Era bom estar em casa novamente. Era maravilhoso reconhecer minha cama ou me esticar no sofá para assistir a programas de TV aleatórios e engraçados ou poder finalmente acompanhar uma rodada completa da Premier League.
Diferente do resto dos garotos que iam ao encontro de suas famílias antes de qualquer coisa quando tínhamos uns dias de folga, eu primeiro ficava sozinho. Apreciava minha própria companhia, organizava meus sentimentos e só depois voltava à turbulenta vida que havia adquirido.
Eu já estava há uma semana em casa, sem sair para fazer qualquer coisa que fosse. Não fiz contato com mais ninguém, ignorei as horas convencionadas e vivi conforme minhas necessidades, ignorando as horas que marcavam no relógio.
Era o tipo de liberdade que eu quase nunca podia experimentar.
Harry e Louis haviam me ligado inúmeras vezes e eu os atendia vez ou outra e mantinha uma conversa rápida, apenas porque sabia que eles estavam preocupados demais comigo. Preocupados o bastante para me ligar interrompendo o sagrado tempo de liberdade que estavam desfrutando um ao lado do outro.
Mas os dois sabiam. Eles haviam descoberto meu segredo há muito tempo, talvez até antes que eu mesmo tivesse confessado esse pecado a mim.
Afinal gostar do amigo que já tem um namorado, que também é seu amigo, é um pecado enorme, não é?
Talvez seja por isso minha necessidade de isolamento. Eu não queria ter que saber notícias que ligavam Liam a Zayn. Não queria vê-los sorrir por aí, principalmente porque eu sabia que um era o motivo do sorriso do outro.
E principalmente não queria saber de outra crise em seu relacionamento. Não queria ter que abraçar Liam e dizer que tudo ficaria bem quando meu coração gritava dizendo que não ficaria, dizendo que Zayn o machucaria de novo e que ele nunca o mereceria.
Eu não queria ter que enxugar suas lágrimas de novo, recuperá-lo e enviá-lo de novo até o cara que destruiria seu coração outra vez. Não queria ter que entregá-lo a Zayn e sentir meu coração quebrar mais uma vez, como se estar reduzido a pó não fosse o suficiente.
Era mais fácil me esconder em meu próprio mundo, me distraindo com coisas que não me fariam pensar em Liam, em seu sorriso amável que fazia seus olhos sumirem em meio a um milhão de ruguinhas, em sua voz calma e com o timbre perfeito, no seu toque quente e em seu abraço que me fazia esquecer o resto do mundo.
No fundo, eu sabia que Zayn o amava, sabia que mesmo sendo um idiota completo, ainda era ao Liam que ele dedicava seu amor. Era apenas uma forma diferente de amar, uma forma doentia que machucava Liam, mas ainda sim, uma forma.
Eu não podia medir o amor compartilhado pelos dois. Eu mal entendia o que eu sentia. Quanto mais julgar o que os dois tinham. Eu não tinha nem o direito de o fazer, afinal, minha conclusão estaria viciada por um sentimento.
Eu sempre julgaria Zayn mal, sempre o culparia por algo, sempre acharia que ele não é o suficiente e mesmo que talvez as incansáveis brigas entre os dois demonstre que o relacionamento não é saudável, não sou eu quem deve dizer isso.
Minha única contribuição aos dois será minha amizade nos momentos ruins. Eu sempre estarei lá para abraçar Zayn e sempre estarei lá para acolher Liam. Continuarei sendo o amigo compreensivo como sou para Louis e Harry, mesmo que para isso eu deva sentir meu coração sangrar.
O dia estava incrivelmente tranquilo hoje. Eu havia conversado com meu pai e visto Theo brincando no tapete da sala que eu tanto conhecia. Disse a eles que os visitaria no dia seguinte e estava animado para finalmente voltar a Irlanda.
Estava na cozinha, preparando uma das receitas que eu havia visto no programa diário de Jamie Oliver, cantando e dançando animadamente a música nova da Rihanna, quando a campainha tocou. Encarei a porta por longos minutos, antes de decidir se deveria ou não abri-la. Mas eu ouvi uma fungada alta, do tipo que você faz depois de chorar muito e por muito tempo.
Fechei os olhos e respirei fundo, repetindo para mim mesmo “que não seja o Liam, que não seja o Liam” como um mantra, antes de caminhar até o olho mágico. Mas como tudo que acontece em minha vida é contrário ao que desejo, Liam Payne estava parada a minha porta, limpando as lágrimas que rolavam por seu rosto.
– Oi, Li. – eu disse assim que abri a porta, lançando-lhe um sorriso compreensivo.
Ele não disse nada, apenas se jogou em meus braços e me abraçou como se dependesse daquilo. Pobre Niall, ainda se ilude achando que um dia será o motivo da dependência de Liam.
Era Zayn que ele gostaria de estar abraçando nesse momento. Eu tinha que fixar isso em minha mente.
– Ei, não fique assim. Vai ficar tudo bem. – eu disse ainda abraçado a ele, acariciando seus cabelos. – Vem, entre.
Ele se sentou ao sofá e eu fui até a cozinha desligar o fogo que terminava de cozinhar meu jantar. Encarei-me no espelho do corredor antes de voltar a sala, abri meu sorriso de todos os dias e me certifiquei de que estava convincente o bastante para que ele não percebesse.
– Desculpa te atrapalhar, Ni. – ele disse baixo, assim que eu me sentei a seu lado. – Eu posso ir embora se você estiver esperando alguém.
– Não, na verdade eu iria jantar sozinho.
Ele encostou sua cabeça em meu ombro e segurou minha mão. Senti meu coração acelerar e me esforcei para manter minha respiração regular.
– Quer contar o que aconteceu? – ele negou com a cabeça e o silêncio voltou a reinar sobre nós por um longo tempo, sendo preenchido apenas por suas fungadas e suspiros. – Você está com fome? – eu disse finalmente. – Eu posso terminar o jantar e a gente come.
– Pode ser.
Eu estava no caminho para a cozinha quando a campainha tocou novamente. Liam deu um salto no sofá, ficando visivelmente animado. Provavelmente era Zayn. Abri a porta sem nem me certificar de quem era e para minha surpresa, era Harry parado ali.
Liam voltou a se afundar em meu sofá, sentindo agora a frustração e a tristeza se misturarem dentro dele. Não pude deixar de me sentir triste por vê-lo assim.
– Nós vamos sair. – Harry anunciou.
– O quê? – eu disse confuso.
– Eu e você vamos sair. Vamos a uma balada, um pub, não sei, mas vamos.
– Sinto muito, Hazz, mas eu estou com visita. – eu puxei ele para dentro do apartamento, para que pudesse ver Liam deitado em meu sofá, envolto em sua bolha de tristeza. – E eu não acho que ele gostaria de sair.
– É exatamente por isso. – ele disse se dirigindo apenas a mim, para que Liam não ouvisse nossa conversa. – Zayn ligou para Louis e disse que eles brigaram feio e terminaram e que dessa vez foi realmente sério. – meu coração deu um salto, enchendo-se de esperanças. – Não, Niall. Não faça essa cara. – ele me olhou triste. – Por favor, não se iluda com isso de novo.
– Eu não estou me iludindo. – desviei o olhar, não querendo encará-lo.
– Você sabe que eles terminam uma vez por mês, dura algumas horas e eles voltam a se amar no dia seguinte.
– Eu sei disso.
– Então deixe Liam aí, saia comigo, conheça uma garota legal, um garoto talvez...
– Eu não posso fazer isso, Harry. – eu o interrompi. – Eu não posso deixá-lo sozinho e sair para me divertir. – eu suspirei. – Eu não conseguiria parar de pensar nele sozinho aqui.
– Está na hora de parar de pensar nele, em Zayn, em mim ou em Louis. Niall, você diz que não pode deixá-lo sozinho, mas você pode se isolar do mundo para esquecê-lo? Você tem que parar de sofrer pelos outros, de viver a vida dos outros e privar você mesmo de ter uma vida decente.
– Eu tenho uma vida decente. – disse decidido, caminhando até a cozinha para terminar de cozinhar o jantar.
– É mesmo? Dormir quinze horas por dias, encher a cara de cerveja e assistir futebol ou golfe é ter uma vida decente? Nossa, estou orgulhoso de você. – ele foi irônico. – Qual foi a última vez que realmente fez algo que quis? Que se divertiu de verdade? Que saiu com alguém ou sequer conheceu alguém legal?
– Eu gosto da forma como levo a minha vida e eu não quero sair com alguém ou conhecer alguém. – Harry riu sem humor algum.
– Atrapalho? – Liam disse parado a porta da cozinha.
– Não. – eu disse.
– Sim. – Harry se sobrepôs, fazendo Liam nos encarar confuso.
– Tudo bem, eu vou embora. – ele disse após um tempo, virando-se e voltando a caminhar pelo corredor.
– Não, Liam! – eu fui até ele. – Fique, está tudo bem. O Harry é que já está de saída. – eu o encarei, incentivando-o a ir embora.
– Inacreditável, Niall Horan. – o encaracolado disse antes de se levantar e caminhar até a saída, fechando a porta atrás de si logo depois.
Um nó enorme se formou em minha garganta, fazendo com que tornasse difícil engolir ou sequer respirar.
Harry estava certo e todos sabiam disso, mais do que ninguém ele tentava me tirar da enorme furada em que eu me meti, tentava a todo custo me fazer conhecer pessoas novas e me fazer parar de pensar em Liam.
Me arrumou um encontro com um amigo de Gemma há uns meses atrás, Chris era um cara legal, divertido, absurdamente lindo, havia se formado em medicina e agora era cirurgião cardíaco no hospital municipal de Londres.
Chris só tinha um defeito. Um bem grave em minha opinião. Ele não era Liam.
Eu me arrependeria de ter feito isso com Harry daqui um tempo. Eu me arrependeria no instante em que Liam saísse por essa porta e eu estivesse sozinho de novo, tendo uma nova ferida aberta em meu peito.
– O que houve? – Liam perguntou me encarando. – Você parece distante, Ni. – ele acariciou meu rosto, fazendo um calafrio percorrer meu corpo e um sorriso brotar em meus lábios.
– Não foi nada. Quer jantar? – eu sorri e ele assentiu um pouco mais alegre.
Liam me ajudou a limpar a bagunça que eu havia feito para preparar o jantar. E eu consegui fazê-lo rir dançando como a Rihanna em seu clipe no meio da cozinha. Durante aquelas poucas horas, fomos apenas eu, Liam e nossa cumplicidade. Sem fantasmas, sem brigas, sem lágrimas e sem Zayn.
Eu e ele, como em todos os meus sonhos.
Nos aconchegamos a minha cama depois disso, ele colocou Toy Story para assistir e me abraçou, puxando-me para junto de si. Eu adormeci pouco tempo depois, confortável em seus braços, mas fui desperto por ele, que se remexia e resmungava coisas ininteligíveis.
– Li, acorde. Está tudo bem? – eu sussurrei, em uma tentativa falha de despertá-lo.
– Z-zayn. – foi a única palavra que eu compreendi.
A primeira facada em meu coração já machucado. Fechei os olhos e engoli, mesmo com o nó instalado em minha garganta e a ardência típica do choro começando a me atingir.
– Calma, Liam. – eu o abracei e comecei a acariciar seus cabelos.
– Zayn, fique comigo.
Segunda facada, dessa vez um pouco mais funda, abrindo um rasgo maior.
– Tá tudo bem. – beijei seus cabelos. – É só um sonho ruim. Vai ficar tudo bem.
Limpei uma lágrima teimosa que caiu sem autorização e mantive o carinho em seus cabelos, até que ele voltasse a dormir tranquilamente e eu também pudesse dormir.
Diferente de Liam, o meu pesadelo acontecia enquanto eu estava acordado.
[...]
Confesso que tive medo de abrir os olhos quando acordei. Tateei a cama e a encontrei vazia, fazendo-me suspirar. Encarei o teto e me xinguei mentalmente de tudo o que conhecia e em todas as línguas que podia.
Levantei e caminhei lentamente até a cozinha, encontrando um bilhete preso à porta da geladeira.
Bom dia, Nini
Zayn me ligou hoje de manhã e nós finalmente nos acertamos. Não é incrível? Ele veio me buscar, então não se preocupe, está tudo bem.
Eu fiz seu café da manhã, está sobre a mesa de jantar, espero que goste.
Acho que Zayn e eu nunca conseguiremos te retribuir por tudo o que faz por nós dois.
Por enquanto fica minha gratidão infinita e a certeza de que poderá contar comigo sempre e para tudo, assim como nós sabemos que podemos contar com você.
Obrigado por tudo, você é o melhor amigo que eu poderia ter.
Com amor, Liam.
Ri sem humor algum, ou talvez minha própria desgraça fosse engraçada, e joguei o bilhete no lixo.
Em meu celular havia mensagens de meu pai, minha mãe e Greg, perguntando onde eu estava e porque eu não havia chegado na Irlanda ainda. Olhei o relógio e percebi já ser tarde.
A Irlanda teria que esperar novamente. Eu precisava me recuperar de outro tombo nesse momento.
Respondi a eles adiando a viagem, mesmo sabendo o quanto isso os deixaria triste. Também aproveitei para mandar uma mensagem para Harry.
Para Harry:
Você tem razão, eu sou um grandessíssimo idiota e eu sinto muito.
Eu te amo, Hazz, não desista de mim.
Me perdoe, por favor.
A resposta chegou algum tempo depois, me trazendo um pouco de alento e fazendo-me sorrir.
De Harry:
Sim, você é um idiota.
Sim, você me ama, porque todos me amam.
Sim, eu te perdoo.
Não, eu não desisto de você, mas você também não pode desistir de sua felicidade.
Me agradeça depois ;)
Para Harry:
Agradecer pelo quê exatamente?
Assim que eu enviei a mensagem, a campainha tocou. Não pude evitar de sentir medo ao abrir aquela porta e ter que passar pela mesma tortura de ontem a noite. Por isso achei melhor abri-la de uma vez e me poupar de mais sofrimento pelas lembranças. Mas nada poderia prever o que eu encontrei ali.
– Oi, Chris. – sorri para o moreno de olhos claros parado à porta.
– Me disseram que tem alguém que precisa de reparos em seu coração machucado. – ele disse galanteador, abrindo seu sorriso irresistivelmente lindo.
– É, acho que você está no lugar certo.
Para Harry:
Já descobri o que é.
Obrigado ;)
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