História Com amor, Letícia - É Preciso voltar para poder seguir em frente

Na perspectiva de Letícia 

"Eu odeio quando essas malditas memórias ressurgem em minha mente." - pensei comigo mesma.

Quanto mais me esforço para te esquecer, mais eu sofro por lembrar de seus beijos doces e calorosos em meus lábios. Ah se você soubesse como meu corpo ainda reage às lembranças do seu toque na minha pele. Só Deus sabe o quanto eu pedi para você baixar essa armadura e deixar eu conhecer um pouco de seus porquês. Sabe, às vezes eu ainda me pego refletindo sobre o que eu iria acabar fazendo caso você decidisse compartilhar sua verdade comigo, e sabe o que eu concluí? Que bem possivelmente eu estaria disposta a passar por cima de tudo, e com “tudo” eu me refiro ao tipo de coisa que eu jamais pensei um dia ser capaz de relevar: a mentira. Talvez eu devesse ter revelado a você que eu só consigo me entregar a alguém, pelo menos no nível que eu me entreguei a você, se eu realmente sentisse algo profundo, mas cá entre nós, quem é que nós dias de hoje consegue ser ao mesmo tempo tão direta e tão clichê? Essa situação, a qual eu sequer posso chamar de “nossa”, no início me fazia sentir um enorme orgulho de minha pessoa, pois pela primeira vez eu senti que estava lutando contra minhas inseguranças por um cara que realmente poderia ser “the one”. Mas depois de eu descobrir que era “a outra”. Agora toda vez que eu penso em você, tudo o que sinto é uma culpa horrorosa, não pelo que foi vivido entre nós, mas por ter me feito te desejar assim, apesar das circunstâncias. Por mais que possam existir inúmeras razões que te fizessem trair, poucas coisas são tão dolorosas quanto se apaixonar pelas migalhas de uma mentira, de uma idealização do que poderia ter sido. Tantas mágoas naquele curto espaço de tempo só potencializaram a decisão de meu intercâmbio, que inicialmente era de apenas 6 meses, mas acabou estendendo-se para 3 anos. E aqui estou eu, na companhia de duas das minhas pessoas favoritas nesse mundo, prestes a embarcar na estação de trem com destino ao aeroporto. Thomas, era como o irmão que eu nunca tive. Chegou a Alemanha cerca de duas semanas depois de mim, o que lhe dava algum tempo até que tivesse que retornar ao México assim como eu estava fazendo agora. Apesar de “organização” não ser a palavra que melhor o define, eu não tenho a mínima ideia do que teria sido de mim sem a presença do meu melhor amigo nas primeiras semanas aqui no país. Provavelmente, eu sequer teria conhecido Aldo, a quem eu apesar de ter tido menos convívio do que meu irmão de alma, foi fundamental para que eu me preparasse para esse momento.

“Você vai se sair bem, Letícia, não precisa ficar ansiosa” disse Aldo ternamente, ao sentar-se junto a mim, enquanto Thomas, alguns metros atrás de nós, permanecia em pé, tentando esclarecer algumas dúvidas sobre sua passagem.

“Eu estou bem” - menti descaradamente - “É só que…”

Aldo me encarou profundamente, como quem não fosse desistir assim tão fácil de arrancar uma resposta.

“Eu era uma pessoa completamente diferente de quem sou hoje. Tinha medo de tantas coisas, e boa parte dessa minha nova versão só existe por causa de tudo o que vivi aqui… com você…”

“Acho que precisamos dar algum crédito ao Thomas também” - Corrigiu dando-me uma piscadela, que por si só me fez esquecer por alguns instantes do bicho de 7 cabeças que eu teria que enfrentar.

“Verdade” - assenti correspondendo-lhe a piscadela - “Nunca fiquei tão grata por meu amigo saco sem fundo, ter escolhido justamente o seu restaurante para saciarmos a fome.”

Aldo ficou radiante com meu comentário.

“Eu penso que estou com medo de voltar e me deparar com a mesma Letícia de 3 anos atrás”. - desviei meu olhar para o horizonte por instantes suficientes para trazerem flashbacks do passado, quando de repente sinto a mão de meu amigo segurar a minha em um gesto quase reflexo. Eu, mesma depois desse tempo que passei ao lado de Aldo, não havia tido coragem para contar o real motivo que fez eu permanecer por tanto tempo na Alemanha. Contudo, em mais de uma circunstâncias tive a impressão de que ele conseguia compreender, com minhas meias palavras, exatamente do que se tratava, algo que mesmo Thomas que acompanhou tudo desde o início tinha certa dificuldade de entender.

“Lety…” - disse calmamente - “você tem muito a se orgulhar da mulher que você se tornou hoje, forte, determinada e se permite a ousadia, com uma beleza formidável.” - eu pude sentir minhas bochechas corarem - “Eu apenas quero que você se lembre de que não tem nada para se envergonhar. A Letícia do passado, como você mesma disse, está no passado, e foi parte fundamental para você se tornar essa mulher que é que hoje.”

Às palavras de Aldo, realmente me pegaram de surpresa. Eu jamais poderia imaginar que alguém pudesse pensar algo assim de mim. Era quase como se ele adivinhasse o que eu estava sentindo. Porém antes que eu pudesse dizer alguma coisa - pelo menos algo a altura do que ele havia dito - percebo que já está na hora de eu embarcar, então me despeço com um rápido abraço em meus dois amigos. Já acomodada em meu vagão, olho pelo vidro da janela para Aldo e percebo uma nova expressão em sua face logo após Thomas ter-lhe sussurrado algo. Queria ter sido uma mosquinha para saber o que teria deixado Aldo com aquela expressão indecifrável. Quando o trem da a partida, eu volto a realidade, mais calma após às palavras de meu querido amigo ressoarem em meu coração, mas ainda sim apreensiva com a realidade que eu iria encontrar, ou mais precisamente, com quem...