Quando acordou, no outro dia, Bulma não estava. Seu cansaço tinha sido tanto que nem tinha visto a mulher sair da cama. Geralmente, ou já tinha acordado ou acordava com ela. Viu que ainda não era tarde, não chegava nem a 8 horas. Olhou pro lado e viu que o dispositivo de músicas dela estava ali, com uma mensagem:
“ME OUÇA!”
Riu da bobagem. Mas adorava cada uma dessas maluquices dela. Pegou pra ouvir e continuou ali, deitado, enquanto a música começou a rolar:
So close no matter how far
Tão perto, não importa quão longe
Couldn't be much more from the heart
Não poderia ser muito mais vindo do coração
Forever trusting who we are
Sempre confiando em quem nós somos
And nothing else matters
E nada mais importa
Never opened myself this way
Nunca me abri desse jeito
Life is ours, we live it our way
As vidas são nossas, nós vivemos do nosso jeito
All these words I don't just say
Todas essas palavras eu não apenas digo
And nothing else matters
E nada mais importa
Trust I seek and I find in you
Confiança eu procuro e acho em você
Every day for us something new
Todos os dias para nós algo novo
Open mind for a different view
Mente aberta para uma nova visão
And nothing else matters
E nada mais importa
Never cared for what they do
Nunca me importei pelo o que eles fazem
Never cared for what they know
Nunca me importei pelo o que eles sabem
But I know
Mas eu sei*
A mensagem que a música passava era exatamente o impulso que ele precisava pra ir. Levantou-se e colocou o uniforme. Precisava acabar com tudo isso: o incomodo de ficar com o filho um ano, a necessidade de se tornar mais forte. Precisava acabar com Cell. Colocou a música mais uma vez e mais uma vez e mais uma vez.
Quando chegou na cozinha, encontrou Bulma com os dois Trunks. A música acabava naquele exato instante em que viu o sorriso luminoso da mulher olhando pra ele. Tirou os fones, enrolou no tocador e entregou pra ela. Os olhos, brilhantes, confirmavam que a escolha da música tinha sido correta. Como sempre.
Chegou perto dela e inspirou, mais uma vez, o cheiro dos seus cabelos. Passou a mão pela cabeça do bebê no colo da mãe e se sentou pra comer. Na sua cadeira. Ladeado por Bulma e de frente com Trunks.
O jovem sayajin assistiu a cena em silencio. Percebeu quando o pai entrou ouvindo música e, só isso, já foi uma surpresa. Não o imaginava sendo alguém que ouvia músicas. Viu o olhar de cumplicidade dos dois e, mesmo sem nenhuma demonstração grandiosa de afeto, percebeu os olhos brilhantes da mãe olhando pra ele. Lembrou dos olhos tristes da mãe que ficou. Viu quando ele se aproximou dela e achou que se beijariam. Mas não. Ele simplesmente se encostou em sua cabeça e ficou respirando o cheiro dela. Viu quando ele passou a mão pela cabeça do bebê. Soube, em seu íntimo, que tinha feito o mesmo em algum momento com ele. Sentiu o coração queimar em um carinho confortável naquela atmosfera familiar tão diferente.
Ficaram todo o tempo em silêncio, tirando os pequenos sons que o bebê Trunks fazia quando Bulma tentava lhe dar uma fruta amassada pra comer. Essa quietude foi quebrada quando o som grave da voz de Vegeta ecoou, reverberando pela cozinha:
- Vamos, Trunks, se apresse. Estou esperando lá fora. – e saiu.
Bulma olhou para o filho. Não sabia o que se passava em sua mente mas sabia que era obrigação dela dizer alguma coisa.
- Conversei com seu pai ontem, Trunks. Vou dizer a você exatamente o que disse à ele: determine seus limites. Não crie expectativas pra não se frustrar depois. Vocês ficarão um ano inteiro lá dentro e eu confio mais em você do que nele pra fazer dar certo. Só Kami sabe o quanto esse sayajin é cabeça dura... – suspirou, rindo. – Estou falando sério, Trunks. Vegeta não irá falar com você sobre o que está sentindo e nem sobre os seus sentimentos. Aproveite esse tempo pra se aproximar dele, sem cobrar nenhum carinho ou emoção. Ele não saberá como fazer isso e reagirá da forma mais dura possível. Digo por experiência própria. Use esse espaço pra aprender com ele. Ele é um guerreiro magnífico, muito forte, muito inteligente. Você verá seu pai com outros olhos se conseguir seguir esse plano que estou te indicando. – e terminou, com olhos amorosos pro filho. – Vou lá falar com ele. Termine seu café mas não se atrase. – e deu uma piscadinha antes de sair.
Trunks ficou ali mais um minuto digerindo as palavras da mãe. Era, realmente, um bom plano. Digno de toda a inteligência que ela tanto fazia questão de se orgulhar. Se fizesse isso, talvez extraísse do pai, em essência, o que tem de melhor. Sorriu em expectativa. Talvez pudesse dar certo.
Vegeta viu Bulma se aproximando. Virou pra ela e disse:
- Você demorou pra vir! Daqui a pouco o moleque sai e eu nem vou poder me despedir direito... – e foi chegando os lábios sedentos perto dos de Bulma que ria das loucuras que ele fazia.
- Vegeta, pára com isso! Ele é nosso filho, sabe muito bem que a gente se beija! – disse, rindo.
- Mas não precisa ver! – respondeu, ríspido, com os braços cruzados no peito.
Ela se amansou:
- Tá certo, sayajin. Te espero amanhã então, tá? – e deu uma piscadinha malandra pra ele.
- Humpft! Amanhã... até parece. – foi se amansando também. – Era bom se fosse... só daqui um ano que eu vou te ver de novo. – e se abraçou à ela e ao bebê. Olhando pro filho disse: - Você lembra da nossa conversa né? É sua responsabilidade proteger a princesa dos sayajins! – e espalmou a mão recebendo o soquinho do filho.
- É claro que ele sabe! – Bulma interrompeu, sorrindo. – E você, não se esqueça da nossa conversa. O Trunks que está indo não conhece esse pai que deixa o filho golpeá-lo. Limites, Vegeta, limites.
A expressão dele ficou séria. Tinha mais isso pra pensar. Concordou com a cabeça sem falar nada. O plano era bom, mas eram necessários dois pra executá-lo. Dois que estivessem pensando igual. Como se lesse seus pensamentos, Bulma continuou:
- Eu já conversei com ele também. Não haverá cobranças de nenhum lado. Mas prometi que você não seria nenhum idiota com ele. Por favor, V, não quebre minha promessa! – pediu, ríspida.
Se afastando dela, ele a olhou irritado.
- E desde quando eu é que sou o idiota, mulher?! – estava, realmente indignado.
Bulma riu. Apenas riu.
- Volta logo, amor. Um dia ou um ano, qualquer segundo é ruim longe de você! – e deu um beijinho em sua boca, que aos poucos relaxou.
Ouviram um pigarreado.
Se afastando de Bulma e voltando à sua pose de mau, virou-se pra Trunks:
- Finalmente! Desse jeito só chegaremos lá amanhã! – como se tivesse tão apressado assim...
O rosto do jovem se entristeceu. Bulma foi até ele:
- Não liga! É um ogro! – disse, sorrindo. – Vai lá e fica muito forte. Escute o que seu pai tem pra te dizer e aprenda nesse um ano, o que é necessário pra ser o sayajin mais forte do mundo! – e deu um beijinho em sua bochecha.
- Está certo! Nos vemos em... dois dias? – riu. Viu quando a mãe concordou com olhos sorridentes. Virando para Vegeta, ela disse como uma última recomendação:
- Vegeta, estou confiando em você, hein?! – tinha seriedade em sua expressão.
Ele respondeu com o Humpft de sempre e alçou voo, sendo seguido por Trunks.
Bulma ficou com o coração na mão. Tinha dito aos dois o que fazer mas tinha certeza absoluta que não fariam nada daquilo. Sabia, no fundo, que iam sair de lá pior do que entraram.
Respirou fundo. Tinha feito sua parte. Olhou para o bebê Trunks em seu colo e disse, se empolgando:
- Mas nem morta que a mamãe vai ficar sem fazer nada enquanto eles não voltam! Vamos, amorzinho, vamos descobrir o que fazer nesse 1 dia que nós temos. Acho que eu já até sei o que é! Você me ajuda? – e riu, olhando a empolgação do filho em seu colo.
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Chegando na Plataforma Celeste, Vegeta viu que os outros já estavam lá. Resmungou alguma coisa a respeito de ter demorado por causa de Trunks, mas o jovem nem se abalou.
Sem perder mais nenhum minuto, entram pra sala de treinamento.
É um lugar enorme, com diversas peculiaridades que o transformam em um lugar, ao mesmo tempo, perfeito e perigoso. Lá dentro a gravidade é 10 vezes maior que da Terra e, a cada passo, maior é a chance de se perderem no infinito que ela promove.
Existe uma área de descanso, com uma cozinha implantada com mantimentos para o ano todo e um banheiro para o fim dos treinos.
Logo ao entrarem, Trunks percebeu as dificuldades que teria ao ficar um ano todo ali, trancado com Vegeta. Sem se preocupar com nada, viu que o pai se afastou a ponto de perde-lo de vista. Lembrava do que a mãe havia dito, que confiava nele pra manterem as coisas em um nível tolerável. Aceitou o espaço do pai e esperou, confiante, que as coisas mudariam.
O tempo foi passando. Mesmo que sentissem o peso dos meses se acentuando, a velocidade com que os dias se passavam só podia ser fruto da mudança dimensional em que estavam. O cansaço era latente, mas o pouco que comiam ou dormiam recuperava as forças necessárias pra continuarem treinando.
Aos poucos, Vegeta foi se reaproximando da área onde Trunks estava. Percebeu as mudanças físicas que o filho tinha e, mesmo sem querer, sentiu-se orgulhoso por ele. Como um gato arredio, chegava, aos poucos, dava um ou dois pitacos no treinamento do jovem e saía, quando havia alguma resposta mais íntima do rapaz. Em sua cabeça, Vegeta achava que estava fazendo exatamente o que Bulma falou: determinando limites. Quando percebia que estava adaptado à um limite, avançava mais um pouco até se sentir confortável de novo. Achou que estava dando certo.
Já Trunks estava cada dia mais irado com as atitudes do pai. Ficava longe, afastado, aparecia apenas pra criticar o que estava fazendo e, quando pedia alguma ajuda, percebia que ele ia embora sorrateiro do mesmo modo que chegou. Em certo ponto não ligou mais. Intensificou seu treinamento sozinho e ficou ainda mais forte do que estava. Em sua cabeça, achou que estava fazendo o que a mãe propôs: estava determinando seus limites e impedindo qualquer frustração caso o pai não reagisse à ele como esperava.
Ambos, cabeças-duras, achavam que faziam seu melhor. Faltou, nesse ponto, uma sensibilidade mais aguçada. Trunks se parecia com mais Vegeta do que podia imaginar. Mesmo não tendo tido contato com o pai, era inegável o orgulho transcendental que tinha. Idêntico ao do príncipe dos sayajins.
No último dia, quando estavam prestes a sair da sala, Vegeta chegou ao seu lado. Olhou profundamente nos olhos azuis de Trunks e, sem se preocupar com o que viria depois, soltou:
- Ótimo trabalho.
Era seco. Era menos do que ele queria. Era menos do que tinha imaginado a vida toda do pai falando pra ele. Mas era o que iria ter. E saboreou esse momento como se tivesse recebido o maior elogio do mundo.
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Conforme iam saindo da sala, se adaptando à claridade do lugar, Vegeta ouviu o som grave de instrumentos que reconhecia em uma das muitas músicas que tinha ouvido.
I'm gonna fight them off
Vou lutar contra eles
A seven nation army couldn't hold me back
Um exército de sete nações não poderia me impedir
Já começou a rir sozinho. Olhou pros lados, a procura de onde vinha esse som.
They're gonna rip it off
Eles o farão na marra
Taking their time right behind my back
Ocupando seu tempo nas minhas costas
Viu. Achou a maldita. Ela estava ali.
And I'm talking to myself at night
E eu estou falando comigo de noite
Because I can't forget
Porque eu não posso esquecer
Linda. Uma visão. Parada, encostada na nave. Olhando pra ele.
Back and forth through my mind
Vai e volta pela minha cabeça
Behind a cigarette
Atrás de um cigarro
Com uma roupa toda preta, óculos de sol. Braços cruzados. Um sorriso malicioso formado no canto da boca.
And the message coming from my eyes
E a mensagem vindo de meus olhos
Says leave it alone
Diz deixe quieto
E conforme a música aumentava a intensidade, maior era a vontade de agarrá-la ali mesmo, na frente dos outros.
Don't want to hear about it
Não quero ouvir a respeito disso
Every single ones got a story to tell
Cada um tem uma história para contar
Parou por um segundo pra admirar aquele mulherão ali, vestida pra matar.
Everyone knows about it
Todos sabem a respeito
From the Queen of England to the hounds of hell
Da Rainha da Inglaterra até os cães do inferno
Uma calça justa, uma blusa decotada, um sapato de salto com bico fino.
And if I catch it coming back my way
E se eu pegá-lo vindo em minha direção
I'm gonna serve it to you
Irei servir a você
O cabelo, despenteado pelo vento, combinando com o tom selvagem da produção.
And that ain't what you want to hear
E não é isso que você quer ouvir
But thats what I'll do
Mas é o que farei
O sorriso, malicioso, como quem diz: Vim te buscar!
And the feeling coming from my bones
E o sentimento vindo de meus ossos
Says find a home
Diz encontre um lar
E toda vez que sentia a música se intensificando, mais sentia o tesão latejando em seu corpo.
I'm going to Wichita
Eu vou para Wichita
Far from this opera for evermore
Para longe dessa ópera para sempre
Respirou fundo. Precisava se controlar.
I'm gonna work the straw
Vou carpir palha
Make the sweat drip out of every pore
Fazendo o suor pingar de cada poro
Viu o impacto que ela causava, daquele jeito, nos outros.
And I'm bleeding, and I'm bleeding, and I'm bleeding
E estou sangrando, estou sangrando, estou sangrando
Right before the lord
Bem na frente do Senhor
Não teve ciúme. Teve orgulho. Era dele. Toda dele.
All the words are gonna bleed from me
Todas as palavras irão sangrar de mim
And I will think no more
E não irei pensar mais
Foi até ela. Chegou muito perto. Perto a ponto dela sentir seu calor.
And the stains coming from my blood
E as manchas de meu sangue
Tell me go back home
Me dizem para voltar para casa*
E, enquanto ouvia os acordes finais, disparou em seu ouvido:
- Quero te comer agora!
Ela abaixou a cabeça. O pescoço arrepiado com a fala que tinha ouvido. Quando se levantou, tinha uma expressão fatal. O sorriso lindo, falando no ouvido dele, com um sussurro.
- Estou aqui a negócios, amor. – e soprou, levemente.
O sayajin não tinha forças pra reagir. As poucas forças que tinha estava se usando pra não agarrar ela ali mesmo.
Baixou a cabeça, fechou os punhos, cerrou os dentes. Viu, por cima do ombro, todos se aproximando deles. Quis matar a todos. Ficar só ela e ele ali e transar com ela sob o céu limpo da Plataforma.
- Uau, Bulma! Você está linda! – disse Gohan, com admiração.
Ela riu. Levantou os óculos escuros, deu uma olhadinha de canto pra Vegeta e disse:
- Obrigada Gohan! Agora, vim aqui pra isso. – E tirou da nave vários uniformes de sayajin dobrados, entregando a cada um deles, menos à Vegeta. – São uniformes novos. Eu modifiquei a fibra do tecido de modo que agora eles estão mais resistentes e absorvem parte do impacto, caso levem algum golpe. São mais leves e flexíveis. Acho que vai ajudar muito. – Virou-se pra Vegeta, falando baixo de modo que só os dois ouvissem: - O seu está em casa. Mas eu acho que vai demorar um pouco pra usar. – e mordeu o lábio de baixo, enquanto via que o sayajin jogava a cabeça pra trás de desespero.
Voltou-se aos outros. Nem Piccolo nem Tenshin Han estavam com os seus. Goku e Gohan já estavam vestindo.
- O que foi? Não querem? – perguntou aos dois que tinham recusado.
- Não. Ficarei com o uniforme de Namekusei. – fazia sentido. Piccolo tinha o mesmo nível de orgulho dos sayajins.
- E você, Tenshin? Não quer também? – olhou pro guerreiro.
- Não irei me vestir como Vegeta. – respondeu, ríspido.
Bulma deu de ombros. Não ligou pra desfeita. Vegeta olhou de canto pra ele. Não gostou de ele ter desprezado o que Bulma tinha feito. Mas não fez nada.
- Bulma, são realmente ótimos! – disse Goku.
Ela sabia. Ela tinha feito, então sabia que eram os melhores. Rindo da felicidade deles, olhou pro filho que saía da Sala do Tempo.
- Tudo bem, querido?
Ele confirmou com a cabeça.
Goku e Gohan já estavam indo pra sala. Virando-se pra Vegeta, Bulma disse:
- Me espera em casa. Já to indo. – e baixou os óculos, em um movimento que, pra ele, foi um dos mais sensuais que já tinha feito. Viu, satisfeita o sayajin sair voando em uma velocidade astronômica em direção à casa deles.
Se despediu dos que ficaram. Falou pra Trunks ir pra casa quando quisesse e subiu na nave, que colocou a toda velocidade.
Tinha um ano de desejo voando na frente dela.
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