Deitada no sofá, enrolada num lençol fresco, esperava pela notícia sobre o acontecimento da noite anterior.
Uma festa universitária, terminar numa briga, onde um dos culpados está internando no hospital, ainda sem sentidos.
Era um rapaz de vinte e seis anos, este quase morto nas mãos de um outro.
As notícias baseavam-se nos testemunhos dos adolescentes, visto que pouco depois de ter abandonado o local, as autoridades e os jornalistas tomaram conta do mesmo.
Perguntava-me porque raio entrevistaram adolescentes perdidos no álcool.
Uns ainda tinha noção do que estavam a dizer, outros já envolviam tiroteios por causa de uma rapariga, coisas que provavelmente não eram reais.
Olhar para aquela televisão, onde imagens da noite anterior passavam, fez-me desliga-la.
Não queria voltar a repetir as imagens, nem pensar sequer.
Minutos antes, conversávamos animadamente, mesmo numa bolha de sarcasmo, depois, segurava uma arma, prestes a tirar a vida de alguém.
Problemas de personalidade? Dupla personalidade?
- Boa tarde. - Barbara murmurou, bocejando de seguida. - Interessante, o que estás a ver.
Encolhi as pernas para que se sentasse também. Afundou a mão no pêlo de Gold, que parecia menos dorido.
- Estavam a comentar sobre o que aconteceu ontem. - Voltei a ligar a televisão.
- E então?
- O rapaz está em coma, com graves hematomas e não há conhecimento do responsável.
- Provavelmente um adolescente bêbedo sem qualquer educação ou sanidade mental. - Comentou meio rude, repugnada com a atitude.
Tanto eu como Barbara não éramos amantes de violência. Nem mesmo assistíamos a filmes de ação por vontade própria. Era algo que não fazia parte da nossa personalidade.
Decidi ficar calada.
Eu concordava com Barbara, o acto foi de facto repugnante.
Desejava não me cruzar com ele novamente, pois não sabia como iria reagir. Relembro estar congelada a olhar para ele, assustada com aquilo que era capaz de fazer.
E não era eu diante daquela arma. Não era por mim que nutria tanto ódio. Só de pensar, sentia um nó na garganta.
A rapariga murmurou que ia comer alguma coisa e voltar a dormir.
Para além de cansada, a ressacar.
Informei que iria levar Gold ao veterinário, pois queria certificar-me que não estava nada de errado, que os ossos estavam intactos, inclusive os músculos também.
Antes de sair de casa, avisei Marie e Elliot, que em breve estaria na clínica.
Vesti-me rapidamente, perdendo o cabelo numa tranca larga e desajeitada, dando-lhe um ar relaxado.
Apliquei alguma maquilhagem, visto que mal tinha dormido, calcei-me e desci as escadas, colocando uma maçã entre os dentes.
Gold conseguia andar bem, algumas vezes descaia um pouco numa da patas traseiras, mas também o acontecimento estava fresco e a dor podia não estar completamente atenuada, visto que não lhe havia medicado mais.
Durante o caminho até à clínica, Gold estava constantemente com a boca aberta a "comer o ar".
Após exames sanguíneos e um raio x ás patas traseiras, Elliot deu-me uma boa notícia. Não havia qualquer fractura, ele estava apenas dorido. Deu-me três comprimidos, explicando que tomava um depois do jantar, amanhã depois do almoço e também depois de jantar.
Medicou-lhe no momento também, visto que consistia em quatro comprimidos. Depois, deu-lhe alta e um biscoito.
Como não pretendia voltar para casa, decidi conduzir até à praia de Venice.
Estávamos numa zona pouco movimentada, onde a presença de animais era permitida. Soltei Gold, que não demorou a rebolar pela areia.
Sentei-me na mesma, encarando-o ainda a esfregar-se na areia. Não deixei de tirar algumas fotos, rindo-me delas.
- Gold! - Gritei, quando decidiu abanar-se, enchendo-me de areia.
As horas passavam, continuava na praia a brincar com Gold. Já estava totalmente salpicada com água, visto que ele não deixou de fazer das suas.
Entretanto, o meu telemóvel começou a tocar, estragando parte da diversão.
Deduzi que fosse Barbara, mas não.
Era um número privado, que já me havia ligado duas vezes. Não atendi a chamada. Típicas brincadeiras de pessoas sem vida.
Reparei que eram cinco da tarde, o que me levou a chamar Gold.
Antes de o deixar entrar no carro, sacudi ao máximo o seu pêlo, e o excesso de água na sua causa, pois era o local mais molhado. Abri a porta e logo se acomodou no banco, o que me agradou, pois a pata não era entrave.
Assim que estacionei o carro, o número privado voltou a ligar-me.
Decidi atender.
- Zoe Adams?
- Sim. Com quem estou a falar?
- Preciso de falar contigo. - Nesse momento, apercebi-me que era o Justin. - Eu sei o que estás a pensar de mim...
- Nada que não seja verdade. É aquilo que és.
- Dei-te algum motivo para pensares isso?
- Tirando a invasão do apartamento e de teres sido agressivo... Ias matar uma pessoa! - Ouvi-o suspirar do outro lado da linha, o que me silenciou. - Não tens que me dar justificações da tua vida. Nem tens que voltar a falar comigo, afinal és só um criminoso a precisar de garantias sobre a possível denúncia. E descansa, não vou fazê-lo.
Quando os segundos de súbita coragem terminaram, desliguei a chamada e respirei fundo, saindo por fim do carro.
Necessitava de tomar um banho de banheira e eventualmente de dar banho ao Gold, então decidi fazer tudo junto, primeiro banhar o Gold, depois trocar água e banhar-me com ele.
- Zoe? Finalmente! - Barbara desceu as escadas, franzindo a sobrancelha com a nossa figura. - Devo perguntar?
Balancei a cabeça e ela riu-se.
Minutos e minutos, estava deitada na banheira enquanto Gold as rebolava pelas toalhas caídas no chão, para não o molhar de uma forma exagerada.
Dar banho a um cão, não era tarefa fácil.
A Barbara invadiu a casa de banho, com uma expressão chocada. Olhei para ela, meio confusa com o que se passava.
- Está um rapaz a perguntar por ti.
- Onde?
- Hum... No sofá da sala?
- O quê? - Guinchei, saindo da banheira a correr. - Quem é?
- Isso pergunto eu! Não faz o teu estilo, tem tatuagens...
- Ó, não...
Enrolei-me a um dos robes pendurados na porta, escolhendo o mais comprido e o menos fino, pois não me agradava aparecer à frente dele assim.
Tirei o excesso de água do cabelo, enrolando-o depois, no cimo da cabeça.
Pedi a Barbara que secasse o pêlo de Gold, saindo da casa de banho. Desci as escadas lentamente, receosa de o ver.
Não sabia o que lhe dizer, porém não tencionava ter uma conversa com ele.
Apenas expulsa-lo do apartamento.
- Pelo menos desta vez bateste à porta.
Deixei escapar, captando a atenção dele. O típico curvar de lábios, a típica expressão tranquila e divertida no rosto. O típico olhar penetrante.
Decidi romper o silêncio novamente, sendo um pouco bruta.
- O que queres?
- Autch, não sabia que conseguias ser tão agressiva. - Revirei os olhos, e a sua expressão deixou de estar tão divertida e tranquila. - Sobre ontem...
- Acho que não queres alimentar aquilo que tenho contra ti. - Novamente, um tom rude. - Justin, não quero ter nada relacionado contigo. Apenas, vai-te embora.
- Onde é que arranjaste toda essa atitude? - Riu-se, embora uma risada sarcástica e impaciente. - Não brinques com fogo, princess.
- Está a ameaçar-me?
- E se tiver? - Caminhou na minha direção, fazendo-me chocar contra a parede. - Costumas julgar todas as pessoas?
- Não. - Admiti nervosa com a aproximação. - Mas tu não és todas as pessoas.
- Tudo aquilo que pensas sobre mim, são meras ilusões da tua cabeça.
- Não preciso de tirar um curso para saber que não és uma pessoa de confiança e todas as pessoas associadas a ti, acabam com a mesma reputação.
- Nem todas, algumas acabam mesmo sem vida.
Estremeci, perante o seu tom.
Perante a sua voz bastante perto de mim, assim como ele mesmos. Mantive a cabeça baixa, pois por um lado sentia que estava a ser injusta com ele, por outro lado não pretendia cair no seu jogo.
Justin, era manipulador. Tinha um ar manipulador e não podia deixar-me manipular por ele.
No entanto, não me sentia assustada com a sua presença, apenas nervosa.
- Olha para mim, Zoe. - Murmurou baixo, levando a mão ao meu queixo.
Conforme senti o seu toque, dei uma cabeçada na parede ao afastar-me. Não foi tão forte, pois já estava praticamente encostada à mesma.
Ele voltou a insistir e eu acabei por olhar para ele.
- Não tens qualquer razão para me apontar o dedo, então porque o fazes?
- Porque insistes em falar comigo? Eu fiz a denúncia.
- Tenho que me certificar que não me fodes quando te chamarem para identificar fotos.
- Como sabes que o vão fazer?
Ele encolheu os ombros.
Os nossos olhares cruzaram-se durante alguns segundos, até Gold invadir a sala a ladrar.
O Justin afastou-se de mim, embora ainda com olhar no meu.
Tentei abstrair-me daquele estado transe. Olhei para Gold, acariciando a sua cabeça, onde o pêlo já estava totalmente seco.
- O que aconteceu ontem? - A curiosidade tomou conta de mim.
- Janta comigo amanhã e eu conto.
Arqueei a sobrancelha e ele mostrou o tão conhecido sorriso.
Beijou a minha bochecha e abandonou a sala. Pouco depois, o apartamento. A minha primeira reação foi suspirar, encostando-me totalmente à parede novamente.
- Alguma coisa que deva saber?
Dei um pequeno pulo ao ouvir a voz de Barbara.
A rapariga gargalhou, comentando a figura masculina que havia procurado mim. Algo nunca antes vistos, apenas quando Kyle e Jack chegavam.
Dei-lhe um leve empurrão.
(...)
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