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História Como Treinar o seu Dragão - To the Sky - Mudanças


Escrita por: LinoLinadoon

Notas do Autor


Ola, pessoas.
Primeiramente, gostaria de pedir desculpas por ficar longe por tanto tempo. Tive de cuidar de minha saúde mental para ter certeza de que ficaria bem então parei de escrever e me foquei em desenhar por um tempo.
Várias coisas aconteceram nessas últimas semanas. Como, por exemplo, minha graduação. Sim, a partir de agora eu sou Licenciado em Letras Português-Inglês. O que é grande coisa para mim! :D
Mas isso não importa, o que importa é a história.
Espero que gostem desse capítulo.

Capítulo 22 - Mudanças


   Ele não queria agir daquele jeito, não queria se sentir assim, principalmente em relação à Banguela! Mas não conseguia deixar de pensar no que tinha descoberto sobre a marca, sobre o que o dragão queria da relação entre os dois.

   Soluço suspirou, apertando as mãos sobre os joelhos franzinos, os puxando contra o peito.

   Estava sozinho na caverna, Banguela havia saído para fazer alguma coisa. Soluço não sabia o que era, mas o dragão havia o empurrado na barriga com o focinho, soltando um arrulho suave até que o garoto voltou a se sentar no chão de pedra e lá ficou.

   Ele notou como a postura de Banguela tinha mudado levemente quando o garoto se afastou do contato. Soluço se sentiu mal com aquilo, mas não chegou a falar nada. O dragão fez mais um som desconhecido, balançou a cauda e então saiu da caverna.

   E o garoto sabia que o dragão tinha pedido para que esperasse por ali.

   Não havia nada demais naquele lugar, era só uma caverna normal. Havia duas marcas longas de queimado no chão, em cada canto da caverna. Soluço sabia que aquelas eram as marcas de uma “cama” de Fúria da Noite, o que queria dizer que Banguela não dormia ali sozinho.

   Fogo Gelado ainda não havia retornado, o que era um alívio. Soluço não queria ficar à sós com aquela Fúria da Noite.

   O garoto decidiu que não queria pensar naquilo, então fechou os olhos, deitando a cabeça contra a parede de pedra da caverna, e se pôs a relembrar o que tinha acontecido após descobrir exatamente o que aquela mordida em seu ombro queria dizer...

--

   Soluço demorou para processar as palavras de Defensor.

   O mundo pareceu parar por um momento.

   E Soluço sentiu como se tudo tivesse sumido.

   Ele nem sentiu o toque de Banguela, usando toda a energia de seu cérebro para processar aquela informação.

   “Me-- Me cortejar?!” Ele repetiu a palavra como se não tivesse ouvido direito.

   Ele sabia o que aquela palavra queria dizer, já tinha ouvido outras vezes em Berk. Mas não podia ser... Ele devia ter ouvido errado.

   Banguela soltou um choramingar baixo, seus olhos grandes encarando o garoto com um ar doce, quase inocente. Soluço sentiu as vibrações causadas pelo ronronar do dragão atravessarem seu corpo e sentiu suas bochechas esquentarem no mesmo instante. A informação pareceu finalmente fazer sentido em sua cabeça.

   Num movimento rápido, ele se afastou do dragão.

   “Ah, não! Não, não! Eu não vou ser cortejado!” Ele nem acreditava no que estava falando. Banguela, o seu dragão, queria cortejá-lo! Queria ele como... Soluço nem conseguia imaginar o que diabos um dragão iria querer de um relacionamento com um viking! “Seja-- seja por uma pessoa, seja por um dragão! Eu-- Eu não sou uma mulher!”

   Banguela bufou, balançando a cabeça levemente como se estivesse respondendo ao garoto. Soluço deu um passo para trás quando o dragão se aproximou mais uma vez.

   Ele sentiu sua cabeça girar, sem saber o que fazer, sem saber o que o Fúria da Noite iria fazer. Parte dele se sentia mal pensando daquele jeito sobre Banguela, mas outra parte ainda estava chocado demais com a “revelação”.

   “Não! Eu disse não, Banguela!” Ele repetiu, com força.

   O dragão parou de se mover, soltando um som triste.

   Não, não podia ser, aquilo era loucura demais para ser verdade. Era um sonho estranho não era? Talvez os deuses estivessem brincando com Soluço, fazendo piada com a cara dele só porque ele não tinha conseguido matar um dragão como todos os outros vikings. Tudo aquilo, falar com dragões, entende-los, fugir com um Fúria da Noite só para descobrir que tal dragão queria...

   “E é por isso que a conexão entre vocês é praticamente inexistente.” Defensor bufou.

   “É... É o que?” Soluço piscou uma ou duas vezes, sendo arrancado de seus pensamentos.

   “A conexão intima entre dois dragões acontece após a marca. Mas ela só ocorre se o sentimento for mutuo.” A energia do Gronckle parecia calma, mas ao mesmo tempo preocupada, insegura. “Você não compreendia o significado da marca, e também nunca aceitou um acasalamento. Por causa disso, sua conexão intima com Escama da Noite é inexistente.

   Banguela choramingou, como se estivesse concordando com o outro dragão.

   E Soluço entendeu o que Defensor havia dito antes, sobre Banguela não “levar algo em conta”.

   Banguela gostava dele, mas não como um amigo, ou... Seja lá o que um dragão e um humano podiam ser.

   Banguela tinha se apaixonado por ele.

   Muitas perguntas giraram na cabeça de Soluço. E a primeira que registrou era simplesmente:

   Porque?

   Porque uma criatura tão magnifica, poderosa e incrível como Banguela estaria interessado por um viking raquítico e sem graça como ele? E porque Banguela se apaixonaria pelo viking que havia lhe retirado o voo, o obrigando a ficar preso em um cânion vazio e ser incapaz de voar sozinho?

   Aquilo não fazia sentido nenhum.

   E como um dragão podia se apaixonar por um viking? Seria isso sequer possível?

   Eram perguntas idiotas, embora Soluço soubesse porque elas estavam ali. Havia muito que ele ainda não sabia sobre dragões, mas sabia muito bem que eles eram mais do que simples criaturas guiadas pelo instinto. Eles eram tão inteligentes e racionais quanto um viking. Talvez até mais.

   Mas um dragão tinha se apaixonado por um viking.

   Banguela estava apaixonado por ele.

   “Não... Não pode ser... Banguela! Eu-- Você-- Não pode...!” Soluço não chegou a terminar qualquer frase. Ele podia sentir seu rosto esquentando, e logo estava respirando mais rápido que o normal, até mesmo conseguia ouvir o bater forte de seu coração em seus ouvidos.

    O som de um trinar muito suave tirou o garoto de seu pânico repentino e, quando seus olhos se encontraram com os grandes orbes draconianos, Soluço se sentiu perdido entre confusão e alivio.

   Banguela o encarava de modo estranho, seus olhos eram calmos, suaves, e sua expressão era triste. Soluço sabia que o dragão havia ouvido seus pensamentos nervosos e ele sentiu a necessidade de desviar os olhos, embaraçado.

   A energia que pairava no ar era estranha, desconfortável e pesada, como se uma pedra tivesse sido colocada sobre os ombros do garoto.

   “Isso é, de fato, inesperado...” As palavras vindas da energia de Defensor eram estranhas, e o pequeno viking sentiu como se ele estivesse tomando cuidado com o que transmitia. “E posso ver que os sentimentos não são recíprocos...

   Banguela choramingou baixinho e Soluço sentiu seu coração quebrar um pouco. Ele não sabia exatamente como o dragão se sentia, mas tinha uma boa ideia de como devia ser saber que alguém que você gosta não sente o mesmo.

   “Você tem todo o direito de retornar para seu povo.” Defensor continuou e o Fúria da Noite soltou um sibilo baixo, ganhando um bufado alto e um empurrão da energia do Gronckle. Banguela apontou o focinho para o chão, movendo apenas os olhos, do dragão para o pequeno viking. “Podemos leva-lo de volta.

   “Eu... É, eu...” Soluço gaguejou, como se não encontrasse as palavras.

   Ele queria voltar, ver sua família de novo, sim, mas era perigoso. Tanto para ele quanto para qualquer dragão que o levasse para casa. Ele já tinha pensado bastante naquilo desde que tinha fugido com Banguela.

   Falando no dragão...

   Banguela ainda mantinha a cabeça baixa, como uma criança depois de levar uma bronca, mas seus olhos estavam focados no jovem viking.

   Soluço desviou a atenção daqueles olhos, se sentindo desconfortável, quase envergonhado; e desviou sua atenção para a parafernália que havia colocado no dragão, a sela, os cabos, o metal... A barbatana falsa. Banguela acompanhou seu olhar com um som grave, mas suave, que fez o corpo do garoto vibrar.

   “Não, eu não posso voltar... Não agora...” E ele se sentiu um lixo novamente, do mesmo modo que tinha se sentido quando descobriu o que havia feito com Banguela. “E eu não posso deixar o Banguela. Sem minha ajuda ele não...”

   Banguela estava preso ao chão, e ambos estavam presos um ao outro.

   O que um dragão faria sem poder voar? Depois de experimentar o que era voar, Soluço se sentia mal por saber que, sem a barbatana falsa, sem sua ajuda, o dragão nunca mais poderia sentir o mesmo que ele sentia quando estava lá no alto, entre as nuvens.

   Não era justo.

   Defensor bufou, sua energia dançava no ritmo do cambalear de seu corpo coberto de cicatrizes. Ele parecia entender o que se passava na mente do garoto, e o que acontecia entre ele e seu dragão.

   “Posso permitir que fique aqui.” A energia pesada transmitiu e se dirigiu para Banguela. “Mas ele será sua responsabilidade, Escama da Noite.” As palavras soavam duras, sérias e o dragão negro ergueu a cabeça, prestando atenção. “Não posso impedir que outros dragões façam o que quiserem com ele. Se quer que fique bem, deve ficar de olho em seu humano.

   “Eu-- Eu não vou dar trabalho...!” Soluço sentiu a necessidade de falar e suas bochechas se esquentaram. Ele não sabia se era por medo do que poderia acontecer ou se era porque não gostava do modo como o dragão falava dele, como se fosse uma criança.

   Não seria o primeiro a fazer aquilo, tanto viking quanto dragão...

   Banguela arrulhou alto, balançando a cauda e desviando os olhos do Gronckle para o viking por um momento, antes de se dirigir à Defensor mais uma vez, repetindo o som. E Soluço viu como o porte do Fúria da Noite tinha mudado, como se ele tivesse enchido o peito como um viking faria.

   Defensor simplesmente bufou, cambaleando para se voltar para Soluço.

   “Quais seriam as melhores acomodações para um humano?” Ele se perguntou com um murmúrio de Gronckle.

   Soluço se sentiu mais embaraçado ainda.

   “Não preciso de muito!” Disse rapidamente. “Só... Só um cantinho em que eu possa dormir já o bastante...”

   “Muito bem.” Defensor soltou um arrulho baixo, se balançando para os lados como se aquele fosse seu jeito de assentir como um humano faria. “Então a caverna dos Sombras da Noite deve bastar para você...”

   “Ah...!” Soluço abriu a boca para falar mais alguma coisa, mas as palavras pareciam presas em sua garganta.

   Ele não sabia se queria ficar ali com Banguela, sozinho. Ele ainda se sentia mal por pensar desse modo em relação ao dragão, mas não podia se impedir de ficar um pouco nervoso. Soluço sabia que Banguela não iria o machucar, sabia que o dragão não tentaria nada... Bem...

   Mas tudo estava... Estranho.

   Soluço se virou para Banguela, e o Fúria da Noite o encarava novamente, a cabeça abaixada. O garoto sabia que ele tinha ouvido. Aqueles olhos verdes transmitiam algo, diferente, como um sentimento de... Dor.

   Defensor bufou mais uma vez, informando que “voltaria logo” e para Banguela “manter o humano em segurança” e se afastou cambaleante pelo corredor escuro, até desaparecer nas sombras.

   Um silêncio desconfortável tomou a caverna pouco iluminada. Soluço manteve os olhos no chão, sem querer encarar o dragão.

   Banguela foi o primeiro a quebrar o silêncio, trinando muito suavemente, de um modo que Soluço sabia era feito só para chamar sua atenção.

   O dragão deu um passo para frente e o garoto sentiu seu corpo gelar por um momento.

   “Banguela, não...!” Ele disse, tentando soar firme, como já tinha feito antes, mas sua voz soava temerosa e hesitante. Ainda assim, o dragão obedeceu, soltando um som baixo e abaixando a pata sem dar mais um passo.

   Soluço suspirou, feliz em ver que o dragão ainda o ouvia.

   “Banguela, eu... Eu-- Ugh, eu nem sei por onde começar!” O jovem viking se ouviu falando. “Primeiro, eu pensei que você tinha me mordido como punição por ter atirado em você, tudo bem, eu já pensei que esse não era o caso depois de um tempo... Quando eu... Comecei a ouvir dragões...”

   Ele fez uma pausa, como se só agora tivesse processado tudo o que tinha acontecido.

   “Pelos deuses, o que aconteceu com a minha vida?” Soluço suspirou, se sentindo sem ar, e passou as mãos pelos cabelos ruivos, se deixando sentar no chão, contra uma pedra grande. “E-Eu era só um garoto normal... É, se dá pra me chamar de normal naquela tribo louca de vikings... E então... E então você apareceu e-- e--! Virou tudo de cabeça pra baixo?!”

   Ele balançou a cabeça e nem notou que o dragão havia se aproximado, até que sentiu um leve toque e uma forma grande e quente ao seu lado.

   Banguela apertou o focinho contra o braço do garoto, na direção de seu ombro, assim como tinha feito antes e Soluço se afastou.

   “Banguela...! Você não pode me c-cortejar!” Ele gaguejou, sentindo como se algo estivesse preso em sua garganta. “Eu-- Eu nem sei de onde você tirou essa ideia! Eu sou um homem, um macho! Ma-cho!” Banguela soltou um arrulho leve, virando a cabeça para o lado como se não entendesse do que o garoto falava. “E, pelos deuses, eu sou um humano! Você é-- Você é um dragão!”

   Banguela simplesmente o encarou, aqueles olhos grandes e verdes pareciam calmos, como se o garoto não estivesse falando sobre algo importante. E Soluço se sentiu – levemente – desesperado.

   “Sem contar que a gente nem pode ter filhos! Eh… Filhotes...” Ele balançou a cabeça, levemente tonto, notando que não tinha pensado naquela parte da “relação”.

   Houve silêncio entre eles mais uma vez.

   Até que Banguela choramingou baixo ao seu lado, abaixando a cabeça. E quando Soluço se voltou para o dragão, mesmo sendo incapaz de ouvi-lo, ele conseguia quase sentir o que Banguela queria transmitir com aquele olhar.

   Era uma resposta ao que o garoto sentia, mas que não estava falando em voz alta.

   Tudo o que Banguela queria era seu bem e sua segurança, ele não teria se colocado em perigo, enfrentado dragões maiores que ele e um bando de vikings armados caso ele não se importasse com Soluço.

   Banguela não iria força-lo àquilo, não iria força-lo a entrar em uma relação ou a fazer coisa alguma.

   Mas é claro que não, Banguela não era assim.

   Soluço sentiu suas bochechas esquentarem, envergonhado por pensar daquele modo sobre seu amigo.

   Ele suspirou e quando se voltou para o Fúria da Noite, estava sorrindo de novo, mesmo que só um pouquinho. Banguela desviou as pupilas negras de seus lábios para seus olhos, as barbatanas no topo de sua cabeça erguendo levemente, mostrando que estava atento.

   “Banguela... Olha... A gente não pode ser, uh... Isso...” Ele conseguiu falar depois de um tempo, ainda sentindo o sangue esquentando suas bochechas. Banguela apenas respirou com lufadas pesadas, encarando o garoto com interesse – e Soluço sabia que ele entendia cada palavra. “Mas a gente ainda pode ser amigos, não é?”

   Banguela soltou um arrulho alto e seus olhos brilharam de um jeito diferente, mas que Soluço reconhecia como animação, felicidade, e ele quase riu com a expressão fofa do dragão.

   A cabeçorra negra veio em sua direção e Soluço esperou que o dragão fizesse o mesmo que tinha feito antes, apertando o focinho contra suas cicatrizes. Mas não. Banguela fez um som estranho, entre um trinar e um rosnado, e se deitou no chão, deitando a cabeça sobre as pernas do humano.

   Soluço achava que seu corpo automaticamente tentaria se afastar do contato, mas não. Quando o peso da cabeça de Banguela foi colocado sobre ele, Soluço sentiu seu corpo relaxar, assim como normalmente acontecia quando passava tempo com o dragão.

   E, por um momento, era como se os dois estivessem no cânion novamente.

   Só um viking e um dragão, amigos pelo acaso.

   “Vou aceitar isso como um sim...” Soluço sorriu e Banguela ronronou.

--

   Mas, mesmo depois da conversa com Banguela, Soluço sentia que as coisas não iriam mais ser as mesmas.

   Talvez fosse porque eles não sentissem o mesmo um pelo outro, talvez fosse pelo simples fato de que seu dragão estava apaixonado por ele!

   Soluço não sabia exatamente como era estar apaixonado por alguém. Sim, ele tinha tido uma quedinha por Astrid, mas nunca foi nada demais; ela não ficava em sua cabeça o tempo todo, ele não criava coisas especiais só para ela, ele não desejava passar todo momento ao lado dela. Era assim que muitos vikings descreviam o que era estar apaixonado, mas Soluço não se lembrava de ter sentido algo assim.

   Bem, a não ser por...

   Soluço sentiu suas bochechas esquentarem.

   “O que? Não, não, não...” Ele balançou a cabeça, fechando os olhos como se pudesse afastar aqueles pensamentos fazendo isso. “Ah...!”

   O som de garras contra o solo de pedra chamou sua atenção.

   Banguela estava de volta, parado na entrada da caverna; de sua boca saiam caudas e cabeças de peixe, e era como se ele sorrisse com eles no lugar de dentes.

   Por um momento Soluço se lembrou de como o dragão havia “sorrido” para ele pela primeira vez. E nem notou que estava sorrindo, até que o dragão balançou a cauda, entrando na caverna.

   “Valeu, Banguela...” Ele sentiu a necessidade de falar e se surpreendeu quando sua barriga roncou alto. Tinha ficado com tanto na cabeça, que nem tinha notado que estava com fome. E sede.

   Banguela soltou um arrulho do fundo da garganta, cuspindo os peixes em um montinho não muito longe do garoto. Soluço fez uma careta ao ver os peixes cobertos de saliva de dragão, pensando que teria de comer aquilo, mas...

   Ele ergueu os olhos, encontrando os de Banguela focados nele.

   Mais por instinto do que qualquer outra coisa, Soluço virou o rosto. Ele ouviu Banguela bufar, antes de sentir a força do corpo do dragão quando esse se deitou ao seu lado. Um pequeno espaço livre foi mantido entre os dois.

   Soluço se perguntou se Banguela estava pensando no mesmo que ele...

   Banguela bufou, chamando sua atenção, olhando dele para os peixes, antes de abocanhar um, engolindo sem mastigar.

   Soluço sentiu uma leve pontada de dor em sua barriga quando essa roncou mais uma vez, decidindo que estava faminto demais para ser exigente. Ele pegou um dos peixes, dando uma olhada em volta.

   “Ah... Não tem madeira alguma por aqui, né...?” Murmurou para si mesmo, mas o que poderia esperar numa caverna?

   Banguela trinou alto e parecia ter se lembrado que vikings não comiam peixe cru. Ele abriu os lábios levemente, como uma pessoa faria ao começar a assoviar, e sua boca brilhou num leve azul.

   E com uma bola de plasma diminuta, ele queimou o peixe, com escamas e tudo.

   Banguela lambeu os lábios, erguendo olhos brilhantes e com pupilas dilatadas para o garoto, ronronando baixinho. Soluço sorriu levemente, sabendo que não tinha porque estar surpreso. O que mais esperar de seu amigo Banguela?

   Amigo...

   Soluço grunhiu quando sua barriga vazia se pronunciou mais uma vez. Não queria pensar ou refletir, agora só queria comer.

   Ele pegou o peixe quente com a ponta dos dedos, examinando o estado levemente escuro desse; ainda parecia comestível, mas talvez só as escamas estivessem mais queimadas. Banguela trinou ao seu lado, inclinando a cabeça para o lado, com interesse e Soluço teve de sorrir.

   “É... Tá muito mais bem passado do que eu gosto, mas... Valeu.” Ele disse simplesmente, começando o trabalho de limpar o peixe.

   Houve silêncio entre os dois enquanto comiam e Soluço se pôs a ouvir os sons de dragões que vinham, talvez de dentro da caverna, talvez de fora. Rugidos, trinares, arrulhos, tantos sons diferentes.

   E por um momento, Soluço parou de pensar em tudo o que tinha acontecido dentro da caverna, se focando no que tinha do lado de fora. Com os sons vinham presenças diferentes, algumas que ele já reconhecia e algumas totalmente novas, mas era difícil identifica-las através de uma parede de rochas grandes e pesadas.

   E essa dificuldade pareceu incitar ainda mais sua curiosidade e seu interesse.

   Soluço repassou em sua cabeça a visão da nova ilha quando tinham chegado lá, e se lembrou dos vários dragões que tinha visto.

   Ele não era bobo, sabia que sair da caverna seria perigoso, assim como tinha sido quando tinham chegado. Mas, agora que vários outros dragões tinham conhecimento de que ele tinha sido marcado por um Fúria da Noite, talvez não fosse tão perigoso assim...?

   De qualquer modo, Soluço queria sair, queria explorar o lugar, descobrir novos tipos de dragões... E descobrir que tipo de energia dançava ao redor de cada espécie.

   Um rosnado de Banguela surpreendeu Soluço, o arrancando de seus pensamentos. Ele se virou para o dragão, mas esse estava focado na entrada da caverna, as pupilas fechadas em fendas e os dentes à mostra.

   Soluço apertou os olhos levemente para ver o que vinha da escuridão. Não era a primeira vez que recebiam “convidados”. Mesmo tendo passado apenas algumas horas, vários dragões curiosos já tinham aparecido para tentar dar uma olhada no “pequeno humano” que o Fúria da Noite tinha trazido consigo.

   Quando presente, Banguela não permitia que dragão algum se aproximasse, se colocando na mesma posição protetora de antes até que se afastassem com passos rápidos.

   Soluço tinha ficado preocupado quando Banguela saiu para pegar comida, imaginando o que poderia acontecer caso um dragão pouco amigável o encontrasse sozinho – ele tentou não pensar no que fariam Fogo Gelado ou Fogaréu em especial.

   Da escuridão saiu um dragão que não parecia impor muito perigo. Um pequeno Terror Terrível, com escamas de um verde vibrante e com chifres e asas vermelhas. Ele cheirou o ar, se aproximando lentamente e pareceu ignorar o Fúria da Noite.

   Sua energia, pequena mas agitada, tocou a de Soluço, era curiosa e não trazia medo. E, por algum motivo, parecia familiar...

   “Tá tudo bem, Banguela...” Soluço esticou a mão para o dragão, notando como hesitou levemente ao tocar as escamas escuras.

   O Terror Terrível guinchou alto, forçando o viking a cobrir os ouvidos por um momento. Soluço quase riu quando o dragão arregalou os olhos, as pupilas bem dilatadas e a cauda balançando, antes de começar a pular no lugar.

   “É você!” Soluço pode ouvir as palavras vindo da energia pequena. “Eu sabia que era! Que outro humano ficaria junto do Escama da Noite?!

   Banguela rosnou, mostrando os dentes. O Terror Terrível respondeu do mesmo modo, nada intimidado. E aquela cena parecia ainda mais familiar que a energia do pequeno dragão...

   “Ah, você é um daqueles Terrores!” Soluço se lembrou daquele dia, quando ele e Banguela tinham voado de verdade pela primeira vez. E também o dia em que o dragão havia o mordido... Ele ignorou aquela parte da lembrança.

   O dragão guinchou alto, sua energia dançando e vibrando com mais força, enquanto linhas finas de fumaça saiam do focinho pequeno.

   “Você se lembra!!” O humano ouviu entre as vibrações e ele quase riu. “Eu pensei que humanos tivessem memória curta...

   Soluço não sabia como responder a isso, mas não foi preciso.

   A energia pesada de Defensor alcançou o garoto antes mesmo que o Gronckle entrasse na caverna.

   “Eu achei que seria melhor...” Ela transmitiu com calma. “Para ajudar vocês dois...” E bufou, desviando os olhos do garoto e o dragão negro, para o pequeno Terror Terrível que agora estava interessado em roubar um dos peixes da pilha recém pescada. “Uma vez que a conexão entre os dois não existe.

   “Ah, obrigado...” Foi só o que Soluço conseguiu dizer, se sentindo honestamente agradecido pela consideração.

   “Uau, você mordeu ele sem explicar, que vergonha Escama da Noite!” O Terror Terrível sibilou, mostrando a língua, e se afastou da pilha de peixes uma vez que Banguela não o permitiu chegar mais perto. Ele correu na direção de Soluço e se apertou contra sua perna do mesmo jeito que tinha feito antes. “Como um humano legal como você aguenta ele?

   “Ah, bem...” Soluço deu uma leve risada e quase riu ainda mais alto quando notou o modo como Banguela o encarava. “É, não fácil.” E ele finalmente se deixou gargalhar quando Banguela bufou alto, fingindo choque ao ouvir aquilo.

   E era como se nada tivesse acontecido. Soluço sentiu a tensão em seu corpo diminuir consideravelmente e ele quase riu mais uma vez ao pensar em como estava se sentindo tão calmo, cercado por um Fúria da Noite, um Gronckle enorme e um Terror Terrível. Ele se perguntou se já tinha se sentido assim quando estava cercado por outros vikings...?

   “Muito bem, Lambe-Olho será o seu tradutor pessoal.” Defensor bufou, respirando em lufadas pesadas e entrecortadas. Sua energia parecia mais calma, amigável; tanto que, por um momento, Soluço se lembrou de seu avô, o Velho Enrugado. Soluço gostava de Defensor. “Sei, porém, que o pequeno pode ser bem chato, então... Se for preciso trocar, podem me avisar.

   Lambe-Olho soltou um guincho ofendido, antes de balançar a cauda na direção do dragão maior. Soluço notou como os dragões usavam bastante a cauda em sua linguagem corporal, e ele sentia que aquele movimento demonstrava desaforo ou algo assim.

   Defensor bufou alto e seus olhos draconianos se voltaram para o humano.

   “Aprecie sua estadia conosco, pequeno humano Soluço.

   O garoto se surpreendeu ao “ouvir” seu nome sendo mencionado. A energia do Gronckle dançava de modo estranho, que parecia não ser normal, como se tentar repetir um nome humano era um pouco difícil para dragões.

   “Ah, obrigado...” Foi só o que conseguiu dizer, ainda ouvindo, ou melhor “sentindo” a energia que era seu nome dançando em sua mente.

   Defensor bufou mais uma vez e se voltou para Banguela. E quando Soluço tentou ouvir o que vinha da energia do Gronckle, se surpreendeu ao sentir uma parede entre ele e o outro. Não era uma parede de fogo e nem parecia ter sido colocada ali para empurrar o garoto para longe, era mais uma parede de privacidade. Ela era dura, como se fosse feita da pedra mais resistente que existia, e parecia pesada, como se mostrasse que não podia ser levantada, não importava o que o humano fizesse.

   Banguela simplesmente bufou, balançando a cabeça e a ponta da cauda – a barbatana de metal fez um barulho diferente ao tocar o chão.

   Soluço notou quando os olhos de Defensor se focaram na criação do humano, mas então simplesmente soltou um murmúrio de Gronckle e se afastou, cambaleante.

   O garoto se perguntou o que tinha sido dividido entre os dragões, mas decidiu que, se Defensor havia erguido suas paredes mentais, isso queria dizer que Soluço não devia saber sobre aquilo.

   Ele queria perguntar para Banguela, mas...

   “Ei, eu queria saber...” Soluço ouviu a mensagem na energia de Lambe-Olho, e prestou atenção, mesmo notando que ela estava sendo dirigida para Banguela e não para ele. “O que é isso tudo que tem em você?

   Banguela simplesmente bufou, e Soluço não sabia se ele estava respondendo ou não. Porém, ele recebeu sua resposta quando o Terror Terrível soltou um trinar estranho e gutural, se voltando para o viking com olhos brilhantes e interessados. Pelo jeito ele tinha sido ignorado pelo Fúria da Noite.

   “Ah, bem, é que... O Banguela...” Soluço começou a falar e parou por um instante quando Banguela o lançou um olhar estranho. Mas as pupilas levemente dilatadas logo se desviaram para os últimos peixes da pilha. Lambe-Olho esperou. “Ele não tem mais a barbatana da cauda, sabe? Então... A gente teve que descobrir um outro jeito de voar.”

   Lambe-Olho pareceu entender, sua energia vibrando levemente, ao mesmo tempo interessada, confusa e curiosa. Ele era igualzinho a uma criança – Soluço se perguntava se todos os Terrores Terríveis eram assim?

   “Mas o que aconteceu com a barbatana?” Veio uma segunda pergunta e, dessa vez, Soluço hesitou.

   Banguela não se virou para ele e o garoto não sabia se sentia bem falando mais sobre aquilo. Não gostava de pensar naquilo, lembrar o que tinha feito e o que queria fazer com o dragão negro.

   Mas as coisas tinham mudado. E muito.

   “É, sabe, né...? É uma longa história...” Soluço murmurou, propositalmente sendo vago.

   Banguela soltou um rosnado estranho, ganhando a atenção do pequeno dragão e do humano. Soluço ainda não conseguia ouvir, mas conseguia sentir a energia do Fúria da Noite ali, tão perto, mas também tão longe; ele sentiu quando essa tocou a do dragão menor, possivelmente dividindo com esse, informações que o humano não queria dar.

   “Ah, tudo bem...” Lambe-Olho soltou um som resignado, coçando em baixo do chifre com a perna traseira como se não fosse nada.

   Soluço não sabia como se sentir em relação a isso.

   “O que? O que ele disse?” Ele perguntou, querendo saber o que Banguela tinha a dizer quanto a tudo aquilo. O dragão havia agido de modo estranho, primeiro mostrando que não queria que o viking falasse sobre aquilo, só para depois dizer alguma coisa.

   “Ele contou que caiu e a cauda prendeu numa árvore. E como ele é pesado, a barbatana foi cortada.” Lambe-Olho arrulhou, abrindo a boca e bocejando.

   Soluço se voltou para Banguela, mas esse manteve sua atenção focada nos peixes que comia, como se estivesse alheio ao que estava acontecendo.

   O garoto não sabia como se sentir. Porque Banguela não tinha contado que tinha perdido a barbatana graças à Soluço?

   Soluço se lembrava vagamente de ver uma árvore caída quando foi procurar por Banguela, depois que tinha o derrubado. Se ele tinha caído contra ela e acabado com a cauda presa, aquilo fazia sentido. De fato, Soluço nunca tinha se perguntado como as cordas que tinha lançado contra o Fúria da Noite teriam arrancado sua barbatana.

   Ele não sabia porque Banguela não estava contando a história inteira, mas tinha algumas ideias. Talvez porque não quisesse que o pequeno Terror Terrível soubesse que o humano tinha feito aquilo com ele, ou talvez só não quisesse que Soluço pensasse mais nisso.

   O garoto sorriu levemente e parou para pensar.

   Sua vida tinha definitivamente seguido um caminho muito diferente do que ele esperava.

   De uma simples amizade com um dragão para... Aquilo.

   As coisas tinham mudado bastante, e Soluço ainda não tinha certeza se gostava ou não de todas aquelas mudanças.

   Mas, quem sabe? Talvez não fosse ao todo para o pior...

   Soluço tossiu, violentamente, sentindo a garganta ardendo.

   Banguela e Lambe-Olho se voltaram para ele, fazendo sons preocupados.

   “E-eu estou bem...” Soluço disse rapidamente, quase incapaz de ouvir sua própria voz. Falar doía. “Só estou com um pouco de... Sede...”

   “Tem uma fonte não muito longe da montanha.” Lambe-Olho disse rapidamente, pulando para ficar de pé. “Posso te levar até lá!

   Banguela rosnou para o pequeno dragão e por um momento Soluço se perguntou se ele estava com ciúme ou... O garoto rapidamente empurrou aqueles pensamentos para longe, sem vontade de se lembrar de tudo aquilo.

   O dragão negro se levantou, virando o rosto para o viking e soltando um arrulho suave.

   Soluço se levantou, aceitando o apoio do dragão – e ficou feliz ao não sentir vontade de se afastar de seu toque.

   “Bem... Vocês dois podem me levar até lá...” Ele disse simplesmente e Banguela soltou um trinar animado.

   Lambe-Olho o acompanhou, abrindo as asas e voando até o garoto. Soluço instintivamente se abaixou, mas isso não deteve o pequeno dragão, que voou até poder pousar em sua cabeça, as garras se segurando nos fios de cabelo ruivo.

   “Pronto para conhecer a ilha?” Lambe-Olho trinou, encarando o humano nos olhos, de cabeça para baixo.

   E Soluço não sabia definir se o frio em sua barriga era de medo ou animação.


Notas Finais


Comentários me fazem muito feliz e me ajudam saber se vocês estão apreciando a história ou não!
Comentários com apenas "continua" não me ajudam a continuar a história, e na verdade me tiram um pouco a vontade de escrever, porque eu sinto que o capítulo nunca está bom o suficiente. Sintam-se a vontade para escrever o que quiserem, dividir ideias e teorias, e até mesmo apontar erros de português (pq tem vários uma vez que eu não reviso hehe)!


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