História Changed - Especial: Marcas

 

Os mês de julho era sempre o mês de viagem pois além das férias escolares, era o mês mais quente, não onde Jyuimi morava, mas onde Jyuimi nascera. 

Jyuimi adorava o Brasil, seu pai era brasileiro e toda a família do mesmo também era. Tinha se mudado para o país com os pais e a irmã mais nova ainda muito pequena, com cerca de oito anos de idade. Porém, era praticamente religioso: todos os anos, no mês de suas férias - fosse janeiro ou julho - Jyuimi voltava para o lugar que ela considerava a sua verdadeira casa e o único lugar no mundo que a fazia se sentir parte de algo.

A família de sua mãe  morava numa parte um pouco mais afastada e rural da cidade de Liyang, em Changzhou, uma cidade-prefeitura na província de Jiangsu. A cidade ficava relativamente próxima a Xangai - dado o tamanho do país, era  próximo - e para Jyuimi aquele sim era o melhor lugar que existia.

A Zhou amava o quanto aquele lugar fazia com que ela se sentisse bem. Além do lugar em si, havia também a sua família - e aquela parte em específica era enorme -, principalmente sua avó, uma senhora que o que tinha de tradicional também tinha de força. Foi ela quem ensinou muito do que ela sabia como pessoa e foi também quem despertou seu interesse ela música, pois a senhora cantava muito bem e vivia cantando enquanto realizava tarefas cotidianas.

 

Jyuimi tinha cerca de quinze anos naquela viagem específica. Era pra ser só mais uma visita anual à sua família mas aquela vez seria diferente. Começava pois pela primeira vez em muito tempo, a viagem calhou de acontecer junto à um festival de verão que acontecia em um vilarejo próximo de onde a casa de sua família ficava, o que nunca havia acontecido porque ou chegavam antes das festividades ou chegavam sempre depois. A outra coisa que diferenciava aquela visita era o que Jyuimi não sabia, mas aconteceria durante a mesma.

 

Naquele mês de julho, Jyuimi iria adquirir um dos maiores traumas de sua vida.

 

Sentada nas escadas que levavam a entrada do grande casarão, Jyuimi observava a paisagem de que tanto sentia falta. Muita natureza, o ar puro preenchendo seus pulmões, as árvores balançando e o sol brilhando no céu azul. Apesar do dia bem claro e iluminado, não estava tão quente assim por causa do vento, o que deixava tudo ainda mais agradável.

 

Mas o coraçãozinho jovem de Jyuimi começou a bater de uma forma um pouco mais acelerado quando viu alguém que surgiu no caminho indo em direção a sua casa - ou melhor, em direção a si. 

Há alguns metros da casa da família Zhou, ficava a casa da família Yuan, e dentre os seus membros, estava Quon Yuan, um garoto de mais ou menos dezesseis anos. Ele era alto e tinha os cabelos negros, ele era um tanto quanto desenvolvido para a idade dele e talvez esse fosse um dos motivos para que o mesmo fosse uma das paixonites de adolescência de Jyuimi, mas ela não era a única. Se Jyuimi vivesse em um filme colegial adolescente americano, Quon com certeza seria aquele garoto que entra na sala de aula com um efeito de vento em seu rosto e uma musiquinha romântica de fundo. Além de bonito, ele era inteligente e divertido, com certeza uma pessoa pela qual você facilmente criaria alguma feição.

Quando Jyuimi ainda morava na China, os dois costumavam a brincar juntos nos arredores das casas de ambas as famílias, mas depois que a garota se mudou, o contato naturalmente foi diminuindo, mas isso não impedia que a Zhou ainda sentisse alguma coisinha pelo garoto mais velho.

- Jyuimi? - a garota ouviu seu nome ser pronunciado pelo outro que se aproximou mais ainda de si, sorrindo - Não acredito que você voltou! - exclamou puxando a amiga para um abraço que quase morreu de nervoso por causa do ato impensado.

- É! Voltei! - Disse um pouco sem graça - Não pra ficar, mas pra ficar alguns dias, sabe como é, visita anual - Jyuimi respondeu e o outro assentiu.

Jyuimi não tinha tido muitas experiências amorosas até então, ela se apaixonou umas duas ou três vezes - além de Quon - e chegou até a namorar um garoto de seu colégio um ano antes - e tinha terminado um relacionamento curto alguns meses antes de viajar - mas todos foram apenas paixonites, namorinhos de adolescência, nada havia sido sério até então, nenhum grande amor, daqueles de cinema ou coisa do tipo. Por isso que pensar no amigo conterrâneo lhe dava um pequeno frio na barriga, pois talvez - em suas milhares de expectativas que criava antes de dormir - a relação dos dois pudesse ser um pouquinho mais do que “um romancezinho jovial qualquer”.

 

- Você vai pro festival de amanhã, né? Eu fiquei sabendo que você se inscreveu pra cantar! - Ele comentou e Jyuimi concordou. Na verdade ela mesma não havia se inscrito, quem o fez foi seu primo mais velho já que ela não poderia estar em Liyang para realizar a inscrição, ele apenas deu uma ajudinha - Eu tô ansioso pra isso.

 

- Eu também! Principalmente pra apresentação e pra comida, tem sempre comidas tão boas! No Brasil é um pouco difícil achar todas os pratos que existem por aqui - ela disse e o outro entendeu - Eu também tô um pouco nervosa. Mas acho que vai dar tudo certo!

 

- Claro que vai! Não sei se você ficou sabendo mas a Lianne também se inscreveu, tô bem ansioso pra vê-la também - ele disse e o sorriso de Jyuimi morreu praticamente morreu na mesma hora.

 

Lianne Joo era uma garota de Pequim que tinha uma parte de sua família que morava em Liyang, então ela sempre os visitava durante as férias e nos feriados. Jyuimi não gostava nem um pouco da mesma. Ela era… metida demais. Se Quon era o garotinho bonito do filme, Lianne seria aquela patricinha mimada extremamente desagradável que namora com o capitão do time de basquete e que sempre aproveita uma oportunidade de acabar com a vida de algum aluno qualquer e de se aproveitar de outros. 

 

O problema é que a Joo dava uma insegurança imensa dentro de Jyuimi, pois a mesma era praticamente tudo que a Zhou não era, nunca foi e muito provavelmente nunca seria. Ela era muito bonita, linda, estonteante, isso Jyuimi precisava confessar. Além disso ela tinha um charme que fazia você facilmente cair no papinho dela, o que acabava com todas as chances de se livrar da manipulação da mesma depois. Além de que ela era bem talentosa e muito boa em qualquer coisa que fazia.

 

Mas Jyuimi tentava ao máximo tentar pensar positivo, pois a “competição” não seria de uma coisa qualquer, seria de canto, e se tinha uma coisa que Jyuimi fazia muito bem, essa coisa era cantar.

 

Na verdade, cantar era sem dúvida uma uma das coisas que Jyuimi mais gostava de fazer no mundo.

 

- É… - Jyuimi tentou não parecer abalada com a menção do nome - Ela vai se sair bem também - disse e graças aos deuses o garoto mudou o rumo da conversa para falar sobre as novidades de sua família então ela não precisou mais se lembrar do rosto da garota.

 

Depois que Quon foi embora, Jyuimi retornou para dentro de casa e foi direto para seu quarto separar a roupa que usaria no dia seguinte. Era um dos qipaos mais bonitos que ela tinha. Costurado pela sua avó, era em um tom de rosa claro com algumas flores lindas bordadas. Ia até um pouco abaixo dos seus joelhos. Era de longe o seu favorito e ela sempre o levava com ela quando retornava ao Brasil, sem falar que ela acreditava que o mesmo dava sorte, então não havia outra oportunidade melhor de usá-lo do que no festival, certo?

 

- Tá ansiosa né? - Jyuimi foi pega de surpresa por sua irmã mais nova que entrou no quarto - Claro que você tá ansiosa, você só não fica pronta logo porque o festival é amanhã - ela disse e Jyuimi riu.

 

- É, eu tô bem ansiosa - respondeu - E nervosa também, o Quon me disse que a Lianne vai participar... - disse e viu Mayuimi revirar os olhos. Mayuimi detestava a Joo, e ela tinha aquele jeito rebelde de pré adolescente o que só deixava o sentimento ruim pela outra chinesa ainda mais intenso - Então já sabe né, eu tô praticamente morrendo por dentro.

 

- Relaxa, ela é boa mas não é tão boa quanto você - disse tentando tranquilizar a mais velha - e eu sei muito bem que ela não é o único motivo de você estar nervosa, eu sei muito bem que você quer impressionar o seu crushzinho lá e pipipipopopo - disse zombando e sentiu uma almofada ser jogada em sua direção, mas foi com pouca força, então não fez nem cócegas - Mas sério - disse chamando a atenção da mais velha - Você não precisa ficar assim, você canta muito bem Jyui, você vai tirar isso de letra - encorajou e Jyuimi sorriu, ela esperava que a irmã estivesse certa.

 

Como já era de se esperar, a Zhou não conseguiu dormir direito em ansiedade por causa do festival no dia seguinte. Ela estava contando as horas e minutos para a sua apresentação, era como se sua vida dependesse daquilo.

 

Jyuimi não queria apenas fazer uma boa apresentação, ela queria deixar a família orgulhosa. Se havia alguma coisa preciosa em sua vida, essa coisa era sua família, ela queria fazer com que eles se sentissem felizes de tê-la por perto. Ganhar o prêmio da noite não seria apenas um pequeno objeto para se colocar numa prateleira. Para Jyuimi, era bem mais do que isso. Era mostrar que ela era capaz de fazer qualquer coisas para deixar as pessoas que ela amava felizes. Essa era uma auto cobrança imensa e por isso o tamanho do nervosismo, e com ele vinha a insegurança. Jyuimi ficou horas e horas olhando as estrelas no no céu escuro de sua cama, era uma forma de se distrair e ajudava a acalmar. 

 

E respirando fundo, juntando as energias mais positivas que Jyuimi conseguiu encontrar, a mesma finalmente conseguiu dormir, pronta para enfrentar o duro dia que viria a seguir.

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O sol já estava quase se pondo. O céu estava particularmente bonito, em lindos tons de azul e roxo, com algumas estrelas surgindo no céu. As luzes percorriam todas as ruas e haviam diversas pessoas nas mesmas. A paisagem bonita não era o suficiente para tranquilizar Jyuimi que andava de um lado para o outro perto do palco improvisado montado na praça principal da cidade. As pessoas que iriam se apresentar também estavam perto do local, praticamente em fila, prontas para entrar.

 

Jyuimi seria a última a se apresentar, ou seja, ela teria bastante tempo para pelo menos tentar se acalmar, e constatou que seria praticamente impossível fazer aquilo ali, principalmente com Lianne Joo lindamente arrumada e com um nariz em pé de quem já estava contando vitória. Ela usava um vestido azul, muito parecido com os que eram usados antigamente, lindo. O cabelo bem arrumado e aquele olhar arrogante sendo lançado para todos os outros participantes, inclusive para si. Jyuimi resolveu se afastar, aquilo definitivamente não agregaria em nada e só lhe deixaria vezes pior.

 

A morena foi até uma parte mais afastada, atrás do palco, onde haviam poucas pessoas e pouca iluminação. Não haviam tanta gente falando e falando o tempo todo, o que era bem mais tranquilizador, era mais fácil se acalmar no silêncio. 

 

Jyuimi lembrava claramente de sua família, principalmente Mayuimi dizendo “Não precisa se preocupar!”, ”Você com certeza vai ganhar”, “Não vai ser você que vai ganhar o prêmio, o prêmio é que vai ganhar você”, e outras coisas do gênero, mas diante daquela quase crise de ansiedade, era difícil se agarrar a qualquer uma das palavras encorajadoras de seus familiares. 

 

Jyuimi apesar de naturalmente insegura, era confiante de si quando se tratava de cantar, ela sabia que era boa, ela sabia que tinha capacidade de ganhar, o problema é que todas aquelas pessoas também eram tão boas quanto ela, ou até melhores.

 

Jyuimi ficou ainda mais nervosa quando ouviu o primeiro nome ser anunciado e a primeira apresentação começar. A garota engoliu em seco. Era uma questão de tempo até seu nome ser anunciado. Foi quando ela sentiu uma mão familiar em seu ombro, e ao se virar, se surpreendeu ao ver a avó.

 

A senhora Zhou era uma mulher com cerca de sessenta anos de idade. Ela era conhecida pela cidade, tanto por causa da família que era grande quanto por ser muito presente onde morava. Viúva há quase dez anos, ela era a chefe da família, a que mandava e desmandava e a que tomava a maior parte das decisões importantes quando a situação envolvia todo grupo. Jyuimi esperava se tornar como ela quando envelhecesse, uma mulher inteligente e, mesmo tendo sido criada em um lar tradicional e ter sido mais uma vítima de um sistema conservador da sociedade, continuava a ser totalmente independente e um exemplo a se seguir.

 

- Eu sabia que ia te encontrar aqui nesse meio de nada - A senhora disse e Jyuimi sorriu - Vim aqui apenas pra te dizer algumas coisas - ela começou e Jyuimi pareceu ficar ainda mais nervosa.

 

- Por favor, só não diz que veio pra me encorajar, isso parece que tá me deixando mais nervosa do que qualquer outra coisa - ela respondeu e a senhora riu, negando com a cabeça.

 

- Na verdade, eu quero te dizer algo mil vezes mais importante do que isso - ela respondeu segurando as mãos da neta - Não importa o que aconteça aqui essa noite - começou olhando nos olhos da morena - Eu quero que você saiba que nada vai impedir de me fazer continuar sentindo um imenso orgulho de ter você como neta - disse e Jyuimi sentiu uma pequena vontade de chorar, mas conseguiu se controlar, apenas sorriu como resposta - Não deixe que ninguém diga que você é menos do que você realmente é. Você e eu sabemos o quanto você é capaz de conseguir qualquer coisa. Então não deixe as coisas te abalarem tão facilmente, certo?

 

- Certo - Jyuimi não conseguiu dizer mais nada, ela apenas assentiu e sentiu a avó deixar um beijo em sua testa e se afastar logo em seguida. Jyuimi respirou fundo, agora ela estava se sentindo bem mais calma.

 

Os minutos iam passando e as pessoas subiam ao palco uma atrás da outra. Jyuimi voltou para perto da estrutura e viu como a plateia que se reuniu em frente ao local reagia a cada apresentação. Todos eram aplaudidos, mas uns eram claramente mais do que outros, e Jyuimi sentiu as pernas tremerem quando viu Lianne subir ao palco, pois a mesma foi ovacionada mesmo antes de ter começado a cantar, e foi ainda mais aplaudida quando terminou. Ela desceu do palco com um olhar orgulhoso e, Jyuimi conseguiu claramente ouvir quando a garota disse baixo em tom de provocação:

 

- Se eu fosse você, eu desistiria e evitaria essa humilhação - Jyuimi sentiu a raiva crescer dentro de si e iria responder a garota porém, de forma um pouco inesperada, Quon apareceu, e a impediu de começar uma possível briga.

 

- E aí? Nervosa? - Ele perguntou e Jyuimi respondeu que sim com um manear de cabeça - Eu também ficaria se eu estivesse no… seu lugar - Ele disse de uma forma estranha e Jyuimi não entendeu a entonação, ela apenas resolveu ignorar a pulga que apareceu atrás de sua orelha.

 

- É… acho que qualquer um estaria - respondeu o olhando de soslaio, de forma desconfiada - Mas eu acho que vai dar tudo certo, se eu pelo menos conseguir me apresentar já vai ser um grande passo - disse bem humorada e viu o mais velho dar uma pequena risada. 

 

- Acho que quanto a isso vai dar tudo certo sim - ele disse - Qual música você vai cantar? - perguntou curioso e Jyuimi sorriu.

 

- É uma música que minha mãe cantava quando eu era criança, é de uma cantora que ela adorava, é uma apresentação um pouco dedicada a ela - comentou o outro apenas assentiu - Eu preciso ir - disse quando viu aquele que era o antepenúltimo ser anunciado para subir ao palco, ela precisava ficar bem ali ao lado das escadas já que sua apresentação estava bem próxima. Jyuimi se despediu do amigo que lhe deu um abraço e a morena quase morreu pelo gesto, mas o sentimento mudou quando ouviu o mesmo pronunciar:

 

- Boa sorte Jyuimi, eu acho que você vai precisar - e se soltou da garota e se afastou logo depois, deixando para trás uma Jyuimi extremamente confusa, como se aquilo não tivesse acontecido.

 

Jyuimi teve um pressentimento ruim.

 

Resolveu ignorar qualquer coisa que a impedisse de se apresentar e, de cabeça erguida, subiu ao palco quando seu nome foi anunciado, escutando alguns aplausos quando finalmente se encontrou no meio, o que liberou uma pequena chama de confiança dentro de si. E quando a melodia começou, Jyuimi apenas fechou os olhos e deixou fluir.

A música saiu de forma natural. Cada nota foi emitida de forma perfeita, mostrando não só o quanto era boa mas o quanto amava fazer aquilo. Era mais do que habilidade, era a verdadeira paixão de Jyuimi Zhou por cantar

O pequeno show foi melhor do que Jyuimi esperava. Ela ouviu os aplausos quando a música terminou, e agradeceu ao público sorrindo. Desceu do palco e, quando ninguém estava olhando, deu vários pulinhos de alegria, e não conseguiu deixar de sorrir.

Agora ela tinha bastante tempo livre até anunciarem o resultado final. Por isso, se reuniu com a família de novo e foi andando pelo festival, da forma mais animada possível, olhando tudo, todas as barraquinhas, as pessoas que passavam, também parou para comer em alguns lugares - a comida era tão boa quanto ela se lembrava -, também se reencontrou com alguns amigos de infância, e todos elogiaram muito a sua apresentação, o que a encheu ainda mais de confiança. Jyuimi não viu Quon e muito menos Lianne pelo festival, o que de certa forma era bom, porque os dois lhe deixavam um pouco desconfortável. Lianne por ser desagradável e Quon porque ele a deixava nervosa naturalmente, por isso apenas ignorou o sumiço dos dois.

O tempo foi passando e Jyuimi se encontrava no final do festival, numa parte mais alta do local que dava uma certa vista para os campos e as árvores verdes que ficavam mais à frente. Era uma paisagem natural linda que talvez desse uma ótima fotografia no futuro - isso se Jyuimi aprendesse a fotografar, ou então, quem sabe, voltasse ao local com alguém que o fizesse bem - e Jyuimi ficou ali, esperando que a chamassem para poder descobrir quem ganhou o concurso.

Jyuimi percebeu quando Quon se posicionou ao seu lado. Ele não disse nada, e Jyuimi decidiu não o fazê-lo também. O clima entre os dois era calmo, calmo até demais, de uma forma que deixava a chinesa incomodada. 

 

Foi quando ele quebrou o silêncio.

 

- Você sabe que eu sei, não sabe? - perguntou e Jyuimi não entendeu a pergunta.

 

- Sabe o que? - perguntou de volta sem olhá-lo nos olhos.

 

- Que você gosta de mim - ele disse e Jyuimi gelou dos pés a cabeça - quer dizer, gostar no sentido… romântico da coisa - completou e Jyuimi respirou fundo tentando manter a calma - Por isso eu queria te dizer algumas coisas - ele terminou e se virou de frente para Jyuimi que não conseguiu evitar de fazer o mesmo. Para a chinesa, aquele era o momento do filme em que o garoto bonito do colégio se declara para a garota simples e excluída e então o filme acabaria com um beijo romântico e um musical de encerramento.

 

Mas o que aconteceu foi bem diferente.

 

- Pode dizer - Jyuimi se esforçou ao máximo para não gaguejar, ela estava num estado de expectativa tão grande que um sopro poderia destruir tudo.

- Eu não te contei isso antes porque eu achava meio desnecessário e também por falta de oportunidade mas, eu e a Lianne meio que estamos juntos - ele disse e toda aquela expectativa criada na mente de Jyuimi foi chutada para longe de forma violenta, como se ela tivesse levado um soco no estômago - Eu acho que isso já é auto explicativo o suficiente mas..

- Olha, não precisa dizer nada, eu entendo totalmente - Jyuimi interrompeu e tentou segurar as lágrimas que quiseram sair - Você não precisa me dar nenhuma satisfação para mim ou coisa parecida eu só…

- Jyuimi - ele interrompeu sério, mas com um sorriso um tanto debochado no rosto - Mesmo que eu não tivesse nada com a Lianne, eu jamais ficaria com você.

O mundo de Jyuimi por um segundo parou de girar e ela sentiu as pernas falharem, mas ela não caiu.

Não me leve a mal - ele disse e Jyuimi simplesmente não acreditava que aquilo estava acontecendo com ela - Mas você não é o tipo de garota pela qual alguém se apaixonaria, sabe? Quer dizer, eu não to dizendo que você é feia ou coisa parecida é só que… sei lá, existe gente muito mais interessante pelo mundo afora - ele disse enfatizando a palavra e Jyuimi não sabia nem mais como se respirava.

- P-por que v-você ta me dizendo isso - perguntou mais para o universo do que para o garoto sua frente.

- Sei lá sabe, eu acho melhor dizer a verdade mesmo que doa - disse simples e Jyuimi não sabia se sentia chorava de tristeza ou de raiva.

- Dizer a verdade não é a mesma coisa que magoar as pessoas, que é o que você ta fazendo comigo agora - disse trincando a mandíbula, num ato de tentar não perder o controle pela raiva.

- Eu prefiro ver isso mais como alguma coisa positiva do que o contrário - disse simples, como se ele não estivesse magoando profundamente a Zhou que estava chorando em silêncio - e eu preciso te dizer uma outra coisa também. Se você tem alguma esperança de que vai ganhar hoje, desista. Eu só não digo que vai ser impossível pois milagres podem acontecer, certo? - ele disse e isso apenas piorou ainda mais o estado da mais nova que se segurava para não cair em prantos - Já é praticamente certo que a Lianne vai vencer, mas vamos combinar que isso não era dúvida pra ninguém, tá praticamente todo mundo falando que ela vai ganhar, mas sei lá, quem é que sabe do futuro… Bom, falta meia hora pra anunciarem a vencedora, você não vem? - Ele perguntou como se absolutamente nada tivesse ocorrido e Jyuimi o olhou incrédula. Ela não respondeu nada e ele deu de ombros, caminhando de volta para o festival.

Jyuimi continuou ali por alguns minutos, tentando ao máximo se acalmar ou pelo menos engolir o choro, a última coisa que ela queria era passar a imagem de fraca naquele momento. Quando finalmente conseguiu, começou a caminhar rapidamente de volta para o festival. Algumas pessoas tentaram falar consigo enquanto ela caminhava mas ela não respondeu quase ninguém, foi direto para frente do palco e se encontrou com Mayuimi que mesmo muito nova, conseguiu perceber que tinha alguma coisa errada. O rosto levemente inchado e os olhos molhados davam o sinal de que a garota havia chorado.

- Você tava chorando? Ei, eu já disse que você vai ganhar! Você foi tão incrível lá em cima! Você vai ver, você vai provar pra todo mundo que você é completamente capaz e muito mais talentosa do que qualquer outra pessoa dessa cidade.

Jyuimi sorriu. Se Mayuimi soubesse o que ela havia escutado minutos antes, ela com certeza não diria isso, pois aumentou ainda mais sua vontade de voltar a chorar, mas de certa forma, Jyuimi se agarrou a pequena esperança que foi gerada pela fala da irmã mais nova. Se ela ganhasse, seria a prova de que Quon estava completamente errado.

O homem que estava apresentando o concurso subiu ao palco, o que gerou uma certa movimentação na plateia e dentro de Jyuimi, que sentiu o estômago embrulhar pelo nervosismo. Ele disse diversas coisas genéricas, como todos os participantes mereciam levar o prêmio, como todos já eram vitoriosos só por participar e como era uma honra e uma coragem poder subir naquele palco na frente de todas as pessoas, um grande blábláblá que entrou por um ouvido de Jyuimi e saiu pelo outro logo em seguida. Foi quando uma assistente de palco subiu e entregou para o homem de terno um pequeno envelope - aquele que tinha o nome do vencedor - que Jyuimi sentiu um calafrio percorrer todo seu corpo.

 

“Bom, nós já temos o resultado!”

 

O homem anunciou e Jyuimi quase rezou.

 

“O vencedor é…”

 

Jyuimi respirou fundo e fechou os olhos. Se agarrou ao último fio de esperança que ela conseguiu encontrar dentro de si. Ela conseguiria, ela ganharia aquele maldito concurso e mostraria não só para Quon, mas para todas as pessoas que ela conhecia que ela era sim uma pessoa interessante, uma garota pela qual valia a pena se apaixonar. Que era uma boa cantora e teria futuro nesse tipo de área, ela era suficiente para tudo e que sim, ela valia a pena.

 

“...Lianne Joo!”

 

Jyuimi apenas sorriu triste e deixou as lágrimas rolarem. Ela pôde ouvir sua mãe dizer para que ela não chorasse, que aquilo não tinha nenhuma importância afinal, mas Jyuimi ignorou totalmente e apenas saiu do local correndo em direção ao único local no qual ela poderia chorar sem ninguém julgá-la ou dizer que “ela não sabia perder”. Sua casa ficava um pouco distante do festival mas Jyuimi não se importou nem um pouco e foi correndo pelas ruas estreitas e escuras até chegar na estrada de terra que levava até a casa da família. Jyuimi continuou correndo até chegar no casarão, entrou sem ao menos tirar os sapatos e se trancou no primeiro cômodo que encontrou que foi o banheiro do primeiro andar.

 

Naquela noite, Jyuimi teve certeza de duas coisas.

 

A primeira era que talvez lá no fundo Quon tivesse razão. Ela não era interessante o suficiente para alguém se apaixonar por ela, ela não era boa o suficiente para deixar alguém orgulhoso, e isso fazia com que ela chorasse ainda mais pois ela conseguia lembrar da fala de sua avó mais cedo, fazendo com que ela ficasse ainda mais triste e decepcionada consigo mesma. Ela havia falhado com ela, Jyuimi havia falhado com todos.

 

E a segunda era que Jyuimi nunca mais cantaria de novo.