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História Caminho da Afirmação - Paternidade


Escrita por: sttardust

Notas do Autor


oi! voltei, quem amou?
tem alguém curioso por aqui? 👀

esse capítulo é um dos meus favoritos, eu gostei bastante quando fui ler pra postar hoje
espero que gostem também,
boa leitura ♡

Capítulo 40 - Paternidade


P.D.V. Guilherme

O restaurante é ainda mais cheio de pompa quando visto pessoalmente. É um prédio moderno feito com vidro, com portas automáticas na entrada, tem até guardadores de carro que exigem uma boa gorjeta com o olhar. Já é uma situação meio desconfortável, e o lugar parece que não vai ficar para trás. Só tem gente refinada frequentando.

Acho que já sou capaz de reconhecer o fotógrafo se ele passar por mim, pelas fotos suas que vi na internet. Ele também deve me reconhecer. Fico no aguardo em uma das quatro cadeiras com estofado fofo preto, vasculhando as redes sociais no celular. De vez em quando levanto o olhar para ver a movimentação na rua e ver se o cara está chegando. Já está três minutos atrasado. Em outras vezes eu me levanto e vejo como estou nos vidros espelhados do prédio. Não estou tão arrumado quanto talvez deveria, visto uma camisa branca debaixo de uma jaqueta preta, calça jeans e tênis.

Mais uns cinco minutos de atraso e eu o avisto do outro lado da rua. Volto a me sentir nervoso, quase tanto como estava ontem.

Seja um adulto.

Ele é mais baixo do que eu esperava. Não é magro nem gordo, é forte. Usa um jeans claro surrado, camisa xadrez, óculos escuro nos olhos. É mesmo calvo e o que resta de seus cabelos grisalhos está bem aparado.

Eu puxo um ar assim que ele atravessa e vem até minha direção. Fico de pé enquanto travo uma batalha interna se recebo esse homem com disposição a conhecê-lo melhor ou se deixo todas as coisas que já me falaram influenciar o meu tratamento com ele. É uma dúvida cruel.

Assim que chega a uma distância considerável, diminui os passos e remove o óculos escuro. Seus olhos são castanhos escuros e olham-me de cima a baixo com cuidado.

— Deve ser você — diz e sorri. Sua voz tem um tom rouco.

— É, sou. E você é…

— Yardley Faris. — Ele me estica sua mão. — Muito prazer em te conhecer, Guilherme!

Eu o cumprimento.

— Prazer — murmuro.

— Mas você já é um homem formado! Como o tempo passa!

Sorrio fraco sem jeito. Acho que não sei o que dizer.

— Eu sei que isso é bem estranho e eu não queria que fosse assim — diz ele. — Mas vamos com calma. Podemos entrar?

— Podemos…

Seguimos juntos para o interior fresco do restaurante, onde somos recebidos por uma recepcionista alta e bonita. Yardley me fala para escolher um lugar para sentarmos e escolho uma mesa no canto, com bancos acolchoados e uma vista panorâmica para uma lagoa da cidade, onde há alguns barcos de pesca velejando.

— Ótima escolha! Esse é meu lugar favorito quando venho aqui. A vista é linda! — diz assim que nos sentamos.

Que bom para ele.

Nós abrimos os cardápios e fazemos logo os pedidos. Peço peixe e ele uma carne mal passada com purê. Pede também vinho branco para tomar, mas eu fico no suco. Vou dirigir depois!

Quando o garçom se afasta, ficamos a sós, frente a frente. É bom que Yardley fale comigo, porque senão eu não vou falar nada. Não consigo me largar da estranheza de estar nesse lugar com esse homem.

— Bom… Acho que temos muito pra conversar. — Ele me encara. — Mas a essa altura sua mãe já deve ter te contado muitas coisas sobre mim. E é por isso que você está me olhando com essa cara como se eu fosse te morder. Mas vamos lá…

— É que eu não estava preparado pra isso. Nunca tive qualquer dúvida sobre a minha família.

— Imagino…

— E eu tenho muitas perguntas…

— Posso te responder todas, Guilherme. Estou aqui de coração aberto. E espero que você me responda também.

— Eu acho que posso.

— Ótimo. Quer começar? — Aponta para mim.

Eu suspiro.

— O senhor sempre desconfiou que eu podia ser seu filho?

— Eu dispenso o "senhor". Mas… sim. Eu desconfiava e simplesmente porque as datas coincidem.

— Então por que não resolveu isso antes? Preferiu chantagear minha mãe esses anos todos…

— Chantagear? — ele me interrompe. — Eu nunca chantageei sua mãe. Pelo contrário, ela que me ofereceu tudo pra me convencer a não fazer esse teste.

— E você aceitou.

— Infelizmente… Eu sou um eterno fotógrafo em altos e baixos. Nunca tive um auge na carreira — conta. — Não estou tentando justificar o que fiz, mas queria ter um status pro meu nome. A cidade de onde sua mãe e eu viemos é muito pequena e eu não tinha nenhuma oportunidade. Ela me ajudou e eu mantive a família dela perfeita.

— Você chama isso de família perfeita? — questiono. — Uma mãe que mente e um cara que de repente não sabe quem é o próprio pai?

— Não. O que estou querendo dizer é que sua mãe ama de verdade o Roy. E eles são muito felizes com você. Nunca me achei no direito de separar essa família.

— Mas agora você vai viajar — prossigo. — Não precisa mais desse emprego e decide arruinar a família perfeita.

— Não. Eu só decidi acabar com a minha dúvida. Nem era pra você saber disso. Eu não quero entrar na sua vida e fingir que temos uma relação de pai e filho. Eu só quero saber a verdade, mas sei que seu pai sempre será ele. Não acha que eu tenho o direito de saber?

Trocamos poucas palavras e já estou enjoado. Felizmente o garçom se aproxima e nos serve a bebida nas taças. Enquanto isso, repito mentalmente tudo o que ele me disse, e ele fala como se tivesse me feito um favor deixando de fazer esse teste antes. Como se ele fosse o responsável por me deixar em uma família perfeita.

O garçom se afasta e tornamos a conversar.

— Guilherme, a verdade é que sua mãe nunca me disse que o filho era meu. Eu é que desconfiava. Por isso simplesmente não podia chegar como se fosse o dono da razão. Se fosse por ela nem faríamos esse teste.

— É isso que não entendo — rebato. — Se ela é tão segura sobre o resultado, por que fez tanto por você? Deu serviços e um puta emprego bom. Você tem um belo salário.

Ele sorri de canto.

— Eu não digo que é um emprego, mas um cargo. Eu prestei serviços ao Roy e ele me retribuiu com uma vaga no conselho. Eu só tenho o poder de decidir o que será feito com o dinheiro que invisto lá.

— Mas que serviços? Tirar umas fotos?

— Poxa, assim você desvaloriza o meu trabalho. As fotos são impecáveis, estão nas propagandas do hospital até hoje. — Ele levanta sua taça. — Daqui a pouco vou te mostrar meu portfólio. — Bebe o vinho.

Caralho, que homem insuportável. Não estou pedindo para ver nada. E nem estou suportando mais o quanto ele é soberba. Se acha demais.

— Por que eu nunca te vi pelo hospital? — pergunto.

— Eu não moro em River. Ainda sou do interior. — Sorri.

— Mas pela importância do seu cargo, você não acha que deveria aparecer por lá mais vezes? As coisas não estão nada boas.

Ele suspira e olha para a lagoa.

— Não sei se você me entende, mas às vezes não fazer nada é fazer alguma coisa.

Balanço a cabeça.

— Não, eu não entendo.

— A minha ausência nas reuniões pode ter um significado. — Ele me olha com esperteza e levanta os ombros.

Agora isso está ficando um pouco interessante. Estamos falando sobre seu cargo no conselho e é aí que mora a chave para todos os meus questionamentos sobre o hospital. E se ele está aqui de coração aberto mesmo, não deve se incomodar em responder algumas perguntas.

— O que pode significar uma ausência? — embarco no assunto. — Uma não, várias. As reuniões nunca estão cheias.

— Exatamente. O que pode significar? — ele me provoca e bebe mais vinho.

— Merda, eu não sei. Eu quero entender, mas não acho o caminho certo.

— Você quer entender? — Ele arregala os olhos e sorri. — Você tá tentando derrubar o Roy, por acaso? Está de olho na herança?

— Não, isso não. Eu só estou buscando algumas respostas. Porque eu sinto que as coisas estão sucumbindo e meu pai parece conivente.

Seu pai?

Fecho os olhos sentindo-me um tonto.

— Desculpa.

— Tudo bem, eu entendo. — Ele ri. — Guilherme, eu vou mesmo responder o que você quiser, e ficarei feliz se puder ajudar nesse assunto. Mas eu sei muito pouco.

Ok, esse cara não é tão insuportável. Eu fico até mais animado sobre esse almoço. Estive procurando por vários meses qualquer informação sobre os conselheiros e agora há um bem na minha frente. E um que parece bem disposto. Eu sei que não devo confiar muito nele, e ele continua tendo algumas atitudes de merda, mas… É a minha única chance. Não vou desperdiçar.

— Tem algum esquema errado lá, não tem? — pergunto em voz mais baixa.

— Sem sombra de dúvidas, sim!

— Eu sabia! — Dou um soco de leve na mesa.

— Desculpe dizer isso, mas o verdadeiro dono daquele hospital se chama Ivan. O Roy é uma marionete.

Aquele velho maldito.

— Por que diz isso? — pergunto.

— Eu fui em algumas reuniões e em todas eu vi a postura desse velho. Ele sabe que tem o poder de tudo lá. Não tem medo de nada nem ninguém. Roy não discorda das ideias mais absurdas que ele propõe, como tirar verba do setor cirúrgico para trocar as torneiras dos banheiros da diretoria.

Quase caio da cadeira.

— Ele o quê? O quê? Isso aconteceu?

— Sim. Faz alguns anos. Mas não se preocupe, todo ano tem uma história dessas. Procure nas atas das reuniões de finanças e descubra.

Os malditos documentos que Theo e eu não conseguimos transferir a tempo. Merda!

— Eu tô… — Olho para a lagoa. — Pasmo. Vocês não votam nessas coisas? Por que não aparecem nas reuniões e impedem isso?

— Veja bem: somos em vinte e quatro. A maioria sempre vota com o Ivan.

— É mesmo? — pergunto surpreso. — Mas por quê? Não veem que os planos dele são um absurdo?

— São todos parceiros — fala como se fosse óbvio. — Também devem fazer parte do esquema, eles estão lavando o dinheiro com essas aplicações, fazendo negócios entre eles mesmos. Mas eu faço parte do grupo menor, que não concorda com essa manipulação no Conselho. Por isso não aparecemos mais nas reuniões, porque não queremos ser cúmplices do que está acontecendo. Mas ainda somos sócios, então deixamos nosso dinheiro como deve ser. Nós gostamos do Roy de verdade e não suportamos ver essa pouca vergonha. Achamos melhor tentar um boicote ao restante do Conselho.

Admito que essa é uma forma diferente de olhar para as coisas. Antes eu pensava que os sócios que compareciam às reuniões eram os que queriam participar e ajudar de verdade. Mas pelo que Yardley diz, esses são os que querem foder com tudo. Vão para lá para votar positivo nas loucuras de Ivan e afundar logo o hospital; e os que não comparecem é uma forma de protestar e apoiar o meu pai. Se isso for mesmo verdade… Que loucura!

— Você sabe quem são esses sócios que votam com o Ivan? — pergunto. — Sabe o nome deles?

— Não… Eu não conheço todos e não consigo gravar nomes. Mas se você achar as atas finais das votações, irá descobrir.

Mas é claro. Theo e eu temos que tentar pegar esses documentos logo.

Essa conversa me deixa agitado, mas não quero parar. Yardley também não.

— Você tem mais perguntas? — Ele bebe mais um pouco do vinho.

— São só dúvidas. Tipo… — Eu me mexo na cadeira. — Se o Ivan quer brincar de ser dono do hospital, por que ele não se livra do meu pai? Parece que gosta de humilhá-lo!

— Não é tão fácil. Há várias condições para se chegar à exoneração do diretor, e elas são bem graves, criminosas. O Roy ainda não cometeu algo assim.

Eu concordo com a cabeça, mas sei que as forças ocultas já tentaram derrubá-lo. O assassinato da blogueira foi o auge. Se meu pai não estivesse pagando essa indenização à família dela, ele poderia sim ter sido destituído. E é por isso que a reunião do conselho para buscar dinheiro para a indenização, aquela que o doutor Pablo conseguiu tirar uma foto do documento com o nome dos conselheiros presentes, estava vazia — porque era para ajudar o meu pai, ajudar o hospital. Não era uma dos fetiches do Ivan. Era trabalho de verdade.

Puta merda! Yardley está dizendo a verdade.

Eles ainda não conseguiram derrubá-lo e já que a indenização está sendo paga, não há razão para tirá-lo da direção agora. Isso significa que eles podem tramar algum novo escândalo a qualquer momento.

— Então por que não acontece o contrário? — retomo. — Por que meu pai não se livra do Ivan?

— Bom, Guilherme, essa é a pergunta do milhão. Sinceramente, eu não sei. Se soubesse não teria problema em contar pra você, mas eu nem desconfio o que pode ser — diz. — Mas tenho certeza que o Ivan tem o Roy nas mãos.

— Velho safado! — resmungo. — Ele já não é velho demais pra essas coisas? Não deve armar tudo isso sozinho.

— Também acho. Ele é quase um gagá. Tem sim mais alguém com ele. Não sei se está fora do hospital ou dentro, mas acho que há um cérebro que não se mostra.

Um cérebro que não se mostra. Eu devo pensar mais nisso.

Por enquanto eu tenho apenas mais uma dúvida:

— Você acha que meu pai é grato ao Ivan porque ele ajudou meu avô no passado com grana? Ou acha que é algo mais grave?

— Definitivamente é algo mais grave. Ninguém aguenta tanta sabotagem ao próprio trabalho só por dinheiro — opina. — Além disso, um dos conselheiros mais inteligentes que conheço se chama Elliot — conta-me. — Ele também não suporta o Ivan, e na verdade é o homem mais rico de todos nós. Ele já ofereceu dinheiro ao Roy para pagar uma eventual dívida com o Ivan e forçar uma aposentadoria do velho, mas Roy não aceitou. E ouvi ele próprio dizer que o problema com Ivan não é só financeiro. Então, com certeza, há algum segredo aí que nenhum de nós sequer desconfia.

Como eu já imaginava… não podia ser só dinheiro, só gratidão. Gratidão é o cacete, Ivan só quer saber de encher o saco de dinheiro. Ele não se importa com o hospital e quer acabar com tudo. E meu pai está incapacitado de agir e rendido por causa de um segredo.

Agora está tudo mais claro para mim. Vejo que nem tudo está perdido, há sócios que ainda querem ajudar o hospital. Eu só preciso saber quem são esses e os rivais também, entre aqueles vinte e quatro nomes. Preciso de relatórios de finanças, de outras atas de votações, preciso de documentos. Theo vai ter que me ajudar de novo.

Eu tenho que agir rápido dessa vez, antes que eles tentem algo contra meu pai novamente e machuquem mais alguém. Agora eu consigo ver um caminho por onde seguir. Preciso descobrir que segredo é esse e livrar ele e o hospital da manipulação ordinária de Ivan e seus parceiros. E eu vou conseguir isso, nem que seja a última coisa que eu faça pelo meu pai. Ou melhor, pelo Roy.




Estamos na sobremesa e nossa conversa se adocicou também. Eu confio parcialmente em Yardley e acredito que me contou tudo o que sabe sobre os conselheiros. Foi uma grande ajuda. Eu sinto alguma necessidade secreta de retribuí-lo e por isso deixo que me faça perguntas agora. Tento responder com simpatia e pareço mais disposto com esse almoço.

— Está em qual período da faculdade?

— Oitavo. Faltam dois anos para eu me formar.

— E você pensa em se especializar depois?

— Sim, em Neuro — respondo. — Meu avô foi o cara que fez isso tudo e morreu com Alzheimer quando eu era criança. Eu quero poder estudar mais sobre isso e, quem sabe, encontrar soluções para esse tipo de problema. É uma doença muito triste, sem cura. As famílias sofrem bastante.

— Mas que bacana! Eu não sabia que ele tinha falecido assim.

— Pois é… — Sorrio fraco.

— Mas me diz mais uma coisa… — Ele come mais um pedaço de sua torta com creme. — Você faz Medicina por pura e espontânea vontade ou pura e espontânea pressão?

Seguro uma risada. Yardley deixa a sua sair.

— Começou de um jeito e foi pro outro. Eu comecei a me achar e levar a sério no ano passado quando umas... coisas mudaram.

— Hm… Você não gosta de Arte?

— Arte?!

— Sim. Fotografia, pintura, desenho, música… Nada?

— Não — minto. Eu não quero começar mais uma ótima conversa com esse cara sobre como um dia já me refugiei em desenhos, por exemplo. Ele me mostrou o seu tal portfólio e eu não tive como não admitir que gostei de seu trabalho. Suas fotos são lindas, e não quero que tenhamos mais isso em comum, o gosto por Arte. Eu já estou achando que estamos conversando muito bem. Notei que temos um sinal no mesmo lugar perto do pulso e seus olhos castanhos parecem mais iguais aos meus a cada instante que passa. Isso é piração. Esse cara não pode ser o meu pai e eu não posso trazê-lo para mais perto assim tão facilmente.

— É uma pena! Arte pode salvar tantas vidas quanto a Medicina.

— Eu não duvido disso.

— Sinceramente, eu pensei que isso seria mais fácil — diz me encarando. — Pensei que olharia pra você e reconheceria algo meu, mas não. É bem difícil. Você é a cara da sua mãe.

— Sempre me falaram que eu me parecia com meu pai. — Invento isso agora.

— Com o Roy? É mesmo? — pergunta desapontado. — Então não posso nem ter uma esperança?

Aperto meus olhos e o encaro em dúvida.

— Você quer ser o meu pai de sangue?

— Na verdade, eu não sei. Estava nervoso com esse encontro. Mas acabou que você é um garoto legal. Ainda não quero destruir sua família, mas também não seria tão ruim se nos falássemos mais vezes.

Eu posso até concordar, mas nunca vou admitir. Parece errado com meu pai. Mas Yardley não é tão ruim quanto eu pensei ser. Se ele não chantageou mesmo minha mãe, apenas aceitou suas ofertas para não tocar mais no assunto, e só não apareceu antes porque também não tinha certeza da paternidade e não quis atrapalhar a minha criação, eu não vejo porque ter raiva dele.

E eu odeio isso!

— Mas e você, Guilherme? Gostaria que eu fosse seu pai de sangue? Mudaria alguma coisa na sua vida?

— Não sei. — Suspiro. — Eu acho que ser pai vai muito além do que ter um material genético compatível…

— Sim, é claro.

— E se isso acontecesse eu jamais deixaria de considerar tudo o que… o Roy fez por mim, por ele ter dado tudo o que precisei.

— Tem razão.

— Mas eu concordo — prossigo. — Você é um cara legal também. Seria um choque pra mim e com certeza muita coisa mudaria, mas… Não é uma escolha minha, no final das contas.

— É. Acho que se pudéssemos ser grandes amigos seria melhor pra todo mundo.

— É mesmo. — Sorrio sem força.

— Vamos fazer esse exame só para eu matar minha curiosidade. E quanto ao resultado, voltamos a nos falar depois. Você já tem meu contato mesmo… Devemos continuar com nossas vidas.

Concordo com a cabeça. Yardley ergue a mão e faz um sinal para o garçom trazer a conta.

— Infelizmente — prossegue —, tenho um trabalho on-line daqui a uma hora. Temos que terminar esse almoço.

— Tudo bem…

— Pode deixar por minha conta. — Pisca, fazendo eu me dar conta que está se referindo ao almoço.

— Não, tudo bem, eu posso pagar.

— Relaxa. Quero fazer isso.

Ele vence e paga todo o almoço sozinho. Isso não me deixa tão confortável, mas ele insiste.

Caminhamos de volta para a saída e paramos no lado de fora. É hora de nos despedirmos.

— Foi legal de verdade te conhecer. — Trocamos um aperto de mão. — Se não nos vermos mais, desejo que seja muito feliz e que tenha sucesso!

— Desejo o mesmo pra você — digo.

— Foi bom que tivemos pelo menos uma conversa a sós. Você é um bom garoto.

Sorrio e agradeço com um aceno de cabeça.

— Mas eu ainda sou um fotógrafo — ele prossegue e puxa seu celular do bolso da camisa. — E as fotografias são as chances que temos de eternizar momentos. — Aponta para seu celular. — Podemos tirar uma selfie?

Eu rio. Não estava esperando essa proposta. Mas aceito sem enrolar. Ficamos próximos e sorrimos para sua câmera frontal. Ele nos enquadra e eterniza esse momento em uma foto digital.

— Obrigado. A gente se fala qualquer hora.

— Sim, Yardley. Obrigado também.

Trocamos um último aperto de mãos e um olhar quase de harmonia. Despedimo-nos com algumas últimas palavras e depois seguimos por direções diferentes.




Volto para casa imediatamente. Estou um pouco melhor depois de conhecer esse homem e conversar com ele, mas parte de mim permanece triste, sem vontade de fazer nada e querendo que esse exame chegue logo. Mas na mesma medida que anseio pelo exame, temo quais serão as consequências que virão junto. É um momento bem delicado e só quero descansar um pouco a mente. Talvez quem saiba eu finalmente consiga dormir por algumas horas.

Assim que entro pela sala, encontro com minha mãe. Ela está na poltrona com alguns papéis de trabalho, mas com o celular na mão. Dirige seu olhar para mim logo que me percebe.

— Guilherme! — Ela se levanta. — Estava preocupada com você, filho.

— Não tem porque estar. — Passo direto por trás da poltrona.

— Você conheceu o Yardley? Ele te tratou bem? O que ele disse a você?

— Mãe, por favor. — Paro e esfrego minha testa. — Correu tudo bem. É só isso que vou dizer.

— Já não bastava meu marido me ignorando, agora meu filho também! — reclama.

— Até parece que não temos motivos pra isso.

— Mas não têm! Vocês não podem me julgar. Sou tão imperfeita quanto vocês, e só queria proteger minha família. Vocês vão me entender quando esse resultado sair.

Não penso sobre o que ela pode estar querendo dizer com isso, somente ignoro. Não quero mesmo desperdiçar meu raciocínio com os surtos da minha mãe. Se devo uma explicação a alguém, é ao meu pai, já que ele me pediu para conversarmos quando eu chegasse. E assim que me livrar de mais essa conversa com meu provável pai, estarei livre para tentar relaxar.

— E onde está seu marido? — pergunto.

— No escritório.

— Vou dar um oi pra ele — minto e me afasto nessa direção. Não ouço mais qualquer som da minha mãe.

Bato de leve nas portas francesas do escritório, mas eu entro mesmo sem resposta. Fecho-as atrás de minhas costas e sigo para perto da grande mesa central. Meu pai está de frente para o computador, digitando bem rápido no teclado. Trabalhando em pleno domingo.

— Que bom que já voltou! — diz ao me olhar rapidamente.

— Está trabalhando? — pergunto ao me sentar na cadeira de frente para a mesa.

— Não. Vou apenas publicar um documento junto com alguns colegas, sobre o uso de um medicamento — responde. — Só estou revisando uma última vez antes de assinar.

— Posso voltar depois.

— Não precisa. — Ele tira o óculos do rosto, coça os olhos e põe de volta. — Vamos, me conte como foi sua tarde com o fotógrafo.

— Não foi tão ruim quanto eu esperava — digo. — Ele até que é legal.

— Ele foi mesmo legal comigo algumas vezes.

Agora já sou capaz de imaginar ao quê ele está se referindo. Yardley não concorda com a tirania do Ivan e meu pai deve ser grato por isso. É por esse motivo que não queimou o homem e até falou bem dele.

— Nós não falamos muito sobre o passado, sabe? — digo. — É algo que não temos mais controle. Apenas falamos sobre nós e comemos.

— E você gostou dele?

— É, mais ou menos. Não concordo com algumas decisões dele, mas não posso julgar só por uma conversa de algumas horas.

— Você está sendo bem consciente, é bom que pense assim. — Ele olha de volta para a tela do computador.

É impressão minha ou meu pai parece… incomodado? Enciumado? Ele raramente demonstra seus sentimentos sobre mim, então acho que isso pode ser só um delírio meu. Mas sua postura parece estranha em algum aspecto. Diria que está triste.

— Esse Yardley parece que gosta e respeita o senhor também — prossigo.

— Como eu disse, não tínhamos qualquer problema antes dessa história surgir.

— E qual é o problema agora?

— Não sei… Acho que medo.

— Medo?! — Rio. — O senhor não tem medo de nada.

— Eu tenho. E como, Guilherme! — revela. — Só tento me manter firme por vocês.

Saber disso é forte. Solto uma respiração pesada.

— Do que o senhor tá com mais medo agora?

— Acho que… — Ele olha para baixo. — De te perder.

Cacete! Meus olhos saltam e seguro para meu queixo não cair ao chão. Meu pai nunca fala desse jeito sobre mim, mas só de ouvir esse pouco meu coração já dói sensível. Às vezes ele passa tanto tempo sendo um médico diretor que eu esqueço que ele ainda tem sentimentos dentro desse olhar gélido. Sentimentos de marido, de pai, de chefe de família. Sentimentos que, para mim, nunca demonstrou tanto quanto agora. Seus olhos marejados e o corpo tenso dizem mais que suas palavras.

— Eu acho que o senhor não precisa ter esse medo — falo devagar. — Hoje mesmo disse ao Yardley que pai não é um DNA. É bem mais. E, sabe, não importa o resultado, quem me criou foi você.

— Eu sei. — Ele assente. — Mas também sei que se o resultado não for o que eu espero, eu não vou poder mais te segurar. Você vai ser livre. Vai se livrar das responsabilidades que nunca quis, vai ser quem você quiser. Vai viver de verdade.

— Não é bem assim…

— É sim. Eu sei que você vai se identificar bem mais com o Yardley do que comigo.

De onde ele tirou isso?

— Por que está dizendo isso? — pergunto meio hesitante.

Meu pai olha para o teto e sorri desanimado. Não sei no que está pensando até que começa a me contar:

— Quando tinha lá os meus quinze anos, eu falava pra todo mundo como eu queria ser médico como o meu pai — fala com a voz meio embargada. — Seu avô não foi tão presente, trabalhava demais, mas todos diziam que eu não tinha como não ser filho dele, porque ele de alguma forma me transmitiu a sua maior paixão, a Medicina. — Respira fundo e me encara. — Já eu não consegui fazer isso com você. Você nunca se espelhou em mim. Na verdade, aos quinze anos, você estava mais para um artista como o Yardley do que para um médico como eu.

Caralho! Ele me deixa em choque. Perco as palavras e sinto lágrimas pesando em meus olhos também. Mas eu as seguro.

— Eu pensei nisso o dia inteiro. — Olha para mim. — Só agora consigo perceber de verdade como fui injusto. Eu não podia ter mandado na sua vida e tomado decisões por você. Nunca deveria ter te forçado a escolher essa profissão, porque aquele não era você. Mesmo que não fosse parecido comigo… Era você. Tinha que ter agido como um pai de verdade e te apoiado e incentivado. Quero pedir desculpas por isso.

Eu nem consigo me mexer. Sinto frio. Como ele pode ter mudado tanto de repente? Isso tudo é medo de me perder? Nem consigo acreditar que todas essas palavras estão saindo dele mesmo.

E ainda tem mais:

— Na verdade, Guilherme, eu só estava frustrado por ver que eu não era um exemplo pra você, que você não queria ser como eu. Mas hoje consigo ver que nem sempre os filhos precisam se parecer com os pais. Ou então, o seu lado mais livre estava surgindo por causa do seu provável outro pai.

Busco ar para respirar, passo a mão pelo cabelo. Estou nervoso e confuso.

— Sendo sincero, eu não me importo mais por qual caminho você vai seguir. A escolha sempre deveria ser sua e seja o que for, eu vou estar orgulhoso de você. Como sempre estive desde que te peguei no colo. — Ele suspira. — Tivemos nossos problemas, mas você sempre será a melhor parte de mim. Eu adoraria continuar sendo seu pai, mas se não for possível, só saiba de uma vez por todas que eu amo você.

Eu rio e uma lágrima escorre do meu olho, que eu enxugo rápido. Meu coração bate muito rápido, mas é de felicidade. Nunca vi meu pai tão sincero, é como se estivesse se libertando, pela primeira vez em muito tempo sendo um pai de verdade e me tratando como um filho. Depois disso, não importa mais o sangue que corre em minhas veias, eu compreendo que isso é a paternidade. É um amor de pai e filho.

— Posso te dar um abraço? — pede.

Levantamos ao mesmo tempo e damos um abraço. Um de verdade, longo e apertado, com troca de energia e com empatia. Não está sendo nada fácil esse momento, mas também está nos fazendo perceber como nos importamos de verdade um com o outro. Se não fosse por esse susto, talvez continuaríamos nos escondendo sempre.

Engulo em seco, o choro ainda entalado em minha garganta. Enquanto estamos abraçados, termino de processar tudo o que ele disse até ter minhas próprias ideias para externar. Meu pai merece ouvir umas sinceridades de mim também.

— Eu... — digo assim que nos afastamos alguns passos. — Tenho que dizer uma coisa que talvez já deveria ter dito antes.

— O quê?

Sorrio fraco e com carinho para ele, e revelo quase sussurrando:

— Quando eu crescer, quero muito ser como você.

— Ah, Guilherme… — fala como se não acreditasse.

— Tô falando sério! — Rio.

— Acabei de te libertar e você diz isso?! — Ele limpa algo no canto do olho.

— Mas é a verdade. Todas aquelas coisas que eu tentava sempre foram uma válvula de escape, mas nunca pensei em nada como algo mais sério — vou falando enquanto tento manter a calma. — E sobre a profissão… Estava sim em algum lugar aqui dentro. Eu só não estava encontrando. Mas está e sempre esteve. Acho que a forma que o senhor me mostrava tudo é que estava me assustando um pouco. O hospital não está bem e você está sempre preocupado e tenso e eu estava num momento de rebeldia, só queria fugir de qualquer responsabilidade. Mas isso ficou para trás. Eu aceito o meu lugar e quero poder aprender muitas coisas com o senhor. Mesmo com todos esses problemas, você ainda é médico, ajuda, trabalha e salva vidas. É um herói como todos os outros, e eu sempre te admirei por isso.

Meu pai sorri grande de uma forma que nunca sorriu antes. E também está emocionado. Dá um tapinha em meu ombro e depois segura em minha nuca.

— Obrigado. Assim que possível, eu vou tentar te mostrar as coisas de um jeito melhor. E também vou gostar de aprender com você.

Eu sorrio.

— Isso vai ser ótimo.

— Espero que o destino me dê essa chance de voltar a ser seu pai.

— O senhor não vai voltar porque nunca deixou de ser. — Abraço-o mais uma vez. — Vamos ficar tranquilos. Vai dar tudo certo, pai — otimizo.

— Eu espero que sim, filho.

É estranho que esse talvez seja o momento mais frágil para nos tratarmos assim, mas também nunca nos reunimos com tanta sinceridade. Em meio a tantas dúvidas, hoje eu tive clareza do que é ter um ato entre pai e filho.

E estou falando sobre o Roy.

Não importa o exame que faremos amanhã. Ele é o meu pai.




Suspiro profundamente quando enfim consigo deitar na cama. Todas as emoções que me afloram nos últimos dias parecem que se transformam em dor física, e eu aproveito para descansar.

Busco meu celular e disco para Eris, que atende rápido. Sua voz está preguiçosa e eu tenho o súbito desejo que ela estivesse deitada aqui comigo.

— Desculpa por a gente não se ver hoje — peço.

— Tudo bem. Eu também só fiquei no quarto, tô cheia de trabalho pra fazer. Tô de pijama até agora, tô horrível.

— Você nunca vai estar horrível.

Ela ri baixinho.

— Como foi o almoço com o fotógrafo? — pergunta.

— Não foi tão ruim. Ele é mesmo legalzinho. Disse que não chantageia a minha mãe, ela que ofereceu as coisas pra ele não falar das desconfianças, e ele aceitou porque precisava de trabalho.

— Hm. Ele precisou de trabalho por muito tempo.

— Pois é… — Rio irônico. — Eu deixei pra lá. Ele mesmo disse que não precisamos agir como se fôssemos pai e filho. Disse que só quer tirar essa dúvida antes de viajar.

— Faz sentido.

— Ele também me disse tantas coisas sobre o hospital! Tenho mais ideias do que fazer agora, mas vou esperar essa poeira baixar.

— É melhor mesmo.

— E quando eu chego em casa meu pai vem com uma conversa toda sentimental… Falando que deveria ter me apoiado, que sou eu que tenho que decidir minha vida… Uma coisa doida. Disse até que tem orgulho de mim!

— Eita caramba! O que deu nele?

— Não sei. Só não esperava ouvir essas coisas dele nunca. Mas ele parecia sincero… Tô até um pouco feliz.

— Você vai mudar alguma coisa depois disso? — pergunta. — Vai deixar a faculdade?

— Claro que não! Eu agora já tô gostando de verdade, tô me encontrando. Quero seguir nisso. Vocês dois me envenenaram — brinco.

— Que sorte a nossa…

— Mas vamos deixar isso pra lá por enquanto. — Deito de lado na cama. — Eu tô com muita saudade de você. Não me importaria de passar o dia inteiro com você amanhã.

— Mas amanhã você não vai fazer o exame?

— Sim… Você pode vir comigo?

— Gui, eu tenho aula!

— Por favor! Eu não quero ficar sozinho. Eu tô com medo, tô nervoso… Sei lá. Eu não quero estar sozinho amanhã. Faz isso por mim? Depois a gente pode ficar junto.

— Você sabe que eu não posso perder as aulas.

— Só um dia! — reforço.

— Gui, as minhas faltas são contadas. Não posso faltar à toa. Se eu tiver algum motivo sério de verdade no futuro, não vou poder faltar.

— Sério de verdade? — pergunto dando gravidade. — Você não acha que eu estar sem saber quem é meu pai e precisar de você ao meu lado porque tô destruído por dentro não é sério de verdade?

— Você entendeu o que eu quis dizer…

— Eu entendi, sim. E tá magoando. Você nunca acha que meus pedidos são prioridade pra você.

— Guilherme, a gente não vai brigar por telefone, né? Você só vai tirar um pouco de sangue, é rápido. Depois a gente almoça junto e volta pra aula. Não está bom?

— Não. Não está. Eu não tô com cabeça pra faculdade amanhã.

— Porque pra você é mais fácil. Eu tenho que estar com a cabeça na faculdade todos os dias.

Respiro fundo, me acalmando, tentando refletir se ela está sendo tão insensível assim mesmo e pensando que não há nada de errado. O que está havendo com ela? Eu não consigo entender!

— Eris, deixa. Se o que estou passando não é tão sério pra merecer nem uma falta sua, eu não quero mesmo ficar tentando te convencer. É melhor eu desligar ou a gente vai discutir. E o que eu menos preciso agora é de mais estresse.

Ela suspira do outro lado.

— A gente se fala amanhã…

— Não sei. — Desligo abruptamente.

Jogo o celular no colchão. Sinto raiva. Muita. Por que ela está me tratando assim? O que foi que eu fiz? Ela não liga para nada do que eu falo, para ela eu nunca sou mais importante que a faculdade ou qualquer outra coisa.

Como eu já tinha percebido antes, estou longe de ser sua prioridade e ela só faz me afastar mais. E o pior é não estar com cabeça para pensar melhor nisso, e temo que fim isso pode ter.

Infelizmente, eu já sei que não somos mais um casal unido como éramos antes. Como será daqui pra frente? Podemos voltar a sê-lo? Ela está me magoando muito e parece não se importar.


Notas Finais


oi!
o momento reconciliação do guilherme com seu "pai" ficou tão lindo pra mim que eu amo esse capítulo mesmo com a eris sendo fria com o gui no fim. ela anda bem diferente nos últimos capítulos. fiquem de olho!

gente, eu sou uma esquecida
esqueci de agradecer vcs pela história ter alcançado 1000 acessos! agora já até passou, mas queria agradecer mesmo assim pelo apoio, fico toda bobaaa ♡

e também, gostaria de compartilhar com vocês que nesse momento estou escrevendo o ÚLTIMO CAPÍTULO DA HISTÓRIA, o último de todos :( ainda faltam muitos pra postar, mesmo assim já estou com saudades kkk espero contar com vocês até lá!

o próximo capítulo é tão bom que eu acho que nem vou querer demorar a atualizar
então eu volto em breve!
se cuidem, beijinhos!


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