A professora de literatura parecia saída de algum filme de comédia. Era uma senhora gordinha, que adorava coxinhas, dormia no meio dos debates e leituras da sala, e vivia escolhendo algum dos alunos para ir à cantina buscar lanchinhos para ela no meio da aula.
Naquele dia, resolveu exibir um filme do Netflix para os alunos, Enola Holmes, simplesmente porque precisava corrigir alguns trabalhos atrasados.
─ Estarei na sala dos professores, corrigindo os trabalhos. Já deixei a Graça avisada, vocês não devem ficar circulando pelos corredores, mas sim, assistir ao filme. Vou pedir um relatório sobre ele depois. ─ avisou a professora, sorrindo ─ No mais, divirtam-se.
─ Ela acha mesmo que a gente ainda não assistiu esse filme? Nós estávamos em quarentena, zerando a Netflix. ─ se abismou Jaime.
─ Correção, ela acha que nós assistiríamos qualquer filme, sem ela aqui na sala? ─ perguntou Paulo, passando os braços por baixo da perna da namorada ─ Estaremos lá no fundo, até mais.
─ Paulo. ─ Alicia começou a estapear o namorado, enquanto os amigos riam.
─ Errados não estão. Nada como um cineminha para dar uns beijinhos. ─ Davi deu de ombros ─ Mas todo mundo aglomerado aqui vai ser dose.
─ Vamos seguir a lei da quarentena: distanciamento social. E os solteiros que se virem. ─ brincou Kokimoto.
Os casais se espalharam pelo auditório. Laura resolveu prestar atenção no filme, mesmo já tendo assistido algumas vezes, e Adriano e Jaime aproveitaram o tempo para cochilar. Com isso, restaram Maria Joaquina e Cirilo. Eles estavam sentados em fileiras diferentes, um tanto distantes, mas podiam sentir os olhares um do outro.
A garota ainda sentia o estômago revirando do episódio de mais cedo. Já tinha quase seis meses da última vez que ela e Cirilo tinham se beijado, um recorde. Desde os 13 para 14 anos, quando se beijaram de verdade pela primeira vez, nunca tinham ficado tanto tempo afastados.
E afinal, por que nunca tinham engatado o relacionamento para valer? Claro, ela tinha saído com outros rapazes ao longo daquele tempo (no final de semana anterior, inclusive, foi ao cinema com Theo, o primo da nova amiga skatista de Alicia), mas nunca havia gostado de ninguém como gostava do Rivera.
A resposta de sua pergunta era óbvia, mas não menos dolorosa. Ela nunca se permitiu viver a história de amor que ele sempre a ofereceu porque era uma mimada, elitista, nariz em pé, preconceituosa... Claro, não era mais a pessoa odiosa que era aos oito anos, mas isso não queria dizer que a podridão não estivesse mais enraizada em si.
─ Posso me sentar aqui? ─ Cirilo brotou ao seu lado, a assustando ─ Maria Joaquina, você está chorando?
─ Emocionada com o filme. ─ mentiu, secando os olhos.
─ Mas como? É uma parte de comédia.
─ Não é porque aparenta uma coisa, que não pode ser outra, Cirilo. Uma cena engraçada pode esconder mais coisa do que apenas riso. ─ ela disse com os olhos fixos na tela.
─ Meu coração balançou. Ali fora, quando a gente estava perto... Meu coração bateu mais forte. ─ ele disse do nada, e ela segurou o choro.
─ E o que isso quer dizer?
─ Como o que quer dizer, Maria Joaquina? Você é tão ruim de ler as coisas assim? ─ ele se irritou.
─ Claro que não, garoto. O meu coração também balançou. Na verdade, parecia uma escola de samba na Sapucaí. Porque eu ainda gosto muito de você. ─ ela se virou, irritada ─ E é por isso que eu estou chorando. Porque eu sou uma idiota. Porque eu sou uma maçã tão podre quanto a da Branca de Neve.
─ Maçã podre? Do que você está falando, Maria Joaquina?
─ Linda por fora, Cirilo, maravilhosa. Aquela maçã brilhante, suculenta... E quando você morde, é só a podridão. Não é o que eu sou? ─ os olhos claros vertiam lágrimas ─ Eu tive o cara mais gentil, educado, lindo... E por preconceitos ridículos que eu tenho, pelo medo do que pensariam outras pessoas tão imbecis quanto eu... Eu te perdi.
─ Que inferno, Maria Joaquina... E quem disse que você me perdeu?
─ O quê...
Ela não terminou o que dizia, porque Cirilo a puxou pelo pescoço. Era o primeiro beijo em quase seis meses, e ela tinha esquecido de como era bom beijá-lo. Os beijos entre eles, no começo tão travados e desajeitados, se tornaram naturais, encaixes perfeitos.
Ela não queria, mas se afastou.
─ Cirilo, a Emanuelle... ─ lembrou ela, trêmula.
─ Eu gosto muito da Manu, Maria Joaquina, mas nada se compara ao que eu sinto por você. Eu te amo desde que eu possa me lembrar. ─ ele ainda segurava o pescoço dela, sério ─ Se você me disser que está pronta, que quer que a gente fique juntos... Eu termino tudo com a Manu e fico com você.
─ Você vai partir o coração dela.
─ Se eu continuar com ela, gostando de você, eu vou machucar ela de todo o jeito. Eu nunca vou poder retribuir totalmente o sentimento dela, Maria, se eu ficar esperando pela hora de ficar com você. ─ ele acariciou o rosto dela, e os olhos dele também estavam marejados ─ Me diz, Maria... Você quer ficar comigo? Para valer?
─ Cirilo, eu...
Mas antes que ela conseguisse responder, a porta do auditório se abriu com um estrondo. Todos pularam no lugar, especialmente os casais que estavam ocupados se agarrando, e de repente a luz foi acesa, revelando a professora Roberta.
─ O que está acontecendo aqui? ─ questionou a professora de física, segurando o riso ─ Paulo, desde quando você usa batom?
─ Desde que a namorada dele não sabe se portar de batom. ─ resmungou Alicia, tentando limpar a boca do namorado ─ Tá parecendo um palhaço, meu Deus.
─ Eu vim conferir se estavam todos dentro do tema... Mas essas patricinhas e mauricinhos estão um pouco desalinhados. ─ comentou a professora ─ Até você, Jorge.
─ A Margarida gosta de fazer cafuné, professora. Aí meu cabelo está bagunçado. ─ explicou o loiro, enquanto a namorada estava da cor de um pimentão.
─ E a boca inchada é do cafuné?
─ Professora, melhor assumir que estava todo mundo se agarrando, ou eles vão acabar explodindo de tão vermelhos. ─ sugeriu Jaime.
─ Eu já tive a idade de vocês, Jaime. Quando a Mary disse que vocês estavam sozinhos aqui, vendo Enola Holmes, eu tive certeza de que ninguém estaria vendo o filme para valer. ─ riu a professora, observando os alunos tentarem se recompor ─ Carmen, Daniel, confesso que achei que vocês estariam pelo menos fingindo prestar atenção no filme.
─ Carmen acordou com a maldade no corpo hoje, professora. Tá um tanto atacada. ─ aporrinhou Adriano, observando a CDF atingir novos tons de vermelhos.
─ Eu realmente amo adolescentes. ─ a professora riu baixinho ─ E é por motivos assim que não temos trote do pijama. Isso não iria dar muito certo...
─ Ok, professora, já conseguiu deixar todo mundo bem sem graça. ─ avisou Valéria, um pouco irritada.
─ Bom, estão todos no tema, e ninguém vai precisar pagar prenda. ─ confirmou a mais velha ─ Mas no intervalo, a empresa de formatura vem tirar fotos de vocês caracterizados, como sempre. Mário, tenta cobrir esse chupão no seu pescoço.
─ Que chupão? ─ espumou Paulo, enquanto a irmã se afundava nas cadeiras.
─ Eu realmente amo adolescentes. ─ riu a professora ─ Eu vou apagar a luz, e sugiro que voltem a assistir o filme. A diretora Olívia se interessou pela ideia da professora Mary, e talvez passe por aqui.
─ A gente não tem um minuto de descanso nessa vida, sério mesmo. Quando o mundo dá uma brechinha para podermos namorar, a vida ri da gente. ─ reclamou Davi, se sentando direito nas cadeiras ─ Valéria, cadê o meu kipá?
─ O pessoal dessa sala tem tanto fogo... Isso não é nada romântico. ─ comentou Laura, voltando a assistir ao filme.
─ Espera ela começar a se agarrar com o Alan para ver se vai continuar pensando assim. ─ Mário resmungou, olhando o pescoço no celular ─ Marcelina do céu, qual a necessidade disso?
─ Cala a boca, Mário, ou vai voltar a beijar só o Rabito. ─ Marcelina pegou a bolsinha de maquiagem ─ Vem aqui para eu cobrir isso.
─ E você nem comece, Paulo Guerra. Fica quietinho, assistindo o filme. ─ Alicia avisou o namorado, que já se preparava para brigar com a irmã.
Todos foram se ajeitando nos lugares, ficando mais tranquilos, mas tensos que talvez a diretora aparecesse. Cirilo e Maria Joaquina ficaram sentados lado e lado, mas ele sorriu ao sentir que a garota segurava a sua mão.
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