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História Come wake me up - Who Knew


Escrita por: uncover5h

Notas do Autor


Resolvi postar o segundo capítulo logo hoje para dar uma ideia melhor do enredo para vocês. Espero que continuem gostando e MUITO, MUITO, MUITO obrigada a quem leu.
Leiam as notas finais, por favor.
Quaisquer erros, conserto assim que os ver!
Boa leitura.

Capítulo 2 - Who Knew


 

Razões pelas quais eu odiei ( ODIEI MESMO ) ir à escola:

1. Era meu aniversário. Fala sério, quem vai à escola no dia do próprio aniversário?

2. Eu vou morrer. Falando mais sério ainda, quem vai à escola, no dia do próprio aniversário, sabendo que em breve, vai morrer?

Obviamente, a minha mãe, com a sua atitude otimista, não concordou com a minha breve lista de razões para não ir à escola no meu aniversário. Ela disse:

- Eu não vou ficar em casa durante a manhã, Sofia vai à escola e você não vai ficar aqui sozinha. Você não pode ficar sozinha. Você vai à escola. Aproveite e faça amigos. – a última frase foi tão carregada de otimismo materno que por pouco ela não deu um soquinho vertical no ar.

Me limitei a revirar os olhos. Internamente, é claro, porque a minha mãe não usava a minha morte eminente como justificativa para as minhas rebeldias, portanto, se ela me pegasse revirando os olhos eu estaria sem celular, por pelo menos, o resto do ano. Não, isso não é um exagero.

Sendo assim, rendi-me aos argumentos da minha mãe e fui à escola. Não que eu tivesse alternativa, mas era muito melhor pensar que eu estava indo por uma vontade própria do que sendo, efetivamente, obrigada pela minha mãe e pelas circunstâncias (ora, eu não podia ficar sozinha). Não que na escola eu fosse ter alguma companhia, mas pelo menos se eu caísse durinha no meio de algum lugar por lá, era de se esperar que alguém fizesse algo.

A primeira vez que eu ouvi a frase: “você não tem muito tempo, eu sinto muito. Mas podemos fazer algo para aumentar as expectativas”, que em uma gramática mais fácil significa “você vai morrer”, tive a sensação de estar sendo possuída por trezentos espíritos do mal, que se esforçavam em queimar e destruir a minha alma. Eu senti uma dor agonizante dentro do peito, e ela era tão forte, tão forte, que apenas a lembrança do que eu senti me dá medo. Eu nunca achei que fosse possível uma frase causar tanta dor. Quer dizer, talvez frases de amor, de término de amor, mas não uma frase como essa e não uma dor física, dessas que a gente sente igualzinho como sente quando uma faca nos corta o dedo, ou quando rala o joelho na infância pela primeira vez e acha que vai morrer. Era uma dor egoísta. Uma dor de não querer morrer. EU não queria morrer. Era injusto EU morrer.

Depois de algum tempo, aceitei. Eles dizem que depois que você aceita que vai morrer antes da maioria das pessoas, se torna mais fácil aceitar que as coisas nem sempre são como você espera que elas sejam, mas não é por isso que elas não são boas também, ou seja, você deixa de ser egoísta com a vida e aceita o que ela tem pra você. Eu li isso em alguns livros de auto ajuda, os quais, juro de pés juntos, só li porque a minha mãe me obrigava a lê-los. “Ah, mas você poderia só fingir que leu”, não, eu não poderia. Minha mãe os lia antes de me entregar para ler e quando eu acabava, precisava discutir com ela sobre o que havia lido. Em troca, eu ficava com meu celular e ganhava cinco livros do meu gosto. Era uma troca justa, no final das contas. Mas isto é enredo para outras melodias.

Sempre pensei que livros de auto ajuda eram uma perda de tempo, afinal, não há nada alí que você não possa concluir por si próprio ou que não vá, eventualmente, acabar aprendendo com as experiências da vida e eu sempre pensei que experiências são bastante válidas no final das contas. Digo, eu com certeza, com meus 17 anos, tenho mais experiências com a ideia de morte e em como lidar com essa ideia, do que uma pessoa de 50 anos perfeitamente saudável. Sendo assim, experiências dizem o quão experiente você é (redundante, eu sei), enquanto os anos que você viveu, dizem pouco mais além do número de anos que você viveu.

- No que está pensando Kaki? – perguntou a minha mãe, quando parou o carro diante do semáforo que brilhava na cor vermelha – Seu olhar está distante.

- Em nada demais – balancei a cabeça negativamente, devagar (porque tudo em mim era devagar, a propósito).

- Não fique chateada comigo por não deixá-la ficar em casa hoje. Se eu pudesse ficar em casa, você também ficaria, mas hoje eu tenho essa reunião e não posso perdê-la sob hipótese nenhuma. – ela dizia enquanto acariciava o meu joelho.

- Está tudo bem mama, eu não posso perder as aulas de hoje, de qualquer maneira – eu disse, tentando soar normal.

É claro que eu poderia perder as aulas daquele dia ou de qualquer outro, mas diante da minha mãe, eu não poderia ser egoísta a esse ponto. Eu precisava lutar, por ela. Eu precisava ser otimista, por ela, embora ela costumasse dizer que eu precisava lutar por mim mesma, porque a vida era minha, e todo aquele discurso de “lute pela sua vida, milagres acontecem” e bla bla bla. Eu não sei qual é a coisa com milagres, mas definitivamente, eles não estão na minha “lista de coisas a esperar dos meus últimos anos (dias, meses) de vida”. De qualquer forma, lá no íntimo, em um fundo tão fundo que era quase impossível de enxergar, eu tinha alguma esperança de que acontecesse um milagre comigo. No final das contas, meu otimismo era um pouco meu e não só da minha mãe.

- As suas notas, como vão esse semestre? – ela perguntou – Sofia, coloque a Barbie no banco do carro, já vamos chegar, é quase hora da prece – ela disse, já dobrando na rua da escola da minha irmãzinha.

- Até parece que você não sabe, – revirei os olhos, dando um sorriso em seguida para dar um tom de brincadeira ao gesto anterior e não me render um castigo – sou a menina do “A”.

- Não faz mais do que a sua obrigação – ela disse em um tom brincalhão, mas que no fundo era sério. Como eu disse, a minha mãe não usava a minha morte como desculpa para nenhuma rebeldia. E notas ruins, eram rebeldia.

Minha mãe estacionou o carro na frente da escola de Sofia. Automaticamente me virei para ficar de lado no banco e de frente para a minha mãe, que fez o mesmo. Sofia se posicionou no meio do banco e deu as mãozinhas, uma para mim e uma para mamãe. Do outro lado, a mão de minha mãe segurava a minha.

- Sofia, hoje é a sua vez de fazer a prece – minha mãe disse, recebendo um breve aceno de cabeça da minha irmãzinha que não perder tempo e fechando os olhos, começou:

- Papai do Céu, que vive nas nuvens e olha por nós, eu, Sofia Cabello, ah...desculpe, Sofia Cabello Estrabao, gostaria de pedir que o Senhor faça o nosso dia ser legal. Que mamãe consiga dinheiro no trabalho e que faça as pessoas sorrirem. Que o Daniel da minha sala pare de implicar comigo, que a tia me dê mais lápis para pintar. Ah! Papai do Céu, o mais importante, que a minha irmã, a Camila, você sabe? Essa que está aqui do meu lado esquerdo, não.. direito... – ela fez uma pausa – Bom, essa que é a mais nova da duas, a que não é a minha mamãe. Pois então, papai do céu, por favor, cuide da Kaki, eu não quero viver sem a minha irmã porque ela me dá dorzinha na barriga de tanto rir. E nas bochechas também! E dê comida pras crianças da África! Amém.

Respirei fundo antes de abrir os olhos. A oração doce de minha irmã havia tocado o meu coração, e isso sempre acontecia quando ela falava de mim. Ela era sempre tão doce e sincera nas palavras, que me fazia ter o desejo de viver mais só para vê-la crescer, só para nunca decepcioná-la com a minha morte. Se é que Deus existe, ele provavelmente não pouparia Sofia de certas decepções. Era isso o que mais doía.

Mamãe desceu do carro e levou Sofia até a entrada da sua escola. Esperei no carro até que minha mãe voltasse. Ela entrou no carro e me olhou. Continuei encarando o nada à minha frente.

- Oração de uma criança pode fazer milagres, filha. – minha mãe falou, séria.

Quando minha mãe me chamava de “filha”, significava que o assunto agora era para ser levado a sério. Totalmente a sério, digo. E eu estava levando muito a sério.

- Uhum.. – eu disse, balançando levemente a cabeça e com os olhos inundados de lágrimas que eu não sei como foram parar ali. No fundo, eu acho que as palavras de Sofia me deram uma esperança que eu me recusava a ter e eu não sei se a minha vontade de chorar era por um desespero de não querer morrer ou se era por eu não querer ter nenhum tipo de esperança de permanecer viva além do que se esperava para mim.

Minha mãe me puxou para um abraço apertado. Como era de costume, o colo materno sempre resolvia os meus problemas imediatos, então as minhas lágrimas secaram e meu coração se acalmou. Ela sabia que não deveria dizer nada e não disse. Esse era apenas um dos lados bons da minha mãe, ela nunca falava quando não deveria falar.

Eu tomei a iniciativa de quebrar o abraço e minha mãe apenas ligou o carro e tomou o caminho para a escola. Caminho este, que fizemos em um silêncio cúmplice.

  ...

As estatísticas costumam dizer que as chances de um pedido feito a uma vela, no dia do seu aniversário, acontecerem são de 9,7 em 1000. Há uma explicação matemática para isso que necessitaria da exposição de um cálculo para ser explicada. Mas também, as estatísticas dizem que oitenta e três porcento dos jovens odeiam matemática (estatística esta na qual eu me enquadro com mérito e honra), o que tornaria totalmente desnecessária a explanação de um cálculo matemático a esta altura.

Nota para conhecimento¹: Estatísticas sempre anulam outras estatísticas.

Nota pra conhecimento²: Você sempre pode inventar estatísticas, porque , ainda que você erre os dados, a estatística sempre existe.

Nota para conhecimento³: Você pode inventar estatísticas porque apenas 0,3% das pessoas procuram saber se a informação é verdadeira.

Estatísticas e estatísticas, não há exatamente uma balística de oposições, é simples e fático, elas sempre se opõe. Anulam-se sem dó nem piedade. São como humanos que se amam mas se anulam. Mas as estatísticas são números, números são fatos e eu particularmente não gosto de fatos. Fatos não são relativos. Quer dizer, a maioria dos fatos o são, mas o fato que me interessava não era relativo. Então, como sempre fui dada ao egoísmo, baseada no meu fato, tornei todos não relativos. Meu fato seria relativo se milagres fossem possíveis, mas eu ainda não sabia o que pensar sobre milagres, então meu fato continuava sendo apenas um fato, inequívoco: eu iria morrer. E a minha vida era basicamente isso, um eterno permear de pensamentos que iam de: totalmente desacreditada à totalmente confusa sobre o que pensar. Eu não me interessava por muita coisa porque iria morrer. Eu me interessava por quase tudo porque iria morrer. Mas havia um fato que era tão não relativo quanto o meu fato maior (a morte): eu nunca me interessava por pessoas.

Eu estava assim, entregue aos pensamentos estatísticos, no meio da aula de estatística quando o sinal tocou. Fim de aula! Quase comemorei, mas então, a realidade que nunca tarda a bater na porta da inconsciência, deu as caras e eu lembrei da aula de educação física.

Sempre gostei da aula de educação física, afinal, quem não gosta? Até que eu soube que praticar as físicas corporais poderiam me matar. A partir de então, passei a odiar. Quase todo mundo odeia o que não pode ter ou fazer, quando essa coisa está bem ao alcance de suas mãos, ou pés, ou corpo. Na verdade, eu não odiava a aula, exatamente. Eu odiava ter que ficar sentada, olhando todo mundo praticar e praticar, enquanto eu deveria fazer relatórios e mais relatórios do que estava acontecendo. Era basicamente assim que funcionava pra mim: se você não pode ser jogador, seja técnico. O problema era que eu odiava ter que ser a técnica. Mas, para mim era matar ou morrer. (Matar: ser técnica / Ser técnica: fazer relatórios).

Eu estava pensando nisso, sentada no primeiro degrau da arquibancada que rodeava a quadra poliesportiva da minha escola, fazendo um relatório de nível intelectual elevadíssimo sobre as regras do basketball, quando ouvi a porta do ginásio se abrir. Ouvi porque aquela porta fazia um barulho horroroso, daqueles barulhos que gritam e que informam que a porta está sem óleo nas dobradiças e que precisam urgentemente de óleo. Ninguém da manutenção parecia prestar atenção na informação da porta do ginásio ou era tudo culpa do governo que não mandava dinheiro para a diretoria comprar um tubo de óleo de porta. Ouvi também, porque eu estava sentada bem ao lado da porta, coisa de três metros de distância, mas ainda assim, era o lugar mais próximo da porta. Ainda assim, não me dei ao trabalho de olhar. Deveria ser um daqueles carinhas da minha turma regular que usam os dez primeiros minutos da aula pra “puxar um” no banheiro.

Senti um cheiro doce. Doce e cítrico. Floral também. Apertei os olhos, tentando decifrar como eu poderia descrever aquele cheiro, acabei borrando meu relatório com um risco de caneta aleatório, quando esta quase caiu da minha mão. Eu estava quase rendida a olhar para a pessoa que era dona do cheiro e tentar fazer uma relação entre a imagem e o cheiro e decidir se era doce, cítrico ou floral, quando a minha caneta resolveu cair definitivamente da minha mão e em um susto eu me abaixei para pegá-la. Antes que a minha mão alcançasse a minha caneta, uma mão de pele extremamente branca a segurou e eu instintivamente olhei para cima, embora ainda curvada, de forma que o cabelo da garota que estava agachada à minha frente estava na direção dos meus olhos. Foram milésimos de um segundo até que ela levantou a cabeça e então eu vi. Seus olhos me sugaram e eu fui para dentro dela, quase como um redemoinho impiedoso e cruel, seus olhos sorriram para mim me sugando ferozmente para dentro deles. Olhos atraentes que sorriem para você antes de te sugar inesperadamente para uma queda sem fim, prazerosa mas assustadora. Olhos de um predador. Neste caso, predadora.

“Ela está falando alguma coisa, reaja, diga algo, Camila!”, minha consciência gritava para mim. Mas eu estava ali, imóvel encarando aquele universo verde à minha frente. Ela curvou um pouco a cabeça e isso me fez despertar do meu devaneio.

- Me desculpe se assustei você, eu vi que você deixou a caneta cair e quis juntá-la para você – ela disse enquanto estendia a caneta à minha frente para me entregar.

- Nã-ão, você não me assustou. – Eu peguei a caneta, e dei um leve sorriso porque considerei educado, tentando desviar o olhar do dela, mas era uma missão quase impossível. – Obrigada! – Eu disse levantando um pouco a caneta para mostrar pelo que eu estava agradecendo.

- Você tem um sorriso bonito.

Hã? Ela deveria dizer “não há de que”, “de nada”, “disponha”. Que tipo de resposta era aquela?

- Perdão? – eu franzi um pouco o cenho.

- Está pedindo perdão por ter um sorriso bonito?

- Não, não, desculpe, não me expliquei. É que você deveria dizer algo como “não há de que” ou “disponha” e não falar sobre o meu sorriso.

- Falar do seu sorriso é uma ótima maneira de dizer “disponha”, não acha?

Pensei um pouco sobre o assunto e entendi o que ela estava querendo dizer, mordi o lábio um pouco encabulada por não ter entendido desde o começo e apenas concordei com a cabeça.

- Não vai me agradecer por elogiar o seu sorriso? – ela disse, ainda me encarando, ajoelhada à minha frente.                

Por que diabos ela ainda estava ajoelhada à minha frente?

- Ah... vou. – Eu disse. – Seus olhos são bonitos.

Ela me deu um sorriso cúmplice, admitindo que eu havia resolvido agradecer da mesma maneira que ela resolvera me responder. Ficamos em silêncio por alguns segundos até que eu resolvi perguntar.

- Por que você ainda está ajoelhada?

Ela sorriu docemente.

- Porque eu ainda não me apresentei para você e seria falta de educação se eu me apresentasse sem olhar nos seus olhos, o que provavelmente aconteceria se eu me levantasse.

- Ah... – foi só o que eu consegui dizer. Desde quando as pessoas eram educadas assim? Ou melhor, desde quando pessoas bonitas eram educadas assim?

- Prazer, Lauren. – Ela estendeu a mão direita para mim – Lauren Jauregui.

Eu estendi a mão para ela e logo senti a sua pele ironicamente quente, já que ela era branca demais.

- Prazer Lauren, sou Camila – eu sorri – Camila Cabello.

Apertamos levemente as mãos.

- Camila Cabello,  garota sorriso.

Ela sorriu. 

Capítulo 2 – Who Knew

 

 

                               Razões pelas quais eu odiei ( ODIEI MESMO ) ir à escola:

                1. Era meu aniversário. Fala sério, quem vai à escola no dia do próprio aniversário?

                2. Eu vou morrer. Falando mais sério ainda, quem vai à escola, no dia do próprio aniversário, sabendo que em breve, vai morrer?

 

Obviamente, a minha mãe, com a sua atitude otimista, não concordou com a minha breve lista de razões para não ir à escola no meu aniversário. Ela disse:
                - Eu não vou ficar em casa durante a manhã, Sofia vai à escola e você não vai ficar aqui sozinha. Você não pode ficar sozinha. Você vai à escola. Aproveite e faça amigos. – a última frases foi tão carregada de otimismo materno que por pouco ela não deu um soquinho vertical no ar.

                Me limitei a revirar os olhos. Internamente, é claro, porque a minha mãe não usava a minha morte eminente como justificativa para as minhas rebeldias, portanto, se ela me pegasse revirando os olhos eu estaria sem celular, por pelo menos, o resto do ano. Não, isso não é um exagero.

                Sendo assim, rendi-me aos argumentos da minha mãe e fui à escola. Não que eu tivesse alternativa, mas era muito melhor pensar que eu estava indo por uma vontade própria do que sendo, efetivamente, obrigada pela minha mãe e pelas circunstâncias (ora, eu não podia ficar sozinha). Não que na escola eu fosse ter alguma companhia, mas pelo menos se eu caísse durinha no meio de algum lugar por lá, era de se esperar que alguém fizesse algo.

                A primeira vez que eu ouvi a frase: “você não tem muito tempo, eu sinto muito. Mas podemos fazer algo para aumentar as expectativas”, que em uma gramática mais fácil significa “você vai morrer”, tive a sensação de estar sendo possuída por trezentos espíritos do mal, que se esforçavam em queimar e destruir a minha alma. Eu senti uma dor agonizante dentro do peito, e ela era tão forte, tão forte, que apenas a lembrança do que eu senti me dá medo. Eu nunca achei que fosse possível uma frase causar tanta dor. Quer dizer, talvez frases de amor, de término de amor, mas não uma frase como essa e não uma dor física, dessas que a gente sente igualzinho como sente quando uma faca nos corta o dedo, ou quando rala o joelho na infância pela primeira vez e acha que vai morrer. Era uma dor egoísta. Uma dor de não querer morrer. EU não queria morrer. Era injusto EU morrer.

                Depois de algum tempo, aceitei. Eles dizem que depois que você aceita que vai morrer antes da maioria das pessoas, se torna mais fácil aceitar que as coisas nem sempre são como você espera que elas sejam, mas não é por isso que elas não são boas também, ou seja, você deixa de ser egoísta com a vida e aceita o que ela tem pra você. Eu li isso em alguns livros de auto ajuda, os quais, juro de pés juntos, só li porque a minha mãe me obrigava a lê-los. “Ah, mas você poderia só fingir que leu”, não, eu não poderia. Minha mãe os lia antes de me entregar para ler e quando eu acabava, precisava discutir com ela sobre o que havia lido. Em troca, eu ficava com meu celular e ganhava cinco livros do meu gosto. Era uma troca justa, no final das contas. Mas isto é enredo para outras melodias.

                Sempre pensei que livros de auto ajuda eram uma perda de tempo, afinal, não há nada alí que você não possa concluir por si próprio ou que não vá, eventualmente, acabar aprendendo com as experiências da vida e eu sempre pensei que experiências são bastante válidas no final das contas. Digo, eu com certeza, com meus 17 anos, tenho mais experiências com a ideia de morte e em como lidar com essa ideia, do que uma pessoa de 50 anos. Sendo assim, experiências dizem o quão experiente você é (redundante, eu sei), enquanto os anos que você viveu, dizem pouco mais além do número de anos que você viveu.

                - No que está pensando Kaki? – perguntou a minha mãe, quando parou o carro diante do semáforo que brilhava na cor vermelha – Seu olhar está distante.

                - Em nada demais – balancei a cabeça negativamente, devagar (porque tudo em mim era devagar, a propósito).

                - Não fique chateada comigo por não deixá-la ficar em casa hoje. Se eu pudesse ficar em casa, você também ficaria, mas hoje eu tenho essa reunião e não posso perdê-la sob hipótese nenhuma. – ela dizia enquanto acariciava o meu joelho.

                - Está tudo bem mama, eu não posso perder as aulas de hoje, de qualquer maneira – eu disse, tentando soar normal.

                É claro que eu poderia perder as aulas daquele dia ou de qualquer outro, mas diante da minha mãe, eu não poderia ser egoísta a esse ponto. Eu precisava lutar, por ela. Eu precisava ser otimista, por ela, embora ela costumasse dizer que eu precisava lutar por mim mesma, porque a vida era minha, e todo aquele discurso de “lute pela sua vida, milagres acontecem” e bla bla bla. Eu não sei qual é a coisa com milagres, mas definitivamente, eles não estão na minha “lista de coisas a esperar dos meus últimos anos (dias, meses) de vida”. De qualquer forma, lá no íntimo, em um fundo tão fundo que era quase impossível de enxergar, eu tinha alguma esperança de que acontecesse um milagre comigo. No final das contas, meu otimismo era um pouco meu e não só da minha mãe.

                - As suas notas, como vão esse semestre? – ela perguntou – Sofia, coloque a Barbie no banco do carro, já vamos chegar, é quase hora da prece – ela disse, já dobrando na rua da escola da minha irmãzinha.

                - Até parece que você não sabe, – revirei os olhos, dando um sorriso em seguida para dar um tom de brincadeira ao gesto anterior e não me render um castigo – sou a menina do “A”.

                - Não faz mais do que a sua obrigação – ela disse em um tom brincalhão, mas que no fundo era sério. Como eu disse, a minha mãe não usava a minha morte como desculpa para nenhuma rebeldia. E notas ruins, eram rebeldia.

                Minha mãe estacionou o carro na frente da escola de Sofia. Automaticamente me virei para ficar de lado no banco e de frente para a minha mãe, que fez o mesmo. Sofia se posicionou no meio do banco e deu as mãozinhas, uma para mim e uma para mamãe. Do outro lado, a mão de minha mãe segurava a minha.

                - Sofia, hoje é a sua vez de fazer a prece – minha mãe disse, recebendo um breve aceno de cabeça da minha irmãzinha que não perder tempo e fechando os olhos, começou:

                - Papai do Céu, que vive nas nuvens e olha por nós, eu, Sofia Cabello, ah...desculpe, Sofia Estrabao Cabello, gostaria de pedir que o Senhor faça o nosso dia ser legal. Que mamãe consiga dinheiro no trabalho e que faça as pessoas sorrirem. Que o Daniel da minha sala pare de implicar comigo, que a tia me dê mais lápis para pintar. Ah! Papai do Céu, o mais importante, que a minha irmã, a Camila, você sabe? Essa que está aqui do meu lado esquerdo, não.. direito... – ela fez uma pausa – Bom, essa que é a mais nova da duas, a que não é a minha mamãe. Pois então, papai do céu, por favor, cuide da Kaki, eu não quero viver sem a minha irmã porque ela me dá dorzinha na barriga de tanto rir. E nas bochechas também! E dê comida pras crianças da África! Amém.

                Respirei fundo antes de abrir os olhos. A oração doce de minha irmã havia tocado o meu coração, e isso sempre acontecia quando ela falava de mim. Ela era sempre tão doce e sincera nas palavras, que me fazia ter o desejo de viver mais só para vê-la crescer, só para nunca decepcioná-la com a minha morte. Se é que Deus existe, ele provavelmente não pouparia Sofia de certas decepções. Era isso o que mais doía.

                Mamãe desceu do carro e levou Sofia até a entrada da sua escola. Esperei no carro até que minha mãe voltasse. Ela entrou no carro e me olhou. Continuei encarando o nada à minha frente.

                - Oração de uma criança pode fazer milagres, filha. – minha mãe falou, séria.

                Quando minha mãe me chamava de “filha”, significava que o assunto agora era para ser levado a sério. Totalmente a sério, digo. E eu estava levando muito a sério.

                - Uhum.. – eu disse, balançando levemente a cabeça e com os olhos inundados de lágrimas que eu não sei como foram parar ali. No fundo, eu acho que as palavras de Sofia me deram uma esperança que eu me recusava a ter e eu não sei se a minha vontade de chorar era por um desespero de não querer morrer ou se era por eu não querer ter nenhum tipo de esperança de permanecer viva além do que se esperava para mim.

                Minha mãe me puxou para um abraço apertado. Como era de costume, o colo materno sempre resolvia os meus problemas imediatos, então as minhas lágrimas secaram e meu coração se acalmou. Ela sabia que não deveria dizer nada e não disse. Esse era apenas um dos lados bons da minha mãe, ela nunca falava quando não deveria falar.

                Eu tomei a iniciativa de quebrar o abraço e minha mãe apenas ligou o carro e tomou o caminho para a escola. Caminho este, que fizemos em um silêncio cúmplice.

  ...

                As estatísticas costumam dizer que as chances de um pedido feito a uma vela, no dia do seu aniversário, acontecerem são de 9,7 em 1000. Há uma explicação matemática para isso que necessitaria da exposição de um cálculo para ser explicada. Mas também, as estatísticas dizem que oitenta e três porcento dos jovens odeiam matemática (estatística esta na qual eu me enquadro com mérito e honra), o que tornaria totalmente desnecessária a explanação de um cálculo matemático a esta altura.

                Nota para conhecimento¹: Estatísticas sempre anulam outras estatísticas.

                Nota pra conhecimento²: Você sempre pode inventar estatísticas, porque , ainda que 
                                                                 você erre os dados, a estatística sempre existe.

Nota para conhecimento³: Você pode inventar estatísticas porque apenas 0,3% das 
                                                    pessoas procuram saber se a informação é verdadeira.

                Estatísticas e estatísticas, não há exatamente uma balística de oposições, é simples e fático, elas sempre se opõe. Anulam-se sem dó nem piedade. São como humanos que se amam mas se anulam. Mas as estatísticas são números, números são fatos e eu particularmente não gosto de fatos. Fatos não são relativos. Quer dizer, a maioria dos fatos o são, mas o fato que me interessava não era relativo. Então, como sempre fui dada ao egoísmo, baseada no meu fato, tornei todos não relativos. Meu fato seria relativo se milagres fossem possíveis, mas eu ainda não sabia o que pensar sobre milagres, então meu fato continuava sendo apenas um fato, inequívoco: eu iria morrer. E a minha vida era basicamente isso, um eterno permear de pensamentos que iam de: totalmente desacreditada à totalmente confusa sobre o que pensar. Eu não me interessava por muita coisa porque iria morrer. Eu me interessava por quase tudo porque iria morrer. Mas havia um fato que era tão não relativo quanto o meu fato maior (a morte): eu nunca me interessava por pessoas.

                Eu estava assim, entregue aos pensamentos estatísticos, no meio da aula de estatística quando o sinal tocou. Fim de aula! Quase comemorei, mas então, a realidade que nunca tarda a bater na porta da inconsciência, deu as caras e eu lembrei da aula de educação física.

                Sempre gostei da aula de educação física, afinal, quem não gosta? Até que eu soube que praticar as físicas corporais poderiam me matar. A partir de então, passei a odiar. Quase todo mundo odeia o que não pode ter ou fazer, quando essa coisa está bem ao alcance de suas mãos, ou pés, ou corpo. Na verdade, eu não odiava a aula, exatamente. Eu odiava ter que ficar sentada, olhando todo mundo praticar e praticar, enquanto eu deveria fazer relatórios e mais relatórios do que estava acontecendo. Era basicamente assim que funcionava pra mim: se você não pode ser jogador, seja técnico. O problema era que eu odiava ter que ser a técnica. Mas, para mim era matar ou morrer. (Matar: ser técnica / Ser técnica: fazer relatórios).

                Eu estava pensando nisso, sentada no primeiro degrau da arquibancada que rodeava a quadra poliesportiva da minha escola, fazendo um relatório de nível intelectual elevadíssimo sobre as regras do basketball, quando ouvi a porta do ginásio se abrir. Ouvi porque aquela porta fazia um barulho horroroso, daqueles barulhos que gritam e que informam que a porta está sem óleo nas dobradiças e que precisam urgentemente de óleo. Ninguém da manutenção parecia prestar atenção na informação da porta do ginásio ou era tudo culpa do governo que não mandava dinheiro para a diretoria comprar um tubo de óleo de porta. Ouvi também, porque eu estava sentada bem ao lado da porta, coisa de três metros de distância, mas ainda assim, era o lugar mais próximo da porta. Ainda assim, não me dei ao trabalho de olhar. Deveria ser um daqueles carinhas da minha turma regular que usam os dez primeiros minutos da aula pra “puxar um” no banheiro.

                Senti um cheiro doce. Doce e cítrico. Floral também. Apertei os olhos, tentando decifrar como eu poderia descrever aquele cheiro, acabei borrando meu relatório com um risco de caneta aleatório, quando esta quase caiu da minha mão. Eu estava quase rendida a olhar para a pessoa que era dona do cheiro e tentar fazer uma relação entre a imagem e o cheiro e decidir se era doce, cítrico ou floral, quando a minha caneta resolveu cair definitivamente da minha mão e em um susto eu me abaixei para pegá-la. Antes que a minha mão alcançasse a minha caneta, uma mão de pele extremamente branca a segurou e eu instintivamente olhei para cima, embora ainda curvada, de forma que o cabelo da garota que estava agachada à minha frente estava na direção dos meus olhos. Foram milésimos de um segundo até que ela levantou a cabeça e então eu vi. Seus olhos me sugaram e eu fui para dentro dela, quase como um redemoinho impiedoso e cruel, seus olhos sorriram para mim me sugando ferozmente para dentro deles. Olhos atraentes que sorriem para você antes de te sugar inesperadamente para uma queda sem fim, prazerosa mas assustadora. Olhos de um predador. Neste caso, predadora.

                “Ela está falando alguma coisa, reaja, diga algo, Camila!”, minha consciência gritava para mim. Mas eu estava ali, imóvel encarando aquele universo verde à minha frente. Ela curvou um pouco a cabeça e isso me fez despertar do meu devaneio.

                - Me desculpe se assustei você, eu vi que você deixou a caneta cair e quis juntá-la para você – ela disse enquanto estendia a caneta à minha frente para me entregar.

                - Nã-ão, você não me assustou. – Eu peguei a caneta, e dei um leve sorriso porque considerei educado, tentando desviar o olhar do dela, mas era uma missão quase impossível. – Obrigada! – Eu disse levantando um pouco a caneta para mostrar pelo que eu estava agradecendo.

                - Você tem um sorriso bonito.

                Hã? Ela deveria dizer “não há de que”, “de nada”, “disponha”. Que tipo de resposta era aquela?

                - Perdão? – eu franzi um pouco o cenho.

                - Está pedindo perdão por ter um sorriso bonito?

                - Não, não, desculpe, não me expliquei. É que você deveria dizer algo como “não há de que” ou “disponha” e não falar sobre o meu sorriso.

                - Falar do seu sorriso é uma ótima maneira de dizer “disponha”, não acha?

                Pensei um pouco sobre o assunto e entendi o que ela estava querendo dizer, mordi o lábio um pouco encabulada por não ter entendido desde o começo e apenas concordei com a cabeça.

                - Não vai me agradecer por elogiar o seu sorriso? – ela disse, ainda me encarando, ajoelhada à minha frente.                

                Por que diabos ela ainda estava ajoelhada à minha frente?

                - Ah... vou. – Eu disse. – Seus olhos são bonitos.

                Ela me deu um sorriso cúmplice, admitindo que eu havia resolvido agradecer da mesma maneira que ela resolvera me responder. Ficamos em silêncio por alguns segundos até que eu resolvi perguntar.

                - Por que você ainda está ajoelhada?

                Ela sorriu docemente.

                - Porque eu ainda não me apresentei para você e seria falta de educação se eu me apresentasse sem olhar nos seus olhos, o que provavelmente aconteceria se eu me levantasse.

                - Ah... – foi só o que eu consegui dizer. Desde quando as pessoas eram educadas assim? Ou melhor, desde quando pessoas bonitas eram educadas assim?

                - Prazer, Lauren. – Ela estendeu a mão direita para mim – Lauren Jauregui.

                Eu estendi a mão para ela e logo senti a sua pele ironicamente quente, já que ela era branca demais.

                - Prazer Lauren, sou Camila – eu sorri – Camila Cabello.

                Apertamos levemente as mãos.

                - Camila Cabello, a miss smile.

                Ela sorriu. 


Notas Finais


E aí, gostaram do Capítulo? Espero muito, muito que sim. Mas se não gostaram, também podem me dizer. @uncover5h é aí que vocês vão me encontrar.
Logo, logo tem o cap 3.
Comentem aqui também sobre o que estão achando. Bj.


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