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História Chamas do passado - O comboio parte mais uma vez


Escrita por: Kitty-Batsky

Notas do Autor


Ok, ok, eu podia ter postado mais cedo, eu sei!
Não é como se eu não tivesse tido tempo porque entrei de férias há pouco mais que uma semana, mas este capítulo estava "duro de roer" (ou de escrever, no caso).
Estava a meio e a pensar "epa, isto vai ficar tão aborrecido de ler" mas, afinal, acho que me consegui redimir e lá consegui pôr a escrita a fluir com umas centelhas interessantes ao longo do capítulo.

Espero que gostem, como sempre, e boa leitura!

Capítulo 9 - O comboio parte mais uma vez


Fanfic / Fanfiction Chamas do passado - O comboio parte mais uma vez

Sentia-me vagamente ciente das grossas gotas de chuva que caíam sobre a minha cabeça, dos meus cabelos a pingarem, como rios de água negra, da dor nos meus olhos, que choravam. O luto deixara-me enregelada, a tempestade viera completar a minha miséria.

A campa da mãe era simples, cinzenta, desprezável como um rochedo. Nem para a enterrar decentemente arranjara algum dinheiro. Odiava o facto do seu túmulo insignificante se perder no meio dos outros, mais elaborados, limpos, bonitos, esculpidos com formas angelicais e santas. Era como se eu e Maria não quiséssemos saber. Como se a nossa mãe tivesse falecido e tivéssemos atirado o seu corpo para o primeiro buraco que acháramos. Mas, oh, como nos doía os corações. Ela cuidara de nós enquanto era viva, mas nós não conseguíramos cuidar nem do seu cadáver.

O cheiro a incenso queimava as minhas narinas, era insuportável. Um moscardo tentava picar-me, pululando de um dos meus braços para o outro.

Pousei os olhos no ramalhete de rosas brancas que Maria deixara em cima da campa, atadas com um cordel vermelho demasiado vistoso para a ocasião. Ela prestara o seu tributo e partira, veloz, a esconder-se entre as urzes e a cortina de água. A esconder-se de mim, para que eu não a visse chorar. Porque até nestes momentos a teimosa tem que manter a postura.

Há quanto tempo ali estava? Muitas horas? Os meus calcanhares doíam de estar tanto tempo de pé. Veio-me uma súbita vontade de abraçar a minha irmã, última familiar que me restava. Olhei em redor, procurando-a. Via tudo embaciado, como se estivesse dentro de um carro, a olhar pelos vidros.

Consegui reconhecê-la pelo cabelo, único elemento claro dentre tantos plúmbeos. Era como uma personagem colorida num filme a preto e branco. Um homem conversava com ela. Semicerrei os olhos, tentando descobrir-lhe a identidade. Achava que toda a gente já tinha partido, excluindo nós duas. O padre, os homens que tinham carregado o caixão, até Dumbledore se afastara, dando-nos o devido espaço para lamentarmos a nossa perda.

A mão daquele desconhecido caiu no ombro de Maria. Quis aproximar-me mas um medo irracional pregara-me ao chão. Não conseguia mover-me, afogada nas bátegas de água que me envolviam como cascatas e no meu próprio pavor.

A mão do homem desceu do ombro da minha irmã para as suas costas e empurrou-a levemente, para a conduzir. Quando fez este gesto, vi-lhe, por momentos, a cara. Era Timothy.

A incredulidade secou-me a boca e amoleceu-me as pernas. Aquilo não estava a acontecer. Não era possível. Timothy ardera, eu vira-o ser consumido pelas chamas, Maria enterrara os seus ossos.

Enquanto eu me debatia com a minha mente, certa de estar a alucinar, os dois afastavam-se em direcção ao portão do cemitério, fugindo cada vez mais do meu ângulo de visão.

Finalmente consegui desenterrar os pés da grossa camada de horror que me prendia e dei um passo em frente, preparando-me para correr atrás deles. Não tinha nem tomado balanço quando senti algo prender-me o braço. Algo frio, que me deu arrepios. Uma mão, tão gelada quanto a outra que me tinha prendido o pulso, colou-se à minha boca, impedindo-me de gritar. Um cheiro nauseabundo chegou-me ao nariz, cheiro de terra e bolor. Tentei debater-me, mas o fedor e o contacto frígido tinham-me sugado as forças, e não tardei a deixar-me cair sobre o corpo da pessoa que me afrontava. A mão desta largou o meu pulso e rodeou-me a cintura, prendendo-me de forma mais eficaz. Sustive a respiração, numa tentativa inconsciente de proteger as narinas daquele odor agressivo.

Quando a falta de oxigénio já me estava a pôr a cabeça a andar a roda, a pessoa, ou criatura, encostou o queixo no meu ombro. Ao ver-lhe o rosto, desfigurado e apodrecido, reconhecia-a. Era a minha mãe. Esquelética, decomposta, mas era ela, não havia que enganar. Os seus dedos, de onde a carne tinha sido arrancada por insectos, acariciaram-me a barriga sobre a camisola, tentando cessar os meus tremores.

- Shhhh… Deixa-os ir, é melhor! – Sussurrou ao meu ouvido, num sopro pestilento. E percebi que se estava a referir a Maria e Timothy. – Vem comigo… - E, ao dizer isto, moveu a mão que me cobria a boca para cima, até me tapar o nariz, tentando asfixiar-me.

Levei as mãos à cara, lutando contra aqueles dedos que me estavam a matar, e descobri-os suaves e fáceis de afastar. Estava a enfrentar lençóis.

Dei um salto tão grande que quase caí da cadeira. A minha visão demorou apenas alguns instantes a ajustar-se à luminosidade que me rodeava. A primeira coisa que me levou a acalmar-me foi o apitar monótono de uma máquina que media batimentos cardíacos. Sentia suor a escorrer de cada poro da minha pele e não conseguia parar de puxar o ar ruidosamente para a minha garganta, como se realmente estivesse a recuperar de uma asfixia. Enterrei a cara nas mãos e esfreguei os olhos, tentando afastar o sono e a recordação daquele pesadelo horrível.

Estava no hospital, não num cemitério. A minha mãe estava viva, apesar de num coma. Timothy, esse, é que já partira para o Inferno, não podia fazer mal a Maria.

«Tenho tido tantos pesadelos que não sei como ainda não aprendi a reconhecê-los. Acho que nunca vou aprender…», Pensei, exausta demais para sequer me sentir zangada comigo mesma. Como ainda me sentia com falta de ar, como ainda me doíam os pulmões, e porque o cheiro a anti-séptico hospitalar me estava a dar náuseas, resolvi sair do quarto. Antes de abrir a porta, lancei um último olhar na direcção da cama aonde a minha mãe repousava, perdida algures num mundo onde nem os mortos nem os vivos caminhavam. Vê-la daquele jeito era algo a que não me conseguia habituar. Estava tão pálida que conseguia ver cada veia azul debaixo da sua pele, em especial as das pálpebras, que eram as que mais me faziam impressão. Estava magra, tão magra que parecia uma daquelas mulheres em fotos tiradas em países vítimas de guerra. Ela nunca tivera uma alimentação decente, portanto estivera sempre no limiar do peso saudável, mas a operação viera dar cabo da pouca gordura que conseguira acumular nos tempos de maior abastança. Era alimentada a soro e mantinha-se a respirar apenas com a ajuda de ventiladores. Os médicos haviam-me mostrado um tal encefalograma, no qual eu conseguira ver o cérebro da minha mãe, negro no interior. Era o que eles chamavam estado vegetativo. O que me custava mais nem era assistir ao seu desgaste físico ou à sua inactividade mental, mas à precariedade da sua essência vital. Em coma, pouco mais era que um objecto. Apetecia-me rasgar-me ao meio e embeber o seu corpo na minha própria vida, a ver se despertava. Mas eu não podia dar-lhe a minha essência, infelizmente.

Desci num elevador até à recepção, aonde encontrei Maria, a dormitar a sono solto, estendida sobre duas cadeiras.

Apesar da vontade de a acarinhar, segui em frente, em direcção aos jardins, pois não queria acordá-la. Esparramei-me contra a parede, a inspirar o ar puro. A fragrância a terra molhada era realmente do que eu estava a precisar. Renovou-me as forças.

Ao meu lado, também encostado à parede, estava um homem de trinta e poucos anos, que não parava quieto. Batia com a ponta do sapato no chão ritmicamente, como se fosse um relógio a marcar o passo. Às tantas, tirou um isqueiro e uma caixa de cigarros do bolso e apressou-se a acender um destes, com um carinho tal que dava para perceber que era fumador de longa data.

Levou o cigarro à boca e puxou o fumo, soltando-o uns segundos depois, num suspiro. Era engraçado como ele nem parecera reparar na minha presença. Fiquei a olhá-lo fixamente, portanto, à espera de chamar a sua atenção, só para testar o quanto a sua distracção duraria.

Fumou um, fumou dois, fumou três cigarros, antes de uma enfermeira assomar à porta, a perguntar por um “Mr.Robson”. Ao ouvir o seu nome, o homem deu um salto, largou o terceiro cigarro ainda quase inteiro no chão, e precipitou-se para dentro do hospital.

Esperaria o nascimento de um filho? A morte de um familiar? Nunca viria a descobrir!

Dez minutos depois do episódio do homem que fumava que nem uma chaminé, Dumbledore chegou ao hospital. Disse à recepcionista que nos vinha buscar, novamente com a história de que era nosso tio-avô. A mulher estendeu uns documentos na secretária e pediu-lhe que os lesse e assinasse.

Sentei-me na cadeira ao lado das duas onde Maria se deitara e comecei a tentar acordar a minha irmã, abanando-a.

- Hum… Adormeci? – Perguntou, estremunhada. – Já é hora de voltar?

Assenti com a cabeça, mas com um ar tão emburrado que a fiz erguer uma sobrancelha.

- Dumbledore veio buscar-nos. – Expliquei, cruzando os braços e recostando-me na cadeira, numa das muitas posições típicas de quem está de mau humor.

Dumbledore tinha sido impecável em cuidar de nós nos últimos tempos. Não passávamos um dia sem vê-lo. E, no entanto, sentia-me desconfortável na presença dele, porque, apesar de por vezes não parecer, sabia que ele estava a vigiar-me a todo o instante. À espera que eu deixasse escapar do meu controlo algum dos meus poderes de ninfa. Era para meu bem, eu sabia, mas sentia-me como um leão enjaulado num jardim zoológico, alvo de olhares constantes.

O director assinou o último papel do molhe que lhe tinha sido dado e caminhou até nós com toda a calma do mundo e com um sorriso no rosto.

- Vamos? Passaram o dia todo neste hospital, vai-vos fazer bem um jantar quente no Caldeirão Escoante.

- Não há outro local em que me apeteça estar agora que não aqui. – Resmunguei. – Nem a promessa desse jantar me anima.

- Bem sei… Mas amanhã começam as aulas e tens de fazer as malas. O acordo com o Cornelius foi bem claro, ele quer-te em Hogwarts. E não deves descurar dos estudos, mesmo na mais complicada das situações.

Sinceramente, os estudos eram o que menos me importava naquele momento, mas acabei por manter a boca fechada.

- A que horas vai levar a Maria amanhã? – Perguntei.

Dumbledore sabia que eu não aceitaria voltar para Hogwarts deixando a minha irmã no orfanato sozinha, então ele tinha conseguido arranjar um lar temporário para ela. Durante o meu quinto ano em Hogwarts, Maria ficaria hospedada em casa de uma amiga de Dumbledore, numa aldeia Muggle próxima de Hogsmeade. Poderia visitá-la todos os fins-de-semana. 

- 3h da tarde! – Respondeu Dumbledore.

- E vão aparatar? Ou chegarão lá nalgum transporte Muggle?

- Vou ficar bem, irmãzinha mais velha! – Troçou Maria, interrompendo as minhas questões. – Eu deveria estar mais preocupada contigo que tu comigo. É que, se bem me lembro, há uns anos, bateste com os frontispícios na parede da plataforma.

- Foi há muito tempo! – Volvi, corando.

Mas sabia que ela tinha razão quando dizia que não valia a pena eu preocupar-me.

Apanhámos o metro até ao centro de Londres. Segundo Dumbledore, depois de um dia inteiro sentadas, far-nos-ia bem mexer as pernas. E assim caminhámos até ao Caldeirão Escoante. Maria disse que estava com sede, então deixei-a ao balcão no andar de baixo e subi para fazer as minhas malas.

Era a primeira vez que não me sentia animada em ir para Hogwarts. E isso assustava-me.

Arrumar todos os meus pertences foi cansativo e chato. Gastei apenas 20 minutos do meu tempo, mas pareceram passar-se horas.

O meu estômago roncou, avisando-me de que estava com fome.

Troquei de camisola (pois a outra estava húmida de suor na zona das axilas) e desci para me encontrar com Maria e pedir algo para comer.

Quando a encontrei, vi-a numa animada conversa com um adolescente que eu não conhecia de lado nenhum. E duvidava que ela o conhecesse também.

Estavam os dois a palrar como papagaios, encostados num dos balaústres que ornamentava a escadaria. Maria tinha um copo de sumo de abóbora ainda intocado na mão.

- Então e onde estudas? – Ouvi o jovem perguntar-lhe, quando já estava perto o suficiente para lhes distinguir as palavras nas vozes.

- Onde haveria de ser? Hogwarts, é claro! – Replicou Maria, sem qualquer traço de dúvida ou vergonha na cara.

- Estudei lá, óptimos tempos! Era da casa dos pacientes Hufflepuff. E tu, de que casa és?

- Slytherin, dos ambiciosos!

E lá estava ela novamente a mentir com quantos dentes tinha na boca. E, desta vez, eu não percebia qual era o seu objectivo.

- Adorava Astronomia…

- Prefiro Transfiguração.

- Essa é difícil…

Não podia esperar mais, tive que intervir. Sem medo de parecer mal-educada, interrompi a conversa entre os dois, falando por cima das suas vozes:

- Maria, vem cá, precisamos de falar! – E peguei-lhe pelo pulso. – Desculpe, é urgente! – Acrescentei ainda, lançando ao jovem um olhar rápido. Ele assentiu com a cabeça, apesar de tremendamente confuso.

- Obrigada pelo sumo! Continuamos a conversa numa outra hora! – Prometeu ela, enquanto era por mim arrastada, com um belo e falso sorriso no rosto, acenando com a mão com que segurava o copo, cujo líquido se movia da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, prestes a entornar-se.

Levei Maria para um canto da estalagem, onde ninguém nos poderia ouvir a conversar. Estávamos debaixo da escadaria, e a zona era boa para isolar o som. A minha irmã parecia bastante irritada por eu ter-me intrometido no seu esquema.

- Qual é a tua ideia?! – Ciciei, um pouco mais rispidamente do que pretendia. Depois baixei a voz para um murmúrio: – Não estudas em Hogwarts! Não és uma bruxa! Tens noção do que te acontece se te apanham a mentir? – Nem eu mesma sabia, mas tinha a certeza de que as consequências não iam ser boas.

Maria desviou os olhos dos meus, a sua boca um biquinho. Havia alturas em que ela conseguia realmente agir como uma criança teimosa. Cruzou os braços insolentemente:

- Estava apenas a tentar aprender um pouco mais sobre o mundo Mágico. – Defendeu-se.

- Como se fosse… Sabes bem que me podes perguntar qualquer coisa, que não te escondo nada. Andares por aí a fazer de espiã é inadmissível!

- É muito mais divertido assim. Eu não fiz nada de mal, ok? Não percebo porque estás tão nervosinha. Nunca mais vou ver aquele tipo na vida, muito provavelmente. Ele nem sabe o meu nome completo. Não lhe fiz mal nenhum. Apenas… Queria socializar um pouco e é impossível falar com alguém aqui sem fingir que se pertence a este mundo. Quando eu menti aos polícias para te salvar a pele já não me repreendeste. Porque te foi útil, não é?

Contei mentalmente até dez para não dizer nada do qual me pudesse arrepender depois. Eu tinha vontade de lhe dar umas palmadas. Maria realmente tem a mania que pode fazer o que quer a toda a hora.

- Não queiras comparar duas situações completamente diferentes. Estávamos em perigo. Num perigo tão grave que precisávamos de escapar a todo o custo. Não te dá permissão para continuares a mentir a torto e a direito para conseguires o que queres.

- Achas que é fácil? – Ela já não desviava o olhar. Encarava-me fixamente, com a cabeça erguida e olhos fulminantes. – Não, não é! Sabes que não é! Não és capaz de inventar uma mentirinha nem para salvar a pele. Põem-te um bocadinho de pressão e começas logo a gaguejar e a corar e a boca foge-te para a verdade. Para conseguires desencantar uma história num momento crítico tens que tê-lo feito antes. E, já te disse, não fiz mal nenhum àquele jovem ali. Apenas conversei com ele sobre coisas com que ele é familiar. Ele pagou-me o sumo de abóbora, sim, porque ele quis, porque achou a minha conversa agradável, porque eu o encontrei cabisbaixo e lhe dei conselhos para os problemas familiares dele. – Abri a boca para lhe dizer que o facto de ela o ter ajudado não justificava as suas mentiras, mas Maria ainda não tinha acabado de dizer tudo o que lhe ia na alma: - Eu quero pensar em outra coisa, Viviane! Os últimos dias têm sido insuportáveis! Deixa-me sair da minha pele nem que seja por uns minutos. Eu não quero ser realmente eu mesma agora! Não tinhas que estragar o primeiro momento descontraído que eu estava a ter em semanas! Que bom que consegues trancar-te num quarto de hospital e lá ficar a chorar durante horas, dia após dia, sem que isso te mate por dentro. Eu estou a ficar louca com esta porra toda. Preciso de pessoas à minha volta.

Tudo o que eu tinha de inteligente para dizer parecia subitamente estúpido face àquela última confissão de Maria. Eu fora ingénua ao pensar que ela só precisava de mim…

A minha irmã era uma extrovertida. Ela precisava de companhia. Precisava de falar. E fora deixada sem ninguém além de mim. Eu era alguém a quem ela podia confiar as mágoas. Éramos duas crianças a apoiar-se uma à outra num mar de tragédias. Mas era compreensível que Maria se quisesse afastar dos problemas.

Eu não conseguia sequer pensar em buscar diversão naquele momento. Festas? Brincadeiras? Risos? A minha cabeça começava a doer só de pensar nisso. Mas eu não era Maria. Eu tinha um jeito muito diferente de lidar com as situações.

- Hum… Desculpa… - Acabei por tartamudear. – Eu entrei em pânico…

Maria levou o copo à boca e emborcou alguns goles.

- Já agora, inscrevi-te num concurso para ganhares uma Cometa 290. Se venceres, pergunta-me quanto vale antes de a venderes.

- Hã… Mas… Porque fizeste isso? – A mudança de tema repentina deixara-me toda baralhada.

- Era grátis! – Volveu, num tom de voz de quem falava com um criancinha pequena que não percebia nada da vida. – Tens urgentemente de aprender a aproveitar oportunidades. Tu sequer lês as revistas do teu próprio Mundo? Devias manter-te actualizada…

- Ei, ei, eu é que te estava a dar lição de moral! – Reclamei, num tom brincalhão, tentando aligeirar o ambiente.

Maria encolheu os ombros antes de se afastar.

- Melhor sorte para a próxima vez! – E engoliu o restante do sumo.

«Que nunca Maria e Makenna se encontrem…», Pensei para mim.

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O apito do comboio soou uma vez mais, avisando todos os alunos que era hora de embarcar. Eles, no entanto, parecia que ignoravam estes avisos, e continuavam a abraçar os pais e os outros familiares. Os adultos também não ajudavam à festa, prendendo as crianças com as suas infinitas recomendações de última hora.

Mrs.Weasley não era uma excepção a essa regra. Nervosa devido ao apito que a apressava a despedir-se de nós, não parava de falar, num momento para Ron, no outro para Harry, no outro para Ginny, e já ninguém percebia nada. Tentou abraçar-nos a todos uma vez mais, e abraçou Harry duas vezes por acidente, antes de, por fim, nos deixar seguir viagem.

Segui ao lado de Harry, Ron e Ginny para dentro do comboio, arrastando o malão atrás de mim, com alguma dificuldade. As rodas não paravam de ficar encravadas na calçada. Talvez eu não devesse ter empacotado tantos livros… A bagagem pesava que não se aguentava.

- Uma ajudinha aqui, rapazes, era bem-vinda! – Insinuei, puxando a pega do malão com as duas mãos para tentar erguê-lo sobre o degrau do comboio. Ron e Harry vieram em meu socorro.

- O que puseste aqui dentro, Hermione? Pedras? – Reclamou Ron.

- Pior. Livros. – Supôs acertadamente Harry.

- Ei, viram a Viviane na estação? Eu não consegui encontrá-la. – Quis saber Ginny, olhando em redor.

Por mais que quiséssemos ficar na entrada à espera dela, não podíamos, ou iríamos receber muitos olhares feios, palavrões e, com azar, até alguma maldição da parte dos alunos que queriam atravessar. Não podíamos ficar a impedir a passagem. Então, começámos a deslocar-nos pelo corredor, em direcção aos vagões mais próximos da cabeça do comboio.

- Estou preocupada com a Vivi. – Confessei. – Trocámos cartas durante todo o Verão e as respostas dela, pouco a pouco, começaram a ser cada vez mais escassas e vagas. Acho que alguma coisa anda a perturbá-la.

- Ora, Hermione, nem toda a gente tem paciência de se pôr a escrever testamentos. Esperavas um relato de 200 cm de como está a passar as férias? Logo nos dirá quando nos vir. – Replicou Ron, que continuava com a sensibilidade de uma colher de chá.

- Como é possível? Os compartimentos estão todos cheios! – Barafustou Harry, ao abrir uma porta e deparar-se com mais um espaço confinado cheio de alunos. – Vai ser difícil encontrar um em que caibamos todos.

Senti-me corar. Troquei um olhar com Ron, cujas orelhas ficaram repentinamente vermelhas, e soube que ele estava a pensar o mesmo que eu.

- Hum… Harry… Eu e o Ron temos que ir para um compartimento especial, aonde estarão reunidos todo os prefeitos.

A desilusão estava estampada no seu rosto. Era a primeira vez que não íamos viajar todos juntos.

- Tudo bem… - Tentou dar a entender que não se importava.

- Nós nem queríamos ir. Vai ser uma seca. – Defendeu-se logo Ron, mas eu sabia que ele se sentia orgulhoso com o cargo que adquirira. E eu também.

- Não vai demorar muito. Eles vão-nos dar umas instruções e teremos que monitorizar os corredores durante um bocado. Vamos ter contigo depois! - Disse, numa tentativa de animá-lo.

- Ei, olhem, é a Viviane ali! – Ginny praticamente gritou, antes de partir numa corrida para ir cumprimentá-la, saltando por cima do meu malão e do de Ron no processo. Percebi logo que havia algo de estranho. Ao ser abraçada por Ginny, Viviane praticamente não reagiu.

- Finalmente, andávamos à tua procura! Como foram as férias? – Ron foi o segundo a aproximar-se e passou-lhe o braço sobre os ombros.

- É… Não tão boas…

A sua voz soava cansada. Tudo na sua aparência gritava “exaustão”. Tinha olheiras profundas debaixo dos olhos, estava pálida, o que mostrava que não tinha apanhado muito sol, e estava bem mais magra do que da última vez que eu a vira.

Ron largou-a e começou a analisá-la. Percebera (Merlin, como esse rapaz é lento) que ela não estava nada bem.

- Que empolgação por nos veres! – Teve o mau-tom de acrescentar, fazendo-me lançar-lhe um olhar ríspido.

Viviane piscou os olhos como se a luz do dia a estivesse a ferir, esfregou-os, e respondeu, num tom mais audível e menos monótono:

- Ah, desculpem, eu dormi muito mal esta noite. – Como se isso justificasse tudo. Não justificava.

Senti algo empurrar levemente a minha perna. Era Panty, o gato da Viviane, que esfregava a sua cabeça peluda no meu tornozelo. Abaixei-me para lhe fazer uma carícia debaixo do queixo. Começou a ronronar.

- Viviane, não estás nada com bom ar. Não dormes bem há quantas noites? – Perguntei, ainda sentada sobre os calcanhares e com o gato dela debaixo das minhas mãos.

- Tenho… Muitas coisas que vos contar… - Pelo semblante tão sério só podiam ser notícias péssimas.

- Que clima, até parece que morreu alguém! – Gracejou Ron mas ninguém riu em resposta. Na verdade, o rosto de Viviane empalideceu mais ainda. Fiquei com medo que Ron tivesse acertado na mosca e magoado os sentimentos dela.

- Pessoal, não podemos mesmo ficar no meio do corredor! – Alertou Ginny. O comboio já trilhava a linha e um solavanco fez com que ela caísse para cima de Harry, que a agarrou por instinto. Ela ficou tão carmesim que as sardas no seu rosto se deixaram de ver.

O aviso trouxe-me à realidade. Lembrei-me o quão atrasados estávamos Ron e eu.

- Ron, temos que ir ter com os outros prefeitos! Ah, não, vamos chegar tarde, vai causar uma péssima imagem.

Levantei-me, peguei no malão pesadíssimo e comecei a galgar caminho a custo, apoiando-me nas portas e em tudo o que encontrava para não me desequilibrar. Ron seguiu logo atrás de mim. Despedimo-nos de Ginny, Harry e Viviane muito rapidamente, e só tive tempo de lançar por cima do ombro um último olhar preocupado na direcção de Viviane antes de os perder de vista a todos.

Recordei as piadinhas de Ron e uma raiva intensa fluiu pela minha corrente sanguínea. Bati-lhe no ombro com força suficiente para lhe arrancar um queixume.

- Au, para que foi isso?! – Protestou.

- Por seres um idiota, Ronald Weasley!


Notas Finais


Levanta a mão quem pensou realmente que a mãe da Viviane tinha morrido no início do capítulo para eu (rir das vossas caras) fazer um estudo aqui bem rápido.

Maria + Makenna = 💥

Eu alguma vez escrevi um POV da Hermione? Realmente não me lembro de o ter feito jamais. Enfim... gostaram da "minha" Hermione?

Música capitular: Ballad of Dwight Fry (Alice Cooper)


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