História Confissões de um Vocal - Cinco

Quando cheguei em Tokyo tive uma postura muito positiva sobre meu futuro: Eu conseguiria um emprego, juntaria grana enquanto procuraria produtoras e encontraria uma oportunidade com a música. E viveria muito bem, obrigado. Mas teve aquela semana, não muito depois que cheguei, que eu olhei ao redor e a ficha começou a cair: Eu não tinha encontrado um emprego, o dinheiro que minha mãe havia depositado para ajudar na minha busca estava nos últimos ienes e as opções de vagas no jornal que tia Aya me deu, estavam se esgotando.

O ânimo também não estava dos melhores. Dizer que estavam nas canelas é ser otimista, eu estava ficando bem desanimado. O que fazia o dia ser mais leve, querendo ou não, era o Jin e a Trevas. Já comentei como era bom ser recebido por um ‘okaeri’ ou um latido? Era quase como um “Parabéns, você conseguiu mais um dia” ou literalmente um “Que bom que está de volta, Humiko-san fez bentô pra gente”. Mesmo no dia em que Jin chegou com um olho roxo, o modo como ele contou tudo o que aconteceu, me fez rir. Eu fiquei preocupado, claro, mas meu primo tem aquela inocência... Ele parecia um protagonista azarado de um mangá shoujo.

Mas olha quem está falando isso: o cara expulso de casa que não consegue encontrar um emprego para se manter e foi morar de favor com o primo que não via desde quando era um bebê.

O que me deixou um pouquinho mais animado foi a resposta de um dos locais onde fiz entrevista. Eles haviam chamado alguns dos candidatos para uma nova seleção. O único problema é que seria num local diferente do que fui: Shinjuku. E, bem, eu ainda não estava habituado. Usei o que tinha disponível: um mapa e o velho esquema de sair perguntando. Porém, antes de chegar, enquanto eu fazia uma consulta ao mapa, levei um esbarrão e senti algo caindo do meu lado. Antes de perceber minhas mãos procuraram o que eu tinha no bolso e então eu vi: meu celular na mão de um cara que corria pra longe. Tudo que eu precisava para ficar mais feliz e nem novo o celular era! Antes que eu perdesse a cabeça e começasse a chorar no meio fio, uma pessoa se aproximou e perguntou se eu estava bem.

-Acabo de ter meu celular roubado, estou perdido nesse bairro tentando achar um local de entrevista e...

-Ei, ei, vai com calma rapaz. Só quero saber se está bem, não sobre sua vida. – O estranho riu.

Eu olhei o cara pra tentar responder, mas não consegui. O cara era estiloso. Tinha um piercing no lábio e o cabelo bem escuro longo e picotado, vestia umas roupas cheias de correntes e o coturno era surrado de uso. O cara parecia um artista visual kei.

-Bem... pelo menos não levou a carteira...  -Eu disse depois que recuperei a fala. -Não que tenha algo além da passagem de volta.

-Ah. -Ele deu de ombros e me estendeu um cartão de visitas -Sou Terushido Yura e você?

-Izumi... Izumi Hayato. Obrigado por se preocupar.

-Isso é chato quando acontece, mas precisa fazer um boletim de ocorrência. Se precisar de testemunha, pode me ligar... depois do meio dia. -Completou. 

E ao falar em horas eu entrei em novo desespero. Estava super atrasado para a entrevista de emprego e não sabia como chegar. Yura-san foi quem me ajudou desenhando no mapa o caminho que eu deveria fazer. Talvez a essa altura você já tenha percebido meu problema de localização, não é? Bem, eu realmente não sou bom em ler mapas.

-Ah e se essa entrevista não der em nada, – ele disse fazendo uma marcação –nessa cafeteria estão contratando. Não precisa ter experiência, de acordo com o cartaz que vi.

Eu agradeci a dica, mas internamente só queria chegar na entrevista para a qual fui chamado e conseguir aquele trabalho. O que não fui bem sucedido, graças ao atraso. E como voltei pelo mesmo caminho que o cara estiloso desenhou, resolvi passar na cafeteria assinalada. Era uma daquelas franquias famosas que você via a cada 100 metros, mas essa era bem espaçosa e tinha um mezanino onde reparei um piano de cauda no fundo. Simplesmente lindo!

Bem, eu tinha um currículo comigo então pensei que poderia deixar lá e me candidatar à vaga de músico. Por que não, não é? Mas talvez você imagine que minha sorte não estava lá grandes coisas e eu vou ter que dizer que está absolutamente certo. Não havia vagas para tocar naquela cafeteria, mas precisavam de pessoal no balcão e, bem, eu precisava de um emprego.

Quando voltei pra casa já poderia dizer que o humor estava nas canelas, talvez até um pouco mais acima, mas definitivamente eu estava um pouco menos desanimado. Logo que cheguei fui recebido por Trevas que peguei no colo apertei nos braços.

E mais à noite, quando o Jin voltou pra casa, enquanto jantávamos contei sobre a cafeteria e o celular. A primeira coisa que ele fez foi perguntar se eu estava bem, a segunda foi perguntar se eu tinha feito algum B.O ou se liguei para a operadora cancelando o serviço. E para as últimas perguntas minha resposta foi “Não”. Eu não pensei em nenhuma das duas coisas, mesmo que aquele rapaz tivesse dito algo assim. Na verdade eu pensei em ligar pra Hana, mas como sem ter o celular? Eu estava tão focado em chegar na entrevista de emprego e tão desanimado depois dela, que esqueci o óbvio. E então teve o momento de deslumbramento com o piano da cafeteria e a conversa que pareceu promissora com o supervisor.

-Deixa que eu te ajudo primo! –Jin falou decidido recolhendo os pratos. –E não se preocupe, se você precisar pode usar meu celular.

-Mas é bom o celular ficar com você. E se Aya-san precisar te encontrar?

-Ah é... mas eu falo com ela. E se quiser eu...

-Nem pense em falar com ela pra me arranjar um novo. –Eu tentei fazer minha cara mais séria. Mas acho que não deu porque ele sorriu e apertou minha bochecha.

-Tudo bem Hayato, mas vou falar que você está sem celular e quando for pra alguma entrevista de emprego, leva ele junto.

-Acho que agora vou ficar bem Jin. Tenho um bom pressentimento sobre a vaga na cafeteria.