História Broken Wings - Versão antiga! - Por que você é meu amigo?

.:Pedro:.

Depois que Laura foi para a escola, Gael voltou para a mesa e terminou de comer, enquanto minha mãe guardava as panelas e colocava o resto da louça na pia.

- Eu lavo, tia. -ele disse e começou a lavar a louça, recebendo um beijo na bochecha de minha mãe.
- Obrigada, meu amor! Pedro, vai secando a louça para ele.

Apenas assenti e me dirigi à pia, e minha mãe entrou no quarto dela. Gael estava muito calado, até para os padrões dele. Ele parecia tenso, assustado. Quando eu estava secando um dos pratos, ele quase me assustou falando:

- Pedro, por que você é meu amigo?
- Porque eu gosto de você, tu é legal cara.
- De verdade? -Gael disse, subtamente parando de lavar uma colher.
- Claro, onde já se viu eu mentir? -com isso ele voltou a lavar a colher, com um sorrisinho no rosto, que ainda assim era uma cena muito rara.

Eu sabia muita coisa sobre o Gael. Eu o conhecia desde sempre, obviamente. E eu sabia que ele não tinha facilidade em fazer amigos, aliás, aparentemente eu era o único que ainda falava com ele. Bem, mais ou menos, porque o Gael normalmente não fala. Ele é uma pessoa que não sabe expressar os próprios sentimentos, ele é inseguro e aparentemente algo muito ruim anda acontecendo com ele, mesmo que eu não saiba o que é. Anos convivendo com ele e eu aprendi a ler a linguagem corporal dele. E ultimamente, seus ombros estavam mais tensos que o comum, seus olhos estavam mais alertas e tremidos que o comum, ele fala ainda menos e nem sequer dormiu na aula de álgebra hoje.

E agora isso, essa pergunta. Eu sabia que talvez ele duvidasse dos meus motivos para ser amigo dele, levando em conta que eu sou amigo de 90% da escola, e ele, mal fala com os professores, mas eu não tinha ideia que ele estivesse com isso cutucando ele tão forte que ele fosse perguntar.

Vamos, nesse ponto você já viu como ele é. Quando ele fala é prático e ele mais pergunta que responde.

Então eu fiquei feliz de ver ele sorrindo, já que eu sabia que algo estava acontecendo e deixando ele ainda mais trevoso do que ele normalmente é.

Inclusive, naquela manhã ele tinha sido pêgo por um dos "valentões" da nossa sala quando escapava da aula de educação física (temos nos últimos horários todas as segundas e terças), que praticamente o afogou na pia. Pelo menos foi na pia, mas mesmo assim, Gael desmaiou e seu nariz chegou até a sangrar. Eu tive que levá-lo para a enfermaria, onde a enfermeira não fez muito mais que estancar o sangramento e dar uma toalha para ele.

Ele pareceu um pouco mais aborrecido depois disso, seu tom sarcástico ficando um pouco acima do normal, mas não creio que seja isso o real motivo de sua tensão, dúvida e até mesmo tristeza.

***

- GANHEI DE NOVO, PORRA!!!! -ele gritava pela milionésima vez naquela tarde quando jogávamos Mário Kart.
- NÃO VALE, VOCÊ TRAPACEOU!!!! -gritei de volta, cruzando os braços e fazendo um bico que me deixava parecido com um panda.

Mas quem rachou o bico foi ele (ba dum tssss), rindo da minha cara por ter perdido novamente. Eu só fiz isso - perder e a birra - pois sabia que isso ia animá-lo um pouco mais. Sua crise de riso foi atrapalhada pelo seu toque de celular - Never gonna give you up. Esse cara não presta, mesmo.

- Oi, mãe. -ouvi tia Kátia gritando do Telefone fazendo Gael afastar a orelha do auto-falante.- Tô na casa do Pedro, vou para casa às 17. Ok, até mais. Também te amo... Tchau.
- "Também te amo"... -disse imitando a cara e a voz dele nessa parte, recebendo um soco leve no braço, me fazendo rir.- melhor a gente fazer os deveres, já são três da tarde, cara.

Ele apenas assentiu e se levantou andando até nossas mochilas e tacando meu material muito perto da minha cabeça e voltando com o dele.

- Cuidado, Hércules.
- Ha-ha, engraçadinho. -pronto, ele tinha voltado ao estado inicial. Tenso novamente.

Começamos a fazer o dever de português, e então o de química e então chegou o monstro: Álgebra. Eu esperava ter que explicar a matéria toda para ele novamente, mas Gael simplesmente pegou o livro e o caderno e respondeu o exercício todo sem me perguntar nada.

- Não é possível, me dá isso daqui. -peguei o caderno para conferir os cálculos, todos realizados perfeitamente e todas as respostas corretas.- Como?
- Laura me ensinou.
- COMO ELA FEZ ISSO???? ESSA MENINA É UMA BRUXA ISSO NÃO É POSSÍVEL!!!
- Eu também acho isso. -Gael me respondeu com um brilho de divertimento nos olhos.

Fizemos mais alguns deveres e então deu a hora de ele ir embora. Eu não queria que ele fosse, honestamente. Por mais que eu seja a pessoa mais sociável do Colégio, ele ainda era o meu único amigo próximo. Ele era meu melhor amigo, entende? Ele me conhecia melhor que todos, ele me ouvia e eu me sentia bastante feliz mesmo ele tendo esse jeito calado e meio fechado dele, com todo o sarcasmo e tudo mais.

Gael apenas juntou suas coisas, bateu na minha mão e saiu pela porta da frente, ainda com minhas roupas. Espero que ele não esqueça de devolver.

Voltei para meu quarto e reparei que ele havia esquecido seu uniforme na minha janela. Peguei-o e dobrei, eu o entregaria amanhã cedo na escola, não teria problema. Voltei a me sentar no chão, ligando o videogame novamente e voltando a jogar um jogo de luta que minha mãe comprara um tempo atrás. Era bem legal, mas só tinha dois tipos de personagens: anjos e demônios. Ambos tinham suas vantagens e desvantagens e estavam bem balanceados, mas eu ainda gostava muito mais de jogar como anjo: os ataques eram mais legais.

Selecionei meu personagem de sempre e fui batalhando contra personagens aleatórios, controlados pelo computador.

***

Três horas haviam se passado quando minha mãe me chamou para jantar, e eu já abandonei o videogame e fui comer. Depois de comer uma quantidade generosa de macarrão eu simplesmente tomei banho, arrumei meus materiais e fui dormir.

Eu espero que tudo fique bem com a Laura, já que o Gael me falou que ela está morando na casa da rua 2. Não sei, algo sobre aquele lugar não me agrada nem 0,01%, sério.

Assim que encostei a cabeça no travesseiro, eu apaguei.