dois por causa das viagens que fazia constantemente devido a sua profissão de oceanógrafo. Ele não queria que Jackson sofresse tanto por causa dos longos dias que precisava passar solitariamente enquanto Jaebum estivesse em alto mar. Ele tinha a impressão de que estava amarrando Jackson a um relacionamento sem sentido, como se estivesse o impedindo de conhecer outras pessoas que poderiam dedicar todo o tempo do mundo a ele.

 Jackson, enraivecido, não podia acreditar naquilo que saía da boca de Jaebum. Como seu namorado podia pensar em algo assim?

— Alguém disse alguma coisa pra você disso, não foi? Alguém ficou fazendo a sua cabeça... ­— Jackson lembra-se de ter dito furioso.

— Jackson... não é isso — Jaebum tentou acalmá-lo. — Eu só quero que você não se prenda a mim. Você merece alguém que fique sempre ao seu lado e eu não sou essa pessoa.

— Eu não mereço ninguém além de você — reclamou. — Por que você não entende que terminar o namoro não é o melhor pra nós?

— Eu não sei se esse é o melhor para você.

Jackson então exteriorizou um pensamento que há muito tempo o machucava por dentro, mas que não dizia por achá-lo egoísta e mentiroso. E desde então suas palavras daquele dia se tornaram o seu tormento:

— Às vezes eu penso que você quer terminar comigo porque se importa mais com a droga desse oceano do que comigo.

— A droga desse oceano? — Jaebum mudou a postura e fitou o namorado sombriamente. — Escuta bem o que você diz e pensa bem se é realmente o que você acha. Eu vou para aquela droga de oceano — apontou para a janela de onde dava para avistar a costa litorânea. — Pensando em você. Eu achei que você entendesse que eu não deixo de pensar em você um segundo sequer quando mando aquelas mensagens pra você. Mas elas não devem significar nada — rosnou as últimas palavras. — Eu fico com o coração na mão só de imaginar que você possa desistir de mim e ir procurar outras pessoas, mas mesmo assim eu continuei acreditando em você porque eu te amo... só que isso não te parece suficiente.

Começou a chover. Tanto na lembrança como no cais onde Jackson estava.

Ele tentou ir atrás de Jaebum para pedir desculpas, mas seu namorado foi embora tão depressa e tão magoado que foi impossível conversar com ele naquela noite. Tentou no dia seguinte, mas o oceanógrafo já havia partido para mais uma de suas expedições no oceano e não comunicou a ninguém sobre sua data de retorno.

E desde aquele dia Jackson começou a frequentar o cais com uma devoção inexorável.

Os dias passavam e o remorso que sentia só sabia crescer. Pensou em tudo o que poderia dizer quando Jaebum voltasse, mas este não voltava não importa o que fizesse. E, principalmente, não enviava nenhuma mensagem. Nenhum sinal. Nada. E isso começava a deixar o loiro abalado e depressivo, pois sabia que a culpa era toda sua. Não devia ter dito aquelas coisas e poderia ter entendido o lado preocupado do namorado. Podia tê-lo ajudado a procurar uma solução e, principalmente, demonstrar que o amava tanto a ponto de superar todos aqueles dias em que ficavam separados.

Para piorar, Jaebum não deixou qualquer meio para que pudessem se falar. No lugar, fez uma crueldade: deixou entre eles o oceano, uma impiedosa barricada entre os dois, impossibilitando que Jackson chegasse até ele. E vai ver esse devia ser o seu desejo, mas pensar que Jaebum o estava evitando para sempre machucava o pobre coração de Jackson que não suportava encarar a vastidão oceânica e não conseguir atravessá-la.

Movido por sua saudade indelével, Jackson começou a lançar garrafas ao mar com mensagens para Jaebum, na esperança de que alguma delas chegasse até ele e pudesse dizer o quanto sentia a falta dele. Dizer o quanto o amava e o quanto queria que ele voltasse. Fez isso desde o décimo sexto dia após a partida do namorado. Cada dia era uma garrafa com uma mensagem diferente, mas todas elas continham o trecho “Volte logo, sinto sua falta” ao final.

Aquele era o trigésimo primeiro dia longe de Jaebum, décima quinta garrafa, e nada do oceanógrafo dar sinal de vida.

Os pingos de chuva caíam sobre a garrafa nas mãos de Jackson. Ao ter os cabelos completamente molhados e grudados em sua testa, ele achou que seria melhor voltar para casa. Estava tão exausto e seu corpo não passava de um amontoado de músculos entorpecidos. Amanhã de manhã estaria de volta à praia para sua corrida matinal pela extensão da costa mais uma vez. E então saberia se a sua mensagem foi respondida.

Levantou-se e com um impulso jogou a garrafa ao mar numa direção aleatória. Observou o minúsculo ponto no meio do oceano agitado e enfiou as mãos nos bolsos do casaco. A chuva engrossava. Estava na hora de voltar.

 

 

 

Pela manhã, antes mesmo do Sol acordar e bocejar seus primeiros raios solares, Jackson inicia o suplício a qual se submeteu por vontade própria. Com os cadarços de seus tênis de corrida bem amarrados, passa a correr desde o extremo da costa até o outro, sempre atento a qualquer coisa diferente que possa significar a resposta pela qual tanto espera.

Procura por sinais, procura pelas garrafas e às vezes não faz ideia do que procura. Intimamente ele anseia ardentemente ser surpreendido pelo contorno de uma silhueta interrompendo a regularidade ocre da areia. Deseja reconhecer os mesmos traços daquele corpo que ama tanto, poder envolvê-lo dentro de seus braços e pedir tantas vezes para que fique e nunca mais vá embora. Mas não há sombra, não há manchas. Não há sinais, não há garrafas. Não existem silhuetas, não existe qualquer vida. A praia está deserta, desolada e abandonada. Não há qualquer irregularidade que deturpe aquele cenário monótono e vazio.

Antes de chegar ao outro extremo, Jackson cai de joelhos e cede ao choro, pois já não aguenta mais a solidão que punge seu peito com navalhas feitas de gelo.

Até quando precisaria viver na imprecisão do destino? Na esperança e na desilusão? Quanto mais precisaria esperar? Quanto mais aguentaria esperar?



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