História Bring Me To Life (Hiatus) - Going under

“Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em segredo até que a morte do meu corpo venha, e alguém, adivinhando, diga: esta, esta viveu.”  Clarice Lispector
 

O sangue em suas mãos cintilava sob a luz artificial daquela pequena sala.

Gargalhou sozinha, apenas ela e o cadáver imóvel daquele que, um dia, fora um juiz corrupto. Mas ela não estava ali para julgá-lo, mesmo que se sentisse uma espécie de justiceira, ela apenas permanecia seguindo ordens.

O sorriso em seus lábios brilhava com a satisfação e a adrenalina de sentir o gosto daquele líquido carmesim. Os lábios estavam pintados de vermelhos, porém não era consequência apenas do batom que usava. O vestido azul que trajava e a pele alva também estavam manchados por aquela cor, a mesma cor que brilhava em seus olhos e que refletia no fio da arma branca em suas mãos.

Não havia mais porquê esconder quem ela realmente era. Finalmente pôde contemplar a própria loucura e satisfazer-se com sua alma apodrecida.

OoOoOoOoOoOoOoOoO

 

Estava chovendo.

Talvez fosse um sinal de que o outono estava quase acabando... ou talvez fosse apenas um mau presságio. Mas ele era Spencer Reid, e não acreditava nessas coisas que não tinham nenhuma explicação científica.

Nem a chuva fria ou o dia nublado conseguiram impedi-lo de ir até um certo parque em sua plena tarde de folga. Entretanto, aquilo soava estranho, lhe deixando desconfortável ao ponto de querer ir embora.

Depois de uma semana, o assassinato de Chronna ainda era uma incógnita para a equipe da UAC. Todos haviam dado o seu melhor, visto que era algo pessoal para o gênio da equipe, mas nem assim puderam montar um mísero perfil incompleto de quem quer que tivesse feito aquilo. Sem testemunhas e nem evidências físicas como DNA. Até ele desistira, tinham outros casos para ocupar suas mesas, casos em que pudessem ser úteis.

E em todo esse tempo, não cruzara novamente caminhos com Kaliza ou seu irmão. Ela parecia esconder algo, mas ninguém sabia onde estava.

Um homem chamado Lyan, que trabalhava com ela, lhe dissera que Kaliza costumava desaparecer por um tempo, era algo normal. Dissera, também, que ela tomava esse tempo para por a cabeça em ordem. Nunca ultrapassava quinze dias e se a achassem seria apenas por ela querer ser encontrada.

O fato de estar frente a uma mesa de xadrez sem a companhia dela lhe desconcertava. Onde ela estaria para lhe explicar o que estava acontecendo?

Absolto em seus próprios pensamentos e medos, nem percebeu quando começara a andar. Apenas sentia que se destruiria cada vez mais se ficasse parado naquele lugar.

Quando deu por si, estava na frente de algo que parecia um monumento. Três paredes lhe davam uma estrutura arredondada, mesmo que separadas, acabavam se encontrando em um ponto mais alto. O lugar ideal para que alguém se abrigasse da chuva.

I've been left out alone

Like a damn criminal

I've been praying for help

'Cause I can't take it all

I'm not done? It's not over?

 

Eu fui deixado sozinho

Como um criminoso

Eu tenho rezado por ajuda

Porque eu não posso aguentar tudo isso

Eu não acabei? Não esta acabado?

 

Now I'm fighting this war

Since the day of the fall

And I'm desperately holding on to it all

But I'm lost, I'm so damn lost

 

Agora eu estou lutando nessa guerra

Desde o dia da queda

E eu estou me agarrando a tudo desesperadamente

Mas eu estou perdida, estou tão perdida

O som de um piano atiçou sua curiosidade, aquilo seria uma espécie de abrigo para o instrumento?

Todas as duvidas e deduções simplesmente sumiram ao ouvir aquela voz novamente. E mais uma vez se viu preso naquelas notas musicais, naquela voz tão bela e que refletia completamente a alma de sua dona.

Estava completamente absorto naquela melodia.

Oh I wish it was over

And I wish you were here

Still I'm hoping that somehow

 

Eu queria que estivesse acabado

E eu queria que voce estivesse aqui

Eu ainda estou esperando por isso de alguma forma

 

Cause your soul is on fire

A shot in the dark

What did they aim for when they missed your heart?

I breathe underwater

It's all in my hands

But what can I do?

Don't let it fall apart

A shot in the dark

 

Porque sua alma esta em chamas

Um tiro na escuridão

No que eles miraram quando erraram seu coração?

Eu respiro dentro d'água

Esta tudo em minhas mãos

Oque eu posso fazer?

Não o deixe desmoronar

Um tiro na escuridão
 

Inconsistente.

Em um momento era doce e suave como as águas de um lago cristalino. Já no momento seguinte se transformava no caos mais escuro da mais tenebrosa tempestade.

Aquilo tudo tinha a ver com Chronna? Ou teria compatibilidade com ela mesma?

Dor, ele podia ouvir aquele sentimento gritando, mesmo com a melodia, eram gritos e súplicas que apenas ele podia decifrar. Talvez por ser o único apreciando um momento tão íntimo de sua amada.

In the blink of an eye

I can see through your eyes

As I'm lying awake I'm still hearing the cries

And it hurts, hurts me so bad

 

Em um piscar de olhos,

eu posso através dos seus olhos

Enquanto eu deito acordada eu ainda ouço o choro

E me machuca, me machuca tanto

 

And I'm wondering why I still fight in this life

'Cause I?ve lost all my faith in this damn bitter strife

And it's sad... It's so damn sad

 

E eu me pergunto porque eu ainda luto nessa vida

Porque eu perdi toda minha fé nessa amarga contenda

E é triste, é tão triste

Caminhou lentamente até poder ver com clareza aquilo que já sabia que encontraria. Ela estava ali, sozinha na própria solidão e tristeza. Batendo nas teclas do piano como se aquilo fizesse suas frustrações sumirem. Mas as lágrimas que escorriam por suas bochechas deixava claro que não estava funcionando.

Oh I wish it was over

And I wish you were here

Still I'm hoping that somehow

 

Eu queria que estivesse acabado

E eu queria que você estivesse aqui

Eu ainda estou esperando por isso de alguma forma

 

'Cause your soul is on fire

A shot in the dark

What did they aim for when they missed your heart?

I breathe underwater

It's all in my hands

But what can I do?

Don't let it fall apart

A shot in the dark

 

Porque sua alma esta em chamas

Um tiro na escuridão

No que eles miraram quando erraram seu coração?

Eu respiro dentro d'água

Esta tudo em minhas mãos

Oque eu posso fazer?

Não o deixe despedaçar-se

Um tiro na escuridão

O que ela temia? Do que ela fugia? O que ela queria fazer?

Se sentia um monstro por estar gostando tanto do que via. Era até irônico; uma pianista, seu piano e uma rosa vermelha. Ah, e ele, um completo intruso no coração de outra pessoa, admirando a cena junto com as gotas de chuva, assim como as lágrimas. Era um pouco escuro, o que fazia aquele retrato ser gravado em seu íntimo com muita facilidade.

Afinal, quem era Kaliza? E por que despertava sentimentos nele? Sentimentos que por muito tempo havia deixado de sentir.

I feel you fading away

I feel you fading away

I feel you, I'm fading away

 

Eu sinto você desaparecendo

Eu sinto você desaparecendo

Eu sinto você, eu estou desaparecendo

 

'Cause your soul is on fire

A shot in the dark

What did they aim for when they missed your heart?

I breathe underwater

It's all in my hands

But what can I do?

Don't let it fall apart

 

Porque sua alma esta em chamas

Um tiro na escuridão

No que eles miraram quando erraram seu coração?

Eu respiro dentro d'água

Está tudo em minhas mãos

Oque eu posso fazer?

Não o deixe despedaçar-se

Não sabia se a música havia acabado, pois a mulher socara o piano de tal forma que o assustou.

-K-Kaliza? - Chamou em um impulso.

Ela pulou do banco do piano e virou-se para ele, secando as lágrimas.

-O que faz aqui?

-Eu só estava passando quando te escutei.

Ela engoliu em seco, mirando as teclas de seu instrumento favorito.

-Não é uma boa hora para conversarmos, por favor vá embora.

-Não posso! Tenho muitas perguntas para você, e a primeira delas...

-Não quero saber. - Interrompeu friamente.

Ela parecia querer fugir. Mas Spencer realmente tinha muitas perguntas, ele queria entender Kaliza assim como queria continuar respirando, porém ela parecia não querer colaborar, tampouco querer que ele a entendesse.

-Por que não me diz quem matou Chronna?

A pergunta pegou-a visivelmente de surpresa.

-Isso não é da minha conta, Spencer. Apenas vá embora. - Pediu novamente.

-Por que não me ajuda a pegar quem fez isso? Nós podemos fazer justiça por ela, Kali. Podemos pegá-lo se nos ajudar, você não se importa? Ela não era sua melhor amiga?

-Chega! - Bradou alterada. - Em primeiro lugar, não tens o direito de chamar-me de "Kali", nunca mais repita esse nome. E em segundo lugar, nada trará ela de volta. Ela morreu e não há como mudar esse fato.

-Como pode dizer algo assim...?

-Os mortos são apenas cadáveres, Spencer. Nada a mais e nada a menos. Isso deixou de me importar a muito tempo.

-Não acha que quem fez isso merece pagar?

-Não importa o que eu acho. Dizem que os fins justificam os meios, e não sei para que fim foi a morte de Chronna.

-Não consigo entendê-la!

Kaliza suspirou, passou os dedos levemente por uma das teclas do piano.

-Não importa o que você faça, tudo sempre permanecerá igual. As teclas do piano são pretas e brancas, difundem um único som cada uma. Se pintar as brancas de pretas, permaneceram com o mesmo som, e assim sucessivamente.

-Está dizendo que as pessoas não podem mudar? Você realmente acredita no que está dizendo?

-As pessoas mudam, sim. Eu estou em constante mudança, mas minha essência continua a mesma. Não importa o que eu faça, nada mudará quem fui ou sou, nada mudará o que fiz ou faço.

-Está defendendo um assassino?

-Não, estou me defendendo, defendendo a natureza humana.

Nada daquilo fazia sentido para ele. A cada palavra Kaliza parecia mais distante de si, mesmo que estivesse à sua frente. E a cada nova frase parecia que ela não ligava para Chronna, que ela não ligava para o assassino, para as pessoas ou para o mundo... mas o pior, era que parecia não ligar nem mesmo para ele.

-Quem é você?

-Não posso responder isso. Mas um dia você poderá ver quem sou com clareza.

-E quando esse dia chegará?

-Se você continuar por esse caminho... logo.

Mais uma vez, Kaliza sentou-se no banco do piano, começando a deslizar seu dedos suavemente pelas teclas brancas e pretas, tocando uma doce melodia.

-Chronna me fez essa música em um dos meus aniversários. Ela era horrível no piano, mas mesmo assim fez uma bela melodia.

Spencer permaneceu em pé, não lembrava de ter sentido tanta raiva de alguém.

-Só poderá saber quem sou quando me entender, e você não pode fazê-lo. - Continuou.

-E por que não?

-Por que você teve uma infância normal.

-Como pode concluir algo desse calibre se nunca comentei nada com você?

-Bom, você deve ter sofrido bullying a vida toda, mas é o que acontece com os inteligentes. Passou por tudo na idade errada. E sua mãe? É esquizofrênica, uma vez você me disse. Mas foi algo normal. Todos sofrem por coisas na vida e na infância.

-E pelo quê você sofreu?

Sentia ter que arrancar qualquer provável informação necessária dela, para depois tentar compreendê-la, visto que ela não falaria de si mesma com tanta facilidade.

-Por mim mesma. Essa é minha única resposta. E, se me permite, gostaria de ficar sozinha.

Ele não disse mais absolutamente nada. Não entendia por que se sentia tão atraído por aquela garota tão arrogante e fria. Era algo tolo, ele sabia que merecia mais, mas não podia evitar.

-Spencer. - Chamou pela última vez. - Você não pode deixar o amor cegar seu sentido lógico. Lembre-se de que eu não valho a pena e que seria melhor cortar nossos laços.

-Não sei se quero fazer isso. - Respondeu antes de virar as costas e deixar a musicista para traz, sozinha com sua triste melodia.