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História Colors - Euleta - Bordô


Escrita por: miabitt

Notas do Autor


Bonjour!🌹🦋

Vermelho sempre vai trazer consigo caos, paixão e... rosas! Dessa vez, de todas as cores.

Depois da primavera, um outono - seja o da estação, ou o da vida.

Gio foi quem escolheu, há um tempo atrás, a cor desse capítulo. Dedico a ela esse vermelho tão bonito e cheio de nuances. 🌹

Boa leitura!

- Mia Bitencourt. 🌹

Capítulo 19 - Bordô


Fanfic / Fanfiction Colors - Euleta - Bordô

Pelos cômodos, na cômoda do quarto, uma banheira repleta de flores. Pela estrada, pela rua, na calçada. Flores no jardim, pétalas ao vento, para tu contares. Para além dos nomes, que possam dizê-las. Flores pra compores metáforas antes de comê-las. Para quando tu chegares. Flores para quando tu chorares. Uma dinâmica botânica de cores para tu dispores, pela casa. – Flores, Zélia Duncan.

Mãos que subiam desgovernadas pelas costas femininas. Que desciam vagarosas pelos ombros masculinos. Ditavam coisas que não se pode ouvir, pediam outras que não se deve fazer. Já que a vida é um descompasso, queriam que o ar faltasse – e que voltasse em um respirar sem ritmo. Vermelho bordô, o transcendental, sem linhas tênues, é o extremo. Ou é choro, ou é vivacidade. Cidade de vinhedos, percebe-se nela o valor do álcool, dos brindes, das taças e das uvas. Do requinte, luxúria, encantaria, das forças que se esvaem e daquele último grito alcoólico de coragem.  

Bordeaux é a cor da caloria que ressurge no corpo, feito animal peçonhento que se esgueira silencioso. 

Eugênio e Violeta eram inconsequentes, desde sempre, ela mais do que ele. Uma desvairada sem pudores, sem paradeiro, liberta e barulhenta, daquelas que grita sem pensar e escuta o que não quer. Defeitos de uma cor que ama e a move, os lábios bordôs são capazes de ir do grito ao gemido, do prazer a confusão. Quanto a ele, é o ciúmes. O vermelho de Eugênio é o ciúmes e o fato dele ter aprendido com o tempo como machucá-la de volta. Eram as brigas dos dois – o odiar da boca para fora. Eles mudavam constantemente muitas coisas em si para se manterem juntos, e tinham algo incapaz de mudar – sexo. Esse sempre estaria presente, era ele quem cessava as brigas, os transtornos, os problemas. De um todo, foi o que os salvou, agora era apenas uma forma de causar eriçamento na pele.  

Um casal que já fora marcado pela vida agora se resume a um batom bordô marcado em camisa branca.

Chegaram da festa dos amigos, colocaram a caçula na cama e aproveitaram que estavam sem as filhas mais velhas por perto – que foram para a casa da amiga. Pegaram uma garrafa de vinho na adega para findar aquela noite, tinham duas taças de cristal em mãos e o líquido que os fazia aquecer. Ela levantou do sofá e o fitou ébria.

- Você me deixa tonta. – Sorriu. – Ai, Eugênio, que saudade eu tive disso! 

- É o vinho que te deixa tonta. – Tirava a gravata com a mão livre. – Saudade de ficar bêbada comigo? – Riu. 

- Fiquei muitas vezes bêbada sem você. – Virou a taça. – Agora estamos aqui. – Suspirou. – Juntos de novo. E eu não preciso esquecer a tua presença, amor. Não preciso mais. – Fechou os olhos. 

Ele teve de soltar a taça para tirar a camisa, tentava se manter alerta, mas era impossível após tudo que ela o fez beber. Dedilhava os botões e a ex-mulher o olhava com um sorriso lascivo. Eugênio não soube negar a ela uma garrafada de vinho, esse homem não sabia negar algo a ela.

- Vamos pro quarto. – Ele falou. – Comemorar o casamento alheio. 

A fez rir, Violeta parou de servir a taça e soltou o que tinha em mãos. 

- Comemorar o casamento alheio? – Ela gargalhou. – Vamos comemorar o nosso divórcio, ir pra cama do meu ex-marido é um paraíso na Terra! – Suspirou. – Sabe de uma coisa, Barbosa? Eu amei a sensação de ser uma péssima pessoa junto com você. Foi um amante maravilhoso, céus. 

- Sempre soube que ele não te satisfazia. – A segurou pela cintura. – E que você não prestava.

- Mentira, sabia nada. Você não... Não enxerga um palmo à frente do nariz. 

- Dava pra ver no teu rosto, na vontade que tu tinha de me arrastar pro quarto. – Tirou sarro. – Camargo, não adianta me enganar! Você me quis de volta no instante em que assinamos aquele divórcio.

- Não adianta, você é o meu amor. – Deu um beijinho nele. – Se eu casasse dez vezes, as dez seriam contigo. E não fique se achando! – Deitou no ombro dele. – Na outra vida deve ter sido o meu amante, e eu uma adúltera. 

- Uma grande conversa de trem! Por isso estamos pagando nossos pecados nessa vida. 

- E eu não aprendi nada! Por isso, na próxima, vamos seguir nesse ciclo vicioso. 

- Contando que não ache um doutorzinho meia boca pra competir comigo. 

- Me pediu desculpa... Mas ainda está com ciúmes. – O encarou provocativa. – Não se preocupe, querido, ainda faz teu trabalho bem feito. 

- Ainda? – Franziu o cenho. – Sempre vou fazer meu trabalho bem feito! 

- A idade chega para todos, Doutor Barbosa. – Ela riu. – Pra mim ela decidiu vir e fazer da minha vida um inferno! – O soltou e pegou a garrafa sobre a mesa. – E que inferno...

- Chega de vinho. – Pegou a garrafa dela.

- Me dá aqui. Assim fico com mais vontade! – Resmungou. 

- Com mais vontade?! – Franziu o cenho. – Não ama mais teu amante?! 

- Mais à vontade! – Reformulou. – Ai, Eugênio, não exija de mim frases coesas! Não estou no meu melhor momento.

Violeta o beijou, ela ficava ainda mais solta para falar quando bebia. Falar até o que não queria que soubessem. 

- Me leva pro nosso quarto. – Murmurou ao pé do ouvido dele. 

Eugênio a guiava pela escada, o que era bem difícil já que também não estava em seu normal. Encontraram-se em um esbarrão no corredor, onde ele a segurou contra a parede e a beijou apressado. O vestido longo subiu pelas pernas dela, o doutor tocou o íntimo da mulher coberto pela lingerie, que suspirou.

- Cafajeste. – Beijou o pescoço dele.

Cada uma das carícias que recebia deixavam a visão dela em tons de vermelho. Eugênio apertou um dos seios dela, os corpos colidiam. Arrastava a boca nos lábios dela enquanto ouvia os fracos ruídos que dela vinham – a faria dele ali se pudesse. Um beijo apressado e uma vontade crescente que a desnorteava, percebeu onde estavam e parou. 

Violeta conseguiu empurrá-lo para longe e abriu a primeira porta que viu, o escritório de Eugênio. 

- Você sempre certinho! Não mudou um livro sequer de lugar! – Franziu o cenho.

Enquanto ele trancava a porta, ela sentou na cadeira dele. O chamou com o dedo, sorrindo abertamente. Eugênio foi até ela, viu o instante que Violeta subiu o vestido pelas pernas e deixou à mostra a lingerie que usava. A forma como ele a despia sem tocá-la, somente com os olhos castanhos que tinha, a deixava completamente alheia ao redor. Embebedava mais que álcool, capaz de mergulhá-la em luxúria. 

- Vai bagunçar meu escritório? – Desafivelava o cinto. 

- Sentiu falta da tua mulher bagunçando o teu escritório? – Sorriu de canto.

Ela desceu a lingerie pelas pernas, o olhar de Barbosa desceu junto da peça, acompanhando os gestos da dama. Abriu a gaveta da mesa, guardando a lingerie. 

- Vou deixar de recordação. Assim, quando eu voltar pra minha casa, você se lembrará de mim. – Provocou. 

- Essa é tua casa. - Rebateu. 

- Então me dê motivos pra ficar. – Umedeceu os lábios. – Ainda não tem um anel aqui. – Mostrou o dedo. – Logo, estou solteira, mesmo que eu queira casar contigo. E posso voltar pra casa quando eu quiser.

- Devia usar nossa aliança de casamento, assim todos saberiam que é minha. – Segurou o rosto dela com uma das mãos. – Não vai escapar de mim, Violeta. 

- Não pode ter tanta certeza. – Sussurrou debochada.

- Está me provocando porque é baixa. Não vive sem mim. – Ela ergueu o queixo. 

- Está irritado porque sabe que eu posso ter quem eu quiser aos meus pés. – O fez soltá-la e acomodou-se na cadeira dele. – Quanta ingenuidade, Barbosa. – Sorriu. 

Eugênio segurou as pernas dela e a fez abri-las. Desceu os dedos pelo íntimo dela, sentindo a caloria e um pouco da lubrificação. 

- Pode pisar em quem quiser, Camargo. – Murmurou no ouvido dela. – E ainda assim vai correr atrás de mim por não achar alguém que te toque como eu toco.

- Correr atrás de você? Nem... – Sentiu um dos dedos dele a penetrando, entreabriu os lábios. 

- Teu corpo não sabe mentir pra mim. – Continuava a estimulando.

- Odeio você. – Disse baixinho após segundos.

Violeta esgueirou a mão pela nuca do homem, encostou os rostos ensaiando um beijo. Bocas tão próximas e que desviavam do contato, o perfume dele era bom, forte, amadeirado, combinava com o tom provocativo que os rondava – bordô. Disse baixinho o sobrenome dele assim que intensificou os toques. Tão complicado manter uma provocação quando era traída pelo próprio corpo, quando aquecia de um ponto a outro sem controle. Despertava nela a lascívia que parecia ter perdido, isso a acalmou. Violeta o olhou, nos olhares deixava claro o quanto pertencia a ele. Inseriu o segundo dedo, a mulher soltou um leve gemido e ainda seguiu o olhando. 

Ambos sentiam bêbados uma paixão que já era comum na sobriedade.

Moveu a mão um pouco mais forte, vendo no rosto dela as expressões de quem estava perdendo o próprio controle. Começou a beijar o colo da mulher, o decote do vestido o deixou arrastar a boca pelos seios dela, estava linda nele, mas queria tanto despi-la que a peça se tornou um empecilho. Violeta inclinou o colo na direção da boca do ex-marido, com uma das mãos tentou descer um pouco mais a roupa, mas era apertada. 

- Não tira ainda. – Ele pediu rouco. – Quero ver teu corpo nele. 

Os dedos naquele vai e vem incessante que só a deixava mais inquieta, respirou sôfrega quando sentiu eles se distanciando dela. Eugênio começou a descer pelo corpo de Violeta, entreabrindo mais as pernas dela e dando passagem para a boca dele. Com uma das mãos manteve a barra do vestido presa próximo ao ventre dela, a outra segurava uma das coxas da mulher. A língua serpenteando pelo íntimo dela, penetrando-a. Ela segurou-se na cadeira, o peito subia e descia aflito. Ouvir o próprio sobrenome dito em voz uníssona – em pleno ofegar da dama – era dos maiores prazeres da vida. 

Olharam-se e a pele de ambos eriçou, tinha o gosto dela na boca, o perfume que dela exalava e a voz que por ele clamava – Violeta era dele, por mais mentirosa que fosse, era dele. Camargo apertava firme a cadeira, tinha o íntimo em agonia, o corpo inteiro estava entorpecido. Esgueirou a mão pelos cabelos do homem, pressionando o rosto dele contra ela. A boca em contato direto com o íntimo dela a deixava febril, com o peito acelerado, arrastava os saltos pelo chão, não conseguia ficar quieta. Quanto mais Barbosa a puxava com os lábios, mais ela tinha que evitar dizer o nome dele em voz alta.  

Cessou o contato no primeiro tremular dela, afastando-se da mulher. Estendeu a mão para ela e a ajudou a levantar, Violeta o beijou e ele a encostou na mesa.

Eugênio desceu o zíper do vestido dela e Violeta o ajudou a tirar a peça. Os objetos da mesa foram ao chão e ele a sentou no móvel. 

- Bagunça tudo ao meu redor, Camargo. – Segurou o rosto dela. – Tem momentos que eu penso que te odeio por isso. 

- E eu não vou parar. – O abraçou pelo pescoço. – Não vou. – Beijou o rosto dele.

Haviam momentos que Barbosa tinha raiva dela. Raiva por controlá-lo tão bem, por conseguir tirar dele tudo que tinha. Violeta sempre foi quem bagunçou a vida dele, ainda que fosse quem desse sentido a ela. Era a cor que o transtornava da maneira mais adocicada que já viu.

Ela o beijou, aflita, apressada, não o dava tempo para pensar.

- Vou no nosso quarto. – Ele murmurou próximo aos lábios dela. 

- Se sair desse escritório, eu vou embora. – Disse séria. 

- Eu tenho... – Tentou soltá-la.

- Não. – O segurou. – Não precisa, vem cá. Não tem perigo. – Deu um beijinho nele. – Não me deixa sozinha aqui. – O trazia para mais perto. 

Desceu a calça social que usava, ficando apenas com a roupa íntima azul marinho. A mão dela passou a massagear o membro enquanto beijava o amante, mordeu o lábio dele, dando um sorriso logo após. 

- É doido por mim. – Falou baixinho enquanto o olhava lasciva. – Meu bem.

Eugênio enlaçou os cabelos dela com uma das mãos, fazendo-a erguer o queixo. Ela arrastou a ponta do polegar pela glande, não desviava o olhar. Puxava os fios enquanto a beijava o pescoço, a mão livre apertava um dos seios de Violeta. A mulher fechou os olhos sentindo aquelas carícias, o calor passou a ser insuportável – clamava por saciar as vontades que surgiam tão intensas. 

Deitou sobre os antebraços quando ele forçou o corpo contra ela, as pernas prenderam na cintura do doutor. Os fios de cabelo doíam pelo controle da mão sobre eles, não a soltaria agora. Violeta tinha o corpo que Eugênio não cansava de olhar, transitava por ela, admirava, arrastava os dedos pelo curso sinuoso dos quadris. Ela sentiu o arrastar da glande entre as pernas, logo a penetrando. Eugênio segurou mais forte os cabelos da mulher, que soltou um gemido baixo. Empurrou mais fundo, ela gemeu mais alto. 

- Você que é doida por mim, Camargo. – Respondeu o empresário, ela tentou responder, mas uma estocada mais forte a impediu. – E é você quem está correndo atrás de mim. 

- Eu te odeio. – Ela respirou fundo, recebeu outra estocada. – Barbosa! – Gemeu fraca. 

- Pode ir embora, Violeta. – Beijou o canto da boca dela. – E eu posso parar. – Mantinha um ritmo mais fraco. – É isso que quer? Que eu pare?

- Não pare. – Pediu rouca. 

Eugênio soltou os cabelos dela e a puxou pela cintura, mantendo-a abraçada a ele. As unhas passaram a arranhá-lo nos ombros, descendo pelas costas em linhas imaginárias. Delirou a cada estocada mais forte, nos toques bruscos que a avermelharam por inteira. Ele não teve cuidado, deu a ela o que buscava, sabia que quando Violeta começava a irritá-lo é porque queria algo a mais. Ela queria o gemido sôfrego que arranha a garganta, as mãos firmes e a submissão – queria ser controlada. O doutor ia mais rápido, ela continha os gemidos.

A boca dela procurou a dele, o beijou apressada e sentiu a mão dele a segurar pela nuca. Línguas brigando por espaço, invadindo um ao outro. Violeta interrompeu o beijo quando gemeu contra os lábios dele e teve de esconder o rosto na curva do pescoço do homem. O puxou os cabelos curtos, o íntimo dela contraía, era tão forte que o único nome que lembrava era o dele. 

Suspirou assim que os corpos se separaram e ele a fez descer da mesa, virando-a de costas para ele. 

Depositou beijos nas costas desnudas dela, sentia a carne fervente. Violeta tentava controlar a respiração, mas estava alheia a si mesma, ele a tonteou mais que a bebida que esgueirava pelo corpo e a deixava febril. Barbosa tocou os seios dela com umas das mãos, apertava as auréolas rígidas. Subiu a mão ao pescoço dela, debruçando um pouco do próprio peso sobre ela. 

Cretino – Ela murmurou. Pressionou a glande contra o íntimo da mulher, o ritmo vagaroso beirava a tortura. A sentia pulsar desordenada, brigando consigo mesma para não ceder. Voltou a segurar os cabelos dela, obrigando-a a erguer o queixo durante as estocadas firmes que a tiravam a sanidade. Cada golpe a fazia mais entregue, mais dele. A segurava com destreza, arrancando dela gemidos mais altos e sons mais estridentes. Os corpos colidiam ao ponto da pele avermelhar, ele ia mais forte, ela implorava por mais. O sentiu mordendo o ombro dela, não a soltou os cabelos, estava presa a ele, não iria embora antes de se desfazer nele.

Não aguentou quando ouviu ele arfando ao pé do ouvido dela, Violeta se segurou na mesa no instante que as pernas tremularam fracas e sentiu um pouco do líquido descer por elas. O nome dele pronunciado baixinho enquanto a sentia tremular abaixo dele o fez aliviar-se também, não conseguiu segurar. 

Ambos fracos, satisfeitos, ainda mais apaixonados. Era a primeira, não seria a última da noite.

Afastou-se dela, sentando-se na cadeira e a olhando mexer nos cabelos assimilando o que fizera. 

- Não tem como... – Ela disse com a boca seca. – ir embora desse lugar. – Virou e o olhou. – Ir embora... – Respirou fundo. – Da tua vida. 

- Não é a única que sabe bagunçar as coisas aqui, Violeta. – Riu sem humor.

- Preciso de um whisky. – Prendeu os cabelos e secou o suor do rosto. Tinha o corpo em chamas, as pernas tremulas e a vontade de estar cada vez mais perto daquele homem.

Violeta foi ao armário de canto e pegou a garrafa que ali havia, serviu um copo e sentou no sofá de couro, no outro extremo da sala. Eugênio a olhava beber, também tentava manter a sanidade, mas era difícil quando ele e Camargo coexistiam no mesmo espaço. 

Uma mulher nua, um copo de whisky e um sofá de couro foi a visão do que era viver em bordô. 

...

Após dois dias da festa de Júlia, Violeta terminava algumas anotações quando ouviu o toque do celular. Gostava da música e esqueceu de atender, ela precisava relaxar um pouco, estava há quatro horas focada no que fazia, sem interrupções. Hora ou outra lembrava do porre que tomou com o ex-marido, a cabeça doía só de lembrar a forma como acordaram no outro dia – no sofá do escritório. Os velhos tempos vieram à tona, sorriu por isso, ainda era a mesma Violeta de sempre.

 O aparelho voltou a tocar e ela viu na tela a foto da irmã, Heloísa.

– Heloísa? - Sorriu.

– Violeta, precisamos conversar. - Disse apreensiva. 

– Aconteceu alguma coisa? - Estranhou. 

– Aconteceu! E grave! - Confidenciou na voz que estava chorando. 

Violeta sentiu um aperto no peito pelo susto, Heloísa parecia preocupada e trouxe à irmã uma centena de preocupações diferentes.

– O que aconteceu?! Me conta! - Levantou da cadeira nervosa. - É com a mamãe? Ela está bem? 

– Violeta… - Falou triste.

– Heloísa! O que aconteceu com a nossa mãe? 

– Nada! Está ótima! O problema sou eu, Violeta! 

– Caramba, Helô! Vai me matar de susto! Meu coração parece que vai sair do peito! - Deu uma pausa. - O que te aconteceu, então? Pra me ligar desse jeito, é grave! 

– Eu fui ao médico, minha irmã. Escondida da mamãe… porque senti umas dores fortes. Mas, como ela é um poço de preocupação…

– Com você. - Riu sem humor.

– Me deixa falar! - Reclamou. - Fui no médico, ai, Violeta! Me ferrei! Estou ferrada! Irreversivelmente ferrada!

– Credo. - Franziu o cenho. - Falando assim, parece que vai morrer. 

– Violeta, eu tô grávida! - Disse prestes a sucumbir em tamanho nervosismo.

A mais velha se manteve em silêncio, entreabriu os lábios e levou a mão à boca. Esperava tudo, menos um sobrinho – de fato Heloísa estava com um "problema" sem escapatória.

– Fala alguma coisa, Violeta! - Implorou. 

– Você está grávida? - Perguntou surpresa.

– Grávida. Gravidíssima! Dois meses e meio, acredita? – Reclamava. - E eu estou prestes a infartar! E antes que me pergunte, eu sei quem é o pai!

– Que novidade é essa, Heloísa?! Finalmente vai me dar um sobrinho! - Sorriu. - Ai, Deus! Já estava na hora, minha irmã! 

– Só pode estar de piada comigo, Violeta! 

– De quem é essa criança? Por que não me falou que estava namorando?

– Um médico psiquiatra irritante que conheci quando fui conseguir um tarja preta pra nossa mãe! - Suspirou. - Ficamos juntos, uma vez. E olha o problema que arranjei! 

– Bom, pelo menos ele vai conseguir outro tarja preta pra Dona Berenice… porque ela vai ficar louca quando souber! - Gargalhou. - Heloísa, não acredito que está de caso com o psiquiatra da mamãe! 

– Não é psiquiatra dela, cabeça de vento! - Bufou. - É o filho do psiquiatra! Leônidas, tem a minha idade… - Respirou fundo. - Violeta, o que eu vou fazer?! 

– Estou… sem palavras! Como foi? Como ele é?

– Uma única vez com aquele homem… um deslumbramento! Eu estava tão triste e… foi uma alegria estar sendo desejada como nunca antes… mas… Violeta, é um filho! 

– Ai, mas que surpresa boa… que coisa boa de ouvir! Heloísa… - O olhar marejou. - Você finalmente está vivendo uma história de amor! E vai ter a família que sempre sonhou! 

– Não é uma história de amor, Violeta! - Desesperou-se. - É um filho com um homem que fui pra cama uma vez! Obviamente já tinha o visto outras vezes, mas, naquele dia decidi ir além! Mamãe não estava comigo e fui ver a receita dela… mas, caramba, Violeta! Eu sou uma idiota! 

– Calma! O que pensa em fazer? Já contou para ele?! 

–Não! É a primeira a saber! 

– Tudo bem… primeiro de tudo, conte a ele. Veja como vai reagir. 

– Não sei se ele gosta de mim, ou se fui só mais um caso. - Respirou fundo. - Ele me deu flores, com um poema, mas levei como um galanteio barato! 

– Qual poema?! 

– Soneto cento e dezesseis, de Shakespeare. E um buquê de rosas vermelhas, ele me chama assim, de "minha rosa". - Riu. - Ai, Vilú. E agora?

– Heloísa, esse homem te ama. - Sorriu. - Não fuja do amor, minha irmã. E não fuja de amar esse filho. 

– Estou tão nervosa agora que não consigo amar alguém! 

– Mas vai conseguir! E será uma ótima mãe, acredito nisso. Conta pra ele e me diga qual foi a reação. 

– Tudo bem. - Mordeu os lábios. - Estou com medo do que a mamãe vai dizer. 

– Ela vai amar. Você é o orgulho dela. – Sorriu triste. - E ficará feliz de saber que será avó. E... Você já tem idade suficiente para arcar com essa inconsequência, Heloísa! Na sua idade, eu já estava quase na terceira! 

– Espero mesmo. Ela já havia notado as minhas tonturas, mas, como não falei de Leônidas para ela, não suspeitou que fosse um neto! 

– Não tem noção da felicidade que estou. - Secou o canto dos olhos. - Você merece ser feliz, Heloísa. Ter uma família, uma casa bonita, um lar de verdade! Longe da saia da nossa mãe. Ela te sufoca demais.

– Estive pensando em retornar para o Brasil. - Sorriu fraco. - Sinto falta de você, das minhas sobrinhas… e quero conhecer a Clarice! 

– Vou dar um jeito de ir te ver. Não se preocupe. É melhor não viajar estando grávida, pode ser cansativo. 

– Promete?

– Prometo. 

– A mamãe chegou. - Avisou Heloísa. - Vou desligar. Eu te amo, minha irmã. 

– Também te amo, meu amor. - Sorriu. - E se cuida! Quero meu sobrinho cheio de saúde para que eu possa apertá-lo bastante! - Ouviu a risada da caçula. 

– Pode deixar. Fique bem. 

– Me ligue. Quero saber cada detalhe. 

– Vou ligar, prometo. 

Heloísa desligou a ligação e Violeta ficou parada no meio da sala, sem reação. Teria um sobrinho e estava longe da irmã, como saberia com clareza como ela está? Não estaria presente quando ele nascesse? Não acompanharia o crescimento dele? Não veria a irmã construindo uma família? Perderia muitos momentos importantes. Heloísa a viu casar, acompanhou a gravidez dela e mesmo que fosse uma criança, a ajudou em muitas coisas. Não retribuiria todo aquele amor? Que diabo de irmã mais velha seria?

Algo nela despertou, lembrou das palavras do médico há alguns dias, palavras essas que não deu importância. E ainda saiu desgovernada pelo consultório para ir ao encontro do homem que ama, não findou os exames. Percebeu que Heloísa estava na flor da idade e ela cada vez mais perto do outono da vida – como chamava. Engoliu seco, respirou fundo. Olhou os porta-retratos na mesa, as fotos das filhas, das meninas que os dois tiveram. 

Pensou que não a afetaria, mas doeu um pouco, trouxe certa insegurança.

Andou apressada até a sala ao lado, abriu a porta e foi até Eugênio, que bebia um café enquanto terminava uma ligação. Ele notou o semblante dela e desligou a chamada.

– Que cara é essa, benzinho? - Soltou a xícara. 

– Trago uma boa notícia. – O olhar marejou. 

– Gosto quando diz isso. 

– Teremos, em breve, um bebê na família! 

– E posso saber de quem? – Olhou-a surpreso. 

– Vamos ter um sobrinho. - Sorriu fraco. - Heloísa está grávida. 

– Um sobrinho? - Ele levantou sorrindo. 

– Sim, acabei de saber. Estou feliz por ela e triste por mim. - Chegou mais perto.

– Por estar longe? - Pegou a mão dela, Violeta assentiu. - Não fique chateada, vamos ter um sobrinho e isso vai ser ótimo. - Beijou a testa dela. 

– Não vou poder apertar o nosso sobrinho porque ele mora longe! - Suspirou. - Estou aos pandarecos com isso! E quando nascer? Vou ver por fotos? 

– É só viajar, oras. Pegar um avião e ir. Heloísa está longe, mas não é inacessível.

– Ele nem vai lembrar de mim, Eugênio. - O abraçou pelo pescoço. - É igual a Clarice, nunca conheceu Heloísa. Nem sabe como a tia é carinhosa! Só por fotos e chamadas. Isso não é o suficiente!

– Heloísa poderia muito bem ter vindo te visitar. 

– Poderia, mas eu barrei ela muitas vezes. - Suspirou. 

– Sei bem porquê barrou ela. E não acho certo. - Deu uma pausa. - Está errada também, Violeta. E não pode reclamar de estar distante quando você mesma se coloca nessa situação. 

– Não querer vê-la é tão errado assim? Querer ficar longe de quem não me faz bem é ruim? - Franziu o cenho.

– Errado é querer fingir que tua mãe não existe. Vocês duas possuem diferenças, mas tem tanta sorte por ter a tua mãe viva, Violeta. Está desperdiçando tempo. Quem me dera poder pegar um avião e ver a minha… mesmo brigando.

Violeta o abraçou apertado, refletindo sobre o que ouviu. Ultimamente ela convivia com muitas questões, de todos os lados, a vida deu uma chacoalhada nela – outonos que ultrapassavam os limites. 

– Ela vai amar esse neto. - Murmurou. - E estou com um ciúmes péssimo. 

– Ela ama as nossas filhas também. - Beijou os cabelos da mulher. 

– Eu tive uma filha, Eugênio, e ela não se deu ao trabalho de vir me ver. 

– Camargo… está errada. - A soltou. - Você quem não quis a presença dela. Tenho certeza que a Dona Bruxa viria caso você quisesse. 

– Dona Bruxa. - Ela riu. 

– E de mais a mais, ela deve ser doida pra conhecer a Clarice, você quem barra ela. Um diálogo resolveria, mas não sabe resolver as coisas. 

– Papagaios. Vai seguir me espezinhando? O que eu te fiz? 

– Só estou dizendo a verdade. E está brava porque não pode negar que é verdade! Agora vamos ter um sobrinho e não vamos vê-lo porque é teimosa. - Viu ela morder os lábios. - Ama a tua mãe?

– Sim. Não me faz pergunta idiota.

– Então olha pra mim e diz isso. - Violeta titubeou. - Fala, Violeta. 

– Não consigo. - Dispersou pela sala. 

– Sou eu quem está aqui, não ela. - A segurou pelos ombros. - Fala que a ama. 

– Eu amo a minha mãe. - Disse de olhos fechados. - Amo ela. Daria a minha vida por ela, Eugênio. É a mulher mais corajosa que conheço e também… que diabos, sinto tanta saudade. - Cobriu os olhos com uma das mãos. - Ai, meu bem. Que situação ruim. 

– Tudo bem. - A abraçou. - O que acha de irmos ver a Heloísa na nossa lua de mel?

– Lua de mel? Que lua de mel? - Resmungou.

– A que vamos ter quando casarmos de novo. Podemos ir visitar a Heloísa e levar presentes, quero ser um tio muito atencioso, o mais legal do mundo. - Sorriu de canto. 

– Só se me prometer que vamos ficar bem distantes da Dona Berenice! - O encarou. - Não vai agir como o salvador da pátria e me colocar frente a frente com ela! Está me ouvindo, Eugênio?!

– Não vou! Te prometo! 

– Não é porque eu disse pra você que a amo, que vou dizer pra ela. - Andou até a mesa e pegou a xícara dele, bebericando um pouco. - Está gelado. - Torceu o nariz. 

– Tia reclamona. - Ele brincou. - Mais uma menina na família Camargo. 

– Acha que é menina? - Riu.

– Claro, não nascem meninos na tua família, nunca vi igual! 

– Só tem mulheres mesmo. - Cruzou os braços. - Que sina! 

– Vou fazer um time de futebol feminino com minhas netas, porque garanto que só vamos ter netas. - Gargalhou. - E nenhuma das meninas gosta de jogar! Uma vez tentei jogar com a Clarice e ela veio cheia de fricote porque a bola sujou os sapatos dela.

– Calma, Doutor Eugênio. Em algum momento virá um menino para vocês jogarem futebol. - Deu um beijo no rosto dele. - Ou uma menininha bem talentosa que dará uma volta em todos os meninos! Eu ia amar! 

– Enquanto não vem, quer ir no jogo comigo? - Ele resmungou. - Constantino está atarefado tentando reaver o tal hotel que a Júlia apostou e vai perder o campeonato!

– Vou, doutor. Pode comprar os ingressos. Te faço esse favor. 

– Eu te amo. - De um beijo nela. - Vai nos trazer sorte. Já estava aos pandarecos pensando que teria de ir sozinho.

– Nem acredito que vamos ser tios. – Suspirou. 

– Nossa dinâmica com a Arminda foi ótima, somos ótimos tios. 

– Somos sim. – Tentou sorrir. – Ótimos tios. 

– Está com algum problema? – Ele perguntou. – Me parece incomodada. 

– Não. – Dispersou. – Só pensando em como me vestir para o tal jogo! – Riu nervosa.

– Vou comprar uma camisa para você! Do meu time! 

– Ah, com certeza usarei. – Ela abriu a porta. – Acredite! 

Violeta era uma ótima companhia para qualquer coisa – mas, se tratando de futebol, ela gostava apenas de assistir, jogar sujaria os saltos dela. Quanto a Berenice, essa tinha medo de aviões e a filha mais velha dela tinha medo de algum dia ela ter coragem de viajar sozinha e voltar.

...

Violeta e Júlinha reuniram-se para um café na mesma tarde, logo após Clarice ser deixada na psicopedagoga pela mãe. A loura estava com o humor uma verdadeira maravilha, tudo graças a Constantino e a renovação de votos que foi esplendorosa. Notou que Camargo estava distante, olhava o redor e não dava assunto para ela – o que de fato não era normal, ainda mais por ela ter marcado o encontro.

– O que está te incomodando, Vio? - Perguntou curiosa.

– Muitas coisas ultimamente. - Bebericou o café. 

– Por exemplo? 

– Já entrou na menopausa? - Perguntou direta. 

– Como?! - Franziu o cenho. 

– Menopausa. Já entrou nela ou ainda não?

– Não, caso contrário, você saberia. Por quê? - Soltou a xícara e a encarou. - Não vá me dizer que…

– Fui ao médico logo após a confusão envolvendo você sabe quem. - Suspirou. - Ele me passou uns exames, até sangue tirei… bom, ia tirar, deu a outra confusão, com o Eugênio, e nem terminei…

– E? - Pediu que prosseguisse.

– Percebi que meu ciclo estava meio doido. - Mordeu os lábios. - E o médico viu, em uma ultrassonografia, que meus ovários não estão lá essas coisas… - Cobriu os olhos com as mãos. - Sem falar nos meus hormônios que estão me deixando maluca, eu choro por qualquer coisa, me irrito mais fácil ainda. 

– Sente dores? - Violeta negou. - A libido segue intacta? - Confirmou. - Violeta, anda muito estressada. Óbvio que esse estresse todo ia te deixar fora do eixo. 

– Meu médico queria descartar a menopausa precoce e investigar caso fosse somente estresse, ou algo do tipo. - Fitava a xícara. - E eu não tive tempo de voltar no consultório. Estou cheia de mensagens da secretária dele no celular.

– Tempo ou coragem? Não sou médica, mas, como mulher… Acredito que seja estresse. - Sorriu fraco. - Quando briguei com o xuxu, também fiquei meio… Desregulada. - Riu.

– Não quero uma menopausa aos quarenta! - Bufou. - É o cúmulo! - Cruzou os braços. - Foi um balde de água fria! Mais um! 

– Trocou de pílula recentemente? - Indagou.

– Faz um tempo já, uns meses. 

– Pode ser isso. Troque o método, quem sabe não é ele que está te deixando doida? 

– Não me fala em método. - Fechou os olhos, respirou fundo. - Sabe quem está grávida? - Júlinha arregalou os olhos. - Heloísa. Vou ser tia! Estou na menopausa e a minha irmã grávida! 

– Violeta… - Júlinha sorriu. - Será tia! E ainda não tem certeza se está na menopausa! 

– Eugênio está todo animado. - Murmurou. - Achou ótima a ideia de ter um sobrinho. 

– Mas, não me parece animada. 

– Estou insegura, me sinto péssima por isso. No começo não liguei, nem quero mais filhos. Só que agora virou uma bola de neve! Ainda mais sabendo o quanto a mamãe vai achar incrível ter um neto vindo da Heloísa. Nossa, vai ser Deus no céu e a Helô na Terra! Vai ficar uma arara no início, mas depois… - Suspirou. - Ela vai amar. E será feliz com um netinho que fala italiano e é a cara da Heloísa. - Deu uma pausa. - Estou sendo infantil, não? É muita infantilidade minha, céus! 

– Violeta, teu problema não é a menopausa precoce que talvez nem exista, o teu sobrinho ou o fato da tua vida estar um caos já há alguns meses. - Júlia segurou a mão dela. - Teu problema agora é estar longe da tua mãe. Eugênio voltou para a tua vida, mas a Dona Berenice não. E, quem sabe, você quem deve voltar para a vida dela! Não o contrário! 

– Eugênio me disse praticamente a mesma coisa. - Sorriu fraco. 

– Minha amiga, se acerta com ela. Viaja se preciso for. Diz que ama! Que sente falta! Isso está te deixando em nervos, Violeta! 

– Como eu vou contar pra ela tudo? Como vou dizer tudo que me ocorreu nesses dez anos que ela esteve longe de mim? Não posso, Júlia. Ela nem sabe que me divorciei! O que dirá que voltei pro Eugênio! – Sorriu nervosa. 

– Caiu a tua ficha, não? 

– Ficha? Que ficha?

– Caiu a ficha de que talvez Dona Berenice não seja a errada da história. Viveu na pele o que ela passou a vida inteira e não pode mais se blindar disso. 

– Só queria abraçá-la. - Engoliu seco. - Mas, não tenho coragem de olhar para ela e dizer que a entendo. Que finalmente a entendi e que fui uma péssima filha. - Olhou a amiga. - Caso eu vá para Florença, não quero encontrá-la. - Apertou a mão da amiga. -  Não quero olhar no rosto da mulher que espezinhei a vida inteira pra defender meu pai. E não quero ver a Heloísa recebendo todos os paparicos que eu poderia ter recebido dela caso tivesse a deixado chegar perto. Nunca mais vou poder ter isso da minha mãe e me dói saber disso.

– Isso é tão triste, Violeta. - Levantou e colocou a cadeira ao lado da amiga. 

– Eu queria trocar de lugar com a Heloísa só uma vez. - Respirou fundo. - Só uma. 

– Não há como, minha amiga. A única coisa que pode fazer é pedir perdão, desculpas, qualquer coisa. Quem sabe assim teu corpo para de te boicotar. - A abraçou de lado. - E você para de ser uma manteiga derretida. - Beijou o ombro da amiga. - Hum? 

– Boba. - Sorriu. - Meus ovários morreram de tristeza. - Riu. 

– Ai, Violeta! - Riu. - Não diga isso! 

– Pelo menos agora posso aproveitar sem me preocupar tanto. - O rosto avermelhou. - Eugênio fica todo espiado, coitado. Mas, tenho que tirar um proveito disso! E que seja na cama, lugar que mais me faz feliz. - Gargalhou. 

– Você não presta! - Entreolharam-se. - Sempre desvairada! Vai morrer assim! 

– Ainda bem que achei um homem que comporta isso. - Bebericou o café. - E o reencontrei. Não aguentava mais a seca que eu estava, papagaios, já estava preparando meu testamento! 

– Que horror! - Júlia já sentia o rosto doer de tanto rir. - Não me imagino nessa situação! Deus me livre! 

– A minha libido nem uma menopausa me tira. - Pigarreou. - Ainda mais com Eugênio de volta em casa… na verdade, comigo de volta em casa. Esse sofrimento não admito jamais. 

– Toma vergonha nessa cara, Violeta. - Revirou os olhos. - E eu ainda me preocupo com você! 

– Sabe bem como esqueço dos problemas. - Sorriu envergonhada. - Já cantava Gal Costa… Se acaso me quiseres, sou dessas mulheres que só dizem sim.  

– Eu amo dizer sim. – Júlia suspirou. – Chega a me dar um calor!

– Não me fale em calor! Não quero pensar em sintoma nenhum, acho que estou paranoica!

– A menopausa não vai te matar, boba. 

– Mas vai matar metade de mim. – Escondeu o rosto com as mãos. 

– É uma azarada, Violeta. Vá se benzer! Pede pra tua mãe passar uma arruda em você, minha mãe ama uma arruda, nunca vi! 

– Vou ir me confessar. – Segurou o riso. – Na verdade, melhor não. Não tenho tempo nem para rezar! 

Os folhetins de Violeta Camargo eram escritos em cores fortes, como a da lingerie bordô na vitrine que pensava em comprar – e que diferiam da estação do ano que a massacrava sem dó alguma. 

...

Bordô ia muito além de conversas e romances, ele beirava o extremismo de uma ação que levaria Eugênio e Violeta ao próprio inferno pessoal.

Sala de aula cheia, conversas altas, vozes infantis estridentes e cores para todos os lados. Estar na escola era uma experiência não tão boa, Clarice não amava estar ali, apenas encarava aquela nova realidade – e tentava fugir dela a todo custo. Ao menos agora ela espalhava os lápis de cor pela mesa, desenhos em preto e branco eram passado. Estava ocupada com seu desenho quando a professora chamou a atenção da turma.

- Crianças, preciso de silêncio! – Pediu ela. – Temos uma nova coleguinha! 

Os olhares se voltaram para a menina que estava ao lado da docente. Tinha os olhinhos puxados, cabelo preto escorrido na altura dos ombros e uma carinha de poucos amigos – estava morrendo de vergonha por ser apresentada dessa forma. 

- Essa é a Lygia. Lygia Miyazaki. – Falou a professora. – Espero que possam dar as boas-vindas a ela. Digam olá a Lygia! 

Não demorou a um dos meninos imitar o olhar de Lygia, puxando os olhos e fazendo careta. 

- Boboca. – Falou Lygia, irritada. 

- Lygia! – Luísa a repreendeu. 

- Ele tá me imitando! Acha certo, Dona Professora? – Levou as mãos a cintura. 

- Yuri, não faça isso. – Pediu calmamente. – Sente-se aqui, com a Clarice. 

Clarice estranhou, quem sentava naquele lugar era o Vinícius e Lygia poderia muito bem sentar na outra cadeira. Era uma mesa circular, com quatro cadeiras, estava sozinha ali, o amigo tinha faltado à aula naquele dia. Mas, não quis ser indelicada, a mamãe já tinha a ensinado a não ser grosseira. 

- Sentou com a estranha! – Falou uma das meninas. 

- Estranha é você com essa tiara de um animal que nem existe! – Lygia rebateu instantaneamente. 

- Crianças, por favor! – A professora respirou fundo. – Por que tanta implicância? Nicole, não pode chamar os outros de estranhos.

De fato, Lygia não gostava de unicórnios, deixou a colega sem resposta. Ela achou que aquele “estranha” era para ela. Acomodou-se na mesa, junto de Clarice. 

- Qual o teu nome? 

- Clarice Camargo. – Soltou o lápis de cor.

- O meu é Lygia... Miyazaki. Sobrenome japonês. – Sorriu. 

- Lygia é o nome da escritora que a vovó gosta. – Lembrou. 

- Lygia Fagundes Telles. – Resmungou. – Eu sei. Minha mãe adorava ela. Tem um montão de livros jogados em um armário, que são dela. Da Lygia... E da mamãe, ela que comprou. – Disse confusa. – Os livros são da Lygia ou da mamãe? – Franziu o cenho.

- Eu não sei. – Sorriu tímida. 

Clarice voltou a desenhar, gostava de ficar quieta, quanto a Lygia... Não calava a boca. Ela falava tantas coisas ao mesmo tempo que dava um nó na cabeça. 

- Quer tomar suco? – Tirou a caixinha da mochila. – Peguei dois sucos hoje, os dois de uva. A vovó não viu. 

- Não pode tomar suco agora. – Murmurou Clarice. 

- Nem desenhar e você tá desenhando. – Riu travessa. 

- Papagaios. – Clarice respirou fundo. 

- Meninas, façam silêncio. – Pediu Luísa. 

- O silêncio... É chato, professora! – Lygia sorriu abertamente. 

- Mas, agora é necessário, querida. – Tentou não rir. 

- É tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. – Clarice respondeu. 

- O que disse, Clarice? – A professora semicerrou os olhos.

- É tão difícil dizer coisas que não podem ser ditas, é tão silencioso. – Repetiu. 

- De onde tirou essa frase, querida?

- Da Lispector, mamãe fala ela quando precisa guardar segredo e o papai chama ela de dramática. – Contou. – Mamãe gosta de fofocar. Mas ela diz que não é fofoca. Minha mãe é tagarela. 

- E a minha mãe gosta de viajar, ela tá sempre viajando. – Lygia contou. – Agora ela tá na Europa!

- A minha adora praia! Ela e o papai ficam jogando água um no outro! Mas, eu não gosto tanto assim de areia, fica grudando nas pernas. – Torceu o nariz.  

- Meninas, depois conversamos, preciso de silêncio para explicar a tarefa. – Pediu a professora.

Foi a primeira vez que Luísa pediu para Clarice manter silêncio, sorriu com aquilo, era uma ótima evolução. 

- O teu caderno é da Dory! – Lygia cochichou. – O meu é da Bela! Tem uma rosa vermelha enorme, olha! 

Quando Clarice olhou, logo lembrou da mãe, era o mesmo caderno que ela havia ganho do papai. A felicidade de Violeta ao ver que Eugênio tinha comprado o caderno que ela amou ficou marcado na memória de Clarice, uma lembrança feliz dos pais juntos. 

- Igual ao da mamãe. – Sorriu. 

- Como é a tua mãe? 

- Bonita e usa um batom dessa cor. – Mostrou o lápis vermelho. – Ela fala alto e gosta de comer doce. E o meu pai ama ela porque ela sabe muitas frases legais. 

- E a sua avó? – Sorriu. 

- Eu não sei, mas tem olhos verdes. Nunca vi a vovó.

- Por que? Ela tá viajando?

- Ela foi embora, eu ouvi a minha mãe dizendo que foi embora pra bem longe. 

- Que pena. – Murmurou. – A minha mãe tá viajando, mas ela nunca volta. Nem liga. Vovó disse que ela tá sempre ocupada com o trabalho. 

- E o teu pai? 

- Ele é bravo. E gosta de assistir futebol. 

- Papai também gosta de futebol, mas ele é bonzinho. Nunca fica bravo.

Ouviram o sinal tocar, pegaram as lancheiras e saíram tagarelando. A professora de Clarice sempre ficava com ela na sala de aula, a menina não gostava do barulho que era o intervalo da escola. Mas, hoje, Clarice saiu com Lygia e nem ligou dos falatórios ao redor. Quem sabe, ela também era tagarela igual a mãe e só precisava de alguém que a escutasse.

Sentaram em um local do pátio onde tinham poucas pessoas, começaram a pintar juntas. 

- Minha mãe tem nome de flor. Violeta, eu acho um nome lindo. – Disse Clarice. – Ela acha que eu não vou ter filhos, mas eu quero uma filha pra chamar igual ela. 

- Por que ela acha isso? – Lygia semicerrou os olhos. – Eu gosto de brincar de boneca! Elas são minhas filhas! E quero ter muitas filhas! 

- Eu não sei, mas ela tava chorando. Eu ouvi atrás da porta. – Murmurou. – Ela chora de vez em quando. E... Eu não gosto de bonecas, só de uma. Ela tem o nome da vovó, mas eu chamo de Nice. É o apelido dela, o meu é Nina, mas só a mamãe me chama de Nina. O papai me chama de biju! 

- Meu apelido é Lyginha. – Riu. 

- Você tem que conhecer o Vini. Ele é bonzinho, mas não sabe enxergar as cores. – Mexia nos lápis. – Eu ensinei ele as cores, mas ainda não enxerga elas. 

Quando Lygia ia responder, viram um grupo de cinco crianças se aproximando. 

- Ela aprendeu a falar! – Gargalhou um menino. – A muda aprendeu a falar! 

- Fala alguma coisa, Clarice! – Implicou o outro.

- Deixa ela! – Lygia franziu o cenho. – Vai catar piolho! 

- Como consegue falar com a estranha? Ela não fala! – Perguntou uma das meninas. 

- Clarice fala sim! E muito melhor do que você! 

- Vai defender a estranha? – O menino se aproximou rindo. 

Clarice começou a respirar com dificuldade, fechou os olhos tentando fingir que não estavam falando com ela. Violeta a ensinou a não ser grosseira e a não gritar, também ensinou que precisava ser educada – só não a ensinou a se defender, e isso fazia falta. A mãe não queria que a filha fosse bruta como ela, mas a caçula quem era vítima das brutalidades alheias. Nina precisava aprender a se impor, agora ela só conseguia sentir todo o medo que a mãe a permitiu sentir todas as vezes que disse que sentir medo não era errado. 

- Vai fazer o que se eu defender? – Lygia levantou do banco. – Ela não te fez nada! 

- Ela é doente! 

O menino replicava tudo que ouvira em casa, ele foi ensinado que a coleguinha era doente e por isso não devia chegar perto. Clarice levantou do banco e tentou sair de perto das vozes altas – que pareciam muito mais estridentes agora que estava nervosa. 

- Onde vai? – A seguraram. 

- Solta ela! – Lygia disse brava. – Solta ela agora! 

- Não solto! – Um dos meninos respondeu.

Foi o estopim para Lygia perder a paciência e o empurrar no chão, começando uma briga em pleno primeiro dia de aula. Uma das monitoras viu a movimentação e apartou, logo após, a professora de Clarice chegou. 

-  Clarice! – Abaixou na altura dela. – O que aconteceu? Conta pra Tia Tiana, amor. -  Tentou sorrir. 

- Me solta! – Lygia fez a monitora a largar. – Clarice... – Sentou ao lado da amiga. – Não precisa chorar! 

- Liga pra mãe dela. – Luísa pediu. – Violeta Camargo, avise o ocorrido e peça que venha urgente. 

- Clarice, olha a minha lancheira! – Lygia pegou a bolsinha. – É da Bela também! A tua mãe gosta, não gosta?! – Clarice assentiu. – Ela já tá vindo, mas... Eu tô aqui! Quer um abraço? Eu posso te abraçar? 

A caçula de Violeta e Eugênio abraçou a nova amiga, foi quem a manteve distraída durante a reação desencadeada pelo que ouviu. Clarice não queria ser doente, era algo ruim, não? 

- Tá tudo bem, você não é doente. Nem estranha, nem nada do que falaram. – Lygia a abraçou forte.

O mundo de Clarice voltou a ser preto e branco – antes de virar bordô. 

...

Violeta tinha em mãos o caderno da Bela, que Eugênio havia dado para ela. Estava agora na sala verde claro, o ambiente acolhedor que a fazia acalmar em meio ao turbilhão do trabalho. Estava angustiada naquela manhã, um sentimento estranho, pegou alguns lápis de cor que tinha sobre a mesa, começou a rabiscar um vestido. Aquele sentimento a acometia e ela não conseguia se desvincular dos rabiscos pretos em folhas brancas – estava nervosa, difícil manter o foco no que desenhava quando sentia o coração apertar. 

- Camargo? – Eugênio entrou na sala, ela não percebeu a presença dele. 

Parou a frente da mesa dela e a mulher parecia tão alheia que estranhou. Ela seguia traçando as linhas da roupa, prendeu-se nos bordados da saia, era detalhista. 

- Violeta! – Eugênio a assustou e Violeta o olhou. – O que foi? Tá distraída. 

- Eu não... – Engoliu seco. – Não sei. Estou com um aperto no peito, uma angústia! – Soltou o caderno. – Sabe das meninas?

- A pouco falei com a Dorinha, estão com a Arminda em um bar ao lado da faculdade. – Sorriu. 

- Que saudade da minha filha. – Respirou fundo. – Que vontade de abraçar ela. 

- A Clarice? – Começou a massagear os ombros dela.

- Sim. Queria tanto ela aqui, com aquele cheirinho de criança. – Sorriu fraco. – Será que está bem?

-  Ah, deve estar. Faltam ainda umas duas horas para buscar ela. 

- Acho... – Levantou abrupta. – Que vou buscar ela. Agora.

- A menina tá na escola, Violeta. – Deu a volta na mesa. 

- Não, mas, eu preciso ver a minha filha. – Pegou o celular. 

Violeta ia discar o número da escola, mas o aparelho tocou. O coração dela descompassou quando viu que era a escola quem estava ligando para ela, atendeu apressada. A vice-diretora a avisou sobre Clarice estar muito agressiva e chorando, que precisava que buscassem a menina. 

- Aconteceu alguma coisa com a Clarice. – Pegou a bolsa. – A escola me pediu pra ir buscar ela! 

- Pego a chave do carro e vou com você. – Ela assentiu. 

Eugênio não deixaria a mulher dirigir estando tão nervosa. Andaram apressados até o carro e seguiram o caminho da escola. 

- Nossa filha não é uma criança agressiva. – Violeta refletiu. – Ela só fica agitada quando algo a incomoda. 

- É melhor não se precipitar, deve haver um motivo.

Chegaram na escola e pararam na diretoria, onde viram Clarice abraçada em uma menina que não conheciam, na sala de espera do local. 

- Nina. – Violeta andou apressada até ela. – Nina, o que aconteceu? Filha! 

- Clarice está muito agitada, Dona Violeta, por isso a chamamos. – Explicou a monitora. 

- Por que está agitada, biju? – Eugênio chegou mais perto dela. 

- Conta pra mamãe, amor. 

- Eles brigaram com a gente. – Lygia respondeu baixinho.

- Lygia! – A monitora a chamou a atenção. 

- Não, espera aí. – Violeta riu brava. – O que disse? 

Lygia se manteve calada e Violeta fuzilou a monitora com o olhar, queria saber exatamente o que ocorreu com a filha dela. A mulher tinha ordens da vice-diretora para apaziguar a situação, uma denúncia contra a escola não seria bom. 

- Qual o teu nome, querida? 

- Lygia Miyazaki. – Respondeu assustada. – A senhora é a mãe da Clarice? 

- Sim, Violeta, muito prazer. -  Sorriu. – E esse é Eugênio, pai dela. Pode me contar o que aconteceu? 

- Não. 

- Por que não?

- Porque a monitora disse que eu não posso contar. – Respondeu e Eugênio segurou o braço de Violeta.

- Vai com calma. – Ele pediu. 

- Ah, então a dona monitora te proibiu de dizer? – Voltou a olhar a mulher. - O que a senhora tem a me dizer?

- Tudo será esclarecido na sala da diretoria. 

- Clarice, olha pra mamãe. – Segurou as mãos da filha. – O que fizeram pra você? 

- Tia Violeta, ela não vai falar. – Lygia disse. 

- Então, me conte você. Não precisa ter medo de ninguém aqui. – Deu uma pausa. – Eugênio, pega a Clarice e distrai ela, por favor.

Eugênio pegou a filha no colo enquanto a mulher tentava tirar alguma informação de Lygia.

- Pode me dizer.

- Eu tava com a Clarice no recreio. – Respirou fundo. – E começaram a chamar ela de estranha e disseram que ela não fala porque é doente. – Violeta encheu os olhos de lágrimas. 

- Doente? – Disse com a voz entrecortada. 

- Sim. Só que eu sei que ela não é, porque comigo ela falou! – Sorriu. – Daí, seguraram a Clarice pra ela não sair de perto.

- Seguraram ela? 

- Sim, e machucaram o braço dela. Daí, eu empurrei o menino e ele caiu no chão! – Ergueu o queixo. – E eu não vou pedir desculpas porque ele mereceu! Mas, a Clarice começou a chorar e eu acalmei ela, então não pude terminar o serviço! 

- É pior do que eu pensava. – Fechou os olhos, tinha que manter a calma. 

- Tia Violeta. – A chamou.

- Sim?

- Falar a verdade não é errado, mas a minha avó vai ficar brava. É o meu primeiro dia! – Os olhos marejaram. – Ela vai brigar comigo! 

- Não se preocupe, vou explicar para ela tudo que aconteceu. – Tentou sorrir. – Obrigada por defender a minha filha, querida.

- Clarice tinha razão, a senhora é bonita. 

- Você também é. Uma gracinha. – Tocou o nariz dela. 

Violeta levantou e foi até a monitora, parando a frente dela. 

- Eu vou entrar na sala da diretora e você não vai chegar perto da minha filha. – Deixou transparecer a raiva que sentia. – Nem da menina que a defendeu. Se eu souber que coagiu elas, vamos parar na delegacia. Me entendeu? 

Não esperou uma resposta, voltou a ficar perto de Lygia. 

- Se importa de ficar só mais uns minutinhos com a Clarice? – Perguntou a menina. – Vi que você acalmou ela, e eu preciso do pai dela naquela sala. – Sorriu. – Ou a tia Violeta vai fazer um escândalo. 

- Pode deixar, Tia Violeta! Sou ótima nisso! – Bateram as mãos. – E em escândalos também! 

- Eugênio, coloca ela aqui. – Pediu. – Sabe muito bem que se eu entrar sozinha, a coisa vai sair do controle. 

Violeta e Eugênio entraram na sala após dois meninos saírem de lá. 

- Onde está a Olga? – Perguntou Violeta.

- Afastada por motivos de saúde. – Respondeu a vice-diretora. 

- Dona Regina, acho bom terem uma boa explicação para me dar. – Largou a bolsa na mesa. 

- Sente-se, Violeta. – Apontou para as cadeiras. 

O casal se acomodou, deram as mãos. A senhora procurava alguma forma de manter a situação sob controle.

- Clarice teve um desentendimento com colegas de sala, o que é completamente normal com crianças. – Falou calma.

- Desculpa a interrupção. – Eugênio a parou. – Mas, não foi um desentendimento, atacaram a nossa filha. 

- Não foi um ataque, Doutor Barbosa, apenas uma briga boba de criança. – Respirou fundo. 

- Briga boba de criança? – Violeta bateu a mão na mesa. – Chamaram a minha filha de doente! Uma menina de seis anos, autista... A senhora não tenha esse descaramento de olhar pra mim e dizer que foi uma briga boba! – Levantou brava. 

- Violeta, por favor. – Eugênio a segurou pela mão. 

- Ela foi agressiva com os colegas, Clarice não costuma sair para o recreio. Hoje, por descuido da professora, acabou saindo da sala, mas já vamos dar um alerta para a Dona Luísa e não se repetirá. 

Violeta sentiu o coração apertar, perdeu o fôlego ao ouvir tamanha covardia. 

- Como assim não costuma sair para o recreio? – Perguntou desacreditada.

- A sua filha não gosta de ficar em locais cheios de pessoas, preferimos deixá-la em um local mais confortável. 

- E acham isso bom? – Soltou a mão de Eugênio. – Não tentam incluí-la? Nem um dia sequer? Clarice nunca vai conseguir brincar com os colegas se não for estimulada a isso! 

- Dona Violeta...

- Não! Isso é uma covardia! – O olhar marejou. – Vocês não conversam com as crianças? Não explicam? Essa desinformação é o grande problema! Os dá o direito de achar que a minha filha é algo que não é! 

Eugênio conseguia sentir a dor de Violeta, precisou respirar fundo, aquela conversa o estava dando náusea. 

- Dona Regina, pelo amor de Deus, a minha filha está sendo tratada como um saco de pancadas. – Disse magoada. – Os colegas a chamam de estranha, de doente! E vocês ainda têm coragem de me dizer que a Clarice é agressiva? O que dirão aos pais dessas crianças? Que são monstros? Porque se a minha filha é agressiva, o que sobra pra elas? 

- A situação já foi resolvida, Dona Violeta. – Levantou. – Tive uma boa conversa com os meninos, não se repetirá. 

- Não foi resolvida. – Falou em um fio de voz. – Não foi resolvida. – Fechou os olhos, respirou fundo. – Por que os pais das crianças não foram chamados também? – Voltou a olhá-la. 

- Não há necessidade.

- É o mínimo que devem fazer, garantir que os pais saibam. – Eugênio falou sério. – O que está acontecendo com a nossa filha é grave. E eu exijo que seja tomada uma atitude à altura, porque conversar com as crianças não vai adiantar. É preciso um trabalho conjunto, eu preciso dos pais desses meninos cientes da educação que estão dando para eles porque eu sei a educação que dou pra minha filha. – Levantou. – Porque se eu tiver de colocar meus pés aqui mais uma vez, não vai ser de forma amigável. 

- Ela não vai chamar os pais, querido. – Violeta sorriu triste. – Não vai porque são eles que mantêm esse lugar. Eu sei bem como esse lugar funciona, estou errada? 

A mulher titubeou em responder, não tinha uma resposta boa o suficiente para desmenti-la. 

- Que se dane, Violeta! – Eugênio perdeu a paciência. – Pagamos uma fortuna nesse lugar! Eu também tenho dinheiro! E quero que a minha filha seja respeitada como qualquer outro aluno, a minha Clarice não vai ficar trancada dentro de uma sala porque não sabem lidar com as diferenças que ela tem! Exijo o mínimo de respeito! 

- Peço que o senhor se acalme, Doutor Eugênio. – A senhora engoliu seco.

- Não tem como manter a calma quando a nossa filha está sendo taxada como agressiva, ela é a criança mais doce que já conheci. – Eugênio encarou a mulher. – E se ela foi minimamente reativa, foi por terem a tratado de maneira grosseira! A amiga dela não teria empurrado outra criança se não tivessem empurrado a minha filha primeiro! Acha certo uma menina de seis anos precisar defender uma colega de sala, que possui uma condição, por que a estão tratando como um ser inferior? 

- Não, Doutor. – Desviou o olhar. 

- Então, espero que a senhora tenha ciência de que eu e minha esposa vamos tomar as devidas providências. 

- Nossas filhas mais velhas cresceram aqui dentro. – Violeta falou entristecida. – É inadmissível que a irmã delas não possa crescer aqui também. É inadmissível uma mãe escutar que a própria filha fica trancada em uma sala. E duvido que isso seja por uma vontade da professora dela, tenho certeza que Dona Luísa a incluiria em tudo. 

- Foi uma medida tomada pela monitoria. – Admitiu. – Queríamos evitar que situações como essa acontecessem. 

Violeta viu Eugênio dispersar pela sala, ele estava por um fio. 

- E não é melhor garantir que as crianças aprendam a lidar com as diferenças? Que tipo de seres humanos a senhora pensa que sairão daqui? Intolerantes? Ignorantes? Eu não quero que a minha filha seja o centro de tudo, apenas que a respeitem como uma pessoa merece ser respeitada. – Violeta controlava as emoções, não poderia chorar, mas a vontade que tinha era de sumir daquele lugar e levar Clarice para longe. – Faremos uma denúncia contra a escola, e eu quero saber exatamente quem foram as crianças que a insultaram. Porque se a senhora não tem coragem de bater de frente com os pais, eu tenho. 

- Não podemos passar tais informações.

- Então marque uma reunião com todos. – Pegou a bolsa. – Não me faça procurar meus contatos, a senhora tem medo dessa gente preconceituosa, mas deveria ter medo de mim. 

- Violeta. – Eugênio a segurou pelo braço. – Vamos embora. 

- Eu acabo com a reputação desse lugar mais rápido do que imagina! – Eugênio a puxava até a porta. – A senhora não sabe de quem eu sou filha! 

Eugênio puxou Violeta para o corredor antes que ela se comprometesse, não queria de forma alguma que a mulher acabasse se sujando pelo que queria dizer. 

- Eu vou acabar com a carreira dela! – Desesperou-se. – Será que ela não conhece a minha mãe?! Mas que...

- Fica calma! – A abraçou apertado. -  Calma... 

- A minha filha não é doente. – Apertou o braço dele enquanto escondia o rosto. – Eu também tenho dinheiro! Também tenho nome! Ai, Eugênio! – Puxava o ar. – Que situação infernal! 

- Respira fundo, precisamos ajudar a Clarice, não dá pra cair agora. – A segurava. – Ela precisa da gente, Violeta. 

- Meu amor. – O abraçou mais forte. – Vamos tirar ela daqui, por favor. 

- Violeta, olha pra mim. – Segurou o rosto dela. – Trocar a Clarice de escola agora pode afetá-la. Vou ligar para a diretora da escola, vamos marcar a reunião com os pais. – Ela assentiu. – Marcamos uma conversa com a professora dela e entendemos melhor se a Clarice realmente não quer socializar, sabemos o quão retraída ela é. Aos poucos vamos conseguir fazê-la desabrochar, mas eu preciso de você forte. 

- Tudo bem. – Suspirou. 

- Então respira fundo e para de chorar, isso vai assustá-la mais. E ainda temos que explicar pra avó da Lygia o que ocorreu. Em casa eu te deixo cair, mas aqui não. – Secou o rosto dela. 

- Obrigada. – Tentava se recompor. – Eu não ia saber lidar sozinha, ainda bem que está aqui. – O abraçou apertado. 

- É desesperador, eu sei. Mas, não podemos deixar que nos vençam. Não agora que a Clarice finalmente está fazendo amigos.

O casal voltou à pequena sala de espera onde as meninas estavam. 

- Biju do papai. – Eugênio fez um carinho no rosto dela. – O que acha de irmos para casa e assistirmos a Dory? – A pegou no colo. – Teve uma manhã ruim, mas a tarde será ótima!

- Papai, eu posso assistir Dory usando minha roupa de fada? – Pediu manhosa. 

- Pode, minha flor. – Beijou o rosto dela. – Vou adorar assistir Dory com a minha fadinha. 

- E quanto a você, Lygia? – Violeta sentou ao lado dela. – Tem um nome muito bonito, sabia? 

- Sabia, foi a mamãe que escolheu. – Sorriu. 

- E qual o nome da tua mãe? 

- Kira. Ela está viajando, por isso não pode me ver. – Mordeu os lábios. – E eu não sei quando ela volta. Mas, está demorando muito.

- Ela vai voltar, não se preocupe. – A abraçou de lado. – Minha mãe também está viajando. Sente saudades da sua?

- Muita. – Sorriu. – Ela é bonita e gentil, é médica. 

- Ah, e por isso ela viaja? 

- Sim, ela está na Europa. Mas a vovó não soube dizer qual país. 

- Minha mãe está na Itália. E eu também sinto saudades dela. É uma professora muito inteligente, tem até escola com o nome dela. Ganhou medalha, prêmio, uma série de coisas. – Cochichou. – Mas, não conta pra ninguém, é nosso segredo.

- Temos um segredo, Tia Violeta? – Sorriu. 

- Sim. 

- Posso te contar um também? 

- Claro, pode contar o que quiser. 

- Eu peguei dois sucos escondida da vovó. 

- Nossa... É melhor ela não ficar sabendo. – Sorriu. 

Violeta viu uma senhora se aproximar com um bebê nos braços, pelos traços, presumiu que fosse a avó de Lygia. 

- Lygia! – Aproximou-se. – O que aprontou, menina? Tanto te pedi para se comportar! 

- Por que trouxe a Naomi, vovó? – Resmungou. 

- Não tive com quem deixar na hora da pressa. – Falou. – E não mude de assunto! O que fez de errado? 

- Olá, a senhora é a avó dela, não? – Violeta levantou e sorriu. – Sou Violeta, mãe de uma coleguinha dela. 

- Prazer, Violeta. Me chamo Aika. O que a Lygia fez de errado? Foi com sua filha?

- Quero ter uma palavrinha com a senhora antes que aquela... vice-diretora a chame na sala. – Sorriu de canto. – Pode ser? 

Ambas caminharam até o corredor, longe das meninas. Violeta começou a explicar sobre Clarice e o ocorrido, falou que Lygia não fez algo errado e sim algo nobre. Evitou que a menina ficasse de castigo – algo que a trouxe alívio.

- A mãe delas era um doce. – Aika tentava acalmar o bebê que segurava. – Por isso a Lygia é assim.

- Era? – Franziu o cenho. 

- Sim, ela faleceu no parto da filha mais nova, Naomi. – Mostrou a bebê. – Mas a Lygia não sabe disso, acha que a mãe viajou. 

- Eu sinto muito. – Desconcertou. 

- Foi de repente, ninguém esperava. – Deu uma pausa. – Bom, agora tenho que ouvir o que aquela bruxa tem a dizer. – Ambas riram. – Pode deixar que vou apertar ela também! Onde já se viu uma coisa dessas? 

- Obrigada. – Violeta sorriu. – Será de grande ajuda... E por falar em ajuda, quer que eu tome conta dela? 

- Não precisa, minha filha. Naomi está enjoada hoje, está chorando desde que acordou. 

- Não tem problema, eu lidei com gêmeas que choravam ao mesmo tempo, faço ela dormir em cinco minutos. – Riu. 

Eugênio estava distraído com Clarice, quando voltou a prestar atenção em Violeta, a viu com a irmã de Lygia no colo. Ela ninava a menina, cantarolava baixinho, ele sorriu por lembrar dela com a filha caçula quando tinha aquele tamanho. Sempre foi carinhosa, doce, atenciosa e ele de fato queria mais vinte anos sabendo que ela existia. Queria vê-la assim com os netos que teriam, quem sabe até com os bisnetos. Em um momento conflituoso, ternura para dispersar. 

Os olhares se encontraram e ela sorriu fraco, o chamando com uma das mãos. Clarice foi até Lygia assim que desceu do colo do pai, voltando a abraçá-la. 

- É bonitinha, parece a irmã. – Eugênio sorriu. – Está mais calma, meu bem?

- E tem como não ficar? – Olhou o bebê. – Às vezes a gente só precisa de boas lembranças. Sinto falta de quando a Clarice era desse tamanho e eu podia protegê-la de tudo. 

- Vamos seguir a protegendo. – Beijou os cabelos dela. – Mesmo que não seja um bebê mais. 

Clarice sempre seria o bebê deles e enfrentariam o mundo por ela.

...

Chegaram em casa, Eugênio levou Clarice para o quarto e Violeta soltou a bolsa no sofá, caminhando até o quarto de Manoela. A senhora assistia um programa de fofocas e a risada dela fez a mulher sorrir. Demorou a notar a presença dela ali. 

- Filhinha? – Olhou-a. – Chegou cedo. 

- Manoela. – Suspirou. – Lembra quando eu te pedi para cuidar da Clarice? Quando me divorciei. Eu te pedi para ficar com ela aqui porque eu sabia que seria a única que cuidaria da minha filha como eu. – Fechou os olhos. – Eu preciso que me ajude. Me diz o que fazer. 

- Violeta. – Desligou a televisão e foi até ela. – Por que está me dizendo isso? 

- Eu não sei ser a mãe dela. – A abraçou. – Não sei! 

- Sabe sim, oras! – A abraçou apertado. – Me conta o que foi. 

- Estão a maltratando na escola. Eu nunca soube o que é viver isso, Manoela! Nem as gêmeas viveram! Como eu vou lidar com algo que não conheço? – Voltou a olhá-la. – Minha filha não soube se defender. Passei a minha vida inteira vendo a minha mãe se defender, até mesmo eu me defendi sempre, e a Clarice não sabe o que é isso! Eu não posso estar com ela sempre, e ela não sabe se defender sozinha! 

- É uma boa mãe, Vio. – Sorriu. – Só está cansada, dá pra ver no teu rosto que está cansada. – Fez um carinho na face dela. – Tem que parar com essa mania de fazer tudo sozinha, quer que eu fale com a florzinha? 

- Sim. – Mordeu os lábios. 

- Tia Manô vai resolver! – Sorriu e saiu do quarto, sendo seguida por Violeta. 

Manoela subiu as escadas e foi até o quarto de Clarice, que estava vestida com sua roupa de fada. Eugênio estava com ela, tinha um livro de figuras em mãos. 

- Baixinha, como você tá? – Manoela tocou os cabelos dela. – A tia Manô quer falar com você. 

- Tia Manô, a senhora me acha estranha? – Torceu o nariz. 

- Como? – Sentou na cama dela.

- Estranha. A senhora me acha estranha? – Parou a frente dela. 

- Não, não é estranha, Clarice! – Trouxe ela para o colo. 

- Mamãe. – Clarice fitou Violeta. 

- Fala. 

- Eu sou doente? – Perguntou chateada. – Mamãe, me chamaram de doente! Eu sou? É verdade? Porque doenças não são boas! 

Violeta relaxou os ombros, gaguejou ao tentar responder, Eugênio a abraçou de lado. 

- Não é, filha. – Disse quase sem voz. – Não é doente, não diga isso. 

- Mas, não fui eu que disse! Foi o Yuri! -  Respondeu. 

- A minha pressão está baixa, preciso me deitar. – Violeta respirou fundo, Eugênio ainda a segurava. – Clarice, não é uma pessoa doente. O Yuri está errado. 

- Clarice, você sabe o que tem? – Manoela a olhou. 

- Não. – Mexia no colar de ouro que a senhora usava.

- Violeta, explica pra tua filha o que ela tem. – Pediu séria. – Se recomponha e explique. 

- Manoela...

- Agora, Violeta. Você é a mãe dela, explica para ela. – Manteve-se firme. 

- Por favor, Manoela.

- Violeta, como quer que os outros a entendam, se nem ela mesma sabe o que é? – Indagou. – A menina tem que saber, assim vai se impor! 

Manoela sabia que Violeta estava querendo desistir, mas tinha que mantê-la centrada. Era sempre assim, desde que Vilú era criança, ela sempre queria fugir ao invés de enfrentar as situações. Isso custou a relação dela com a mãe e Manoela não deixaria que custasse a relação com a filha também. 

- Doutor Eugênio, me faça um favor. Pegue nas coisas da tua esposa o batom que ela mais gosta de usar, aquele bem vermelho. – Sorriu. – E a Violeta vai vir aqui na frente da Clarice e vai contar o que ela tem. 

Camargo sentou na cama, de frente para as duas, Barbosa foi buscar o tal batom que Manoela havia dito. 

- Filha, lembra quando a mamãe te levava ao médico? 

- Sim. 

- Bom, o médico conversou bastante com você, e fizemos várias consultas, não?

- Sim. Com vários médicos, mamãe! Não foi só um!

- Isso, tem razão. – Olhou Manoela, que fez sinal para prosseguir. – Um deles conseguiu chegar a um diagnóstico, ele contou para a mamãe porque você gostava de fazer várias coisas diferentes. – Secou o rosto. – Ele disse que é um transtorno. Transtorno do Espectro Autista. Você é uma pessoa autista, Clarice. E isso não a faz estranha, nem doente. Um transtorno não é uma doença, toda doença tem cura, mas os transtornos são diferentes. 

- Autista? – Clarice mexia nas mãos. – É isso que eu sou? Então, não é doença, mamãe? 

- Não, não é doença. Você só tem alguns comportamentos diferentes dos teus coleguinhas, mas isso não é ruim, amor. -  Segurou as mãozinhas dela. – A mamãe te garante que não é ruim. 

- Não é ruim? – Clarice fitou os olhos castanhos da mãe. – Não é ruim, mamãe? 

- Não é. – Sorriu ao perceber que Clarice estava fazendo contato visual. – Te faz ser a pessoa mais amável que conheço. E me faz ser a pessoa mais corajosa do mundo. – Beijou as mãozinhas da menina. 

- Mamãe, você ainda me ama? – Franziu o cenho. – Tem certeza que é bom? Porque, o Yuri...

- Filha, é claro que eu te amo. Toda a tua família te ama. – Sorriu. – Confie em mim, não no Yuri, ele não sabe o que diz... 

Manoela fez sinal para que Eugênio desse a ela o batom. 

- Toma, Violeta. – Entregou o batom para a mulher. – Ensina a tua filha a ter coragem. Diz pra ela o que você usa para ter coragem. Ela já sabe o que é, agora precisa defender a pessoa que é. 

Violeta e Eugênio se entreolharam, ele sorriu para ela e a deu forças para prosseguir. 

- Nós não podemos desistir, Clarice. – Violeta começou a retocar o batom. – Somos mulheres fortes e mulheres fortes não desistem. Já sabe o que é? 

- Uma pessoa autista. – A menina sorriu. 

- Perfeito. – Suspirou. – E, antes de qualquer coisa, é uma mulher forte, de fibra. Mesmo que seja criança. – Ergueu o queixo da menina. – Sempre que se olhar no espelho e enxergar esse batom nos lábios... – Começou a passar nela. – Vai lembrar que é uma mulher forte. Vai saber que pode enfrentar qualquer coisa. Esse batom é uma lembrança constante de que pode ser o que bem quiser e que ninguém pode te fazer pensar o contrário.  

- Qualquer coisa? – Clarice a fitava com olhos brilhantes. 

- Qualquer coisa! Ele nos faz corajosa. – Tocou o nariz dela. – A próxima vez que te disserem que é estranha, ou que é doente, você vai lembrar que está usando o batom da coragem... – A fez segurar. – E vai dizer a todos o que é, sem ter medo de ser o que é. 

- Clarice Camargo Barbosa, uma pessoa autista! – Clarice sorriu. – Assim, mamãe?

- Assim mesmo! E eu sou Violeta Camargo... Barbosa! – Sorriu para Eugênio. – Mãe da menininha mais corajosa desse mundo! 

Clarice abraçou a mãe pelo pescoço, estava mais confiante. Não tinha tanta dimensão da magnitude de ser o que era, mas sabia o que não era – e isso tinha valor, muito valor. Bordô é a cor que nos faz perceber o que somos e amar tudo que significamos.  

- Mamãe, nós temos batons iguais agora! – Sorriu abertamente. – Olha, papai! Nós somos iguais! 

- São os amores da minha vida. – Sorriu para elas. – O batom da coragem te caiu bem, biju. 

- Vou usar ele pra sempre! Obrigada, mamãe. Eu gosto de ser corajosa. 

- Dá um abraço apertado em mim, amor. – Pediu Violeta. – Eu amo ser tua mãe, é a melhor coisa que me aconteceu. 

“Obrigada” – Violeta murmurou para Manoela, que sorriu para ela. Camargo não podia ensinar o mundo inteiro, mas podia ensinar o mundo dela a se defender. Clarice sabia o que era e o redor passou a ser bordô. 

...

Camargo sentou na ponta da cama, tirou o blazer que usava, se desfez dos saltos, respirou fundo. 

- A mãe da Lygia não está viajando. – Falou para Eugênio. 

- Como assim? - Eugênio indagou. 

- Estava conversando com a avó dela, a mãe da Lygia faleceu, Eugênio. E a menina acha que está viajando. 

- Deviam ter contado. Eu ia querer saber. 

- É tão cruel ter uma mãe e não saber quando ela volta, nem se vai voltar. – Murmurou. 

- É sim. – Beijou os cabelos dela. 

- E a irmãzinha dela é tão pequena, fiquei com o coração partido. 

- Vamos descer? – A pegou pela mão. – Pelo horário, logo a comida chega. E não quero que pense nisso agora. 

Eugênio começou a pensar em adiantar o pedido de casamento, Violeta andava muito sentimental e tinha dimensão que era saudade da irmã e da mãe. Ele queria levá-la para viajar após o casamento, talvez isso amenizasse um pouco o que a incomodava. 

Desceram as escadas e sentaram à mesa, somente os dois, Clarice e Manoela. 

- Sushi! – A menina sorriu. – Mamãe, é sushi! 

- Sim, comida feliz para uma criança feliz. – Violeta sorriu. – Agradeça ao teu pai. 

- Foi uma ideia de gênio! – Eugênio se vangloriou. 

- Esse negócio sempre vem cru. – Manoela resmungou. 

- Ele é cru, Manoela. – Violeta riu. – Mas, como sabemos que não é muito chegada, compramos fettuccine. 

- Massa de gente fresca. – Ela riu. – Nome chique pra macarrão, madame! 

- Adoro quando Manoela te chama de madame. – Eugênio gargalhou. 

- Não sou madame, ela faz pra me irritar. 

- Faço mesmo! Dondoquinha. 

- Mamãe, olha! – Clarice mostrou os hashis. 

- Pega direitinho. Melhor que teu pai que come sushi de garfo. – Sorriu, Eugênio a encarou. – Meus parabéns. Está mais feliz agora, amor? 

- Não, só tem uma coisa que me deixaria feliz! – Cruzou os braços. 

- E podemos saber o que é?! – Eugênio indagou. – Te dou o que quiser, minha vida! 

- Uma irmã igual a da Lygia! Você viu, mamãe? Parece uma boneca! Mas é de verdade! 

Violeta fechou o semblante instantaneamente, trincando o maxilar e fechando os punhos sobre a mesa. 

- Papai, eu quero uma irmã! – Clarice sorria abertamente. 

- Nada disso, mamãe fechou a fábrica. – Violeta respondeu. – Sem irmãos.

- Ah, mamãe! Isso não é justo! Papai, eu quero uma irmã bebê. As gêmeas já são grandes! 

- Clarice, ia morrer de ciúmes se tivesse um irmão caçula. – Argumentou Eugênio. – E não ia poder devolver ele pra cegonha, teríamos que ficar com ele pra sempre. 

- Não pode devolver? – Franziu o cenho. – A cegonha não pega de volta? 

- Não, oras. Quando as gêmeas choravam ao mesmo tempo, eu e tua mãe pensávamos em devolver uma pra cegonha, mas não tinha como. – Brincou. 

- Já imaginou um bebê chorando a noite toda nos teus ouvidos? – Violeta a olhou. – Eu iria colocá-lo na tua cama e você daria um jeito. 

- Mas, mamãe, a Naomi ficou quietinha no teu colo! Só uma, mamãe! 

- Eu já disse que não, Clarice! – Violeta respondeu brava. 

Eugênio e Clarice olharam para Violeta surpresos pela resposta ríspida, Manoela também estranhou, mas preferiu não se meter. 

- Mamãe, não gosta mais de mim? – Clarice indagou chateada. – É por causa da escola?

- Desculpa, meu amor. – Violeta levantou apressada e a abraçou. – Desculpa, o dia da mamãe foi cheio, eu não quis gritar com você.

- Ainda me ama? – Clarice murmurou.

- Amo muito, mais do que tudo nessa vida. – Sorriu. – Desculpa a mamãe? 

- Desculpo. – Deu um beijo no rosto da mãe. 

- Eu te dou o que quiser, filha. – Beijou os cabelos dela. – Te dou o mundo e todo o meu amor. Todas as estrelas do céu. O mar! Tudo que quiser. Perdoa a mamãe? De verdade?

- Perdoo. Mas, mamãe, eu quero uma irmã bebê! – Sorriu, Violeta fechou os olhos tentando manter a paciência. Clarice era insistente como ela.

- Biju, quer um cachorro? – Eugênio indagou na tentativa de mudar o assunto. – Eu te dou um cachorro ao invés de um irmão. 

- Eugênio! – Violeta arregalou os olhos. – Nada de cachorros em casa! 

- É um cachorro ou um bebê, você escolhe! – Ele rebateu. 

- Cachorro. – Ela respirou fundo. – Um cachorro é ótimo! 

- Papai, um cachorro de verdade?

- Sim, um de verdade. 

- Com coleira e roupinha de abelha? 

- Roupinha de abelha? – Franziu o cenho.

- Sim. Eu vi um cachorro com roupinha de abelha na rua. Eu posso ter um? 

- Pode. Amanhã levo tua mãe para escolher. 

- Um cachorro no apartamento. – Manoela respirou fundo. – Pequeno, de preferência. 

- É, pequeno! Bem pequeno! – Violeta concordou. – E de preferência que não solte pelos, nem lata. Também que fique bem longe de mim! 

- Vamos acabar comprando um de pelúcia então, madame. – Eugênio riu. – Sem fricote, Violeta. 

- Não é fricote, só não gosto tanto assim de cachorros. Eles ficam melhores na fazenda, onde tem espaço e eu posso olhar de longe... Não no meu sofá que paguei uma fortuna! 

- Um cachorro, faz tempo que quero um. – Eugênio pensou em voz alta. 

- Barbosa, o cachorro é pra Clarice ou pra você? – Violeta cruzou os braços. – Larápio. Se aproveitou da criança pra conseguir trazer um cachorro pra nossa casa! 

- Eu devia ter adotado um antes de você decidir me dar bola de novo. – Ele respondeu. – Assim não poderia reclamar do nosso novo filho se ele já estivesse em casa! 

- Engraçadinho. As únicas filhas que temos não latem e não viram a casa do avesso! 

- Isadora era bem bagunceira. – Eugênio argumentou. – Duvido que não ame o nosso bebê de quatro patas! 

- Vá às favas, Barbosa! Meu dia foi um horror e ainda tenho que ouvir você! 

O novo irmão de Clarice seria o amor dela – e logo cativaria a mamãe também, mesmo sendo danado. 

...

No dia seguinte, um pouco mais calmos – não tão calmos – e certos de que adotariam um novo membro para a família, Eugênio e Violeta chegaram no canil. Ela usava óculos escuros, tinha um lenço em mãos e a vontade de esganar o ex-marido.

- Não acredito que vai mesmo levar essa ideia adiante. – Violeta resmungou. 

- É isso ou fazer outro filho, o que prefere? – Ele perguntou com as mãos na cintura. – Clarice quer um irmão e vamos dar um! De quatro patas, ou duas! 

- Idiota. – Suspirou. – Prefiro de nenhuma pata! 

- Podemos comprar uma cobra! 

- Está maluco?! Perdeu o juízo?! 

- Então vem, sabichona. Nosso novo filho nos aguarda! – Entrou no local. 

Violeta o seguiu, levou o lenço ao nariz. Caminhava não muito feliz com a ideia, mas as outras opções exigiam mais dela – não queria domar cobras, bebês ou qualquer outro ser vivo. Na verdade, a ideia a dava calafrios e ainda a fazia lembrar da maldita consulta que deixou para trás!

- Tira esse lenço da boca. – Eugênio cochichou. 

- Eu tenho alergia. – Sussurrou. – Vai atacar minha alergia! 

- Não tem noção do quão fresca é, Violeta! E fala de mim! 

- Vai escolher teu filho! Não temos o dia todo! 

Eugênio começou a olhar os cachorros enquanto ouvia o dono do local tagarelar sobre eles. Violeta seguia os dois, não dava muita bola para o que era dito. 

- Violeta, olha esse! – Mostrou Eugênio, animado.

- Grande demais. 

- E esse?! 

- Peludo demais! 

- Aquele ali? 

- Eu quero aquele. – Ela apontou. 

- O Danado! – O senhor sorriu. 

- Papagaios... Esse é o nome dele? – Violeta ergueu a sobrancelha desanimada.

- Sim, Danado. É muito companheiro, mas late alto. E faz bagunça de vez em quando. – Foi sincero. 

- Violeta, ele tem a tua personalidade! – Disse Eugênio rindo. – Danado é perfeito! 

- Eugênio! – Bateu com a bolsa nele. – Me respeita, sou tua mulher, não tua comadre! 

- É ele que vamos levar! Achamos nosso novo bebê! 

A gaiola que o cachorro estava foi aberta, o dono do canil mostrou o animal. 

- Olha pra ele, benzinho! – Eugênio o pegou no colo. 

- Pronto, já tem o filho menino que queria. Agora vamos. – Sorriu sem animação. 

- Vai com a mamãe! – Eugênio fez Violeta segurá-lo. 

- Mas que... – Pegou o cachorro. – Eugênio! 

- Danado é muito simpático, olha a carinha dele! 

- Pega ele de volta, Eugênio! – Ela reclamou. – Ai, Deus! 

- Violeta, ele é a melhor coisa que não fizemos juntos! Mas... Foi feito para nós! – Falava animado. 

- Fecha essa matraca! 

- Olha pra ele, chata de galocha! É nosso filho! E ele já te ama! 

Violeta olhou o cachorro, de fato uma gracinha. Parecia feliz e cheio de energia, pensou em todos os cantos do apartamento que ele colocaria abaixo. Pensou também no quanto Manoela ficaria brava pela bagunça. E... No quão radiante Clarice ficaria ao vê-lo. Faria qualquer coisa pela felicidade da menina. 

Fez um carinho no cachorro e sorriu, não demorou a desmanchar o semblante bravo. Danado conquistou Camargo em segundos.

- Você quer ir pra casa, amor? – Violeta balbuciou e recebeu uma lambida. – Mamãe vai te levar pra casa! 

- Sabia que ia gostar da ideia! 

- Olha, Eugênio! – Gargalhou. – Papagaios! Ele é muito feliz! 

- É o cachorro perfeito! – Fez um carinho nele. 

- Foi uma ótima ideia, benzinho. – Abraçou Danado. – Devíamos ter tido um cachorrinho antes! 

- Sempre tenho ótimas ideias. – Vangloriou-se. 

Eugênio era cheio de boas ideias, apesar de nem sempre Violeta concordar com elas.

...

Clarice estava sentada no sofá com um livro infantil em mãos. O livro era cheio de ilustrações de flor e ela tentava decorar todas elas, os nomes, as cores, as espécies, tudo. Queria pintá-las com tinta colorida, como a psicopedagoga havia pedido. Não seria uma tarefa difícil, já havia pintado flores coloridas para a mãe, mas as próximas teriam de ser maiores e exigiriam mais tinta – logo, mais sujeira. 

Enquanto decidia quais flores pintar, ouviu o destravar da porta e os pais entrando em casa. Não demorou a ver o novo integrante da família. 

- Mamãe! – Ela levantou do sofá apressada. – Mamãe, é um cachorro?! 

- Sim! Teu novo irmão. – Chegou mais perto da filha. – Danado! 

- Danado?! É o nome dele?! Mamãe! – Estava eufórica. 

- Sim, Danado. – Eugênio respondeu. - É um nome ótimo! 

- Posso segurar?! – Clarice tentava olhar o animal no colo da mãe. – Mamãe, eu posso?! 

- Calma, amor. Senta aí no tapete. – Pediu.

- No tapete? – Torceu o nariz. – No sofá! 

- No tapete, Danado não pode ir pro sofá! – Violeta falou.

- Que nojo, mamãe! Sentar no tapete! – Cruzou os braços. 

- Senta no tapete do teu quarto, é a mesma coisa! 

- Não! Aquele é um tapete de brincar! E serve para brincar, mamãe! – Franziu o cenho. 

Enquanto as duas argumentavam, Eugênio sentou no tapete. 

-  Clarice. – A chamou. 

- O que foi, papai? – Sorriu e o olhou. 

- Senta aqui comigo. – Pediu. 

- Papai, eu não... – Olhou a mãe.

- Clarice. – Eugênio voltou a chamá-la, ela o olhou. – Filha, senta aqui. 

 Ainda a contragosto, a menina sentou ao lado do pai e Violeta parou, encarando os dois com o cachorro no colo. 

- Clarice. – Violeta a chamou.

- Sim, mamãe? – Olhou-a.

- Olhou. – Violeta sorriu. – Você olhou pra mim quando te chamei. 

- Mamãe, eu posso segurar ele?! – Estava ansiosa, começou a olhar o redor.

- Clarice? – Violeta sorriu. 

- Mamãe! – Ela franziu o cenho e a encarou. 

Violeta, em sua euforia, deixou a filha pegar o cachorro no colo. Eugênio notou ao que ela se referia, Clarice atendeu aos chamados dos pais após muito tentarem. Os preencheu, foi calmaria em meio a tudo – estavam a cada dia avançando mais. Enquanto a caçula gargalhava com o cachorro nos braços, a mãe sentou ao lado do ex-marido, que a abraçou. 

- Estamos conseguindo. – Violeta disse baixinho. 

- Viu só? – Eugênio sorriu. – Nem tudo está perdido. 

Sorriram um para o outro naquela felicidade fulminante que os acometeu – era bordô e sua intensidade. Inclusive, essa é a cor da coleira que o casal comprou para o cachorro, e esse os daria muitas alegrias, como Clarice e suas bochechas avermelhadas. 

Havia beleza no vermelho da vida, e essa estava em um tapete no meio da sala, com um cachorro que adorava bagunçar tudo. Danado era vermelho, por isso a agitação e o jeito apaixonante que tinha.

...

Vermelho às vezes parecia um castigo, uma penitência. Doutor Barbosa passava as mãos pelos cabelos e tentava manter a calma, mas o colarinho o sufocava. Camisa nova, de cor que não costuma usar, parecia apertada, uma péssima escolha. 

Embebido em escolhas ruins, não acertava sempre – e na fábrica parecia errar mais do que deveria. Porque exigia muito dele. Porque o tirava tempo. Porque era sufocante. 

Barbosa percebeu que – apesar de atarefado – precisava de tempo para respirar. Qualquer mísero segundo, aceitava poucos minutos. 

Violeta entrou na sala do ex-marido, Eugênio logo que a viu percebeu que estava brava. O doutor ouviu a chave passando pelo trinco, encarou-a. Ele não estava de um todo satisfeito com o que fazia, algo ali estava desordenado. Trocaram olhares breves e Eugênio voltou a focar no que fazia. Queria ser rápido para ir embora cedo.

- Está ocupado? – Ela perguntou parando a frente da mesa dele. 

- Sim. – Fez sinal para as papeladas na mesa. – Estou cheio de coisas pra fazer. 

Violeta resmungou e tirou o blazer que usava, deixando sobre a cadeira. 

- Que forno essa sala! – Andou até as bebidas, Eugênio tirou os óculos e a fitou sem entender. – Eugênio, estou por um fio! – Servia um pouco de whisky. – Acabei de sair de uma ligação péssima! 

- Esses relatórios estão me deixando de cabelos em pé. – Ele respirou fundo. – Esse lugar vai me enlouquecer... Ligação péssima? – Ela assentiu. – Sobre? 

Ela não respondeu, virou a dose de bebida de uma só vez – o que só aumentou a caloria do corpo. 

- Eu preciso de uma viagem! Pra longe! Muito longe! – Ela reclamou. – Barbosa, nós vamos pra longe na primeira oportunidade que tivermos! 

- Preciso de alguém para me substituir. – Ele falou. 

- Como?

- Preciso de alguém para me substituir, nem que seja por alguns dias.

- Quer sair da presidência? – O encarou pasma. – Não pense uma maluquice dessas!

- Vai querer assumir o meu lugar? – Indagou, ela negou. – Então, deixe esse assunto comigo.

- Ah, tudo bem. – Respirou fundo. – Tenho meus próprios problemas para lidar. Faça o que quiser. Ainda que eu ache uma ideia ridícula.

Eugênio tirou o paletó e deu a volta na mesa, indo até ela. 

- Não me estresse mais, Camargo. Por que quer sumir do mapa? Posso saber o motivo? – Tirou o copo das mãos da mulher, servindo uma dose para ele. – Para onde quer fugir? 

- Deu algum problema envolvendo aquele canalha do Mathias! – Explicou irritada. – Mas, não precisa se meter! Não quero mais tua ajuda, que se dane! 

- Por isso está brava assim? – Bebericou o álcool. 

- Só quero me livrar disso o quanto antes. – Andou pela sala. – Parece que tudo vai ruir e eu estou... Tentando manter a calma! 

- Não consigo te dizer algo bom agora. – Ele murmurou. - Minha cabeça está pensando em tantas coisas que... – Respirou fundo. – Não há como manter a calma, Violeta.

Viu o empresário subir as mangas da camisa na altura dos cotovelos, deu um leve sorriso. Prosseguiu no assunto, mas um tanto distraída nele. Eugênio estava bonito com a camisa nova de cor forte, a atraiu o olhar. 

- Hoje a advogada vai me ligar. – Contou. – Mais tarde. 

- Estamos lidando com um juiz, Violeta, obviamente ele acharia uma saída. – Eugênio disse bravo. – Mas, isso não vai ficar assim, aquele crápula não vai sair impune! 

- Estou de mãos atadas. – Ela desceu o olhar pelo corpo dele. – E queria que estivessem atadas de outra forma... – Umedeceu os lábios. – Papagaios, que situação ingrata! 

- Vou contratar outro advogado. Alguém que possa lidar com essa situação. – Olhou-a sério. – Não posso ficar esperando a boa vontade desse gatuno. Temos muitas outras coisas para resolver. 

- É melhor mesmo, pode trabalhar em conjunto com a Lívia. 

Ela conseguia ver a gana de Eugênio vir à tona. O ódio que ele sentia por Tapajós despertava o pior que tinha, era um assunto que de fato o tirava as estribeiras. Porém, não era só isso que o incomodava. Eugênio estava estressado e Violeta não o deixaria ter outro desatino. Não toleraria vê-lo longe da presidência da empresa, não agora. 

- Me arrependo de não ter o matado naquela noite. – Barbosa resmungou. 

- Eugênio, vem aqui. – Ela encostou-se na mesa.

- Violeta, eu preciso trabalhar ou não saio daqui hoje. 

- Vem aqui. 

Eugênio caminhou até ela, recebeu um carinho no rosto. 

- Eu amo você, querido. – Ela sorriu fraco. – Precisa da minha ajuda? 

- Não. Só... Quero esquecer esse lugar por um dia. Só isso. – Fechou os olhos. 

- Tô aqui contigo. – Deu um beijo no rosto dele. – Só gosto de te ver bravo na cama. – Ela sussurrou no ouvido dele. – Me deixa te cuidar um pouquinho. Só um pouquinho. 

Ele a olhou, desceu as mãos pela cintura dela, aproximando-os mais. 

- Sempre me desarma, Camargo. – Sorriu fraco. 

- Qual o problema da vez? Por que quer dar teu lugar para outro?

- É cansaço, Vio. Só isso. -  Fez um carinho no rosto dela. 

- Vou contratar um estagiário pra você. Alguém que possa te ajudar quando eu não posso. 

- Estagiário? – Franziu o cenho. 

- Sim, oras! Alguém competente que te auxilie junto da Iara... – Pensou um pouco. – Joaquim se forma agora. Formatura dele é por agora... Não lembro o dia. Quem sabe, ele pode fazer por ti o que você fez pelo meu pai. Não é uma boa?

- Sempre pensa em tudo, benzinho. – Deu um beijinho nela. 

- Me agradeça por essa ótima ideia, então. – O abraçou pelo pescoço. – Antes que minha advogada estrague o meu dia completamente, porque tenho certeza que nada vai sair como o meu planejado.

- Está com medo, não? – Preocupou-se.

- Receio. – Suspirou. – Depois de tudo que ocorreu com a Clarice, eu só queria focar nela. Mas, como vou fazer isso com essa situação toda envolvendo o Mathias? Estou deixando tudo a desejar! 

- Então, antes que a nossa situação piore, doutora, me deixa te cuidar um pouquinho também.

- Senti falta das nossas reuniões de trabalho em pleno expediente. – Sorriu. 

- Reuniões muito produtivas. – A beijou. 

Segurou o rosto dela, Violeta desceu as mãos pela cintura dele. Raiva que resvalava pelas bocas que se consumiam na mesma sincronia. No calor que os aturdia – e curava um pouco, só um pouco. Afastaram-se um pouco, olhares negros fixos um no outro. 

- É a paixão da minha vida. – Ela disse contra a boca dele. – Não vou deixar que desista. 

- Talvez não tenha notado, mas é a minha força, Violeta. – Esgueirou a mão pelos cabelos dela. 

- Eu vou estar sempre aqui. Contigo. – Mordiscou os lábios dele. 

- É o meu vício, Camargo. – Beijou o rosto dela, descendo até o pescoço. 

Perfume forte, feito vinho. Tudo nela era forte, tudo que vinha dela era força. Uma troca mútua, rara. Seria capaz de escrever um réquiem só para cultuá-la. Violeta era a única certeza caótica de Eugênio, sua divindade, a mulher por quem era louco – seja no ódio ou no amor. 

- Gosta de ser a minha primeira-dama, não? – A segurou pelos cabelos. 

- Gosto. Gosto muito. – Ela sorriu de canto. – Não vai sair dessa cadeira. Nem deixar que outro sente nela. A única pessoa que pode te tirar dela sou eu. – O segurou pelo colarinho. – E só faço isso quando for para mim sentar nela, enquanto faz comigo o mesmo que fez naquela noite. 

- Teu maior pecado é a luxúria, Violeta. Faz teu olhar brilhar. – Ela assentiu. 

- E você ama consumá-lo comigo, não adianta negar. – Mordeu o lábio dele, puxando-o para outro beijo. 

Colocou-a sentada na mesa, Violeta o prendeu pela cintura com as pernas. O corpo todo em descontrole, lidando com problemas em meio a atração – era a única forma da vida não ser insuportável. Ficava mais fácil enquanto os cabelos castanhos dela enrolavam nos dedos dele, quando o batom sumia em segundos e o arfar surgia em descompasso. Ela soltou um baixo gemido durante o beijo, separando-os. O dilatar das pupilas foi caótico ao se olharem. 

- Vai ser minha de novo. – Ele respirou fundo.

- Já sou tua. – Beijou o pescoço dele, deixando uma leve marca. – Nunca deixei de ser. 

O único acerto que ele necessitava era ver no dedo dela a aliança que ele colocou. Faltava pouco, tinha pressa – feito os beijos que trocaram naquela sala. 

...

Eugênio e Violeta estavam sentados lado a lado na sala do apartamento, ela havia recebido uma notícia ruim, permaneceu em completo silêncio antes de ter coragem de contar ao doutor. Camargo soltou o celular e levantou do sofá. 

- Ele alegou insanidade. – Falou irritada, mas mantendo a calma. – Insanidade, Eugênio. 

- Como? – Levantou e a segurou as mãos.

- Minha advogada acaba de me contar que o homem que... Ai, meu bem. – Deitou o rosto no ombro dele.

- Calma. – Beijou os cabelos dela. – Estou aqui. Tô aqui com você. 

- Os advogados dele alegaram que Mathias tem esquizofrenia. – O olhou chateada. – E que os ataques dele contra mim foram por causa disso... – Respirou fundo. – Ele tem até um laudo, Eugênio! Não será preso, ficará internado! 

- Nós vamos conseguir colocá-lo atrás das grades. – Falou sério. – Eu te prometo. 

- Aquele crápula! – Dispersou pela sala. – Deve ter pago um médico para garantir esse laudo! Uma das irmãs dele foi diagnosticada com... Transtorno bipolar. E é muito fácil ele alegar que tem algo quando a própria família é cheia de casos de uma série de coisas! Até a mãe dele, Eugênio... Há casos de doença mental na família! Ai, Deus! É pior do que imaginei! Ele vai sair impune! 

Eugênio tentava pensar no que fazer, mas estava de mãos atadas. Realmente os pegou de surpresa, Tapajós conseguiu se safar por mais um tempo. 

- Eu devia ter atirado pra matar! – Encheu os olhos de lágrimas. – Maldita hora que fraquejei a esse ponto! 

- Não ia aguentar a culpa, Violeta. Nos defendeu, fez o que estava ao teu alcance. – Engoliu seco. – Vamos achar uma forma de reverter isso. 

- Não posso viver com medo. – Fechou os olhos. – Não posso ser controlada assim. Nunca vou saber se ele está internado, ou se está perto de mim! 

- Mathias não seria estúpido ao ponto de vir atrás de você, só achou uma forma de se safar e conseguiu! 

- Ele me odeia, Eugênio. 

- Não ao ponto de fazer algo contra você, ele sabe que qualquer deslize vai preso. – Segurou o rosto dela. – Mathias é frio, é calculista, temos que pensar da mesma forma. Agora ele vai se manter longe de tudo, esperar a poeira baixar. 

- Que erro cruel. – Não conseguia abrir os olhos. – Eu fui tão estúpida. Achei que ele me amava, estava tão vulnerável ao ponto de achar que ele me amava, e me entreguei de bandeja para um... Nojento! 

- Está longe dele agora e eu estou com você. Já te prometi que ninguém ousará tocar em um fio de cabelo teu. 

- Depois de tê-lo longe, eu passei a lembrar tantas coisas que aconteceram no nosso relacionamento. Tantas coisas que não deveriam acontecer... – Amoleceu. – Ai, querido, foi tão ruim. 

- Vem aqui, senta aqui comigo. – A levou ao sofá. 

- Me fez acreditar que eu tinha reencontrado o amor. – Lacrimejou. – Me manipulou tão bem ao ponto de eu achar que estava tudo perfeito! Fiquei ainda mais afastada de tudo, de todos. E agora... Ai, Eugênio, eu só quero sumir.

Eugênio percebeu no rosto dela o cansaço, o mundo tinha caído por inteiro nos ombros de Violeta e ele já não encontrava formas de mantê-la bem. 

- O que acha de procurar a Vera? Psicóloga da Clarice. – Fez um carinho no rosto dela. – Precisa de ajuda, Violeta. Precisa se livrar desse sentimento todo. 

- Acha mesmo? Não tenho tempo para isso! Nem voltar ao meu médico consegui ainda! E eu estou...

- Acho. Vai ser bom pra você. Eu te levo e te busco, posso ficar até na sala de espera caso precise de mim. – Beijou a testa dela. – Não vamos conseguir lidar com tudo sozinhos, meu bem. Sei que não estamos no nosso melhor momento, mas estamos juntos. Não está sozinha.

- Tudo bem. – Sorriu fraco. – Mas, não conta pra ninguém. Não quero que achem que...

- Não conto. E não tenha vergonha disso. – Ela assentiu.

- Esse homem quer acabar com a minha vida. – O abraçou em lágrimas. 

- E eu não vou deixar, meu bem. – Beijou os cabelos dela. – Não vou deixar.

Nem sempre um amor visceral é o suficiente para curar as mazelas da mente – o amor nem tudo cura, mas ajuda no processo. 

Mathias Tapajós não ficaria impune por muito tempo e não usaria algo tão severo como álibi.

...

Uma sexta-feira, Eugênio decidiu que faria o pedido de casamento o quanto antes. Violeta ficou na fábrica e ele disse a ela que teria uma reunião em um restaurante. A mulher o olhou desconfiada, mas nada falou, tinha as próprias questões para resolver. Na verdade, ele se encontraria com as filhas gêmeas do casal e Arminda. 

- Podemos saber por que nos trouxe aqui, padrinho? – Arminda perguntou curiosa. – É alguma surpresa pra madrinha? – Sorriu. – Uma declaração de amor?! 

- Cajuzinho, meninas... – Eugênio tirou o paletó. – Vou pedir a Violeta em casamento. 

As gêmeas se entreolharam e franziram o cenho, enquanto Arminda sorriu ainda mais.

- Padrinho! – O abraçou apertado. – Finalmente uma notícia ótima! 

- E preciso da ajuda de vocês, vai ser no domingo. 

- Esse domingo?! – Perguntaram as gêmeas. 

- Sim. Violeta anda muito estressada, prestes a ter um siricutico nervoso. E eu quero dar a ela uma boa memória, algo que a deixe feliz, já que não consegui dar a ela um bom pedido de casamento anos atrás. 

 - Que lindos! – Arminda estava mais animada que todos. – Tem que ser algo igual nos filmes! Cheio de flores e juras! Assim a madrinha lembrará para sempre! 

- Em dois dias não podemos fazer algo gigantesco, Arminda. – Elisa respondeu. 

- Podemos sim! 

- Pra Arminda tudo é possível. – Dorinha riu. – Ainda mais quando se trata de juras de amor. Nunca vi mais apaixonada. 

- Meninas. – Eugênio as chamou a atenção. – Já comprei o anel. – Pegou a caixinha no bolso do paletó e mostrou a joia. 

O anel de ouro branco com uma pedra vermelha – rubi – era delicado e do gosto de Violeta, foi uma ótima escolha. 

- Mamãe nunca mais vai tirar isso do dedo. – Elisa sorriu. – É lindo, pai. 

- Papai sempre ótimo com presentes. – Dorinha pegou a caixinha. 

- A dinda vai ter um siricutico quando ver! É a coisa mais linda do mundo! 

- Violeta e eu temos uma amiga bem especial, estou pensando em fazer o pedido na casa dela. Dona Cora tem um roseiral lindo, com todo tipo de rosa que possam imaginar. – Eugênio sorriu. 

Arminda juntou roseiral com pedido de casamento e a mente começou a borbulhar em ideias. Deixou seu lado mais romântico aflorar, propôs uma ideia ao padrinho, que não demorou a ser aceita. 

Violeta, após tantos anos com Eugênio, e tantos outros sem ele, receberia um pedido de tirar o fôlego.

...

Dona Cora desceu as escadas vagarosa após ouvir a campainha, olhou o homem no portão dela um tanto ressabiada. 

- Pois não? – Parou diante dele. 

- Bom dia, Dona Cora. – Ele sorriu tímido. – Me chamo Eugênio Barbosa, sou marido... Ex-marido da Violeta, não sei se lembra dela. 

- O Eugênio da Violeta! – Sorriu. – Claro que lembro dela! A mocinha com nome de flor! 

- Sempre inesquecível. – Murmurou. – Tenho vinte minutos sobrando e preciso lhe perguntar uma coisa, é caso de vida ou morte. 

- Quer entrar? 

- Não, obrigado, preciso ser rápido ou Violeta vai ficar às turras comigo. – Deu uma pausa. – Quero pedi-la em casamento, mais uma vez. 

- Que maravilha! Ela ama tanto você, Eugênio! – Abriu o portão. – Mas, não veio até aqui só para me dizer isso. Tem algo em mente? Precisa de flores? 

- Preciso do roseiral inteiro. – Ela arqueou as sobrancelhas. – Vim pedir permissão a senhora para que o pedido ocorra aqui, em meio as rosas. 

- Um pedido de casamento no meu roseiral? – Sorriu. 

- Só se a senhora permitir, será no domingo. Caso aceite, posso explicar o que estou planejando... Posso pagar pelo espaço também! Alugo seu roseiral por uma tarde! – Pegou a carteira apressado. 

- Meu filho, guarde seu dinheiro. – Ela riu. – Não quero dinheiro, quero que me explique o que está tramando nos últimos quinze minutos que nos resta. 

Quanto mais Eugênio explicava, mais encantada a senhora ficava. Cada uma das rosas seria muito bem utilizada para compor o gesto mais bonito que vivenciaria. Afinal, foi para isso que foram plantadas, não? Para reviver amor, seja o dela por Thales, ou o de Eugênio por Violeta. 

- Meu filho, uma pena não ser na primavera. As flores estariam ainda mais bonitas. – Disse Dona Cora.

- Dona Cora, minha primavera é ela, essa flor o outono não me tira! – Sorriu.

O amor de Eugênio era colorido por sua Violeta.

...

Violeta moveu-se na cama, o quarto estava claro pelo horário que era. Um domingo, dia que poderiam ficar um pouco mais na cama. Passou a mão pelo peito do marido, que estava sem camisa. Olhou atenta a cicatriz avermelhada que havia ficado pelo ferimento, acabou ficando um pouco aparente. Eugênio morreria por ela, como nos livros e novelas. E, com mais calma, pensando mais serena, que bom que não aconteceu, não saberia viver sem ele de forma alguma. Ama todas as nuances dele, cada uma das versões – estava absorta por tanto amar. 

Deu um beijo nele, que acordou em seguida.

– Bom dia, amor meu. - Ela sorriu. 

– Bom dia. - Passou a mão pelos olhos cansados. - Como dormiu?

– Bem. Espero ter um dia calmo. E você? Como dormiu?

– Vai ter. - Fez um carinho no rosto dela. - Dormi bem, e é melhor ainda acordar com você de bom humor. 

Violeta chegou mais perto, colocando uma das pernas sobre ele, deitando o rosto no peito de Eugênio logo após. Ele sentiu a ponta das unhas dela transitando pelo abdômen desnudo, fez um carinho nas costas da mulher. 

– Pensei em levar a Clarice no roseiral hoje. - Ele falou. - O que acha?

– Será que Dona Cora está em casa? Posso ligar para ela. Trocamos telefones. 

– Provavelmente. - Agradeceu aos céus por ela não contestar. - Ligue, vamos no final da tarde. 

– Sinto uma pena dela sozinha naquela casa enorme! Como consegue? Eu não conseguiria. 

– Por isso faremos um pouco de companhia. - Acariciou os cabelos da mulher. - Ela vai gostar.

– Vai sim. 

Violeta beijou o peito de Eugênio, ficando um pouco mais em cima dele. Deitou na curva do pescoço do homem, sentindo o cheiro dele. O doutor desceu a mão pela cintura dela, segurando-a firme. Estavam querendo um ao outro, definitivamente se procuravam. 

Ela fez um carinho sutil no rosto dele enquanto lhe deixava beijos pelo pescoço. Respiração pesada, mãos suaves. Eugênio a abraçou pelos ombros e a fitou, sorrindo de canto. Deram um beijinho e a mulher tocou os lábios dele com a ponta dos dedos. Ficou um pouco mais em cima dele, aproximando os rostos. A mão dele esgueirou pelas costas dela, por baixo da blusa de cetim. Os lábios dele entre os dentes dela, causando um sorriso em ambos antes de engatarem um beijo calmo. 

Quando acordares, um só murmúrio sobre o teu ouvido… - Ela disse baixinho, ao pé do ouvido dele. - Ama-me.

Depositou beijos no pescoço dele, o rubor lhe subiu a face. Vermelha em toda a sua caloria. Bordô estava no calor, nas vontades insaciáveis e íntimas. Nos toques sorrateiros de quem sabia o que buscava, a voluptuosidade não era incolor, tinha a cor das línguas que se encontraram, das mãos que apertavam. Incolor era o ar que faltava, uma respiração marcada pelo descompasso. Eugênio gostava dela por cima dele, do peso dela o prendendo, das pernas o enlaçando. Violeta o beijava calma, sem tirar pedaço, sutil feito um bom vinho – de Bordeaux – suave. Não havia pressa ou descontrole, findou com um selinho, voltou a olhá-lo. 

– Amo dividir minhas manhãs contigo. - Falou ela.

– Por isso pegou teu lado na cama de volta? - Riu. 

– Sim, e bem rápido. Não gosto de esperar. Quero que sinta o meu cheiro nos teus lençóis pelo resto da vida.

– Nossos lençóis. Gosto de dividir a vida contigo. 

Violeta subiu a blusa fina que usava, tirando-a e ficando apenas com a parte de baixo da lingerie. Voltou a beijar o ex-marido enquanto segurava o rosto dele. Eugênio fazia um carinho nas costas dela, até que segurou firme a coxa dela, que se arrastava nele. Deixou à mostra a delicadeza que tinha em um beijo vagaroso no homem que ama. O doutor a segurou, deitando-a na cama sem parar o beijo. Ela sorriu entre os lábios dele, era dessas manhãs que gostava – quando a vida em vermelho começava cedo e dava tons ao restante do dia. Os beijos dele deixaram o rosto dela levemente avermelhado, parou um pouco e a olhou. 

Escapou a mão pela roupa íntima dele, instigando-o. Os olhos de Eugênio eram tão bonitos quando carregavam desejo por ela, ficava enamorada por eles. Brilhavam as estrelas matutinas, diziam que a amavam. O jeito de olhar, de tocar, tudo parecia uma perfeita utopia. Sonhar acordado era vermelho, amar ao acordar era bordô. Deitaram lado a lado, ele a abraçou por trás. Seguiu a beijando o corpo enquanto uma das mãos era bruta ao descansar nos seios da amada. Violeta soltou um baixo gemido pelos apertões. 

Ama-me. Desvaneço e suplico. Aos amantes é lícito. Vertigens e pedidos. 

Transfigurando no ato o desejo, descrevendo nas linhas do corpo as cores que via nela; com ela. Desceu um pouco a roupa íntima, afastou com os dedos a lingerie dela, penetrando-a. Um suspirar longo ao pé do ouvido dela enquanto se esgueirava pelo íntimo da mulher. Ia devagar, mas as mãos seguiam brutas, deixando rastros na pele clara. Paixão causava tumulto e como era boa aquela confusão toda que o corpo fazia. Ele passou a ir mais forte, colidindo voraz nos quadris dela, lhe arrancando um gemido. 

Violeta entreabriu os lábios ao sentir as estocadas, Eugênio debruçou-se parcialmente sobre ela, apertando-a mais forte os seios, com uma das mãos a segurando a cintura. O nome dele fora pronunciado em uníssono, desatinado. Pela luz, podia ver as expressões dela, continuava a empurrando. A mão dela encontrou os cabelos dele, puxando-os. Virou um pouco o rosto e o beijou, movia os quadris no mesmo ritmo que ele usava. Ele podia, ele queria, deixá-la sem ter como fugir – nunca mais a soltaria. Violeta desnorteada como quem bebia uma garrafada de álcool, na garganta esquentava pelo tinto, no íntimo queimava pela libido, sensações semelhantes ao ponto de deixá-la ébria da mesma forma. Tentava se conter, manter a calma, mas ao ter o rosto perto da face dele, sentir as mãos pesadas a segurando, se deixou levar por aquela manhã. Disse sôfrega o nome dele, a sensibilidade não a deixou em paz, tirou dela o controle, o queria cada vez mais perto, saciando todas as vontades. 

Era bruto, gostava de deixar a ex-mulher sem saída – sem controle. Sóbrios e capazes de assimilar tudo que sentiam. Naquela aurora, Violeta cobria a boca para não ser escutada enquanto Eugênio a manipulava por inteira. Cada estocada mais forte a fazia gemer, cada toque mais dolorido a fazia sorrir. Tonteou quando o doutor segurou uma das pernas dela, a barba dele arrastando pelo pescoço que avermelhava em resposta, os beijos quentes que lhe dava. 

Sentiu o próprio escorrer entre as pernas, seguido da fraqueza do corpo. Tremulou entre as estocadas, segurou nos lençóis com força. Não conseguia ver o sorriso lascivo dele por tirar dela a compostura. A respiração dela era dificultosa, tampou os olhos para dispersar da luminosidade incomoda. Ainda o tinha dentro dela – e o desejo continuava entre ambos.

Ela continuou movendo os quadris querendo dar a ele a mesma sensação de descontrole, apertando-o em seu meio. Eugênio se afastou dela, respirou fundo e sentou encostado na cabeceira. 

– Meu bem. – Ela reclamou baixinho e o olhou. 

A mão de Violeta passou a arrastar pelo íntimo dele, novamente coberto pela roupa íntima. Deu um beijo no marido e sorrateiramente sentou no colo dele. 

- É melhor tomarmos cuidado. – Ele tentava se manter distante dos próprios desejos.

- Eu sei que sim. – Murmurou. Beijava o pescoço dele.

O homem trincou o maxilar ao senti-la deslizando por ele. Violeta segurou o rosto dele com uma das mãos enquanto o dava beijos pela face. 

– Violeta… - A encarou e tentou parar os quadris dela. 

- Não me controla. – A voz arrastada dela só o tirava mais a sanidade. – Não quero que pense em mais nada. 

Ela não tinha pudores, voltou a beijá-lo agora com mais avidez. Foi abraçada pelas costas, uma das mãos de Eugênio a puxou os cabelos. O desejo os cegou, bordô é a cor das inconsequências – e essa cor já estava com eles há anos. Beijava o colo dela enquanto a mesma traçava o ritmo que queria, mais vagarosa, tinha controle, mas Eugênio ainda a segurava como se fosse fugir dele. Ele gemeu fraco e a tirou um sorriso, arfava próximo ao pescoço da mulher.

Jogou os cabelos para um único lado, sempre libidinosa e insaciável. 

Violeta inclinou um pouco o corpo, segurava os ombros dele, que a olhava com suas irises escurecidas. Descia os olhos pelos seios desnudos da amada, um completa visão de êxtase. Transbordava por ela a lascívia do errado, tudo que ela o culpava, na verdade, era culpa dela. Por isso, ambos se inundaram juntos, misturando-se, dividindo gemidos fracos e roucos. 

Camargo não queria parar e Barbosa não sabia pará-la. 

...

Desceram as escadas juntos, tentando esconder os rostos corados e a alegria contagiante. O café da manhã das filhas já estava acabando quando Violeta atravessou a porta da sala de jantar com seus cabelos molhados e um semblante ótimo para quem sempre acordava com um humor ácido. Eugênio trocou olhares com as filhas, todas precisavam manter sigilo sobre o pedido de casamento.

– Mamãe está só sorrisos. - Estranhou Isadora. – Tudo bem com você?

– Tive um sonho maravilhoso. - Ela mentiu.

– Sonhou com o que, mamãe? - Elisa indagou. – Pelo visto, foi algo ótimo.

– Não vai querer saber. - Riu envergonhada. - O horário não permite. 

– Vocês dois são terríveis até em sonho! - Isadora deitou o rosto sobre os braços. 

– Eu não sei porque ainda pergunto! - Elisa torceu o nariz. 

- A mesa está linda, ainda bem... Estou com uma fome do cão! – Vilú resmungou. 

- Pelo visto, mamãe realizou o sonho dela. – Dorinha gargalhou. 

- É pra isso que sou casada, realizar sonhos. Independente do horário. – Respondeu rindo.

- Violeta, segura essa língua, mulher! – Eugênio disse envergonhado.

- E o papai acabou de se entregar. – Elisa disse com as bochechas vermelhas. 

Clarice seguia quietinha para não contar o segredo do papai. Caso ela falasse, estragaria tudo e a mamãe não ficaria feliz. Segredos não podem ser contados, segredos precisam seguir sendo segredos, ela precisava não falar. 

– Não me deu bom dia hoje, Clarice. - Violeta a chamou. 

– Não posso falar, mamãe. 

– Está falando agora.

– Mas não o que eu queria falar.

– E posso saber o que você quer falar? - Eugênio arregalou os olhos ao ouvir.

– Não. - Ela saiu da cadeira. 

– Aconteceu algo? Pode me contar tudo. 

– Não, não posso, mamãe.

– Deixa ela, Vilú. - Eugênio segurou a mão da mulher. - Vai ver que acordou quieta hoje. 

– Pode ser. - Olhou a filha desconfiada. – Meu coração fica aflito quando ela está assim, Clarice precisa entender que pode me contar tudo.

- Ela sabe disso, meu bem. Quem sabe com a visita na Dona Cora, Clarice se solta.  

- Espero... Onde está o Danado? – Olhou ao redor. 

- Joaquim foi passear com ele. – Dorinha riu.

- Fez teu namorado passear com o cachorro? O nosso cachorro? – Violeta a encarou.

- Ele quem quis! Dona Carolina é alérgica a cachorros e ele não pode ter um, emprestei o nosso. 

- Temos uma proposta para ele. – Serviu um pedaço de bolo. – De trabalho.

- E falaremos com ele amanhã, porque hoje não vamos falar de trabalho! – Eugênio sorriu. – Hoje é um dia ótimo! 

- Um dia lindo! – Dorinha comemorou. 

- E florido! – Elisa complementou.

- Estão tramando algo e esqueceram de me contar? – Violeta indagou. 

- Nada, mamãe. É só a paixão que voltou para a nossa casa. – Dorinha suspirou. 

- Bom, não foi só a minha manhã que foi produtiva, então. – Comeu um pedaço de bolo. 

- Mamãe! – Dorinha arregalou os olhos.

- O que foi? – Soltou o garfo. – Vocês são muito cheios de pudores! Não gosto disso! 

Violeta era a única ali que não sabia o que sucederia – e isso não era algo ruim.

...

Chegaram na casa de Dona Cora, a cúmplice de Eugênio.

- Clarice, essa é a Dona Cora. – Violeta abaixou na altura dela. – Uma amiga do papai e da mamãe. Ela quem vai te mostrar as rosas. 

- Olá, mocinha. – Cora sorriu. – Como vai? 

- A senhora tem rosas? – A menina sorriu. – De todas as cores?

- De todas as cores, quer ver? – Estendeu a mão.

Clarice pegou a mão da senhora sem pestanejar, queria tanto ver as flores que nem ligou de deixar os pais para trás. 

- Somos mais dependentes dela do que ela da gente. – Violeta murmurou e olhou o ex-marido. – Eugênio? 

- Fala. – Voltou a si. 

- Passou o dia todo assim, avoado. O que foi, hein? 

- Nada, oras. – Sorriu amarelo. – Vem. 

A puxou pela mão e foram até Clarice, que olhava as flores. Os olhos infantis brilharam ao ver cada uma das rosas, que tinham cores doces. Tudo lá parecia mágico para a menina, era o paraíso na Terra. Dedinhos soltos tocavam as pétalas aveludadas, um sorriso se abriu.

- Dona Cora, eu posso morar com você? – Pediu manhosa.

- Clarice! – Violeta a repreendeu.

- Mamãe, são muitas flores! Eu quero morar aqui! E ver elas todos os dias! 

- Clarice, morar aqui não pode, mas te permito vir sempre que quiser. – Cora sorriu. – Gostou delas? 

- Gostei. São muitas! Será que a Rosetta mora aqui? – Perguntou. 

- Quem é Rosetta? 

- A fada da Tinkerbell! Rosetta. 

- Ah, talvez more. Mas, nunca a vi por aqui. – Riu. – Sabe o que é uma roseta? 

- Uma árvore de rosas. 

- Não, querida. Rosetas são rosas menores, como essas. – Mostrou as flores pequenas. – Viu como são pequenas? Bem menores que rosas comuns. 

- Roseta é uma rosa criança? – Torceu o nariz.

- Sim, uma rosa criança e que nunca cresce! Fica criança para sempre! 

- E o nome da árvore é qual?

- Roseira. Uma roseira tem várias rosas. E um roseiral é uma grande quantidade de roseiras! 

- Eu quero ter muitas roseiras! De todas as cores! – Sorriu encantada. 

- Posso te ensinar a cuidar delas, pequenina. Assim as tuas vão sempre estar belas. – A senhora sorriu. 

- Vovó Cora, eu posso ajudar a senhora com elas? – Clarice indagou.

- Clarice. – Violeta a chamou a atenção. – Dona Cora não é tua avó. 

- Deixe ela, Violeta. – Cora pediu. – Posso ser a avó de consideração, avós nunca são demais! 

- Senta aqui, Vio. Deixa elas duas conversarem. – Eugênio a chamou. 

Violeta sentou ao lado de Eugênio, em um dos bancos do jardim. Cora e Clarice foram para os fundos da casa, onde estavam as gêmeas, Arminda, Manoela, Júlia e Joaquim, só esperando o momento certo para aparecerem. 

- Eugênio, vai buscar a Clarice, ela vai dar um sufoco na Dona Cora. – Pediu Vilú. – O hiperfoco dela em flores vai tontear a senhora!

- Volto já. – Beijou o rosto dela. – Me espere aí. 

Violeta ficou sentada esperando os três voltarem, mas demoraram um pouco.

Branco – a primeira cor. Clarice pegou as rosas brancas presas por um laço vermelho bordô e seguiu o caminho até a mãe, que a olhou sem entender. Estava tudo combinado, era um pedido infalível.

- O papai mandou para você, mamãe. – Entregou as flores e pegou a cartinha. 

- Obrigada, amor. – Sorriu. 

- Calma, mamãe, preciso ler a cartinha. – Umedeceu os lábios. – Clarice Lispector disse em um de seus textos que “O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.” – Começou a ler, Violeta suavizou o semblante, em surpresa. – Violeta, adivinhei minha perfeição em você. Nas felicidades verdadeiras que me deu. -  A voz infantil lia a carta pausadamente. – Na minha confusão, você mostrou o lado branco da vida. Nada precisa fazer sentido ao meu ver, contando que estejas ao meu lado e eu possa te retribuir... O branco da vida. – Clarice a olhou. – Mamãe, o papai te ama como rosas brancas que resistem ao outono. – Repetiu o que Arminda a pediu. 

- Nossa. – Violeta sorriu. – Bela declaração. Teu pai é sempre...

Amarelo – a segunda cor. Quando Violeta pensou em perguntar algo a Clarice, Arminda surgiu com mais rosas, desta vez amarelas, e o laço vermelho junto delas.

- Arminda?! – Olhou a moça rindo. – Que tramoia é essa, cajuzinho?! 

- Madrinha, o teu benzinho pediu que eu lhe entregasse. – Deu a ela o buquê e pegou a cartinha na bolsa. – Clarice Lispector disse que “A alegria verdadeira não tem explicação possível, não tem a possibilidade de ser compreendida – e se parece com o início de uma perdição irrecuperável.” – Deu uma pausa. – Violeta, perdi a noção das coisas quando voltei a ter você em meus dias. Essa felicidade toda não pode ter explicação, são como o amarelo que compartilhamos, mesmo que já sabemos o quão importante é essa cor, não há como explicá-la tão bem quanto senti-la. – Arminda lacrimejou. – Quero sempre que nossa vida seja amarela, és a minha maior e incompreensível alegria. – Olhou a madrinha. – Madrinha, o padrinho te ama como rosas amarelas que resistem ao outono.

Azul – a terceira cor. A mulher se manteve em silêncio ainda assimilando o que ouviu, mas não deram tempo a ela, logo Joaquim trilhou o mesmo caminho, com rosas tingidas de azul e o mesmo laço bordô as prendendo. 

- Joaquim, o que faz aqui?! – Ela franziu o cenho. 

- Doutor Eugênio pediu para que eu lhe entregasse, Dona Violeta. – Ela pegou as flores e ele tirou a carta do bolso. – Clarice Lispector disse “Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.” – Citou. – Violeta, estar com você é muito maior do que qualquer entendimento. Estar com você é um vasto azul, é como tocar o céu e o mar com a ponta dos dedos. – Joaquim viu a sogra lacrimejar. – Prefiro não entender o que causa em mim, apenas o sentir. E esse sentir é enorme como a imensidão azul que dedico a ti. – O moço sorriu. – Sogrinha, o Doutor Eugênio te ama como rosas azuis que resistem ao outono. 

- O que estão tramando? – Ela perguntou e não obteve resposta. – Me expliquem!

Vermelho – a quarta cor. Isadora veio na direção da mãe, o olhar de Violeta brilhou pelas flores vivas que recebeu. 

- Mamãe, o papai pediu que eu lhe entregasse. – Deu as rosas a ela, já com a carta em mãos. – Clarice Lispector disse que “A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver.” – Respirou fundo. – Violeta, em todos esses anos, só pertenci a uma única pessoa e essa pessoa tem nos lábios a cor das mais belas flores que existem. Não há no mundo mulher mais bela do que tu e essa bonita facilidade que tens de me fazer teu. Pela segunda vez pertenço a ti, com todos os meus erros e acertos, e não há nada que me mantenha mais vivo do que ter para mim o vermelho dos lábios teus. – Isadora sorriu. – Mamãe, o papai te ama como rosas vermelhas que resistem ao outono. 

- Obrigada. – Disse baixinho, já emocionada.

Laranja – a quinta cor. Júlinha veio na direção da amiga com o sorriso mais satisfeito que já deu. Nas mãos, rosas champanhes com miolo alaranjado, presas pela fita vermelha. 

- Vio, Eugênio pediu que eu lhe entregasse. – Deu as flores a ela. – Clarice Lispector disse que “A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passaram por suas vidas.” – Citou já em lágrimas. – Violeta, em todas as lágrimas que derramamos pela ausência que sentíamos, nunca esquecemos a importância que um sempre teve para o outro. E, em um momento tão difícil nosso, a felicidade surgiu em um beijo alaranjado, onde me fez o mais completo dos homens. Aquele beijo, Violeta, me fez entender o que essa cor significa, ela é vibrante como todos os sentimentos que você desperta em mim. – Júlinha secou os olhos. – Minha amiga, o teu Eugênio te ama como rosas laranjas que resistem ao outono. 

- Eu não vou aguentar! – Violeta suspirou. 

- Calma, falta pouco! – Arminda sorriu. 

Rosa – a sexta cor. Elisa surgiu com o buquê de rosas cor-de-rosa, Violeta a olhou em lágrimas e pegou as flores. Lhe faltava fôlego, Eugênio conseguiu a colorir em uma tarde. 

- Mãe, o papai pediu que eu lhe entregasse. – Elisa sorriu doce. – Clarice Lispector disse que “Amar não acaba. É como se o mundo estivesse à minha espera. E eu vou ao encontro do que me espera.” – Citou. – Violeta, o meu amor por você nunca teve fim. Ele está sempre aqui, crescente, apaixonado por você. Sei que me esperou, em toda a nossa distância, esperou-me e cá estou eu indo ao encontro daquela que sempre me esperou. Sempre teve e sempre terá o meu amor, a minha existência é tua, o meu cuidado é teu. E permaneceremos juntos com nosso amor que é cor-de-rosa e nunca deixou de ser. – Elisa olhou-a. – Mãe, o papai te ama como rosas cor-de-rosa que resistem ao outono. 

Quando Camargo olhou ao redor, viu a família, juntamente de Dona Cora e Manoela, que vieram de mansinho para perto. Tinha inúmeras flores em mãos e ao longe o Eugênio dela, chegando calmamente com a aliança em mãos. 

- Você não existe. – Violeta disse baixinho e o viu ajoelhar diante dela. 

- Violeta, você merece ouvir de todos o quanto eu a amo. Ainda assim, talvez não seja suficiente... – Abriu a caixinha do anel. – Então, quero te propor algo. Você aceita me permitir dizer todos os dias, pelo resto de nossas vidas, e pela segunda vez, o quanto a amo? – Ela sorriu. – Aceita se casar comigo, minha flor? 

- Aceito. – Ela sorriu ainda mais. – Claro que aceito! 

Eugênio colocou o anel em Violeta e beijou a mão dela. Ambos levantaram e ela fez um carinho no rosto dele. 

- Eu te amo tanto, com todas as cores que há em mim. – Violeta falou. – E me caso contigo todos os dias que eu puder, por toda a minha vida, Eugênio. 

- Você é todas as cores que há em mim, minha flor. – Encostou um rosto noutro. – É o melhor que há em mim. 

Beijaram-se e o batom bordô –  homenageado nos laços de cada ramalhete – sumia pouco a pouco. Olhares vibrantes ao redor comemorando mais um casal que terminaria junto após tantas dores e desavenças. 

Bordô, a cor dos pedidos aceitos e dos amores bem vividos.



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