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História Cidade Estrelada - IX - Sojin


Escrita por: 7thkkum

Notas do Autor


baby im back!

Capítulo 9 - IX - Sojin


Fanfic / Fanfiction Cidade Estrelada - IX - Sojin

Seulgi

     Palavras ecoavam em sua cabeça cabisbaixa, palavras tão conhecidas por si e tão cortantes quanto um bisturi de diamante. O chão frio lhe acolhia no aconchego da cela mal iluminada e úmida, mas não se importava, no fundo, se sentia familiarizada com o clima triste e gritante do local. Parecia a sua mente perturbada: pequena, fria, úmida, acolhedora de tristeza e angustia misturada com a maldade. A maldade que nunca fizera com ninguém além de si mesmo. Puxou seus joelhos até a altura do queixo e abraçou suas pernas, apoiando a cabeça que doía como o inferno em sua patela ossuda. Deixou com que sua mente deixasse escapar todos os pensamentos negativos e se torturou com o bicho que tinha acolhido e escondido dentro de alguma caixa no seu labirinto. Pensou que talvez Park Dahyun estivesse certa: talvez ela fosse a grande assassina da história. Deveria ter corrido e nunca, nunca, nunca ter soltado a mão da mais nova. Estava tão acabada e sem esperança que chegava a doer ao pensar que a grande culpada daquilo tudo fosse ela mesma. Era a sua própria assassina, o seu próprio lobo mal, o seu próprio monstro. Seu próprio reflexo.

     Os minerais salgados que escorriam de seus olhos pela bochecha lhe adentravam a boca, que horas atrás, tinham experimentado o sabor doce de seus sentimentos mais bonitos e puros. Sentia que tudo aquilo parecia tão injusto e cruel, e só fazia com que odiasse mais ainda seus momentos felizes, mesmo que esses momentos tivessem passado ao lado de pessoas que amasse. O fato é que Seulgi odiava tudo aquilo que parecia alegre, por não acreditar mais na felicidade. Um pensamento egoísta. Foi então que sua mente lhe levou para aquela noite que deveria ter terminado com as irmãs Kang levando sermão e muita pipoca no meio da madrugada, “para alimentar as lombrigas famintas”, como sua irmã sempre justificava sua fome da meia noite. 

     Gritou.

     Gritou por não aguentar o peso da perda ou o famoso sentimento de culpa que sempre lhe atormentava. Gritou por frustação em estar confortável na cela. Gritou por se sentir uma aberração. Por ter provavelmente quebrado o coração da Joohyun. Gritou por tê-la conhecido.  Naquele momento, tudo parecia tão pesado e sulfocante.

      - SUA IDIOTA, PORQUE ME PUXOU – gritou se levantando e chutando o pé da cama, estava tão furiosa consigo mesmo que nem ao menos se conhecia – PORQUE VOCÊ TINHA QUE ME PUXAR? ERA PARA TER ME DEIXADO PARTIR!

      Suas pernas fracas escorregaram devagar até que se visse sentada no chão, abraçado aos seus joelhos novamente e deixando escorrer toda a sua tristeza pelos olhos cansados de toda a agonia interna. Via-se presa na própria desgraça.

     - Talvez porque ela tenha visto o seu eu verdadeiro.

     Conhecia aquela voz familiar e doce e levantou a cabeça, deparando-se com a Dra. Hyojin com um sorriso mínimo no rosto e o tão conhecido tablet. E naquele momento, mesmo com o conforto que sentia por estar na cela, sentia seu coração aquecer por ver um rosto tão familiar e que a conhecia bem. Não sabia o porquê da mais velha está ali na sua frente e com o sorriso acolhedor, perguntava-se se a mulher sentia vergonha de si ou se estava decepcionada, assim como ela estava de si mesmo. Seulgi não via problema em ser decepcionada, sentia dor por isso como qualquer um, mas era bem pior quando decepcionava alguém, a dor dobrava e vinha-lhe junto toda a decepção. E ao pensar que decepcionou a mulher fez seu coração quebrar em milhares de pedacinhos cortantes e ameaçadores para si mesmo. Encolheu seus ombros e abraçou mais ainda o seu corpo franzino e machucado, sentindo toda a dor duas vezes maior. Sentiu que a médica ainda mantinha os olhos em si e aquilo pareceu piorar ainda mais. O que ela não esperava era que a mais velha fosse deixar o tablet em cima da humilde cama e fosse se sentar no chão, ao seu lado.

     - Sabe qual é o seu problema, Seulgi? – a médica questionou recebendo o silêncio em troca – Você tem o coração bom demais e se preocupa muito com o que as pessoas vão achar sobre você. Você é o tipo de garota que quer o bem das pessoas acima do seu. E sabe o que acontece quando aquelas garotas lhe chamam de assassina?

      - Unnie-

     - Você aceita. – disse por fim, com um sorriso machucado nos lábios, recendo um par de olhos jovens arregalados – E sabe por que você aceita, Kang? – indagou novamente, recebendo dessa vez um olhar atencioso – porque no fundo, você acaba absorvendo uma culpa que não tem, para livrar o outro dessa dor. No fundo você sabe que não teve culpa do que aconteceu, não sabe?

     Seulgi apenas olhou para o chão e girou o seu anel no dedo ossudo e machucado, prova de uma raiva que acabou descontando numa parede de cimento gasto. Não queria admitir aquelas palavras como verdades, pois no fundo sentia toda a culpa como se fosse sua. Estava tão confusa que nem se importou com a umidade do local começando a fazer mal para sua garganta. A Dra. Hyojin apenas abraçou os seus ombros de lado e a fragrância de frutas vermelhas lhe fazia lembra-se do abraço acolhedor da mãe em noites chuvosas, sentia falta dos abraços acolhedores da mãe, e pensar naquilo lhe deixava triste.

     - Porque está aqui? – Seulgi perguntou a mais velha, sentindo o abraço ficar mais forte. – porque eu estou aqui, também? O que eu fiz de errado, dessa vez? Unnie, eu juro que eu não fiz nada, nós conversamos á pouco tempo, e nesse período eu não fiz nada. – tentava se justificar com a voz falha, segurando um futuro choro – Unnie...

     - Como eu cheguei aqui não importa Seulgi, o que importa é você e eu estou aqui. – respondeu risonha – venho aqui como sua amiga e eu vou lhe ajudar a sair daqui o mais rápido possível.

      - Porque está fazendo isso?

      - Porque sei que você não faria mal a ninguém; porque sei que você é uma menina boa e de alma pura. Porque eu acredito em todas as suas palavras. Porque eu lhe entendo de qualquer forma. – replicou assim que se levantou e estendeu a mão para a mais nova – Vamos Seulgi, ainda temos que falar com o Dr. Jason. Ele é um ótimo advogado, estudou na América por quatro anos em uma das melhores faculdades, devo ressaltar que foi através de uma ótima bolsa. Ele vai te ajudar.

      Por um momento hesitou em segurar na mão da psicóloga, mas o que tinha de errado em receber ajuda? A mais velha segurou o seu pulso com um toque suave tentando lhe passar confiança e segurança, pegou o tablet e bateu três vezes na grade de ferro com sua aliança grossa e brilhante. Seulgi observava tudo atentamente e se controlava para que o medo e a ansiedade não falassem mais alto. Não demorou muito e logo um policial apareceu com uma chave e abriu a porta com um rangido de ferrugem e aquilo foi o suficiente para fazer com que seu corpo travasse em choque. Sentia-se tão insegura ao ver que a partir daquele momento estaria propensa a reviver o que vivia, tremia ao perceber que estaria propensa a encontrar as unnies, mas no fundo, tinha uma pequena esperança de vê-la ali.

     - Você está segura, Seulgi. – Hyojin assegurou, segurando firme na mão pálida e machucada da paciente – você tem que passar pela escuridão sem medo, como trabalhamos, lembra? – interrogou recebendo um aceno de cabeça – mas se você ainda não está pronta o suficiente ou acha que não está na hora, eu posso chamar o Dr. Jason e conversamos aqui mesmo. Tudo tem o seu tempo, você sabe, não sabe?

      Sentiu confiança na voz doce da profissional e chegou á hesitar um pouco, mas logo se via movimentando os seus pés para fora da cela tento a perfeita e assustadora visão de mais celas e de mais pessoas dentro delas. Segurou firmemente na mão quentinha e delicada da Dra. e encolheu os ombros. A cada passo sentia que ficava mais ansiosa e transpirava mais ainda, a mulher parecia não se importar com as gotículas de suor que transpiravam da mão da Kang, invés de soltar a mão da paciente, apertava ainda mais, e aquele ato, de alguma forma que a Seulgi não imaginava como, conseguia lhe trazer um pouco de segurança.

     Assim que viraram em um corredor, sentiu o vento gélido do arcondicionado beija-lhe o rosto e incomodar sua garganta que já tinha sofrido com o ar úmido da cela. Engoliu em seco ao parar frente a uma porta branca com um vidro transparente, oh céus, estava tão nervosa! Um homem mais baixo que si abriu a porta e sentiu a médica lhe encorajar a entrar na sala gélida. O fato é: não queria entrar. Não sentia ânimo para continuar. Sentia-se inútil. Ouviu quando a Dra. perguntou se queria sentar e conversar antes de entrar e tomar um pouco de água, ouviu também quando ela lhe estendeu um de seus comprimidos, aqueles que ela deixava jogados na sua gaveta de coisas inúteis. Ela ouviu tudo, todas as perguntas, tudo, mas não falou e nem respondeu nada. Seulgi se encontrava em algum tipo de choque, tudo se resumia a ficar parada, olhando para o nada vendo sua visão embaraçar, como uma míope e seus ouvidos apenas ouvir o oco das palavras. Antes que pudesse entrar, sentiu alguém tocar o seu ombro e virou-se se deparando com a mulher baixa e com o sorriso acolhedor. Ela gostava do fato da médica sempre ter um sorriso diferente para cada ocasião ou situação. Eram anos de consultas, e de alguma forma, via a mulher quase como uma mãe, afinal, passava mais tempo em consultas do que com a própria família.

     - Caso precise de mim, estarei aqui fora. – a médica disse com um sorriso encorajador no rosto. – é só gritar ou bater na porta.

      - Você não vai entrar comigo, unnie?

     - Desculpa querida, mas eu não posso.

     - Por favor, unnie – implorou já se sentindo desesperada – não tem como você entrar comigo?

      Houve um momento de silêncio, o que foi o suficiente para fazer a Kang se desesperar mais ainda, ao ponto de lhe fazer perder o fôlego. A mais velha lhe ajudou com sua ansiedade, usando suas técnicas confiáveis. Depois de muita conversa com a profissional da saúde e depois de conversar com alguns policiais e até mesmo com o delegado, todos aceitaram que a Kang pudesse entrar acompanhada. Seulgi agradecia mentalmente por aquilo e até se sentia um pouco mais corajosa para enfrentar o que quer que fosse, só não sabia até onde aquilo iria durar.

     Assim que entrou na sala, junto com a psicóloga, seus olhos caíram naquele homem bem vestido e distraído em suas papeladas. Ele soava tão desconhecido aos seus olhos, mas algo naquele olhar firme lhe parecia familiar. Era uma dor que já tinha visto em outros olhos, em olhos conhecidos e que no fundo eram doces. Dores similares. Dores que chegavam a ser diferentes. Mas mesmo assim, são dores, que ninguém deveria julgar.

      - Boa noite, eu sou o Jason Bae – o homem cumprimentou com um sorriso no rosto e apertando uma de suas mãos – sua mãe me ligou e me contou o que aconteceu. Conversei também com a Dra. Hyojin, ela me explic-

      - Porque eu estou aqui? – perguntou baixinho, interrompendo o advogado.

     - Então você não sabe o porquê de estar aqui, certo? – o homem perguntou pensativo e apontou para a cadeira a sua frente – por favor, sente-se.

      Assim que a Kang sentou-se, o Bae pegou todos os seus papéis e espalhou sob a mesa escura e ampla, ele estava muito bem coordenado com todas as informações descritas ali, mas Seulgi não parecia tão certa.

     - Você foi presa por ser a principal suspeita de roubar um vaso precioso de uma família rica – o advogado disse sério alternando o seu olhar entre a Kang e seus papéis – o vaso foi achado no jardim da sua casa e com suas digitais. A polícia vem investigando deste do sumiço do vaso, em setembro.

     - Mas eu não roubei nada! – a garota protestou com uma voz triste e baixa – eu juro pela minha irmã, minha preciosa irmã, que eu não fiz nada de errado!

       Um pequeno silêncio se instalou ao momento que o advogado procurava algo em meio ás dezenas de papéis espalhado a mesa, e nesse curto período de tempo, Seulgi pensou em suas palavras e sentiu um peso em seu coração. Mesmo sabendo que era inocente, tinha acabado de jurar pela falecida irmã e ainda insistia em se responsabilizar por toda uma culpa que nunca teve. Não gostava dali, sentia-se tão exposta a pessoas e tudo o que queria era apenas ficar em algum lugar calmo onde pudesse se torturar em pensamentos. Sentia que a vida ás vezes era tão injusta com a felicidade que muitas vezes se privava, sem esperança. Tudo o que lhe restava era o poço de amargura na qual vivia em abrigo.

     - Eu sei disso – o homem sussurrou apenas para si mesmo, alto o suficiente para apenas a Kang ouvir. Jason apenas endireitou a coluna e desviou os olhos do papel em suas mãos para um olhar jovem e cansado da garota a sua frente – o que fez na noite do dia 29 de setembro?

     Mas uma vez o silêncio se instalou, precisou forçar a memória para lembra-se do que tinham acontecido meses atrás. Balançou a cabeça algumas vezes e já estava pronta para desistir de forçar sua memória quando um pequeno flash veio em sua mente: estrelas. Foi quando se lembrou das estrelas brilhantes no céu, o cheiro da nicotina pairando no ar, o sabor doce da balinha em sua boca, o coração disparado e aquecido dentro do peito e o motivo de seus batimentos irregulares ao seu lado. Foi na noite que tinha chamado a mais velha para observar as estrelas. À noite na qual passaram em cima de uma pedra esperando alguma Estrela Catende enquanto jogavam conversa fora. Quando sentiram que suas colunas não aquentavam mais a postura envergada das costas, decidiram que seria melhor deitar no chão cheio de areia. Naquela noite ninguém se importou com a areia impregnada no couro cabeludo ou dentro das roupas, eles apenas riam e ouvia as risadas ecoarem na praia fria e deserda.

     - Eu fui à praia.

    - Sozinha? – o advogado questionou com um olhar sério sem desviar da sua cliente – passou muito tempo lá?

     - E-eu – hesitou em continuar a falar, a psicóloga lhe olhou a incentivando a dizer alguma coisa com aquele olhar de confiança – eu estava s-sozinha.

     Jason estreitou os olhos, confuso, vendo a garota a sua frente desviar o olhar do seu. Seulgi não conseguia manter contato com ninguém além de seus dedos feridos e seus movimentos frenéticos de uma das pernas, em sinal de ansiedade.

      - Seulgi – o homem chamou um tanto quanto pensativo, a Kang levantou a cabeça, mas olhava apenas para o colar em formado de coração no pescoço do advogado. – eu sei que você estava com a Joohyun, porque não disse o nome dela ou que estava com ela?

      Sentiu seu coração bater forte ao ouvir o nome da mais velha, não sabia o que significava, mas não se importava com isso. Era apenas uma batida boa. O Dr. Jason ainda matinha o olhar sob si, esperando uma justificativa válida.

      - Eu só queria a manter protegida do que se diz a respeito de tudo o que me machuca. No final, tudo o que me machuca, acaba machucando aqueles de quem eu amo – e então o seu coração queimou no peito. Não tinha confessado o que tinha guardado no fundo do seu eu mais verdadeiro muito alto, mas os dois profissionais puderam ouvir. Depois de um tempo em pleno o silêncio, Seulgi olhou nos olhos do moço a sua frente – eu a quero manter protegida de toda confusão. Eu sei que a magoei muito antes de vir pra cá, quando eles me prenderam. E eu não a quero ver magoada ou quebrada. Minha irmã sempre disse que quem ama cuida e protege. Que ama cuida e priva de mágoas. Eu quero a proteger e saber que ela está bem.

     - Tudo bem – o Bae juntou todos os papéis da mesa, parecia um pouco desorientado, e os colocou de um jeito desengonçado na pasta e se levantou – por hoje é apenas isso. Irei manter contato.

     Após se despedir do advogado e se vê apenas na companhia da psicóloga, desabou sobre a mesa suas lágrimas de dor, ansiedade e desespero. Lágrimas de culpa que não eram suas. Suas lágrimas era a prova perfeita das saudades de um passado feliz e claro. Naquele momento, pensou em todos que amava. Pensou em seus pais e pensou em como eles estariam. Perguntava-se se eles estavam com raiva e decepcionados, sem duvidas o seu pai estaria furioso. Tinha medo de saber que sua mãe tinha recaído novamente. Queria saber sobre Joohyun, queria pedir desculpas. Queria tê-la em seus braços para a proteger.

      - Além de ser conhecida como assassina, eu também serei conhecida como ladrona, unnie? – choramingou – estou cansada de ser a decepção dos meus pais. Cansada de ser a minha decepção.

     - Se você ganhasse o Nobel da paz, as pessoas iriam a venerar e te respeitar por isso – Hyojin comentou – mas se elas descobrissem que você matou um rato, elas iriam a desprezar e iriam apagar todas as lembranças boas que tinham sobre você e as substituir por lembranças amarguradas e ruins. O ser humano é assim mesmo, vivem em um mundo na qual tem um muro de hipocrisia ao redor. Elas esquecem que também existe um lado sombrio em seus interiores e acabam massacrando e humilhando o de outras pessoas até vê-las jogadas no fundo do poço. Quero que você volte ao passado, na noite do incêndio. Leve o tempo que quiser para relembrar tudo, e então me diga se você foi realmente a culpada pelo acontecimento.

     Seulgi não queria relembrar todas aquelas lembranças de uma noite preenchida de dor e culpa, mas era inevitável não fechar os olhos para realidade e viajar para um passado amargo.

     - Unnie – Sojin chamou a irmã, que estava perdida olhando o céu estrelado pela janela, assim que ouviu a voz da Kang mais nova, Seulgi virou-se rapidamente e sorriu para a irmã – o que você acha? – apontou para o desenho - Está ficando bom? Ficou muito ruim? Está muito estranho?

      Sojin estava sentada em um banco frente a uma tela, no porão do campus da escola junto da irmã mais velha, ambos compartilhavam a paixão da arte, a Kang mais nova sempre amou pinturas, Seulgi gostava de músicas e fotografias. Seulgi acha fascinante o fato de poder registrar momentos felizes e bonitos, gostava de registrar momentos tristes também, afinal, a vida não existe apenas um lado.

     Seulgi sorriu e caminhou até a irmã onde bagunçou os fios rosados da garota de treze anos, essa que tinha um pincel na mão tremula de nervosismo. Olhou mais uma vez a tela e sorriu. Era um tanto peculiar, mas não deixava de ser bonita. A imagem representavam duas garotas jogando bola dentro do oceano, uma coisa que chamou a atenção da Kang mais velha foi o fato da bola ser o sol, os rostos alheios uma galáxia e os peixes eram feitos de metais e latas de comidas industrializadas. Cada traço era forte, as cores bem investidas e a tintura grossa. Não entendia de arte, não sabia qual estilo a irmã usava, mas gostava do que transmitia. Era como se estivesse lendo o diário da mais nova, onde ela passava todos os seus sentimentos.

     Puxou um banquinho e sentou-se próximo a pintora – essa que estava nervosa e olhando a mais velha com expectativa -, puxou o violão para o seu colo e começou a dedilhar as cordas com um sorriso no rosto, logo Sojin reconheceu a melodia, era uma música eletrônica que ambas tinham ouvido na televisão. A mais velha logo aprendeu no violão e a mais nova se esforçava no violino. Sojin sorriu aliviada ao interpretar o que a mais velha queria dizer com aquela música.

      - O que eu acho é impossível de descrever em palavras – comentou, deixando o violão de lado – você é a dongsaeng mais incrível que eu já vi na vida. Orgulho define Kang Sojin! Você é incrível, meu Deus, meus pais fizeram a Van Gogh da atualidade! A Leonardo da Vince! – falava eufórica ouvindo as risadas da mais nova – Não espera! Você é único Kang Sojin. Meu Deus, eu não acredito que meus pais fizeram uma obra de arte em forma de gente.

     - Ah Unnie para – pediu envergonhada – é só um simples desenho. Não é nada demais.

      - Nunca mais fale isso! – fingiu fúria levantando-se e pegando o violão ao seu lado – ou eu taco na sua cabeça, sua idiota!

      E é claro que a mais nova não se assustou muito, pelo contrario, apenas ria fazendo com que a carranca mal humorada da Seulgi se desfizesse em risadas. Estavam tão felizes que nem se importavam mais com o horário tarde e a futura bronca que iriam levar de seus pais.  

     Seulgi sentia-se infinita e completa. Sentia que a qualquer momento poderia explodir de felicidade. Ela sentia como se sua irmã fosse sua fonte de energia, e era. Sojin sempre foi o motivo de seus sorrisos e do seu bem estar, era aquela garotinha de pele clara e cabelos rosados de risada doce, maturidade de uma idosa e olhinhos mais redondos que o normal.

      - Seulgi – chamou á baixinha, recebendo atenção da sua unnie de imediato – eu te amo, obrigada por existir.

     Seulgi sempre fora uma manteiga derretida, e com aquilo, com a sinceridade da irmã, permitiu com que suas lágrimas escorressem pelos olhos negro breu. Sem pensar duas vezes, puxou a garota para um abraço forte, onde a sensação de conforto foi preenchida.

     - Ah unnie, você é muita chorona!

     - E você é uma garota muito malvada por me fazer chorar feito um bebê. – falou com um bico – vamos embora, nossos pais vão arrancar minha cabeça se chegarmos mais tarde que isso. E eu também amo você, sua pirralha.

     Seulgi ajudou a irmã a guardar o quadro atrás de um armário, onde estaria protegido. Caminharam lado a lado rindo e fazendo piadas – aquelas piadas sem graça e de velho que a mais nova sempre soltava -, subiram as escadas, entraram na direita, foram para a esquerda, subiram mais escadas e quando menos esperavam ouviram uma explosão atrás de si. E mais a frente, no corredor, a Kang mais velha reconheceu aquelas pequenas e tão perigosas bombas. Puxou o pulso da irmã e saiu correndo, pedindo a Deus que protegesse a mais nova de qualquer mal. O corredor parecia infinito naquele momento, faltava muito para chegarem até o portão principal, onde se encontrava aberto.

     - O que está acontecendo, unnie?

      A mais nova perguntou, sua voz mostrava seu desespero e mais uma vez, Seulgi deixou suas lágrimas caírem, lágrimas que denunciava seu medo e insegurança. Não sabia ao certo o que estava acontecendo, mas tinha certeza que era o pessoal do último ano e seu plano irrelevante de destruir a escola. Aquele maldito plano que jurava que tinha acabado.

     Seulgi descobriu sobre o plano quando tinha ido ao banheiro, e sem querer, acabou ouvindo a conversa do pessoal. Para a Kang, aquela escola e principalmente o campus, eram mais que prédios feitos de tijolos e cheio de adolescentes com seus hormônios a flor da pele andando pelos corredores a luz do dia. Aquilo era a sua casa, lá era onde encontrava a liberdade para expressar sua felicidade, junto com a irmã.

     No começo, achou que aquilo tudo era uma babaquice e que nunca iriam conseguir explodir uma escola e um campus. Seulgi apenas ria pelos corredores ao lembrar o quão eram idiotas aquelas meninas, mas mordeu sua língua ao entrar na sala de química e se deparar com algumas bombas já feitas, aquelas bombas caseira, porém perigosas. As mais velhas viram a Kang e a ameaçaram, mas é claro que ela não estava dando a mínima as Unnies e é claro que denunciou a direção. Pensou que as garotas do último ano tivessem parado com o plano idiota, até aquele momento. Nunca se sentiu tão incapaz e enganada. Em meio á correria, apenas tentava achar um jeito de tirar a irmã dali, estava em uma confusão mental tão grande que sentia sua mente bloqueada invés de raciocínios lógicos.

     - Confia em mim, Jin. – pediu em meio ás lágrimas – vamos sair daqui.

    Sojin parou de supetão, no começo Seulgi não tinha entendido até ver que aos pés da irmã tinha uma das pequenas bombas. Sabia que Sojin estrava traumatizada com aquilo, por isso abaixou-se e pegou a bomba, jogando-a para trás e puxando a irmã para longe dali.

     E foi no último corredor, a menos de um metro de distância até o portão escancarado que uma bomba, de gás inflamável, explodiu fazendo com que as irmãs se soltassem e Seulgi tropeçasse para fora da escola, fazendo com que a porta se fechasse atrás de si. Entrou em desespero ao ouvir os gritos da irmã dentro do local. Aquela porta sempre fora o problema da escola, quando fechava, às vezes imperava e só abria com um técnico. Toda a calma que tinha armazenado durante toda a sua vida explodiu ao perceber que a porta de emergência era do outro lado, impossibilitando a mais nova de sair. Suas mãos tremiam e correu até o portão de portas de vidros, poderia muito bem quebrar se não fosse pela grade que protegia a vidraça. Poderia ver a menor bater desesperada do lado de dentro.

     - Fica calma, Sojin! – gritou de fora, em meio ás lágrimas e ao desespero, falava mais para si mesmo do que para a irmã. Entre as duas, Sojin sempre fora mais segura e calma, ao contrario da Seulgi que era uma bola de insegurança – tira a camisa e encharca de água do bebedouro e leva ao rosto. Mas mantem a calma, garota, eu vou te tirar dai. Sojin seja forte...

     Queria fazer mais alguma coisa pra salvar a irmã. Gritava desesperada, batia no vidro da grande porta pelo pequeno espaço entre os ferros. Conseguia ver a dificuldade da irmã em respirar, já que lá dentro estava tomada pela fumaça branca. Batia no vidro em meio aos gritos e pedidos para que a irmã fosse forte. Não se importava com o sangue quente e fresco escorrendo pelos seus ponhos a cada batida contra a vidraça, estaria lutando.

     - Eu não vou sair de perto de você, jinjin. – gritou para a irmã que poderia ouvir mesmo com toda aquela fumaça lhe matando aos poucos - Eu estou com você, meu amorzinho.

     A mais nova veio de encontro á porta e segurou a mão da mais velha, estava respirando com dificuldades, a blusa molhada contra o rosto e o suor escorrendo contra a testa. A fumaça que saia pelo pequeno buraco de vidro deixava Seulgi tonta e com falta de ar, não sabia como a irmã estava conseguindo. Não tinha jeito, era impossível abrir a porta. Então desistiu. Era fraca demais para continuar tentando. Era fraca e inútil para salvar a vida da própria irmã. Mas se fosse para ir, iria com a mais nova.

     - Não vou sair de perto de você pirralha – falou com dificuldades – não vou lhe deixar.

     - Seulgi, sai – pediu, puxando o próprio braço – você tem que continuar. Corre! Tem uma bomba grande aqui. Vai explodir em dois minutos. – pedia com a voz calma, porém desesperada - Unnie, por favor!

    - Já falei que não vou te deixar – gritou em meio aos soluços – não vou te deixar, Sojin. Você é muito importante para mim. A maior artista de todos os tempos. Você é tudo, absolutamente tudo pra mim. Não vou te deixar. Não insiste para que eu vá embora, porque eu não vou sair daqui!

     - Unnie – pediu mais uma vez, com sua voz cansada e pesada – por favor.

     - NÃO, SOJIN! – gritou novamente, quase sem ar devido aos soluços constantes e a fumaça que ainda escapava pela brechinha – EU NÃO VOU TE DEIXAR, EU VOU FICAR COM VOCÊ.

     Em meio á fraqueza da mais velha, Sojin puxou seu punho com força caindo logo em seguida para trás, ouvindo os gritos da irmã, em desespero. Sorriu ao ver alguém do bombeiro atrás da maior a puxando para longe do portão. Seulgi lutava contra os braços do profissional ao redor do seu corpo ao ver que a cada segundo ficava mais longe da irmã.

     - Adeus Seulgi Unnie, se cuida – pediu sorrindo – eu amo você, cada pedacinho seu. Amo cada detalhe, cada imperfeição e cada perfeição. Amo quando resmunga e amo quando sorri, eu amo quando você me abraça e eu me sinto segura. Você é minha heroína, Seulgi. Fica bem unnie, amo voc-

    E quando menos espera, uma explosão acontece, tornando a noite escura em algo claro devido ao fogo que revestia o campus, que em momento algum desabou. Seulgi foi solta, estava longe do fogo, graças ao bombeiro, mas queria está no lugar da irmã, queria está junta a garotinha de fios rosa e voz doce, queria a abraçar, tê-la em seus braços e implicar com a mesma só para vê-la ficar irritada. Queira ouvi-la sorrir, queria ver mais uma de suas tão incríveis obras, queria, queria...

     Queria: um verbo de primeira pessoa do indicativo do Pretérito Imperfeito.

     Sua respiração estava falha, assim como sua força. Percebeu que não tinha mais a irmã, então desabou junto à grama que um dia fora verdinha, agora se encontrava numa coloração mais alaranjada devido à explosão e quentura. A cada segundo, o fogo ficava mais alto, a gritaria dos bombeiros e o barulho de sirenes pareciam distantes e abafadas ao seu ouvir.

     Desabou ao ver sua mãe ali, jogada ao seu lado, chorando, sendo sustentada pelo seu pai que deixava lágrimas solitárias escorrer pela sua face cansada e velha. Correu até perto do fogo, chorando e lutando para permanecer em pé. Conseguiu ver através do vidro: fogo, caos.

     - NÃO! – gritou ao cair de joelhos, a quentura do fogo ardia em sua pele, ás mãos de alguém ao seu redor parecia ácido e sentia-se culpada – SOJIN! SOJIN VOCÊ TEM QUE ESTÁ VIVA!

     - Seulgi, vamos sair daqui.

     Alguém pediu. O alguém que segurava seu tronco por trás. Reconhecia aquela voz. Seulgi não via problemas em fazer trinta provas de matemática em um dia, contando que tudo o que acontecia ali não passasse de um terrível pesadelo. Algumas vezes beliscava seu próprio antebraço para ver se aquilo realmente estava acontecendo. Outrora apenas fechava e abria os olhos, acompanhado de uma reza. A verdade é que a realidade está responsável por uma das maiores dores existente, apenas por ás vezes mostrar o que não queremos ver.

     - Não está facilitando o trabalho dos bombeiros – Seungwan pediu novamente, conseguindo levar o corpo da amiga até a uma ambulância. – Seulgi...

     - Cadê a minha irmã, Seungwan? – perguntou desesperada – cadê a minha irmãzinha? ME FALA ONDE A MINHA IRMÃ ESTÁ! – gritou se soltando dos braços da amiga – ALGUÉM VIU A SOJIN? SOJIN!

     - Seulgi – pediu novamente a canadense – Seulgi, ouça...

     - EU QUERO A MINHA IRMÃ, WENDY! – gritou sentindo o fracasso correr pelas suas veias.

    - Seulgi – balançou a garota pelos ombros, recebendo sua atenção – eu sinto muito...

     - Não não não não não – sussurrava em meios as lágrimas – Sojin...

    

    Apenas respirou fundo, tentando reorganizar a mente bagunçada e cheia de nós. Percebeu que não estava sozinha e muito menos tinha voltado para aquele dia que queria que nunca tivesse acontecido. Pôde respirar um pouco mais aliviada por estar em um lugar fechado e com poucas pessoas. Sentia-se confortável por está na presença da psicóloga.

     - Seulgi, você pode me dizer a intensidade da sua dor em uma escala de 0 á 10?

     - Acho que 8,5.

     - E porque não 10? – ela perguntou curiosa – é possível ver em seus olhos o seu sofrimento.

     - Porque eu desconheço os meus limites.

     Apenas abaixou a cabeça, descansando-a sobre a pedra de mármore na mesa. Notou, que pela primeira vez, o silêncio entre médico e paciente não era um dos mais confortáveis.

    - Pode falar o que quiser falar, senhora Gong – pediu de um jeito gentil, observando a mulher tomar um pouco de ar – eu posso ser forte.

     - Você não teve culpa de não conseguir a puxar, você fez o seu melhor. Você esteve ao lado dela até o último momento. Você sempre foi á heroína dela. Você foi á pessoa mais incrível que ela já conheceu. Eu sei disso, Seulgi, porque era possível ver nos olhos daquela garotinha. Eu me lembro da felicidade dela ao seu lado. Eu sei disso porque ela sempre vinha me perguntar sobre você e no final sempre conversávamos sobre tudo um pouco. Você era a fonte de inspiração da Sojin, e ela tinha tanto orgulho de você e de falar que você era a Unnie dela. – a doutora concluiu sorrindo gentilmente – você promete que vai me deixar lhe ajudar e vai se ajudar também? Vamos sair dessa, Seulgi, juntas.

 

     - Juntas. – ergueu seus olhos e encontrou com os da psicóloga que parecia motivada e se sentiu esperançosa pela primeira vez, dessa vez tendo a certeza disso. – obrigada por não desistir de mim. Eu prometo que vou tentar não desistir de mim, também.  


Notas Finais


voltei de novo, um presentinho para recompensar minha demora. e é aquele negócio, qualquer errinho avisem ou ignorem.

210118


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