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História Cinquenta Tons de Esdeath - Dorothea


Escrita por: AstolfinhoRider

Capítulo 45 - Dorothea


Fanfic / Fanfiction Cinquenta Tons de Esdeath - Dorothea

Dorothea seguia em passos rápidos em direção ao porão de sua casa. Não vestia nada além de um manto branco, que pouco fazia para esconder sua nudez, a mulher tinha um sorriso no rosto, ornado pelos dentes que mais pareciam presas de um felino, e um pequeno frasco nas mãos.

Desceu correndo as escadas, e com um salto desajeitado, chegou ao chão, quase escorregou em uma poça de qualquer coisa, mas não chegou a cair.

-Eu consegui!- gritou ela, segurando o frasco perto do rosto, então se aproximou de uma cela, onde estava uma mulher, presa por correntes na parede, ela desviou o olhar quando Dorothea passou por ela e arrebentou o cadeado da porta com um soco, para então abrir a porta rapidamente - Eu consegui, Melina, eu consegui!

Melina não ousou olhar Dorothea, preferindo olhar para a pilha de alimentos que deixou de comer na noite passada, o prato estava cheio de formigas agora. Ela imaginava e se lamentava a forma como havia acabado naquela situação deplorável: Presa em um porão por correntes. Em um dia estava feliz, festejando com sua família, e em outro, foi atacada e acabou naquele lugar escuro e desolado, que fedia a mofo.

-Não está feliz por minha conquista?- perguntou Dorothea, enquanto abria os grilhões da corrente. Melina sentiu-se aliviada quando as correntes foram jogadas para o lado, seus pulsos estavam machucados pela pressão dos grilhões- Eu consegui!

-Eu... Eu não a conheço- disse Melina, tentando se arrastar para fora daquela cela e talvez por sadismo, Dorothea acompanhou-a com os olhos e um sorriso largo se abriu em seu rosto, Dorothea esperou que ela se arrastasse para o lado de fora e então simplesmente pisou nas costas da mulher, imobilizando-a no chão- Deixe-me ir...

-Deixa-la ir?- Dorothea riu, então ergueu o corpo de Melina pelo braço com apenas uma das mãos, guiando-a em direção a uma área mais aberta. A luz o sol feriu os olhos de Melina, que sorriu ante a expectativa da liberdade.

-Você veio me salvar?- perguntou ela.

-Salva-la? Ah, sim, claro que irei- Dorothea sorriu- Não se lembra de quem eu sou?

-Não... - Melina tocou o rosto de Dorothea  com a ponta dos dedos- Mas você é bonita...

-Obrigada- Dorothea sorriu.

Chegaram até outro cômodo depois de vencerem os degraus da escada, lá, Melina viu um homem encapuzado sentado sobre um banco rustico de madeira, ele a seguiu com os olhos, mas não chegou a se mover. Naquele momento, Dorothea parou de andar, e deixou o corpo de Melina escorregar para o chão.

-Não sabia que já estava aqui- disse Dorothea ao homem, com aparente surpresa- Não estava aqui há um minuto atrás e...

-Vim ver como anda seu trabalho- disse ele, em um tom grave- Você tem causado muito tumulto ultimamente, Dorothea.

-Tenho feito o possível para...

O homem a calou com um movimento de mão.

-Não é o bastante- retirou o capuz, longos cabelos prateados se derramavam sobre os ombros largos; o rosto moreno era marcado por profundas cicatrizes e os olhos escuros eram terríveis de se encarar- Existem pessoas importantes demais nessa cidade, devo lembra-la, se alguém descobrir que existe uma usuária de Tengu aqui, e que ela está causando problemas, poderão enviar pessoas aqui para... Dar um fim ao seu belo rosto.

Dorothea fez uma careta de desdém.

-Eu os mataria, facilmente- Melina arregalou os olhos ao ouvir aquelas palavras- E, além disso, não estou causando muitos problemas.

-Você está assassinando indiscriminadamente desde que saiu das terras do império- ao ouvir aquelas outras palavras, Melina entendeu que Dorothea talvez não estivesse ali para salva-la- Encontrei-a em uma masmorra depois de você causar problemas demais. Não me faça ter que coloca-la em outra, alquimista.

Dorothea suspirou, pisou com força nas costas de Melina para que ela não fugisse, a mulher grunhiu de dor.

-Quer se divertir com ela antes que eu faça o teste?

O homem balançou a cabeça negativamente.

-Tudo bem- Melina tentou gritar quando Dorothea a fez engolir o conteúdo do frasco, de inicio, sentiu um formigamento percorrer seu corpo, da cabeça aos pés, então, por um momento, sentiu a força voltar aos músculos, e conseguiu se levantar agilmente.

-O que fez comigo?- perguntou ela, olhando incrédula para as próprias mãos.

-A melhorei, minha querida- respondeu Dorothea, no exato momento em que os olhos da mulher começaram a sangrar- Ou tentei faze-lo.

A mulher gemeu de dor de repente quando o formigamento subitamente se converteu em uma queimação, e a queimação, em uma sensação estranha de que animais a devoravam de dentro para fora. Melina gritou de agonia, e vomitou sangue no chão. Dorothea não conseguiu conter a expressão de frustração enquanto via Melina vomitar e gritar de dor, enquanto os dedos dela arranhavam a garganta, até que as unhas a deixassem em carne viva. Melina morreu, e seu corpo estava acinzentado, escuro, parecia mais um manequim do que um corpo humano, com a garganta rasgada e todos os orifícios de seu corpo ensanguentados- Bem, eu não consegui- disse Dorothea com um suspiro- Eu devo ter errado a proporção do...

-Sua idiota- disse o homem, aproximando-se do corpo de Melina- Errou? Que bela alquimista você é.

-Tentativa e erro- disse Dorothea, simplesmente atirando um pano sobre Melina- Esse, infelizmente foi um erro. Um erro dos grandes.

-Disse-me que tinha certeza do que estava fazendo, mas ao que me parece, não tem certeza nenhuma. Já fez alguma coisa corretamente em toda a sua vida?

-Você não entende nada de alquimia, não acompanhou meu progresso, então não desdenhe de meu trabalho, estou tão frustrada quanto você, Syura. Não é só porque você é o filho do primeiro ministro que  pode falar comigo dessa forma!

Syura se virou, com fúria em seus olhos, então atingiu o rosto de Dorothea com um soco, a alquimista recuou alguns passos pela violência do impacto, e um fino fio de sangue lhe escorreu dos lábios até o queixo. Para o homem, foi como atingir uma parede de concreto, balançou a mão e estralou os dedos.

-Cuidado com a forma que se dirige a mim, alquimista- disse Syura- Não se esqueça de quem lhe salvou da morte.

Dorothea o encarou por alguns momentos, limpou o sangue da boca e sorriu.

-Tem uma mão pesada, gostei disso- passou a língua no lábio partido- Gostei muito.

-Sua sádica maluca- disse Syura, com desdém, mas não totalmente surpreso, afinal de contas, como poderia esperar algo diferente de uma mulher que literalmente ganhava força sugando a vida dos outros?

-Olha só quem está falando- Dorothea deu um sorrisonho- O próprio filho do primeiro ministro, aquele sádico escroto. O fruto não caiu muito longe do pé.

Syura a encarou com ódio outra vez.

-Retire o que disse, alquimista.

-Retire o que disse também, Syura.

Syura avançou em direção a Dorothea, desferiu um soco na direção do rosto da alquimista novamente, mas ela simplesmente ergueu o braço e defendeu o golpe, contra atacando logo em seguida, atingindo o nariz de Syura com a palma da mão aberta. Ela não havia usado toda a força, mas o golpe havia sido forte o suficiente para arrancar sangue do rosto de Syura. O filho do primeiro ministro tocou o nariz, e o dedo se manchou de sangue.

-Anos e anos aperfeiçoando suas técnicas de luta e tenta me atingir duas vezes com o mesmo golpe? Você não é tão medíocre assim.

Syura cuspiu um punhado de sangue.

-Você bate bem, para uma mulher da sua idade.

Dorothea sorriu e saltou na direção de Syura, com o punho em riste para atingi-lo com toda a força, pouco se importava com o fato de que poderia mata-lo, uma vez que seu corpo era fortalecido pelos seus anos de modificações.

Desejava apenas se divertir com aquela situação.

O punho avançou, Syura sorriu e ergueu o pingente que levava no pescoço e uma luz intensa brilhou. O punho de Dorothea atingiu o vazio, sendo engolido para a dimensão de Shambhala, para então, reaparecer ao lado do rosto da alquimista. Dorothea foi atingida pelo próprio golpe, diretamente na têmpora, com tamanha força que ela foi arremessada para o lado e caiu quase inconsciente no chão, próximo a porta de outro cômodo.

A ponta da espada de Syura tocou a sua garganta.

-Retire o que disse, Dorothea.

-Eu... - sorriu- Eu só quis provoca-lo...

-E conseguiu- com a bota, Syura afastou as pernas de Dorothea, conhecia a verdade por trás daquele corpo, mas não podia negar que era bonita- E agora... Vai ter que pagar por me ofender.

-E de que forma o faria?- sorriu, tentando fechar as pernas, mas foi impedida por Syura, que se inclinou em sua direção, e abriu o seu manto, expondo seu corpo- Faria isso com alguém como eu? Não sabia que possuía esse tipo de fetiche.

-Estive pensando nisso há um bom tempo- respondeu, beijando um dos seios firmes de Dorothea- Conclui que não me importo- Penetrou-a, Dorothea mordeu os lábios, então sentiu as mãos de Syura se fechando em seu pescoço enquanto ele lentamente começava a estoca-la- Você é um brinquedo que não se quebra com facilidade.

-Sy-Syura- murmurou Dorothea.

-Estou pressionando com muita força?- perguntou Syura, mas já sabia a resposta, estava usando quase toda a sua força, e não pretendia parar de faze-lo.

-Não... - Dorothea sorriu- Não está apertando com força o suficiente.

Syura sorriu, então as mãos de Dorothea se fecharam em volta de seu braço e o levaram até a boca, Syura fez uma careta quando Dorothea o mordeu e o sangue vazou, havia algo na mordida daquela mulher que fazia a dor se assemelhar ao prazer.

-Pretende me matar, alquimista?- perguntou ele.

-Não... Ainda não.

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Decidi iniciar um diário, para que minha memória não se perca, e talvez, se algum dia alguém o encontrar, possa saber quem foi Dorothea.

Pois bem.

Meu nome é Dorothea. Sou uma alquimista que trabalha para o filho do primeiro ministro na grande cidade de Albion, entretanto, as coisas nem sempre foram tão prosperas para mim.

Nasci em alguma cidade no interior do Império, não me recordo direito onde era, porque o tempo rouba as memorias do homem, até mesmo aquelas que ele jurou jamais esquecer.

Foi meu pai quem me iniciou nas artes da alquimia, e para isso, tive que insistir durante muito tempo, na verdade, acredito que ele nunca viu em mim uma pessoa inteligente o bastante para entender os conceitos da arte que ele tanto prezava, confesso que quando criança, lembro-me de ser um pouco lesada, e gosto de pensar que o impressionei durante as suas aulas e progredi mais do que qualquer um, e em alguns anos, meu pai viu em mim alguém igual a ele, e agradeceu por ter tido a mim, em vez de qualquer outro filho homem que os deuses negaram a ele.

Mas mesmo com o conhecimento de meu pai sobre a arte, ele e minha mãe não foram capazes de sobreviver a velhice e a doença, coisas que consumiram seus corpos aos poucos, e no período de quase um ano, fui obrigada a vê-los morrer, sem poder fazer coisa alguma para ajuda-los.

Com a morte de meus pais, me aprofundei na arte da alquimia, e durante a vida desenvolvi a cura para várias doenças, sim, acredito que ajudei a salvar a vida de muitas pessoas e impedi-las de passar pela mesma coisa que eu passei. A pior coisa para um filho é ter que enterrar a própria família. Mas, de fato, desenvolver uma cura para todos os males nunca foi o meu objetivo inicial, e em alguma parte de meu caminho, tornei-me velha, meu corpo ainda guardava a mesma força de outrora, e isso porque eu modifiquei a mim mesma com o uso das coisas que eu aprendi, tornei-me mais forte e mais resistente, e meu corpo não era vulnerável a nenhuma doença. Isso, entretanto, causou danos ao meu corpo e a minha alma, de forma que eu nunca consegui ter um filho, e ao que me parece, falta em meu corpo um pedaço de minha alma, porque agora eu já não me importo mais com o sofrimento de outras pessoas.

 

Os dias se passam rápido, e a memória de dias passados se perde no tempo.

Os homens do Caminho da Paz estão tentando converter essa velha senhora para a religião deles, não por pena, mas porque sabem que eu tenho uma fortuna considerável, e eles a desejam mais do que desejam a salvação de minha alma. A corrupção tomou conta até mesmo dos homens santos, e isso é um pouco triste, mas, não muito, descobri com a idade que um dia, todas as coisas do homem se corrompem.

 

Quando me olho no espelho, eu já não me vejo mais, ao contrario, o que vejo é o rosto de minha mãe pouco antes da morte, um rosto velho, enrugado, um corpo que o tempo já curvou e encolheu ao seu bel prazer. Estou velha... E temo pela minha vida mais do que tudo. Droga... Sempre acreditei que quando chegasse a uma idade como essa, estaria mais em paz com a ideia da morte.

Enganei-me.

 

Acredita em destino?

Estava em uma caminhada matinal, buscando ervas na floresta, me perdi no meio do caminho e acabei caindo em uma caverna profunda escondida pela vegetação. Não sabia de que altura eu tinha caído, tampouco como estava viva quando cheguei embaixo, mas eu estava viva, explorei a caverna escura, e em um pequeno altar, encontrei aquele item:

Absordex.

Um presente divino, devo admitir, porque logo que a toquei senti todo o meu corpo formigar, e me senti jovem outra vez. Consegui subir novamente por onde tinha caído, com muito esforço, e por sorte, fui encontrada caída no meio da mata por um jovem rapaz. Eu não desejava feri-lo, mas mesmo assim eu não consegui evitar, pulei em seu pescoço e rasguei-o com meus dentes, e o gosto daquele sangue me deu mais prazer do que tudo na vida, quando me levante, percebi que os ferimentos em meu corpo estavam cicatrizados, e que o corpo do rapaz estava seco, cinzento e morto.

Confesso que aquilo me assustou.

Quando eu voltei para casa, estava suja de sangue, lama e terra, e como estava próximo ao anoitecer, pouca gente me viu. Tomei um banho e observei a agua lavar as impurezas de meu corpo, então olhei-me no espelho, e meu coração acelerou.

Estava mais jovem.

Descobri posteriormente que eu conseguia prolongar minha vida, juventude e beleza através da morte de outras pessoas, afinal, você nunca pode ter uma coisa sem abrir mão de outra. Doei parte de minha fortuna para o caminho da paz depois de me alimentar de quatro ou cinco daqueles clérigos, depois, fugi daquela pequena cidade e me aprofundei nos estudos das Tengus.

 

Infelizmente não existia nenhuma daquelas armas que pudesse impedir a morte definitivamente, e eu não conhecia nenhuma técnica da alquimia que pudesse fazê-lo, também. Nessa época, conheci um homem chamado Enshin, um pirata, basicamente, e este me ofereceu uma passagem para o império em troca de meus serviços. Eu era mais forte do que um homem comum, mas rápida e podia me passar por uma dama com facilidade, e me faltava a empatia dos homens de bem, e comigo, Enshin conseguiu saquear uma grande cidade, roubar todo o ouro e escravizar a população. A Dorothea de outrora deveria ter ajudado algumas daquelas pessoas a fugirem da moléstia dos piratas, entretanto, vi naqueles homens e mulheres apenas um grande banquete.

Enshin me encontrou dentro de uma pequena casa, haviam vários corpos a minha volta, ele não me questionou sobre aquilo, e eu não perguntei o que ele e sua tripulação fariam aos escravos.

Cheguei ao império, e a corrupção daquele lugar serviu como uma névoa para encobrir meus atos, afinal, o lugar estava no meio de uma guerra civil contra um grupo chamado Night Raid. Compei uma casa afastada da cidade com o dinheiro que Enshin me deu, e foi nessa época que abriguei uma pequena garota chamada Cosmina, que havia fugido da população furiosa, que gritavam aos ares ‘’Bruxa... Feiticeira’’ Fiquei com ela por alguns dias, e descobri que a voz daquela garota era capaz de induzir as pessoas a fazerem o que ela desejasse, e isso me ajudou muito, também. Infelizmente, não sei o que aconteceu com ela, porque em certa noite descobri que ela simplesmente havia fugido.

Nessa época o nome de Esdeath veio aos meus ouvidos.

 

Esdeath, a Senhora do Gelo, uma guerreira como nenhuma outra, que cresceu na hierarquia do império e se tornou uma grande comandante, e quando ouvi que ela estava juntando um grupo especial, me candidatei sem sequer pensar duas vezes, desejava de todo o coração estar ao lado daquela mulher.

Mas fui dispensada.

Se eu estivesse do lado de Esdeath, provavelmente teria um estoque ilimitado de cobaias e alimentos, mas ela talvez não tenha gostado da minha aparência, ou talvez me achou extrema demais na forma de matar, para ser sincera, eu não sei. Mas nunca gostei de ser ignorada, e reclamei por um lugar no meio dos guerreiros dela, e Esdeath simplesmente me deu as costas, ataquei-a, porque ouvi que Esdeath amava pessoas com força de vontade, mas fui repelida pela assassina dela, uma mulher de estatura baixa, com um olhar que doeria matar um dragão, a espada daquela mulher me fatiou como se eu não fosse nada.

Kurome. Lembro-me deste ser o nome dela.

Ela teria me matado, se Tatsumi não a tivesse impedido, eles brigaram, e parando para pensar, aqueles dois pareciam se odiar muito.

 

Então eu deslizei, tornei-me menos cuidadosa e mais vingativa, matei indiscriminadamente, e fui presa por isso. Fui atirada em uma cela escura por um homem chamado Budo, que antes daquilo havia me enfrentado, tentei beber o sangue daquele homem, mas fui derrotada. Ofereci meu corpo a ele em troca de liberdade, e ele negou a oferta com um olhar que perfurou meu coração. Os outros guardas, entretanto, aceitaram a oferta, mas não por liberdade, apenas por agua ou um punhado de pães secos, porque naquele momento, eu estava desesperada dentro das masmorras.

É estranho como o tempo deixa de fazer sentido dentro de uma masmorra, eu não sabia se havia se passado um dia, ou um mês, não conseguia dormir direito naquele colchão de palha e cheio de pulgas, ouvia os murmúrios de outros prisioneiros e alguns de minha própria cabeça, minha Tengu falava comigo, implorando por sangue, implorando por morte. E os guardas não pareciam se importar conosco, porque não tínhamos agua, ou comida por longos períodos de tempo. Descobri que se não me alimentasse, envelheceria e morreria, e depois de um tempo, tornei-me uma sombra do que eu fui, uma senhora curvada pelo tempo em uma cela que fedia a urina e a merda.

Houve um dia, entretanto, que um homem veio até mim.

Ele era alto, tinha os cabelos prateados e agachou-se a minha frente, me atirando um pedaço de carne e um copo de vinho.

-Você é a Alquimista que Stilysh me informou?- disse ele, enquanto eu devorava o alimento.

-Era... - respondi, e me surpreendi com o som da minha própria voz.

-Uma velha?

-A sabedoria vem com o tempo e com o estudo, rapaz- respondi, me colocando de joelhos com o máximo de dignidade que consegui, o que era quase nenhuma, estava suja, nua, ferida.

O homem se levantou, ascendeu uma tocha e foi até outra das celas, de onde apanhou um prisioneiro e o atirou a minha frente. Olhei-o, confusa.

-É seu- respondeu ele, o prisioneiro estava quase morto, e por isso, sequer fez menção a se defender quando, sedenta, avancei em direção a garganta dele.

Existe uma coisa sobre minha sede de sangue que eu aprendi com o passar dos anos: Quando eu fico com fome, eu não consigo controlar minhas ações, entro em um estado de inércia, e quando me dou por mim, alguém está morto a minha frente.

Ataquei-o imediatamente, e o gosto do sangue daquele homem quase me fez vomitar, mas eu precisava dele dentro de mim para que pudesse ao menos, ficar em pé.

Levantei-me, com o corpo mais jovem e a mente menos enevoada pela fome.

-Está um pouco mais bonita agora- disse ele, com um sorriso no rosto. E eu vi naquele homem o único rosto gentil em anos- Você possui a Absordex, então era verdade, é um desperdiço mantê-la presa aqui, e ferida dessa forma é inútil. Siga-me.

-Para onde?

-Para sua vingança.

Um brilho iluminou a sala da masmorra, e quando percebi, estava no meio de um quarto cheio de homens, eles ficaram atônitos em me ver daquela forma, reconheciam o meu rosto, sabiam quem eu era, e quando o homem que me libertou ficou entre eles e a porta, vi o pânico nos olhos de cada um.

-Foram esses os homens que a molestaram na prisão- disse ele- São meu presente para você, cara Dorothea.

-Nós não...

-Qual é o seu nome, meu senhor?- perguntei.

-Syura- E eu sabia quem era aquele homem.

Sorri, e matei cada um daqueles guardas, e quando me levantei, estava jovem e bela novamente. Coberta de sangue e revigorada pelos pedidos de piedade negados.

E eu estava livre.

-Isso não causará problemas?- perguntei- A liberdade de uma prisioneira como eu.

-Não causará- respondeu ele, cobrindo o meu corpo com uma capa- Mas lhe custará sua servidão.

-E seu eu recusar?- sorri.

-Você morre- respondeu ele- Eu a libertei por uma razão.

Suspirei, então olhei para os corpos ao meu redor, imaginando que tipo de ser desprezível eu havia me tornado.

-Sabe o que eu mais tenho medo?- perguntei.

-De que?

-Tenho medo da morte- respondi- Tenho medo de definhar e me tornar mais um desses corpos aqui no chão, e no final de tudo, que ninguém mais se lembre de meu nome. Temo uma cela escura, onde eu não possa fazer nada além de ver os anos se passarem, dia após dia, sem que eu nada possa fazer para impedir isso. Eu vivi por muito tempo, sozinha, Syura, vivi e vivi, e percebi o quanto o tempo é cruel- aproximei-me de Syura, toquei seu rosto - Perceba, esse seu rosto não durará por muito tempo, seu corpo também não, no final de tudo, o tempo é capaz de destruir até mesmo as coisas mais poderosas. E meu pesadelo era real até esse momento.

-Tem medo da morte?- Syura sorriu.

-E existe algum medo mais humano do que esse?

-Você deixou de ser humana há muito tempo, li sobre você, Dorothea, tornou-se um monstro- olhou para os guardas- Um monstro terrível.

-Talvez eu tenha me tornado- afastei-me dele- E agora, por sua causa, esse monstro pode ver a luz do sol novamente. Tem minha lealdade, Syura. Agora, leve-me até Stylish, preciso falar com ele.

-Stylish está morto- a noticia me pegou de surpresa- Ele e aquela garota.

-Estive presa por quanto tempo?- perguntei.

-Faz muito tempo- respondeu Syura- Muitas pessoas já morreram. Os homens estão caindo como moscas.

-Entendo. Terei que continuar sem ele, então.

 

Se eu pudesse unir meus conhecimentos com o do doutor, teria com certeza avançado em meus estudos sobre a morte, mas o destino não permitiu que fosse assim, tão fácil. O que Syura desejava era a criação de uma policia secreta, talvez ele tenha gostado da ideia de Esdeath de criar um exército pessoal e decidiu copia-la. Eu e ele nos divertimos muito, e eu nunca mais passei fome. Tempos depois descobri que Budo havia perdido no norte, e que ele estava gravemente ferido. Eu poderia mata-lo, mas não o fiz, talvez alguma parte de mim ainda sentisse empatia pelo fato da esposa dela estar grávida, e não, não poderia tirar dele aquilo que me foi negado.

Falsa moralidade? Talvez.

 

Nos meses que se seguiram, eu segui pelas cidades a volta do império, porque Syura ficou genuinamente interessado no meu estudo. Li tudo o que podia da biblioteca de Stylish, e descobri sobre uma antiga linhagem no leste, os chamado Huron, que eram fruto da combinação de humanos e bestas terríveis, e descobri que Astra, a princesa de Albion, tinha uma idade mais avançada do que sua aparência definia, e na linhagem daquela mulher, havia homens que sobreviveram por mais de um século e meio sem a ajuda de qualquer outro artificio.

Talvez estivesse lá a resposta que eu procurava.

Então eu pedi para Syura me levar até Albion, e em troca, prometi dar a aquele homem a força necessária para que ele não temesse a mais ninguém, não força física, já que ele já a possuía, prometi-o a imortalidade.

-Imortalidade?- ele sorriu ao ouvir a proposta- Acha que eu sou idiota?

-Olhe para mim, viu a forma que eu estava naquela cela? Eu tenho pesquisado muito sobre isso, e acredito que a vida humana não precisa ser assim tão... Tão curta. Mas o sangue humano é fraco, ele pode estender a vida, mas ainda não sei como fazê-lo definitivamente, talvez com o sangue daqueles que possuem uma longevidade maior...

-Pelos deuses. É isso que vem fazendo por toda a sua vida?

Sorri.

-Vai me condenar por má conduta?

-Tem certeza disso?- perguntou ele, aprumando-se ao meu lado.

-Nunca temos certeza de nada, mas é o próximo passo de meu estudo e...

-Eu a levarei até lá. Desde que me prometa maneirar na quantidade de pessoas que você... Ingere. Está gerando perguntas, e a ‘’Vampira do Império’’ tornou-se um assunto conhecido pelas pessoas, se descobrirem que...

-Não descobrirão- prometi- E caso o façam, não encontrarão nenhuma ligação de meus atos com os seus, sua imagem não será manchada, Syura, pode até ordenar minha execução. Até mesmo aqui no império poucas pessoas sabem da minha ligação com você...

Quando chegamos à Albion, Syura conseguiu uma residência afastada, com um grande espaço, e lá armei meu pequeno laboratório. Capturar Uthred Huron foi uma tarefa consideravelmente fácil, e logo de cara, percebi que o sangue dele era diferente do sangue de um homem comum, havia nobreza naquele rapaz, mas a nobreza foi logo suprimida pelo medo e pela dor, e apenas em raros instantes a coragem voltava as suas palavras, geralmente quando eu falava sobre sua irmã.

Astra Huron.

Eu a desejava, no começo de tudo, mas ela era escorregadia, nunca descobri o seu paradeiro, mas com a captura do irmão dela, Astra começou a interferir nos meus planos. De alguma forma ela descobriu meu nome, e suas investigações estavam chegando até onde eu estava, de forma que eu decidi dar a ela uma missão, eu a derrotei, e a deixei viva para que ela nunca se esquecesse de que estava viva apenas por que eu fui misericordiosa.

Então eu completei meu estudo, ou achei que sim, porque no primeiro teste a cobaia morreu, a mulher leoa teria sido uma cobaia melhor. Infelizmente isso me atrasou alguns dias.

Mas bem, sempre podemos continuar.

 



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