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História Boss - Caroline


Escrita por: AllyMannEvans

Notas do Autor


Eu seeei, vocês querem me matar, me ressuscitar e me matar de novo. Mas eu realmente sofri para escrever o capítulo. Bloqueio criativo tava foda, além de alguns problemas pessoas pelos quais ainda estou passando. Arranjei um tempinho para escrever hoje, mas já vou avisando que durante a semana muito provavelmente não vou conseguir escrever nada porque tenho prova literalmente todos os dias. Mas né, se der eu tento.

* Quero agradecer a toooooooodos que comentaram no cap passado, além de agradecer pela preocupação de todo mundo que me mandou mensagem perguntando se eu tava bem e tals. Significou muito, MAS MUITO, pra mim.

* Espero que gostem do capítulo, ele foi bem difícil de escrever. Não tô tendo muito tempo e ainda preciso responder o pessoal. Beijo, amo vocês! <3

Capítulo 21 - Caroline


    Depois de uma semana saindo com Astória, comecei a ter sonhos perturbadores com Hermione. Neles, era comum vê-la presa em algum lugar. Sempre chorando, sempre com roupas escuras. Ela sussurrava alguma coisa em desespero, mas sua voz sempre se confundia com a risada de Astória, que aparecia do nada e ocultava minha chefe de minha visão, pegando-me pela mão e me puxando para um lugar onde não pertenço.

    Luna me ouvia durante o sono e acabava por me acordar. Comecei a notar que nesse curto espaço de tempo, ela começou a ficar mais cansada que o normal, porque sua preocupação havia dobrado em relação aos meus problemas: bebida e Hermione.

    Então, dez dias depois de Hermione dar sua resposta final, resolvi me mudar para a casa que estava sondando faz algum tempinho. Luna não pareceu muito contente com a ideia, mas não fez nada para ir contra. Acho que no fundo, ela sabia que eu precisava do meu próprio espaço.

    A casa não era tão grande como a de Paris. Na verdade, era minúscula se comparada à ela. Tinha uma decoração neutra, como a anterior, mas um único andar. Já era mobiliado, de forma que só me restou ajeitar minhas coisas pessoais e roupas. Era trouxa, então diversos aparelhos faziam parte do local, mas não os dei muita atenção.

    A sala e a cozinha eram separadas por um único balcão, e o resto era separado por uma porta branca, de correr, que dava acesso à um corredor com quatro portas: um banheiro, um quarto principal e dois quarto extra. A sala tinha uma porta de vidro, que dava acesso à sacada, minúscula, porém confortável.

    Não demorei muito para me acomodar, devo admitir que me sentia em casa. Mas os sonhos com Hermione continuavam, cada vez piorando. Em alguns, ela estava presa, em outros, eu confundia o nome de Astória e de Hermione na hora H.

    Perturbado, pensei muito sobre o assunto. Decidi que era a melhor opção me afastar.

    Acontece que achei que seria fácil trabalhar com ela ao meu lado agora que estava embarcando em uma jornada diferente com Astória, pensei que seria simples. Mas vê-la todos os dias tirava qualquer ânimo que eu tinha para sair com a Greengrass e isso, somado aos pesadelos, era inadmissível. Afinal, eu estava praticamente enganando a menina.

    Não hesitei ir ao St. Mungus no dia seguinte, e qual não foi minha surpresa quando eles me aceitaram de cara. O medi-bruxo anterior havia sido demitido por abuso de poder naquele mesmo dia, e se isso não se chama destino, não sei o que se chama. Eles me deram a vaga, apesar de eu ser um Malfoy.

    Devo admitir que todo o tempo que passei com Hermione, ela conseguiu limpar grande parte da bagunça que meu passado fez. Sim, porque devo tudo isso ao seu esforço. Ao seu esforço e ao esforço de Luna.

    Acordei mais cedo no dia da minha demissão. Sabia que o ministro chegava antes de todos, por isso marquei um horário com ele o mais cedo possível. Ele entendeu minha situação plenamente, apesar de ter dito achar uma pena. Eu também sentia muito em ir embora do local em que eu cuidava direito dela, em que eu poderia supervisioná-la e protegê-la. É triste partir.

- Qual é a desculpa da vez? - foi o que ela perguntou ao me ver, e devo dizer que eu quis chorar.

    Meu coração acelerou e meu estômago embrulhou quando ela disse aquilo. Sua entoação, seu sorriso sarcástico, o vestido mais ousado. Era ela que estava ali, pela primeira vez em tanto tempo. Eu quis chorar, porque era a Hermione que eu amava que havia dito aquela simples frase zombeteira.

    Por um segundo, tudo desmoronou. Ela colocou as próprias mãos na boca, se reprimindo pela própria ação, mas mesmo assim se deixando rir pelo menos um pouco da situação. Talvez eu tenha me precipitado, mas eu sabia que esperar por ela era como esperar neve no meio do Saara: decepcionante.

    O sorriso dela ainda permanecia dócil em seus lábios. Eu queria tanto agarrá-la, fazê-la perceber a bobagem que estava me obrigando a fazer. Respirei fundo, olhando para baixo envergonhado pela minha covardia de ir embora. Hermione ainda tinha esperança?

    - Eu… - mas minha voz falhou.

    Cocei a parte de trás da cabeça, arranhei nervosamente o balcão. Ela não tinha mais o sorriso no rosto.

    - O que houve?

    - Eu estou me demitindo, Hermione. - soltei de uma vez, pois achei que não seria capaz de falar de forma calma sem desistir - Eu não consigo trabalhar em um lugar onde sei que minha presença não é bem-vinda da forma que desejo.

    Depois de tais palavras, tudo desmoronou. A discussão ficou mais acalorada do que eu queria, eu perdi a cabeça tanto quanto ela perdeu a dela. Resolvemos nos quebrar novamente com palavras, quando já estávamos em pedaços suficientes somente com nossas ações. Eu resolvi magoá-la durante meu discurso insensato, nunca pensei que ela perderia o controle por me ver indo embora. Pensei que ficaria aliviada, sendo honesto.

    Meu mundo acabou quando sua última sentença foi dita.

    - Você fala como se eu fosse um monstro! Eu… Eu… Eu te odeio. Você não me entende, e por isso eu te odeio. Você acha que é algo fácil para mim, e por isso eu te odeio. Vá embora. Fique com Astória. Porque eu… Eu não sinto nada.

    Não percebi realmente quando ela saiu da minha frente. Suas palavras ecoaram como a pior música do mundo em minha mente, como toxinas que envenenaram e entorpeceram meus sentidos de modo que eu não visse nada além do quão cheia de rachaduras está minha relação com Hermione. Mais do que na época de Hogwarts.

    O foda é que eu a amo tanto, que ouvir suas palavras foi como facadas que faziam difícil de respirar em meio a dor. O que me trouxe de volta é o barulho de seus soluços compulsivos, que deixaram meu coração ainda mais apertado.

    Agora, enquanto encaro a taça intocada de vinho em minha mão, penso no desfecho da minha relação com Hermione. Tento lembrar, escorado contra o sofá da sala e sentado em cima do tapete, o motivo das palavras finais terem sido “Você se gabava por ser Gryffindor, Granger. Então deixe de ser covarde.”. Isso está tão errado. Eu que me demiti, apesar de ela ter se afastado. Ela não fugiu de mim, ela continuou sendo forte.

    Por que eu disse aquilo? Pensando agora, eu nem me lembro de como proferi tais palavras, quando na realidade eu estava em choque. Como aquilo saiu com tanta facilidade, como aquelas palavras saíram da boca dela com tanta facilidade? Como nos machucamos assim? Por que nos machucamos assim?

    Por impulso, jogo a taça de vinho contra a parede. Estou chorando. Os vizinhos vão reclamar, mas eu não me importo. Eu sou um maldito alcoólico em tratamento que não consegue nem mesmo o amor de Hermione de volta. Que patético, Malfoy.

    Rio comigo mesmo, entre lágrimas. Não estou bêbado, mas a abstinência volta com ainda mais força. Levanto, trêmulo e ansioso. Estou com abstinência da bebida ou abstinência de Hermione Granger? É ridículo pensar que estou me abstendo de algo que nunca tive. Eis a verdade que atinge os que acreditam com um tapa na cara: ela nunca foi minha.

    Pego as chaves da porta, preciso de ar fresco. O céu está estrelado, mas não há ninguém para reparar. Certos romances dizem que o simples fato de estar sob o mesmo céu que a pessoa faz a distância parecer mais curta e o coração parecer mais leve. Talvez seja um ponto de vista pessimista, mas tentar pensar nisso me deixa frustrado. Pensar que estar sob o mesmo céu que outra pessoa é bom somente quando você não esteve sob o teto do mesmo quarto que ela, sobre a mesma cama. Pensar que estar sob o mesmo céu é suficiente somente para os que nunca provaram do que é estar perto.

    Eu a tive em meus braços por uma noite, mas eu nunca a tive para mim. É engraçado pensar que uma simples ação pode desencadear uma reação tão dolorosa. Eis que Hermione se tornou o exemplo perfeito da Terceira lei de Newton em minha vida.

Respiro fundo, e até mesmo o vento cheira ao perfume de seus cabelos. Estou entorpecido. Hermione é minha sanidade em forma de furacão: quando vai embora, deixa tudo destruído para que eu esqueça qualquer vestígio de quem sou.

    Não volto para casa naquela noite, porque o cheiro do vinho ainda lembra das coisas que me viciam. O vento que sopra durante toda a madrugada me ajuda a lembrar do furacão que me destruiu no dia passado.

    É como o que restou daquele furacão. Uma brisa de sanidade para me ajudar a recomeçar.

    

    ****

 

    Depois de cinco dias de minha demissão, começo no meu trabalho novo. As paredes do St. Mungus são no geral muito brancas, cheias de cartazes de mulheres loiras desejando silêncio com um olhar parceiro demais para como realmente seria na vida real. No geral, é bem semelhante ao hospital francês, porém muito maior.

    A recepcionista do local é uma garota chamada Srta. Murray, que não fala seu primeiro nome de jeito algum. Tem cabelos castanhos em estilo chanel, lisos. Olhos grandes e redondos e uma boca não muito proporcional ao tamanho de seu rosto, mas não é uma garota feia. Eu com certeza repararia em suas curvas não fosse a infindável antipatia de sua voz ao pedirem informações. Apesar dos pesares, parece uma garota legal, só odeia o próprio trabalho.

    Minha chefe é a Srta. Lisa Rough, uma mulher gordinha de cabelo loiro sempre trançado. Ela me lembra com bastante facilidade a Professora Minerva, com os lábios sempre com uma curva de desaprovação, sendo severa com todos. Apesar disso, pareceu gostar de mim não fosse o “estou de olho em você sempre, Malfoy”.

    Acaba por ser uma certa surpresa para mim ao saber que teria minha própria sala dentro do hospital e que ela é de certa forma tão grande quanto a de Hermione. Da forma combinada no dia de minha “entrevista de emprego” para o hospital, eu deveria ser uma espécie de faz tudo no local: não imaginei que teria minha própria sala quando não pararia muito tempo no mesmo lugar.

    A sala é branca demais, sem graça demais. A melhor notícia do dia foi saber que poderei decorá-la do meu jeito, pois passar meus dias (longos, com certeza) em um lugar sem vida não era bem o que eu esperava. Apesar disso, fico feliz em saber que entra muita luz da janela: é uma forma de iluminar um lugar que de certa forma, é tomado pelo desespero.

    Minha mesa é grande, coberta por vidro, bem diferente da que eu usava anteriormente. Em cima dela não há nada além de alguns papéis que a Srta. Rough quer que eu olhe sobre a ficha médica de alguns pacientes internados no momento. Olhar a pilha dá certa preguiça, mas instiga uma força que eu não sentia há tempos a aparecer e tomar forma: vontade.

    As paredes brancas só têm uma única cor diferente, que é a da estante preta totalmente sem livros do lado da minha mesa. Sorrio de leve ao olhar: já consigo visualizar alguma cor advinda das lombadas dos livros que vou ler. Aquele lugar sem vida e sem cor é a minha chance de começar de novo e de novo e de novo.

    Suspiro olhando a porta de madeira pintada em branco que dá acesso ao pequeno banheiro no fundo de minha sala: parece que é hora de esquecer Hermione Granger, ou pelo menos manter somente as memórias boas que tenho dela.

    Ouço uma batida de leve na porta ao passo que a mesma se abria e as tranças loiras de minha chefe aparecem junto com suas feições não muito amigáveis. Ela olha em volta, para com sua postura rígida e seus lábios contraídos e me olha de forma severa antes de falar com sua voz desconfiada:

    - Tem uma pessoa querendo falar com você. - olha para mim com seus orbes azul turquesa - Vou deixar passar porque é alguém que todos consideramos muito no mundo bruxo, mas espero que não tenha tantas visitas, Sr. Malfoy.

    - De forma alguma. - respondo.

    Chego a pensar que a pessoa pode até ser Hermione, mas deleto o pensamento da cabeça quase que imediatamente: segundo sua agenda (que eu controlava), ela tem uma reunião importante com a Macusa hoje pela manhã inteira. Olho a porta com certa curiosidade enquanto espero que a pessoa entre, e admito que me surpreendo muito quando vejo Gina em minha frente. Dou um sorriso debochado para sua barriga já saliente.

    - Me desculpe, Weasley, mas eu não sou obstetra. - digo zombeteiro quando ela abre um sorriso falsamente triste.

    - Ah, pensei que poderia avaliar como anda minha gestação. Até dispensei minha obstetra atual.

    Dou uma risada antes de abraçá-la com certo carinho: Gina tem sido a pessoa mais equilibrada e ao mesmo tempo desequilibrada a minha volta, e isso não deixa de ser algo engraçado. Astória sempre parece estar pisando em ovos para não falar alguma coisa que não me agrada, enquanto Luna está sempre cansada e aérea (coisa que ela não me conta o motivo). Ter Gina está me mantendo são, de certa forma, pois suas loucuras como gestante me ajudam a esquecer um pouco da tempestade que está minha vida.

    Gina Weasley é a gestante mais maluca que já vi, enquanto Harry Potter é o marido mais paciente da face da terra. Pobre Santo Potter, devo admitir: ela é o tipo de mulher que acorda no meio da noite para pedir batata inglesa misturada com melancia, e ele corre atrás de tudo isso para chegar em casa e encontrá-la dormindo novamente.

    No fundo, eu acho que ela faz de propósito. E eu, como a pessoa que observa tudo isso, acho graça quando ele me conta que não consegue nem se concentrar no próprio trabalho por estar cansado da noite anterior.

    - E aí? Como andam as coisas? - pergunto com um sorrisinho, oferecendo a cadeira de paciente para ela enquanto sento na minha poltrona de couro preto.

    - Sei lá, acho que o Harry está meio irritado.

    - Não me diga! - respondo em ironia - Você o acordou para pedir cinco tipos de sorvete que não existem em Londres e ainda acha que ele vai amanhecer radiante?

    - Eu sou uma gestante em necessidade. Imagina se meu bebê nascer com cara de sorvete? - ela responde com os olhos brilhantes, passando a mão carinhosamente na barriga. Reviro os olhos. - Tua sala é incrível, Draco. Achei que você teria um cubículo.

    - E eu achei que não teria absolutamente nada. - faço piada - Mas sim, gostei dela também. A que devo a honra da tua visita?

    - Eu trouxe um presente para você pendurar na parede, porque imaginei que essa decoração seria muito sem graça. Você precisa de uma decoradora imediatamente, Malfoy. - ela levanta, olhando em volta com desgosto - Até consigo imaginar, uma planta ali naquele canto. Uns quadros na parede, acessórios de escritório na mesa, em tons escuros porque exala mais a sua misteriosidade. Vários livros naquela estante e…

    - Gina. - interrompo com uma risada - Você não está trabalhando, não é?

    - Não, Harry acha que gravidez é doença. Se ele soubesse que estou aqui, simplesmente me mataria.

    - Que tal se você fosse minha decoradora? Te ocuparia um pouco, não? E você pararia de incomodar o pobre do Potter.

    Seus olhos brilham quando digo tais palavras.

    - Isso é uma ideia perfeita! - exclama - Eu não tenho nada pra fazer de qualquer maneira, então…

    A porta se abre e a Srta. Rough está lá novamente. Ela nos encara com certa impaciência e Gina me olha com feições engraçadas, enquanto tira da própria bolsa um quadro em preto e branco com uma imagem de paisagem qualquer, com intuito único de decorar o local. Acena de leve com a cabeça e dá meia volta para sair da sala, sendo fuzilada por minha chefe. Dou uma risada de leve analisando melhor o quadro.

    Todo em preto e branco, a única coisa que realmente tem cor é um carro amarelo, que se destaca em meio ao mar incolor. Analiso, pensando que talvez ela não tenha notado que carros não são muito meu estilo, mas acho que o intuito foi diferente: Gina sabe muito bem o caos que estou. A imagem quase totalmente sem cor é para mostrar que ainda há esperança. Sorrio de leve: deveríamos ter sido amigos antes.

***

    A manhã passou rapidamente. Recebi cerca de vinte pacientes e não pude ter tipos mais diferentes de recepção. Alguns me olharam desconfiados, outros nem mesmo quiseram que eu os atendesse (nesses, a Srta. Rough deu uma grande lição de moral), mas devo admitir que a maioria deles foi bem intencionado. Sorriram gentilmente e até elogiaram o meu trabalho posteriormente.

    Agora, durante a parte da tarde, preciso checar os pacientes internados para ver se estão bem. Encaro as fichas médicas de cada um, enquanto me levanto, tomo o último gole do meu café e visto o jaleco novamente e a prancheta.

    São sete pacientes ao todo que estão sob minha supervisão. Três deles só precisam de minha autorização para dar alta, enquanto outros precisam de uma avaliação mais séria. O estado mais grave, pelos formulários, é o de uma mulher de trinta e cinco anos que foi atacada por um bruxo na rua: rapto, estupro, tortura, seguido de uma tentativa de homicídio. Me lembro do caso, pois apareceu por alguns dias seguidos no Profeta Diário. Luna (que está trabalhando comigo no St. Mungus) fora uma das medi-bruxas que a atenderam em sua chegada, e ela admitiu, chorando em casa, que fora a cirurgia mais sofrida e difícil de sua carreira.

    Acredito que isso tenha afetado muito o emocional de minha melhor amiga.

    Fico cerca de uma hora conversando sobre o caso da garota com Jane Houston, minha enfermeira ajudante, e Lucy Aiden, que é a psicóloga oficial do caso. A mulher acordou faz três dias, mas não consegue pronunciar palavra alguma além de chorar. É simplesmente um milagre que não esteja em estado de demência como os Longbottom.

    Depois de atender praticamente todos, pelas quatro da tarde, entro na última sala. Caroline Andrews. Treze anos. Acidente no quadribol enquanto jogava contra (adivinhem!) Slytherin. Nada muito grave, poderia ter sido tratada na enfermaria, não fosse o fato de Caroline ser hemofílica. Ela perdeu muito sangue no acidente, precisou de uma transfusão imediata quando chegou no St. Mungus e agora está se recuperando aos poucos.

    Quando entro na sala da menina, junto a tantos outros pacientes, encontro Luna atendendo um homem no canto da sala. Ela sorri para mim acenando de leve com a mão, virando o rosto novamente e continuando a conversar calmamente com o homem (que parece ter sido esmagado por um tanque de guerra). Sinto calma ao vê-la: talvez a convide para jantar hoje se ela não tiver nada com Blaise.

    Me encaminho encarando a prancheta para a cama número sete, analisando com calma os dados da garota. Quando chego perto da borda da cama, anoto no papel antes de olhar para a garota, que precio convidar minha amiga para jantar. Sei que vou esquecer se não o fizer.

    - O que vocês anotam tanto nessas coisinhas? - uma voz feminina pergunta, e sinto um frio na espinha.

    A voz da menina é simplesmente idêntica ao tom que Hermione usava aos onze anos de idade em Hogwarts. Coloco a prancheta para baixo, encarando a garota de olhos verdes enormes e curiosos. Exceto pelos olhos, ela é a versão mais nova da garota que tira meu sono. Cabelos castanho claro, volumosos e cacheados. Pele alva, dentes grandes e um livro na mão. Engulo em seco, sorrindo de canto.

    - Bem. Anotamos como você está, sua evolução. Sabe? Você entra aqui de um jeito, e anotamos como…

    - Eu sei o significado de evolução. - ela me corta revirando os olhos - Não sou burra. Só quero saber o que exatamente vocês anotam. Algo como “o sangue dela está na cor normal” ou “a pele dela está na cor normal”?

    Dou uma risada de leve, sentindo meus olhos lacrimejarem um pouco. Pego uma cadeira e me sento ao lado de sua cama, a encarando com certo prazer: já vejo que será divertido.

    - Depende do paciente. Se você tem anemia, é muito importante analisar o seu sangue. Você é hemofílica, acabou de receber uma transfusão, precisamos saber se seu corpo está respondendo bem. E é isso que anotamos. - digo para ela, virando a prancheta e batucando nela com a caneta, para mostrá-la a ficha e as anotações do medi-bruxo anterior.

    - “Convidar Luna para jantar…” - ela lê com tom zombeteiro ao passo que eu puxo a prancheta de volta, me sentindo corar - Você anota a minha evolução ou a sua?

    - Não que você mereça alguma explicação, mas Luna é a medi-bruxa ali do canto. E somos só amigos.

    Ela dá uma risada contida, que me lembra infinitamente Hermione. O tom zombeteiro, as respostas na ponta da língua. Não consigo evitar sorrir de leve também, enquanto pego a prancheta e a encaro. Ela já está quieta e séria novamente, olhando curiosamente para mim.

    - Eu conheço você. - ela diz.

    - E eu não conheço você. - respondo animado - E então, Srta. Andrews, como tem se sentido ultimamente? - pergunto.

    - Falante. - Luna responde atrás de mim, mexendo em meu cabelo - Carol não sabe fazer nada além de falar e perguntar coisas desde ontem. Até parece alguém que conhecemos, não acha? - minha amiga faz piada e eu a olho de volta com um sorriso, assentindo enquanto trocamos olhares profundos.

    Caroline não gosta. Cruza os braços rabugenta, semicerrando os olhos.

    - Eu preciso saber se estão cuidando direito de mim. Por isso preciso perguntar. O outro medi-bruxo foi demitido por alguma razão, não é? Como vou saber se não estão fazendo a mesma coisa? - dou uma risada enquanto abano para Luna, que se retira do local.

    - Eu estudei anos para cuidar de pessoas como você. Pode ter certeza que vou fazer meu trabalho direitinho.

    - Qual era sua casa em Hogwarts? - ela questiona quase que na mesma hora, desconfiada - Você tem cara de Slytherin. Não confio em Slytherins.

    - Oras, só porque você perdeu um jogo de quadribol para eles já acha que são todos ruins? Gryffindor tem um time fraco agora, por acaso? - alfineto a menina com um sorriso - Na minha época ninguém vencia da Gryffindor no quadribol.

    - Eu não tenho culpa se nosso goleiro é horrível e o nosso apanhador só sabe dormir durante o jogo. Eu faço meu trabalho de artilheira muito bem. - diz convencida de si - É evidenciado em qualquer pesquisa que você fizer que trabalho em equipe é a chave do sucesso, mas a nossa equipe é horrível. Eu não posso ser artilheira, batedora, goleira e apanhadora ao mesmo tempo, sabe?

    - Bem, minha amiga era artilheira e apanhadora substituta da Gryffindor , mas ela se virava muito bem em qualquer lugar. - respondo pensando em Gina, que por pouco não entrou para um time profissional.

    - Pode parando, todos sabemos que a melhor época da Gryffindor foi nos anos de Harry Potter na… Espera, você é Draco Malfoy. Eu sabia que te conhecia.

    - Vai me dizer que você perde teu tempo para ler livros sobre a gente? - pergunto com voz arrastada, revirando os olhos.

    - A família Malfoy é a mais conhecida do mundo bruxo, sem falar que precisamos estudar sobre a Guerra Bruxa. Obviamente vamos estudar sobre Harry e os coadjuvantes da história que não são tão importantes, tipo você.

    Dou uma risada.

    - Coadjuvantes? Eu até posso ser coadjuvante, mas chamar as outras pessoas de coadjuvantes é meio bobo para uma menina que parece inteligente. Mas vou considerar porque Gryffindors sempre são muito cheios de si.

    - Então você vai mesmo dizer que Harry Potter não fez a maior parte do trabalho pesado? - ela arqueia a sobrancelha em desafio - Me diga uma pessoa que fez tanto quanto ele.

    Sorrio de leve.

    - A melhor amiga de Harry Potter. Hermione Granger foi a mulher que conseguiu livrá-lo de confusão durante todos os anos de Hogwarts. O simples fato de Harry Potter estar vivo é por ela. Ela era a mente pensante do grupo, não o Potter ou o Weasley.

    Ela parece pensar, com as bochechas coradas e o olhar rabugento por não querer admitir estar errada. Pega o próprio livro e dá de ombros, como se realmente não se importasse com o que eu disse. Mas eu sei que ficou na mente.

    - Pode anotar nessa sua folha que eu estou me sentindo muito bem, obrigada. Não me sinto enjoada, e na verdade quero voltar para Hogwarts, tenho uma pilha de temas para fazer, sem falar daquela prova estúpida de adivinhação na sexta-feira. Eu só quero ir embora, estou perdendo conteúdo demais.

    Dou uma risada, assentindo de leve e me levantando, encarando seus olhos verdes, a única coisa que separa a menina de Hermione.

    - Você parece com ela, na verdade.

    - Inteligente? - pergunta com expectativa, e eu sorrio zombeteiro.

    - Não, Andrews. Irritante.

    ***

    De noite, janto com Astória. Luna ficaria no hospital no turno da noite, então convidei a Greengrass. A memória de Caroline Andrews ainda está viva na minha cabeça quando abro a porta do apartamento para que a mulher entre, com seus cabelos negros em uma trança caindo no ombro. Ela me dá um breve beijo na bochecha, com um sorriso sem graça, e entra em minha casa.

    - Você tem bom gosto. - ela diz amigavelmente, virando-se nervosa para mim, mexendo inquieta em suas próprias mãos.

    Sei bem o que ela está pensando, e me sinto meio mal por isso. Quando a convidei para jantar, fiquei com vontade de comer algo mais caseiro, sem precisar sair de casa todo ajeitado para comer com muita gente nos olhando. Por isso sugeri fazer uma janta discreta aqui em casa mesmo. Só fui notar o quão estranho pareceu o convite quando botei os pratos na mesa e vi que estaríamos sozinhos.

    Um jantar a dois, sozinhos em casa, quando sabemos que estamos querendo algo a mais: ela muito provavelmente pensa que vamos partir para outra coisa hoje. E não era bem essa a ideia que eu queria passar.

    - É. Meio pequeno, mas do jeito que eu gosto. - sorrio para ela, conduzindo a mulher para o sofá da sala.

    - A mancha já veio na parede? - ela pergunta curiosa, vendo a enorme mancha de vinho no local.

    Acontece que não notei quando joguei o líquido que na verdade era papel de parede e não tijolos e tinta. Fiquei quase meio ano esfregando aquela maldita mancha, mas ela simplesmente não sai. Então desisti, resolvi conviver com o fato de que perdi o controle por causa de uma mulher.

    A vida tem dessas, não?

    - Longa história. - faço piada, sentando-me ao lado dela, que parece levemente desconfortável - Sinta-se em casa, Ast. - tento fazer o clima ficar mais ameno - Não precisa se sentar toda dura no sofá.

    Essa provavelmente é uma das poucas ocasiões em que não a vejo com roupas luxuosas, e sim com algo mais simples. Usa uma blusa de manga curta branca com um casaco de tricô por cima, junto com uma calça jeans e uma sapatilha. Fico feliz em saber que ela não se produziu toda para hoje de noite: talvez nem mesmo tenha pensado em segundas intenções.

    Ela ri da minha fala, enquanto se ajeita de forma mais confortável e pega uma das almofadas do sofá para (muito provavelmente) descontar o próprio nervosismo sem parecer estranha. Sorrio de leve, me levantando para pegar algo para tomarmos.

    - E então? - ela pergunta da sala, como num início de conversa - Gostou do teu primeiro dia?

    A imagem de Caroline se acende novamente em minha cabeça, mas tendo apagá-la imediatamente: junto dela também vem a imagem de Hermione. Tento focar em todos os pacientes enquanto conto sobre o meu dia, mas decido deixar Andrews de fora.

    É como se a menina fosse o meu mais novo segredo.

    - Está me dizendo que você vai atender basicamente todo mundo?

    - É, depende do turno e da necessidade. Não sei bem como explicar, mas tipo hoje de manhã eu atendi os pacientes sem muita urgência, enquanto na parte da tarde eu chequei a evolução dos pacientes internados, entende? E amanhã eu vou trabalhar na emergência, cirurgias, essas coisas. Vai mudando. Como um clínico geral.

    - Eu pensei que você fosse trabalhar nas suas especializações: cardiologia e neurologia.

    - Digamos que para conseguir ocupar um cargo assim eu preciso adquirir a confiança deles. Eles já têm neurologistas e cardiologistas muito bons, não vão simplesmente dispensá-los pra colocar no lugar deles alguém que nem teve muita experiência no ramo. Não podemos esquecer que o nosso hospital é um dos melhores, precisamos sempre manter padrões.

    - É uma pena. - ela diz - Algo me diz que você tem talento no que faz.

    - Algo me diz que eles vão perceber logo. Estou bem confiante. - sorrio para ela enquanto a vejo bebericar de leve seu vinho - E o teu dia? Tão bom quanto o meu?

    - Bem, ninguém resolveu desacatar meu trabalho hoje, então acho que foi melhor. - Astória faz uma piada, referindo-se às pessoas que não queriam se atender comigo - Patrick continua tentando achar motivo para me achar uma chefe péssima, Lawrence conseguiu destruir um artefato do nosso departamento, essas coisas. Você sabe, não posso falar muito sobre isso.

    Dou uma risada.

    - Claro. Temos um motivo para chamar-se “Departamento de mistérios”, né?

    A conversa flui de forma mais fácil do que esperado. Percebo que, quando estou com Astória, consigo deletar por um tempo o que está se passando na minha cabeça. É como se ela tivesse um efeito reverso ao que Caroline Andrews teve em mim: ela me ajuda a esquecer Hermione, mesmo que por breves momentos. Astória tem uma risada amigável, um sorriso contagiante, coisa que faltava em Hermione desde o início do ano. Estamos indo bem, apesar de eu não amá-la.

    Acho que consigo tentar, pelo menos. Não me parece mais tão difícil como parecia.

    Durante a janta, ela me conta sobre sua família e seus animais, sobre sua irmã convencida demais, sobre seus gostos, histórias de vida, etc. E eu, como a pessoa educada que sou, respondo da mesma forma: falo sobre algumas coisas engraçadas que aconteceram, mas evito falar da minha família.

    Parece algo muito íntimo para falar sobre agora. A família de Astória também teve seus dogmas arbitrários, mas ela teve uma crescimento feliz. Já na minha família, as coisas não foram tão simples: tentar contar algo sobre ela já em si meio desesperador para mim, pois nunca tive algum momento de afeto ou de risadas em conjunto, como ela teve.

    Éramos eu em conjunto comigo mesmo: sozinho.

    Apesar de tudo, gosto de ouvir suas histórias. Eu e ela conseguimos crescer num nível de intimidade muito forte durante esses dias que conversamos, temos muita facilidade para desenvolver algum tópico de conversa. Não é difícil pular de um assunto para outro com ela, isto porque ela não tem uma muralha em volta de si como Hermione tinha desde o início.

    Aquela muralha que tanto lutei para derrubar, mas que ela conseguiu reconstruir na metade do tempo.

    Percebo que me perdi em devaneios quando sinto sua mão em meu rosto, dando um tapinha de leve com um sorriso dócil. Olho em seus orbes profundos e cheios de expectativa, como se esperassem por alguma resposta. Abro a boca, mas não saia nada além de um barulho envergonhado. Tento novamente.

    - Desculpe. Eu estava na lua. - murmuro, quando ela ainda me encara com a mesma expectativa de antes.

    Não percebo bem quando nos aproximamos. Algo em minha mente dizia para eu me afastar, e para ser honesto, era a voz de Hermione que gritava. E eu estava tentado a ouví-la. Quando meus lábios tocam os de Astória, não sinto a explosão de êxtase que senti quando beijei o canto da boca de Hermione.

    Pego seus cabelos macios, mas eles são lisos. Não me sinto bem como deveria me sentir, mas acho que o simples fato de não achar errado já é um começo. Não vou conseguir excluir a Granger do nada de minha cabeça, eu sei. Fecho os olhos e me deixo levar.

    Eu a amo tanto, mas é hora de seguir em frente.

 


Notas Finais


Beijo, beijo!


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