Sabia que este dia tinha que chegar. Soube-o desde que fui consciente que herdaria a coroa do reino em que nasci. Durante vários anos, eu e os meus pais acreditámos que o único problema dentro de alguns anos seria escolher uma boa candidata para ficar ao meu lado. Afinal de contas, eu não era propriamente um exemplo de realeza educada e cheia de manias. Era mais do tipo irreverente que parecia possuir uma habilidade para encontrar e/ou causar problemas com a minha personalidade conflituosa.
Num reino em que além das classes que dividiam a população entre Alfas, Betas e Ómegas, havia uma parte considerável que possuía magia, ter alguém de mão firme mas compreensivo e capaz de liderar, era essencial. Portanto, via nos olhos da minha mãe alguma preocupação, ainda que o meu pai tenha acreditado durante muito tempo que assim que o meu lado Alfa despertasse, isso ajudaria a tranquilizar-me e com isso, seria mais fácil transformar-me num bom governante.
Tendo isso em mente, foi com choque que se revelou que apesar de tudo indicar que eu seria um Alfa, um dia umas dores insuportáveis fizeram-me ficar prostrado ao que se seguiu um estado febril e até um desmaio. Despertei com o olhar compreensivo da minha mãe a dizer que tudo ficaria bem e o ar transtornado do meu pai. Não era suposto o único herdeiro ao trono ser um Ómega. Isso significava entregar a minha mão a alguém que governasse por mim. O que apenas me revoltou mais na altura porque subitamente, não ser um Alfa automaticamente tornava-me aos olhos dos outros, um inútil. Isso gerou várias discussões com o meu pai que dizia não estar a rebaixar-me ou a duvidar das minhas capacidades, mas começou em poucas semanas a contactar famílias conhecidas e influentes para que eu conseguisse um bom casamento.
Durante quase três anos consegui escapar-me de todos os pretendentes, mas com o meu aniversário de dezoito anos à porta, sabia que a possibilidade de continuar a recusar cada um dos idiotas que aparecia começava a diminuir drasticamente. Mas o que é que o meu pai esperava? Ele apresentou-me velhos com idade para ser meu avô! Até mesmo a minha mãe concordou que tudo aquilo era indecente.
– Hoje tens que escolher, Eren. – Ouvi o meu pai repetir pela centésima vez.
– Entre quem? Os velhos com idade para seu meu avô ou os Alfas que querem que passe a minha vida a ter filhos e à frente do fogão? – Perguntei, sentando-me de forma pouco cuidadosa no trono.
– Senta-te como alguém decente e digno do nosso nome, Eren. – Pediu o meu pai num tom cansado.
– Escuta o teu pai, Eren. – Interveio a minha mãe e somente por ela alterei a minha posição, vendo os olhares de desagrado de várias pessoas no salão que claramente não estavam contentes com a possibilidade de ter alguém como eu no poder. – Querido, hoje decidi ajudar e dar alguns palpites da minha parte.
– Mãe, por favor…
– Eren achas que ia escolher algum desses velhos? – Perguntou a minha mãe discretamente. – Penso que encontrei uns bons pretendentes e um deles até um pouco arrojado, mas se não for da tua vontade, não tens que te sentir pressionado. Sabes que eu penso que és mais do que capaz para governar. Não tens que depender de Alfa nenhum.
– Pensas mesmo isso, mãe? – Perguntei de certa forma emocionado com o voto de confiança dela.
– Claro, meu querido. O que pretendo é que não o faças sozinho. Estar numa posição de poder pode ser incrivelmente solitário e eu só queria que tivesses um bom companheiro para se apoiarem mutuamente.
– Mãe, eu gostava de acreditar mais nessas coisas mas acho que já devia ficar satisfeito se conseguir sair daqui sem me obrigarem a casar com um velho.
– Não vais casar com nenhum desses pervertidos, Eren. A não ser que eles queiram sair daqui cadáveres…
– Às vezes, não sei quem me assusta mais… a impulsividade do Eren ou a facilidade como falas em matar alguém, Carla. – Comentou o meu pai no mesmo tom cansado.
Suspirei quando vi que o meu pai dava indicação de que iria começar o espetáculo dos horrores, ou seja, o desfile dos Alfas com os sorrisos mais falsos da história a tentar comprar-me com presentes. Em ocasiões anteriores, ainda estendi a mão para deixar que a beijassem, mas sinceramente já nem isso queria fazer porque não pretendia passar horas a tentar desinfetar as mãos daquelas feromonas e em alguns casos, baba horrorosa. Como é que o meu pai esperava que eu me interessasse por alguém que nem beijar uma mão sabia? Quem em vez de beijar, baba uma mão deveria ser automaticamente desclassificado e declarado como um retardado.
– Eren as tuas feromonas estão muito desagradáveis. – Murmurou o meu pai ao ver a minha expressão de “felicidade” diante de mais um presente e palavras de galanteio. – Pelo menos, podias parecer educado.
– Nunca fui muito bom em fingimento.
– Pensei que fosses gostar de algum dos que escolhi. – Murmurou a minha mãe. – Aquele rapaz parecia bem interessado.
– Mãe, a cara dele faz-me lembrar um pónei.
– Há meninas que sonham em montar póneis. – Argumentou a minha mãe e desta vez, não foi apenas a minha expressão de incredulidade e nojo que se fez notar. Nem mesmo o meu pai ficou indiferente àquele comentário e assim como eu, estava a tentar apagar aquela imagem da mente.
Apoiei o meu queixo na mão completamente entediado ao ver que mais um pretendente se aproximava e trazia pedras preciosas. Será que estes idiotas entendiam que não me iam comprar com aquilo de que estava rodeado todos os dias? E muito menos quando me prometiam uma vida digna de “rainha”. Ugh… quero esmurrar todos estes retardados. Revirei os olhos e repentinamente, senti um arrepio. Algo que me fez endireitar a posição, pois a magia que sentia era diferente dos presentes que a mantinham bem resguardada ou era tão insignificante que não chamava a minha atenção.
– Ah, ele chegou! Menos mal que consegui convencê-lo a aparecer. – Dizia a minha mãe sorridente.
– Aquele é o…? Tu chamaste-o das nossas linhas da frente, Carla? Eu não sei se é um bom…
– Silêncio, Grisha. Tu próprio já o elogiaste várias vezes e esta gentinha que olha de lado para ele apenas porque ele tem uma magia de origem diferente, claramente está a esquecer que temos paz e proteção à custa do trabalho admirável que faz em combate. – Disse a minha mãe cada vez mais sorridente, sobretudo ao ver a minha reação de surpresa.
Já tinha ouvido falar daquele Alfa em algumas ocasiões. Quis vê-lo de perto por admirar as façanhas de combate, mas os guardas e outros funcionários do castelo sempre diziam não ser uma boa ideia. Foi deles que ouvi pela primeira vez que havia casos raros e perigosos em que a magia de alguém podia não proceder dos cinco elementos, mas sim das trevas. Usualmente, essas pessoas eram mortas ou até mesmo isoladas, mas ele provou a sua lealdade e valor perante a coroa e por isso, atualmente comandava a tropa especial do reino.
Ele adentrou o espaço com passos firmes e cabeça erguida. Ignorava os olhares de quem não o considerava digno de fazer parte daquela cerimónia. Caminhava de olhos firmes no que havia à sua frente e isso fez com que me sentisse um pouco intimidado pela forma como olhava para mim.
No entanto, algo dentro de mim relembrou que aquela era uma oportunidade de ouro. Podia não vê-lo de perto novamente e por isso, levantei-me e ignorei por completo os protestos do meu pai.
Ignorei ainda mais o olhar de choque e de desaprovação dele e de vários presentes quando juntando as mãos fiz aparecer uma espada rodeada de chamas na minha mão.
– Posso saber se és tão bom como dizem?
Ele parou de andar e de mais perto era impossível não sentir a energia que libertava juntamente com as feromonas. Para mim era um misto de intimidação com fascínio por querer ver aquele Alfa em combate. Alguém que era mais baixo do que aparentava inicialmente, mas ainda assim podia ver pela postura que seria um erro subestima-lo.
– Prefiro que não se guie por rumores, majestade. – Respondeu e à sua volta sugiram várias espadas, punhais e até lanças diferentes, rodeadas por uma névoa de cor negra que fazia pessoas recuarem e os soldados colocarem-se em posição de combate.
– Não interfiram! – Ordenei.
Vi o Alfa à minha frente pegar numa das espadas e as restantes armas de combate sumiram tão depressa como tinham surgido.
– Pode começar, majestade. – Murmurou.
– Espero que te defendas a sério porque caso contrário, vais-te arrepender! – Avisei antes de avançar na direção dele que se esquivou somente no último instante. Ia irritar-me por ver que pensava tratar-me com cuidado por ser da realeza ou pior por ser Ómega, mas em seguida vi a lâmina da espada dele vir na minha direção e mal tive de me defender. O choque da lâmina e da magia contida nela espalhou-se pelo espaço à nossa volta e vi um pequeno sorriso no rosto dele.
– Nada mal… – Murmurou. – Já degolei adversários desta forma. Tem uns bons reflexos, majestade.
– Ias degolar-me se não me defendesse?
– Quem sabe. – Respondeu antes de se abaixar repentinamente e golpear-me no estômago, fazendo-me recuar.
Será que devo preocupar-me com o facto de me ter tentado degolar há pouco? Tive que erguer novamente a mão para ordenar aos soldados que não interferissem, ainda que fosse óbvia a indignação geral por terem visto como aquele Alfa pouco se importava com as regras e cortesias habituais. Outro Alfa na situação dele não se atreveria a golpear-me ou a ameaçar a minha vida.
Sorri de lado. Ótimo… eu sempre gostei de um bom desafio e pela primeira vez iria enfrentar alguém que não estava com medo dos meus pais ou do que ter sangue real nas veias significava.
Empunhei a espada de novo, intensificando mais as chamas na lâmina e vi que se colocava numa pose de combate bem estranha e que não tinha visto antes. A espada colocada atrás do corpo com a mão em que o punho também não estava virado para a frente, mas sim para trás. À sua frente havia apenas a mão vazia aberta e um pouco abaixo do rosto.
Avancei na direção dele e em choque vi quando parou a espada com a mão desprotegida. No entanto, logo vi a espada vir na minha direção e tive que desviar-me por centímetros. Aproveitei que estava a perder o equilíbrio para tentar também bater nas pernas dele. Algo que o próprio não esperava, pois vi alguma surpresa nos olhos cinzentos.
Contudo, tudo aconteceu tão rápido que quando a realidade tornou a fazer sentido, estava com o Alfa ajoelhado sobre mim com a espada dele encostada perto do pescoço e a minha espada estava caída a alguns metros.
– Espero que a demonstração tenha sido do seu agrado, majestade. – Falou antes de a espada desvanecer no ar e estender a mão na minha direção para me ajudar a levantar. A minha primeira ideia foi bater na mão e até recusar ajuda, pois não era qualquer inválido. Porém, sem pensar e quem sabe por instinto, agarrei a mão dele para aceitar a ajuda e assim que o fiz, senti uma forte pulsação dentro de mim.
Vi nos olhos dele que não teria sido o único com aquela forte sensação. A minha magia e a dele tocaram-se. Não era algo incomum, mas para pulsar daquela forma era porque…
Fiquei surpreso ao ver que a espada surgia novamente nas mãos dele, mas desta vez para estendê-la na minha direção. Como se estivesse a dar-me permissão para pegar naquela arma de combate e confuso, apenas o encarei. Porém, tudo se tornou mais claro quando a voz dele soou de forma a ser ouvido pelos presentes.
– Não vos ofereço ouro ou bens materiais, pois não lhe daria nada que não possua neste momento. Em vez disso, ofereço a minha espada, a minha proteção e apoio neste novo ciclo que se vai iniciar. Apoiarei as suas decisões como futuro governante, majestade e também discordarei sempre que julgar necessário. Não desejo qualquer coroa, mas será uma honra ser a força que a defende e espero possuir a sabedoria suficiente para fazê-la prosperar ainda mais. Eren Jaeg…
Não deixei que terminasse de falar, pois agarrei na espada, colocando a minha mão sobre a dele.
– E vais ensinar-me a lutar dessa forma também? Vais ajudar-me a ter a força necessária para também defender o meu povo?
– Com certeza, majestade. – Respondeu com um sorriso discreto.
– Eren. – Corrigi, sentindo o rubor no rosto ao notar as nossas feromonas que demonstravam mais do que aprovação um pelo outro. – Não precisa de tratar-me por majestade, Capitão Ackerman.
– Nesse caso, Eren… podes tratar-me por Levi.
A minha mãe ficou nas nuvens com a minha decisão e já o meu pai parecia indeciso entre ficar feliz por finalmente ver que tinha escolhido um Alfa ou se colapsava pela forma tão pouco civilizada em que o tinha feito.
O certo é que os preparativos para a minha união com o Capit… aliás, o Levi começaram pouco depois, dado que o meu aniversário estava tão próximo. Se eu pensava que isso me daria mais tempo livre para conhecer melhor aquele Alfa misterioso, estava bem enganado. Praticamente não o vi até ao dia da cerimónia. Pensei que tê-lo ao meu lado fosse ajudar-me a relaxar e ficar menos tenso com toda a situação, mas ele mal falava comigo e em algumas ocasiões, vi que parecia desagradado por estar ao meu lado.
Ótimo… estava a ser rejeitado no dia do meu casamento. Penso que somente encostou os lábios dele nos meus na hora do sim porque fazia parte do protocolo, caso contrário não o teria feito.
É claro que não acreditava nas coisas lamechas que a minha mãe dizia sobre que podia ter encontrado o amor sem ser consciente disso. Afinal de contas, a minha magia e a dele pareciam ser bastante compatíveis, daí que pulsassem daquela forma quando estávamos próximos. A verdade é que o escolhi porque vi que não me iria tratar como um Ómega inútil e frágil. Ele fazia questão que eu fosse a pessoa no trono, uma vez que ele que preferia continuar em combate e passar o menor tempo possível em mesas de negociação.
Escolhi-o porque pensava que entre todas as outras opções, eu seria menos miserável dessa forma. Não entrava na minha cabeça ser feliz com alguém que só iria conhecer depois do casamento.
– Tch… não sei o que te colocaram antes da cerimónia, mas quero que tomes banho e retires esses perfumes ou que merda seja. É nauseante.
Foram essas as minhas palavras que me dirigiu assim que entrámos no quarto… no nosso quarto.
– Se me achas assim tão insuportável, para que foi aquele discurso na frente de todos? – Perguntei prestes a explodir de raiva. – Foi tudo só para dar espetáculo?!
– Eren, estou a falar dos perfumes e não de ti. – Explicou aparentemente surpreendido com as minhas feromonas e postura ofendida e com raiva. – Não sei para que colocam todas essas coisas nos Ómegas e muito menos em ti. Estou a pedir que tomes banho porque prefiro as tuas feromonas a todas essas coisas que colocaram. Só te quero a ti… natural, nada mais.
Pasmo e em pouco tempo com o rosto bastante quente, atirei uma almofada contra ele antes de dizer entre os dentes que me podia dar um aviso antes de falar aquelas coisas. Ou que podia explicar-se melhor para não criar mal-entendidos. Não deixei que respondesse às minhas palavras e nem me atrevi a olhar diretamente para ele até que peguei em outras roupas e fechei-me na casa de banho.
– Eren?
– Vou tomar banho, deixa-me em paz! – Falei bem alto e sentindo o rosto ainda bastante quente e as mãos trémulas.
– Desculpa… não tenho muito jeito com as palavras.
– Já percebi que não. Será que agora posso tomar banho em paz? – Perguntei com uma mão no peito, implorando para que os batimentos se acalmassem e felizmente, ouvi os passos dele distanciarem-se e pude permitir-me respirar de alívio.
Por que é que eu estava tão envergonhado com as coisas que ele disse? Credo, eu não sou assim! Nem conseguia olhar para a cara dele e a ideia de que me preferia tal como sou e não… cobri o rosto com as mãos cada vez mais embaraçado. Agora estava explicado o desagrado dele presente durante todo o dia. Mas será que não podia ter comentado antes em vez de deixar-me a pensar coisas terríveis? E pensar que iria passar o resto da minha vida com alguém cujas habilidades sociais e expressão são tão boas, que me fizeram passar grande parte do meu dia de aniversário e casamento a odiar-me sem qualquer razão.
Olhei para a aliança no dedo e recordei com vergonha como tremi ao colocar a aliança no dedo dele e também as minhas palavras soaram tremidas.
Deus…. Leva-me agora…
Caminhei na direção do espelho, vendo o rubor ainda presente no meu rosto. O que não iria melhorar, pois também havia outra razão para que ele tivesse pedido para que eu tomasse banho. Claro… claro que havia. As conversas tenebrosas com a minha mãe voltaram em força à minha mente.
– Ok, talvez seja melhor fazer com a tia Marcela disse. Fechar os olhos e rezar até que acabe. – Fiz um ar de desagrado. – Talvez não. A minha mãe diz que a tia Marcela só é assim durante o sexo porque baixa nela o espírito do cadáver e ela fica lá sem fazer nada. – Cobri o rosto novamente. – Mas também não quero imaginar as descrições traumatizantes da minha mãe… ugh, Deus leva-me. Leva-me ou pelo menos, leva estas memórias da minha cabeça.
Depois de algumas crises existenciais da casa de banho saí ao fim de um tempo que não deveria ser considerado normal. Portanto, quando encontrei o quarto vazio não devia ter sido surpresa. Suspirei entre um ligeiro alívio e sobretudo frustração por ter estado em pânico para nada. Claro que isso durou apenas uns segundos, pois a porta do quarto abriu-se e vi que entrava o Alfa de toalha nos cabelos que pingavam um pouco e somente com umas calças pretas um pouco largas ao ponto de descaírem ligeiramente na cintura. E não, eu não estava a babar pelo porte físico dele e muito menos a ver como algumas gotas de água desciam por…
– Estavas a demorar tanto que fui tomar um duche noutro quarto. Estás bem? Problemas na casa de banho?
– Eu realmente espero que não estejas a perguntar o que eu estou a pensar. – Foi a minha resposta, sentindo que o nervosismo de antes iria começar a ser substituído pela raiva.
– É uma pergunta como outra qualquer, mas deixando isso de lado, vim só desejar-te boa noite. – Disse, virando as costas e além de algumas cicatrizes provavelmente provenientes de combates, a ideia de que estivesse a sair do quarto para me deixar sozinho, apanhou-me completamente desprevenido.
– Vais sair? Não vais dormir aqui? – Perguntei e vi-o olhar para mim, arqueando uma das sobrancelhas enquanto eu me ruborizava com a pergunta.
– Pensava que seria melhor para ti, se ficássemos em quartos diferentes. – Disse, deixando a toalha sobre os ombros.
– Ah… – Hesitei na resposta. – Isto vai ter que acontecer mais cedo ou mais tarde por isso, prefiro acabar logo com isto e depois dormir descansado.
Vi-o suspirar antes de caminhar na direção da cama e sentar-se ao meu lado. Não queria admitir, mas ver que se aproximava, estava a deixar-me ansioso e com os batimentos acelerados. Talvez a ideia de dormirmos em quartos diferentes não fosse assim tão má. Puta que pariu, como ele cheira bem!
– Eren. – Começou. – Sei que este nosso casamento é no mínimo estranho por mais que as pessoas considerem normal que existam casamentos em que as pessoas casem sem se conhecerem primeiro. Sei também que não fui a melhor companhia e que podia ter explicado a razão antes para que não te sentisses… rejeitado por mim durante este dia.
– Eu não me senti rejeitado! – Tentei argumentar indignado.
– As tuas feromonas e a tua cara são bastante expressivas. – Respondeu e virei o rosto em outra direção, praguejando em silêncio. – Mas é bom. Assim sei quando fiz alguma coisa errada e este dia não é só sobre o nosso casamento, mas também é o teu aniversário. Consegui fazer-te infeliz nestas duas datas importantes e não acho que deva acabar este dia, forçando-te a estar comigo. Sei que esperam que partilhemos a mesma cama e que da nossa união venham os futuros herdeiros à coroa. Só que eu… eu não quero que recordes este dia só com más lembranças em que no fim de tudo pelo que te fiz passar, ainda te forcei a passar a noite comigo. Um estranho.
– Espera. – Toquei no braço dele ao ver que pretendia levantar-se da cama e mais uma vez, o contacto provocou aquele pulsar intenso dentro de mim e podia ver que pela expressão dele também devia ter sentido o mesmo. – Também podia ter dito qualquer coisa antes e não o fiz. A situação em que estamos é estranha. – Admiti depois de distanciar a mão do braço dele. – Senti-me sim… um pouco rejeitado, mas depois de saber a razão fiquei… – Hesitei um pouco. – Fiquei feliz por saber que passei o dia a pensar coisas erradas. Também sei o que esperam deste casamento, mas se calhar podíamos começar por resolver a questão de sermos um casal de desconhecidos.
Ele sorriu de leve na minha direção, observando-me:
– Apenas dezoito anos…
– Não és assim tão mais velho. Aliás, nem diria que és mais velho do que eu. – Ripostei.
– Tenho vinte e cinco, Eren. – Esclareceu. – Estou na frente de combate desde dos meus quinze anos. Quis ajudar a minha mãe a sair da pobreza e isolamento em que vivíamos. Como sabes, crescer com uma magia que descende das trevas não é fácil.
– Não tive a oportunidade de falar muito com ela durante o casamento, mas cheguei a comentar com a minha mãe que mais do que mãe e filho, vocês parecem irmãos. A minha mãe disse qualquer coisa sobre bons genes na família. – Comentei sem pensar e ele sorriu com um ar um pouco mais divertido e diferente do sorriso discreto de antes.
– Suponho que seja um elogio. – Falou e eu corei mais um pouco. – É verdade que a minha mãe sempre teve esse ar jovem e de uma beleza que sempre admirei. Como perdemos o meu pai muito cedo, sempre quis dar-lhe uma vida diferente daquela que tivemos. As pessoas podem ser incrivelmente cruéis ao não aceitar a diferença ou simplesmente, ter enraizado nas suas crenças que aqueles detentores dos elementos das trevas só podem ter maldade dentro deles. – Ergueu uma das mãos, fazendo surgir vários cristais de cor negra com forma diversas sobre ela que flutuavam ou se moviam como num pequeno turbilhão. – Felizmente, também conheci pessoas diferentes como o teu pai que decidiu confiar no meu valor e graças a isso pude dar uma vida diferente à minha mãe.
Os cristais desapareceram antes que lhes pudesse tocar, pois estava fascinado com o controlo que tinha da sua magia. Apesar do meu potencial com o elemento do fogo, a minha especialidade era perder o controlo desse elemento e destruir as coisas ao meu redor. Portanto, iria pedir ao Levi que me ensinasse a fazer pequenas coisas como aquilo, pois eram demonstrações de domínio do elemento e eu queria chegar a esse nível.
No entanto, naquele momento não quis pedir nada. Quis apenas escutar e fazer mais algumas perguntas. Era a primeira vez que conversávamos e sentia que isso nos aproximava. Aliás, partilhei também algumas histórias da minha parte, pois assim como eu, ele também só conhecia rumores sobre mim.
– Demoraram horas a controlar o fogo na cozinha, isto enquanto a minha mãe puxava as minhas orelhas.
– De certo modo, consigo imaginar a cena. – Comentou com o mesmo sorriso divertido de antes que me causava um frio na barriga. – Tens um elemento forte e bastante potencial, só terias vantagens se o controlasses.
– Achas mesmo? – Perguntou bem entusiasmado. – Achas que podias ensinar-me a controlar da forma como fazes com… – Toquei no braço dele e apesar de sentir novamente o pulsar da magia, notei com a pele dele estava fria. – Tens frio?
– Huh? A minha temperatura é sempre um pouco diferente por causa do meu elemento. – Explicou, mas o certo é que ele estava ali a conversar comigo por um tempo incerto e sem qualquer roupa que protegesse o torso a não ser a toalha que devia estar húmida sobre os ombros dele.
Peguei na mão dele e encostei ao meu rosto. Fiz esse gesto com a minha mãe outras vezes quando ela sentia que tinha frio e por isso, não pensei apenas agi. Fechei os olhos, concentrando a minha energia e suspirei, sentindo o ar quente escapar também entre os lábios.
Repentinamente, senti as feromonas do Alfa à minha frente bem próximas e um ar frio contra o meu rosto. Ao abrir os olhos, encontrei o seu rosto à minha frente.
– Estás a fazer com que seja complicado controlar-me com estes gestos e feromonas.
– Controlar o quê? – Murmurei em resposta, mas sem distanciar-me.
– Esta vontade de te beijar… posso, Eren? Sei que disse que não ia…
Não deixei que terminasse a frase e encostei os meus lábios ao dele. A mão dele veio até ao meu rosto, acariciando de leve enquanto mantinha os lábios colados aos meus e pude sentir o intensificar das nossas feromonas e como a minha magia parecia agitar-se.
– Eren?
– Hum?
– Já tinhas beijado alguém antes? – Perguntou, acariciando o meu rosto e causando mais arrepios pelo meu corpo.
– Vais rir de mim?
– Não, só que… quero sentir o teu gosto e para isso, preciso que fiques menos tenso. – Passou o dedo indicar nos meus lábios. – Preciso também que não feches a boca por completo.
– Para que eu também possa provar?
– Queres provar? – Sussurrou com a voz rouca e podia as feromonas dele mudarem ligeiramente. Havia desejo nelas. Havia atração e isso vindo de outros Alfas no passado, tinha-me provocado repulsa. Porém, vindo dele… acelerava os batimentos do meu peito, aumentava a minha curiosidade em também provar e querer tocar mais. Encurtei a distância, esperando que ele me guiasse um pouco e logo vieram os lábios dele. Só que não foi apenas isso e a língua dele entrou na minha boca e não consegui esconder o gemido.
A mão dele deixou o meu rosto e passou para a minha nuca, continuando a mover lentamente a boca dele contra a minha como se estivesse a dizer-me o que fazer. Imitei os seus movimentos e arrepiei-me ao ouvir um gemido da parte dele. As minhas mãos apoiaram-se no peito dele até que repentinamente, deitou-me sobre a cama com a respiração ofegante e colocando-se sobre mim.
– Talvez seja melhor…
– Vais querer ir embora agora? – Perguntei irritado com a possibilidade.
– Eren… por mais compatível que a nossa magia aparenta ser, eu posso…
– Dá-me a tua mão, Levi. – Pedi e vi-o hesitar. – Antes da Marca, esta é uma forma de pôr a nossa magia em contacto e ver o resultado que isso tem. Não sei em que parte da tua cabeça é que faz algum sentido que me possas fazer mal. Sim, eu sei que é isso que estás a pensar, mas não é medo que sinto quando me tocas. – Segurei na mão dele e coloquei-a de modo em que as duas ficassem com os dedos entrelaçados.
O efeito não se fez esperar e desta vez, não fui o único a não conseguir conter um gemido. Era alucinante a quantidade de energia que me enchia por dentro. Era perfeito e sentia como se pudesse viciar-me naquela sensação de o ter tão perfeitamente a ressoar dentro de mim.
As minhas feromonas também não escondiam o agrado com aquele Alfa e mais do que isso, senti-me corar bastante ao aperceber-me que não era somente as feromonas ou a magia que reagia àquele momento. Desviei o olhar e cobri o rosto com um dos braços.
– Eren? – Ele parecia confuso, mas depressa entendeu a razão do meu embaraço. – Parece que somos mesmo compatíveis… imagino que estejas desconfortável com as calças húmidas.
– Por favor não fales disto de forma tão normal!
– Ómegas tem lubrificante natural quando estão excitados e sobretudo, quando são compatíveis com o Alfa com quem estão. Deste isto nas tuas aulas, certo?
– Levi!
Ele revirou os olhos antes de colocar uma das mãos sobre a minha cintura.
– Queres continuar ou parar? Eu gostava de provar mais de ti…
– Não digas essas coisas. – Murmurei, desviando o olhar, mas colocando a minha mão sobre a dele para que não se afastasse.
– Acho que te vou beijar de novo para tirar essa vergonha toda… – Sussurrou e antes que pudesse argumentar, a boca dele veio contra a minha e era como se desligasse qualquer pensamento. Sentia somente o gosto dele e queria-o mais perto de mim.
Quando os lábios dele desceram até ao meu queixo enquanto as mãos passavam para debaixo da minha camisa, senti-me corar bastante mas fiquei em choque quando o vi expor o pescoço.
– Morde.
– Ah… não é suposto fazeres isso primeiro? Os Alfas… eu ouvi dizer que…
– Eren, meu Ómega, não queres dar-me a tua Marca? – Sussurrou e senti os meus caninos mais salientes antes de segurar os cabelos dele entre os meus dedos, trazendo o seu pescoço para a minha a boca e mordi.
Senti-lo estremecer e gemer alto causou em mim uma sensação de euforia e um certo orgulho por deixá-lo naquele estado.
– A tua magia é uma fornalha… intensa e tão deliciosamente quente e diferente da minha. – Disse e podia vê-lo ainda meio atordoado, mas vi os olhos dele escurecerem um pouco quando viu que mostrava o meu pescoço e havia sangue nos meus lábios.
– É a tua vez, Alfa. Quero sentir isso que guardas dentro de ti.
– Não tens medo da escuridão, Ómega?
Sorri de lado.
– Vais aprender que eu não tenho medo de muita coisa, Alfa. Anda, vem… morde!
Ouvi-o rosnar antes de cravar os dentes no meu pescoço. Gemi sem qualquer controlo ao sentir aquela energia entrar em mim de forma tão forte e desnorteante. Talvez outra pessoa tivesse medo daquela sensação de cair de um abismo, mas para mim era extasiante e enchia-me de uma sensação forte de poder. Como se dentro de mim fosse muito claro que não existia outra pessoa que pudesse aceitar aquele Alfa daquela forma e muito menos receber e ficar tão extasiado com aquilo como eu estava.
– Estás bem? – Perguntou, acariciando meu rosto. – Sempre tive algum receio de que a minha Marca pudesse…
– Não podia estar melhor. – Respondi, tocando no rosto dele. – A tua magia nunca me faria mal. Sei o Alfa que escolhi. – Vi-o sorrir antes de beijar-me de novo.
O gosto dele e o meu, o sangue que havia ainda presente pelas Marcas bem vincadas… nada disso quebrava a nossa vontade de manter aquele contacto. Era quase febril a forma como sentia tanto desejo por aquele Alfa que ajudou a tirar as minhas roupas e tenho que admitir que mostrei impaciência para tirar as dele.
Medo ou dúvida não encaixavam naquele momento.
– Queres…ah? – Hesitei. – Os Alfas preferem que os Ómegas fiquem de costas para eles, não é? – Questionei ao ver o que se iria seguir e recordando as conversas embaraçosas da minha mãe sobre coisas que devia saber.
– Não. Eu não sei o que outros Alfas preferem e nem me interessa saber… quero ver o teu rosto. – Tocou na minha face com carinho. – Estás perfeito assim.
Ter aquele Alfa dentro de mim causou ainda mais euforia e êxtase do que podia imaginar. Ele também não estava muito melhor, pois as palavras perderam sentido. Apenas nos ouvíamos gemer, suspirar e arfar juntamente com os movimentos da cama. A Marca fazia a magia dentro de nós pulsar ainda mais e tornar tudo ainda mais uma espécie de névoa, onde só existíamos nós.
– Se o sexo for sempre assim, não vais sair desta cama…
E pela primeira vez, ouvi-o rir descontraído e alto como não imaginava que fosse possível. Mais tarde, iria descobrir que isso não iria acontecer muitas vezes com outras pessoas e que ele parecia revelar-se assim, ainda mais atraente e interessante, quando estávamos os dois… e depois, não apenas os dois.
– A alteração da lei está aprovada e não há qualquer questão adicional a ser discutida. Ouvi a vontade do povo. – Falei calmamente, acariciando os cabelos negros da criança de olhos verdes que distraída, brincava sentada no meu colo.
– Um Ómega que aceitou um ser amaldiçoado não devia…
Sorri de lado ao ver que parava de falar ao sentir a mesma aura que eu já tinha sentido mesmo antes de cruzar os portões do castelo. Esse que entrava agora pelo salão, guardando a espada e fazendo com cada vela presente quase se apagasse a cada passo que dava.
– Pai!
Deixei que saísse do meu colo e o único sorriso que esboçou naquele momento, foi quando recebeu o nosso filho nos braços que o abraçou.
– Posso saber por que razão acabo de chegar no momento em que estão a desrespeitar o vosso Rei e acima de tudo… o meu parceiro? – Perguntou num tom ameaçador que fez os dois idiotas ali presentes encolherem-se.
Saí do trono com um meio sorriso.
– Eles já estão de saída com a certeza absoluta que saberão como dirigir-se a mim e sobretudo, como se dirigir a ti numa próxima vez.
– Com certeza, majestade. – Ouvi as vozes às quais não dei qualquer importância antes abraçar o meu Alfa.
– Pensei que viesses só amanhã.
– É o teu aniversário. – Respondeu, roçando o nariz contra o rosto do nosso filho que sorriu com o gesto do carinho. – Queria passá-lo em família e o meu esquadrão pode perfeitamente ficar sem a minha supervisão.
O esquadrão dele também era constituído por pessoas que tinham magias provenientes das trevas, ainda que não fosse na mesma dimensão do que acontecia com o Levi. No entanto, esses elementos assim como qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias, que nascesse sob a jurisdição do reino que eu agora governava, teria direito a ser tratado como um igual e não marginal.
A primeira vez que tratei desse assunto com o Levi, recordo-me perfeitamente da forma como me abraçou e agradeceu. Era um assunto importante para ele e também para mim acabar com essas discriminações e embora não me considerasse um Rei com muitas qualidades, havia coisas que fazia questão de mudar.
– E o outro pequeno como está? – Perguntou, tocando na minha barriga ainda discreta.
– Melhor agora que o pai está em casa.
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