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História Carta à suicida - Nicole


Escrita por: Mittyh

Notas do Autor


Infelizmente o capítulo demorou a sair, mas saiu.
Espero que aproveitem a leitura.

Capítulo 4 - Nicole


Era azul, grande e tenebroso, perseguia-me. Corri. Abismo. Um passo pra trás e eu caía infinitamente.

Acordei, mais um daqueles pesadelos com azul. Notei que o celular tocava, atendi, era Aurora:

“Ela ficou feliz. Disse que sempre esperou uma notícia sua, quer saber se você está livre no almoço. Caramba, acho que ela gosta mesmo de você.”

“Que horas são?”

“11:23, vai vê-la? Você não acabou de acordar, né?”

“Acabei. Vou. Diga a ela que estou a caminho do restaurante mexicano, ela sabe qual.”

“Ela sabe? Como assim? Vocês já foram lá?”

“Aurora, vou desligar.”

“Você vai ter que me contar.”

“Eu sei.”

Desliguei a chamada, tirei o pijama e vesti um suéter lilás, uma calça jeans e um tênis surrado, que estava terrivelmente sujo, mas eu não dava à mínima, escovei os dentes e andei até o quarto, peguei a carta e sai.

O ônibus lotado me deu uma breve nostalgia, lembrei que quando ia para o trabalho era a melhor parte, às vezes eu inventava histórias e diálogos entre os passageiros. Entre a confusão de aromas um se sobressaiu, era um cheiro floral, laranja e doce, senti-me nauseosa, contudo eu não conseguia reconhecer de quem era, inalei profundamente, busquei entre os rostos e ninguém me era familiar, o ônibus parou e alguém desceu, não prestei atenção, entretanto o perfume se foi com a pessoa e eu me arrependi de não ter sido mais atenta.

O percurso de 13 minutos era incomodo, eu detestava a sensação de estar em um vídeo clipe da Adele, não queria pensar na minha vida, repensar em como teria sido diferente se eu tivesse feito algo que não fiz ou deixado de fazer, porque isso não mudaria nada, nunca mudava, ainda que eu chorasse até soluçar, nada seria mais fácil, nada seria melhor, isso só me levava para um buraco mais profundo do que o último, todas às vezes eu me afundava alguns centímetros a mais e eu já me sentia no fundo o suficiente, talvez acabasse pensando em como poderia tornar tudo mais fácil, em como a dor poderia acabar em um instante.

Enfiei a mão no bolso da calça sentindo a carta, apertei-a. Pela primeira vez em meses eu não me entreguei aos pensamentos e fiz um breve pedido:

“Quem quer que você seja, onde quer que esteja, sinta que eu sou grata, não me abandone.”

Apertei o botão de parada, desci e caminhei até o restaurante. Ele era verde com enormes mesas de madeira, cheirava a pimenta e desinfetante. Nicole estava sentada em uma mesa na área ao ar livre, também conhecida como “aqui pode fumar”, ela usava um desses terninhos com saia - de secretária - azul marinho, que realçava seus cabelos alaranjados e seus olhos cor de mel, uma vez ela comentou que odiava essas roupas, que se sentia apertada e desconfortável, na ocasião, eu só sorri e concordei, no entanto queria ter dito que ela ficava encantadora nessas roupas, mas que parecia incomodada sempre que a roupa lhe trazia elogios.

Aproximei-me, toquei seu ombro e ela virou sorridente, ela apontou para a cadeira ao seu lado e eu me sentei.

“Oi, Nicole.”

Achei que era minha obrigação iniciar a conversa, já que eu a tinha chamado. Um garçom veio até a mesa e pedi um chá gelado, ela pediu alguma comida mexicana que, pra ser sincera, eu não sei pronunciar, e um refrigerante diet.

“Você não vai almoçar, Ana?”

Não faço ideia do por que, mas ela tinha essa mania de me chamar de Ana, que tornava ela uma exceção.

“Não, preciso tomar o remédio antes e só tomo depois das 14.”

“Ah, bem. Aurora comentou que você queria falar comigo.”

E eu queria, todavia quando lembrei que ela me chamava de Ana, sabia que não era ela o anônimo. Então resolvi iniciar a conversa de outra maneira.

“Lembra quando comentou que odiava esses terninhos de secretária?”

Ela riu e assentiu com a cabeça.

“Eu queria ter dito que você ficava encantadora, então.”

Respirei e fingi que faria um anuncio importante.

“Você está encantadora.”

Ela entrou na cena, fez cara de surpresa e sorriu.

“Obrigada. Eu esperei muito tempo por um elogio seu.”

“Claro que eu não vim tomar seu tempo com um elogio. Eu recebi uma carta, não acho que você tenha mandado, porque me chama de Ana, mas, você sabe, Aurora insistiu.”

Um traço de desapontamento pareceu atravessar seu meio sorriso, porém a simpatia voltou a preencher seu rosto.

“Eu não te mandei uma carta. Apesar de ter iniciado algumas, eu não cheguei a enviá-las.”

Ela me fitou a espera de perguntas, entretanto a desapontei e continuei em silêncio. Os nossos pedidos chegaram. Segurei o canudo e me permiti um gole, percebi tarde demais que estava sem açúcar, então depositei algumas colheradas e mexi com o canudo. Tornei a minha atenção a ela, enquanto testava o sabor, dessa vez estava doce o suficiente. Ela tentou abrir a latinha e falhou uma, duas vezes, na terceira, pedi permissão e ela recolheu as mãos, abri, girei o lacre, depositei um canudo dentro do buraco do lacre, de forma que ele ficasse preso e não subisse.

“Você está bem?”

Perguntei relutante, mais por educação que por interesse, então eu detive sua atenção.

“Sim. Eu só estou irritada. Sinto sua falta, Ana. Eu, bem, eu esperei uma ligação sua por meses, uma notícia. Você é minha amiga e eu queria, você sabe, ter ajudado, estar a disposição e você não me permitiu isso. E quando vem falar comigo, eu sequer fui útil.”

Eu sorri, de uma maneira tão real que só notei quando o sorriso já estava se desfazendo.

“Nicole, desculpa. Eu não queria te arrastar pros meus problemas, pro meu escuro. E você não entendia isso, eu não vou mentir, não me arrependo das minhas decisões, eu mal lembrava de como você soltava um meio sorriso entre as frases quando estava nervosa. Eu não senti sua falta.”

Ela me encarou triste e parou a mastigação por um segundo, resolvi que segurar a mão dela tornaria tudo mais compreensível e ela não impediu, então continuei:

“Eu achei que estava te protegendo e isso era o bastante. Eu andava tão dopada que mal tinha noção do meu corpo, as emoções me deixaram uma a uma. Primeiro a tristeza e eu me senti bem sem ela, por um mês ou dois, até que a alegria começou a se esvair, porque quando você não fica triste, nada te deixa feliz, eufórica, porque simplesmente não tem necessidade, de repente eu só ficava irritada, mas a raiva se foi e só me vi em meio ao medo, ele às vezes bate cartão, no entanto eu estou tentando recomeçar.”

O olhar dela oscilou um pouco entre o meu olhar e a rua, apertou minha mão e engoliu.

“Eu posso estar ao seu lado? Quero te ajudar a recomeçar.”

Imaginei que estava beirando a loucura, porque senti amor na sua frase, mas não era algo carnal, era fraterno. Ela queria me proteger e talvez eu quisesse proteção, por isso aceitei.

“Sim. Quero que me ajude.”


Notas Finais


Até o próximo capítulo.
Beijinhos.


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