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História Capuz Escarlate - Legado do lobo - Capítulo 36


Escrita por: Na-Sama

Capítulo 37 - Capítulo 36


 

Um vasto campo de ruínas dominava o horizonte da antiga Alsfeld. Era difícil determinar a natureza original dos edifícios, tão desgastados estavam pelo tempo. Pilhas de pedras esfareladas, outrora talvez paredes de casas ou fortificações, agora jaziam cobertas por uma camada espessa de líquens e musgos. Ervas daninhas emergiam dos espaços entre as rochas, testemunhas da reconquista da natureza sobre a mão humana. Contudo, surpreendentemente, estandartes permaneciam de pé, desafiando os anos. Exibiam uma cor vibrante de vermelho-sangue, símbolo da ordem dos Capuzes Escarlates, e tremulavam como se tivessem sido erguidos recentemente. Era inacreditável que tais estandartes pudessem ter sobrevivido enquanto o resto da cidade se transformava em destroços. A explicação só poderia ser mágica. E essa magia era palpável. Ela emanava do chão, circulava pelo ar, envolvendo tudo e todos em uma aura misteriosa.

— Nunca vi ou senti algo assim... — murmurou Klaus, desequilibrando-se nas pedras irregulares do caminho, mas sendo prontamente amparado por Victor.

— Devo concordar com você. É perturbador! Espero que essa magia não tenha efeitos adversos... Como mutações! Já ouvi histórias de pessoas que enfrentaram consequências terríveis ao se expor a uma energia mágica tão pura. — Victor expressou sua preocupação, pensando no perigo de uma possível "radiação mágica" afetando-os.

Klaus soltou uma risada profunda e áspera, claramente achando graça nas preocupações expressas por seu namorado.

— O que é aquilo? — indagou Malcom, apontando para uma estrutura entre os escombros. A princípio, Victor não deu muita atenção; algo na atmosfera daquela cidade abandonada e devorada pelo tempo lhe transmitia uma sensação de segurança. No entanto, ao focar melhor sua visão, lembrando-se de sua vulnerabilidade humana em comparação aos seres sobrenaturais que eram Malcom e Klaus, conseguiu discernir algo se agitando nas sombras.

— Será um animal? — Sir Alfredo questionou, instintivamente buscando o cabo de sua espada, apenas para se dar conta de que a havia perdido durante o confronto com os fantasmas, assim como sua armadura. Atualmente, vestia-se com roupas simples: uma camiseta preta e calças largas de moletom. Mais parecia um jovem que acabara de concluir uma sessão de treino em uma academia do que um nobre Guarda Real.

— Em todo tempo que estive aqui, nunca presenciei animais nesta floresta. — Gallego declarou. De fato, desde que chegaram, parecia que toda a vida selvagem havia silenciado ou se escondido. No entanto, isso não significava que ela não estivesse lá.

— Ah... Vocês a encontraram. — disse o guardião, com um tom relaxado, interrompendo seu passo para observar a figura que emergia dos escombros. A criatura tinha cabelos desgrenhados que ocultavam seu rosto, entremeados por folhas secas e pequenos galhos. Seus olhos verdes, intensos e alertas, vasculhavam o ambiente em busca de ameaças. Do que restava de suas vestes, destacava-se um capuz vermelho atado ao seu pescoço. Movia-se agachada, segurando em uma mão uma pedra afiada e, na outra, um réptil que se contorcia em desespero.

Com um sobressalto, Victor reconheceu Lunne Glosswheather, uma das jovens desaparecidas na floresta.

— Ela... Ela não é uma zumbi? — indagou Sir Alfredo, visivelmente confuso pela postura da garota, especialmente após lembrar-se dos sinistros destinos das outras jovens desaparecidas — ou, mais precisamente, raptadas pelos seguidores do Barba Azul. As infelizes haviam enfrentado mortes horrendas e, sob a influência da magia necromântica de Cornélia, foram ressuscitadas e transformadas em armas contra o próprio grupo. Era difícil para ele imaginar que o destino daquela jovem fosse distinto das demais.

A menina em questão observava o grupo com cautela. De fato, ela não se parecia com as outras vítimas que haviam encontrado anteriormente. Embora parecesse viva, havia um ar selvagem e traumatizado em seus olhos.

— Eles trouxeram essas jovens... — começou o guardião, um tom de tristeza permeando sua voz — Todas usavam capuzes vermelhos, mas não atendiam aos verdadeiros requisitos do legado. Tentaram, de diversas formas, introduzi-las em meu território, associando-as a lobos. Eles falhavam em compreender que não era apenas o simbolismo do capuz escarlate e do lobo que o legado demandava, mas uma ligação genuína entre um humano e um ser não-humano. Uma conexão pautada em amizade, compaixão, talvez até amor... Mas o que percebi nessas jovens era apenas terror.

— E você ficou apenas observando? — indagou Victor, a indignação evidente em sua voz. — Elas foram trazidas até você, jovens aterrorizadas, arrastadas por um grupo de fanáticos, e você não fez nada para ajudar... Não usou...

Victor gesticulou em direção aos espíritos de seus pais falecidos, que os seguiam a uma distância segura. Estes, com suas armas etéreas em mãos, haviam os auxiliado na batalha contra os espectros da bruxa necromante.

— Você tinha o poder para enfrentar e derrotar esses monstros! Para salvar essas garotas! — exclamou, a fúria crescendo a cada palavra.

O guardião, com seus olhos de um dourado profundo, lançou um olhar cansado a Victor, parecendo soltar um suspiro longo e pesaroso.

— O legado impõe limites à minha ação. Você precisa compreender que há condições específicas que precisam ser atendidas para que eu possa intervir, como fiz hoje. Só pude ajudá-los porque finalmente chegaram os escolhidos que o legado tanto aguardava. — Ele indicou Victor e Klaus com um movimento sutil de mão. — Quando aquelas jovens foram trazidas, por mais que meu coração desejasse agir, tudo que pude fazer foi impedir que o grupo avançasse mais. No entanto, salvar aquelas meninas estava além do meu alcance. O legado me confina ao meu papel de guardião.

— Mas as armadilhas na floresta... Você... — Klaus tentou argumentar, mas o guardião o interrompeu.

— Não fui eu quem as colocou. Outros, aliados à nossa causa, foram responsáveis por preparar o caminho, instalando tais armadilhas para dissuadir os curiosos. — Ele esclareceu, desviando seu olhar para a jovem que, com cautela, se aproximava deles.

— E por que ela está aqui? — Victor manteve seu tom acusatório, apontando para a garota selvagem que se movia cautelosamente em direção ao guardião, lançando olhares receosos para o grupo.

— Eu não a resgatei. Ela encontrou seu próprio caminho. — O guardião disse, com um traço de admiração em seu olhar ao observar a jovem se aproximando. — Quando ela foi trazida ao meu domínio pelos lobos a serviço do Barba Azul, simulou um desmaio. Os lobos, por um momento, desviaram a atenção, e ela aproveitou para fugir, refugiando-se nestas ruínas.

— E por que você não a repeliu? Como fez comigo dias atrás? — Jägered questionou, com uma pontada de suspeita em sua voz.

— Ela não buscava o Legado quando entrou em meu território, apenas refúgio. As regras do Legado são claras: devo proteger e repelir aqueles que buscam o poder do Legado. Se não têm tais intenções, não tenho obrigações. Ela pôde se refugiar nas ruínas, enquanto os lobos não. Ao perceber que estava segura aqui, optou por permanecer, evitando a perigosa floresta e os lobos que a caçavam. O Legado permitiu sua entrada e estadia, mas, como podem ver, não pude fornecer mais ajuda — não pude oferecer roupas limpas ou alimento. Ela teve que encontrar formas de sobreviver sozinha. É, sem dúvida, uma verdadeira guerreira.

A jovem agora tentava se erguer, lançando olhares incertos ao guardião, provavelmente ponderando sobre a presença de outros seres naquele lugar sagrado. Parecia estar percebendo que, se o guardião permitiu a entrada do grupo, talvez não fossem uma ameaça. Ainda assim, mantinha sua pedra afiada a postos.

— Por que não pôde ajudá-la nesses aspectos? — Klaus indagou, notando o contraste entre a aparência da menina, suja e visivelmente faminta, e a do guardião, vestido com roupas que, apesar de antigas, pareciam impecavelmente cuidadas e limpas, algo surpreendente em meio a uma cidade em ruínas.

O guardião, por sua vez, estampou um sorriso triste.

— Eu só existo porque o legado existe. Sua magia me mante vivo, se posso dizer assim. Não como, não durmo, não bebo água, não envelheço. Não estou morto e nem posso ser morto, ainda tenho meus próprios pensamentos e individualidade, apesar de minhas ações serem limitadas pela magia do legado. Foi um sacrifício que fiz a muitos anos em prol de proteger aquilo que podia trazer Barba Azul de volta a vida. E falando do Legado, é para isso que vocês vieram...

Com essas palavras, ele começou a trilhar o caminho. Lunne observou o guardião com um olhar confuso e, em seguida, voltou sua atenção para o grupo.

— Lunne... — Victor avançou em direção a ela com passos cuidadosos, erguendo as mãos em sinal de paz, mostrando que não carregava nenhuma arma que pudesse ameaçá-la. Ele sentiu uma onda de empatia ao olhar para a garota, vendo um reflexo do menino traumatizado que ele fora no passado, preso em um porão, testemunha da morte brutal de seus pais nas garras dos lobos.

— Estamos aqui para te resgatar. — Disse suavemente, percebendo que, embora ela ouvisse, parecia não processar completamente suas palavras.

— Você conseguiu sobreviver... Sozinha... Imagino o quão difícil e assustador isso deve ter sido para você. — Seu tom de voz era terno, carregado de compreensão e experiência pessoal. — Você enfrentou horrores, mas não está mais sozinha. Estamos aqui contigo.

Ao falar, Victor se aproximara de Lunne, parando a uma curta distância dela, seus braços estendidos em um gesto acolhedor, esperando que ela tomasse a iniciativa de se aproximar. Ela abaixou o olhar, soltando o pequeno lagarto que segurava e apertando a pedra afiada contra o peito, como se buscasse algum consolo naquela ação.

— Elas... — Sua voz era tênue, mas determinada. — Vi o que fizeram com as outras garotas... Embora não fossem minhas amigas, nunca conversei com elas... Ainda assim, o que lhes fizeram...

— Sim, foi terrível. — Victor se agachou, olhando profundamente nos olhos da jovem de apenas 12 anos.

— Eu não podia permitir que fizessem o mesmo comigo... — Ela murmurou, sacudindo levemente a cabeça.

— E você não deixou. Você está aqui, viva e forte. — Assegurou Victor.

Com os olhos brilhando de lágrimas, Lunne perguntou hesitante:

— E-eu... Posso voltar para casa agora?

Victor sorriu ternamente.

— Vou te levar para casa. É para isso que estou aqui.

Lunne, então, se lançou nos braços de Victor, soluçando. Ele a envolveu com firmeza, permitindo que a menina encontrasse algum consolo em um toque humano, algo que ela deve ter desesperadamente sentido falta durante as longas e aterrorizantes semanas isolada.

Klaus assistiu à cena com uma combinação de tristeza e admiração. A missão original do grupo era resgatar três garotas que haviam desaparecido na floresta. Duas delas haviam sido transformadas em criaturas após suas mortes, enquanto a última, embora viva, carregaria as cicatrizes emocionais daquele trauma por toda a sua vida. No fundo, Klaus sentia que a missão não tinha sido plenamente bem-sucedida. Ele desejava ter trazido todas elas de volta sãs e salvas, proporcionando um desfecho reconfortante para suas famílias. Um final feliz...

— Não temos muito tempo — disse o guardião, parecendo um tanto distante da situação atual. Klaus supunha que os incontáveis anos servindo como guardião tinham, de alguma forma, atenuado suas emoções. Ele sempre parecia estar um passo atrás, ligeiramente desvinculado da realidade ao seu redor. — O legado os aguarda.

Victor, com um tom de desafio, replicou:

— O legado esperou todos esses anos. Pode aguardar mais alguns minutos. — Ele segurava Lunne, que chorava silenciosamente, tentando acalmá-la com gestos suaves e palavras reconfortantes. Klaus ficou surpreso ao ver essa faceta mais terna do caçador, que geralmente se mostrava mais áspero, revelando uma habilidade inesperada para consolar uma criança em sofrimento.

O guardião esboçou um sorriso sutil, sem demonstrar qualquer sinal de irritação diante da resposta de Victor.

Em breve, eles reivindicariam o Legado para si, e todo esse caos chegaria ao fim. Pelo menos era o que esperavam. Klaus Gallego lançou um olhar pensativo para os espíritos dos pais de Victor, que permaneciam à margem do território. Eles pareciam alheios ao que acontecia ao seu redor, sem sequer reconhecer a presença de seu filho. Uma sensação de tristeza tomou conta de Klaus. Ele se perguntava se ele e Victor conseguiriam encontrar algum tipo de resolução para as cicatrizes de seus passados, intricadamente ligados àquele Legado. Eles já haviam perdido seus pais por causa disso, e agora estavam prestes a reivindicar algo que já havia causado tanto sofrimento.

E aquele era apenas um dos três Legados conhecidos.

"Não... Esse turbilhão não está prestes a acabar. Na verdade, está apenas começando", refletiu Klaus, sentindo uma onda de ansiedade invadir seu ser.

 



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