História Coração de Gelo - Arashi, a garota da neve

~Arashi~

Quando chego ao templo Yukina está me esperando com comida em cima de uma bandeja. Acho que ela acertou em cheio, eu estava faminta. Ela me analisa e vê que, embora eu esteja toda suja e com alguns ferimentos, eu estou bem.

- Que bom que está bem Arashi – sua voz doce me faz lembrar do porque eu ter que passar por isso – Veja, fiz bolinhos pra você, iguais aos que a gente comia quando éramos crianças.

Eu a olho de forma terna e pego um dos bolinhos. A essa altura tudo o que eu queria era tomar um bom banho e me repousar, meu corpo todo doía, mas Yukina queria saber como foi com Hiei hoje. Só de me lembrar do treinamento um frio percorre minha espinha. Tenho que admitir que estou assustada demais com as atitudes daquele demônio.

- Foi tudo bem – eu disfarço, mas ela não se convence.

- Eu sei que Hiei pode ser difícil Arashi – ela tenta me animar – Ele é bem diferente dos outros, ele é mais reservado, mais na dele. Mas depois que ele pega confiança, ele se torna um bom amigo.

- Hunf, acho que ele está tentando me matar – digo fechando a cara.

Yukina fecha os olhos e sorri pra mim – Acho que ele gosta de você – diz ela, ainda sorrindo.

- Tá maluca? Se isso é gostar, então não quero saber como seria se ele me odiasse – digo em um suspiro.

Quando eu treinava com Touya, embora ele fosse rígido, ele nunca exteriorizou o olhar que vi em Hiei hoje. Tudo bem que depois que ele se declarou pra mim seu olhar tenha mudado, mas mesmo antes eu não via toda aquela indiferença que vi hoje nos olhos do youkai do fogo. Então só posso concluir que minha amiga está maluca.

Depois de comer tomo um bom banho e vou direto pra cama. Eu nem sei se Hiei vai me treinar amanhã já que não conversamos sobre isso. Porém estarei na frente do templo antes mesmo do sol nascer e, se ele aparecer, eu vou cumprir minha parte do trato.

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Estou parada na frente do templo e ainda está escuro. Acho que o garoto não vai aparecer afinal, então terei que encontrar outra pessoa para me ensinar. Embora ele me desse um certo receio, sua habilidade era incontestável. Uma pena.

Ouço um arbusto se mexer e fico em posição de alerta. E então o garoto do cabelo espetado aparece, com aquele ar de superioridade que faz um frio gélido percorrer minha espinha. Embora ele me causasse essas sensações, eu ainda não conseguia ter um medo real dele. É mais uma desconfiança, como se fosse um pressentimento ruim, mas medo de verdade eu não tenho.

- Hm, então você apareceu? Achei que depois de ontem você desistiria – ele diz com aquela arrogância – Tudo bem, se é assim que você quer, venha – ele se vira e começa a correr.

Eu vou atrás dele, me esforçando ao máximo para poder acompanha-lo, mas ele é muito rápido e acabo o perdendo de vista. Estou no meio da floresta de antes e me sinto perdida. Tento procurar sua energia demoníaca, mas ele consegue se camuflar muito bem. Eu sei que ele deve estar perto e rindo do meu total despreparo.

- Posso te ajudar? – uma voz familiar entra pelos meus ouvidos.

- Quem está aí? – pergunto ansiosa.

O garoto ruivo, acho que é Kurama o nome dele, salta de uma árvore e fica parado diante de mim. Eu o olho com curiosidade, o que será que ele fazia ali?

- Acalme-se, eu não vou fazer nada contra você – sua voz é calma e me traz tranquilidade – Eu estava apenas de passagem e senti sua energia. Você está perdida?

- Não sei dizer, acho que sim – digo – Estava tentando seguir Hiei, mas ele desapareceu. Acho que não sou tão rápida quanto ele.

- Se quiser, posso te ajudar. Hiei não é uma má pessoa Arashi, ele só é um pouco desconfiado de tudo e de todos, mas quando você o conhecer como eu conheço, verá que ele é de total confiança – ele argumenta, mas eu não consigo acreditar nisso.

- Talvez você não saiba, mas ontem mesmo eu acho que ele tentou me matar – digo sentindo novamente aquele receio dentro de mim.

- Arashi, se ele quisesse mesmo te matar, você estaria morta. Hiei não costuma deixar seus desafetos vivos. Enfim, se quiser eu posso te ajudar. Talvez você não fique tão rápida como ele, já que nem eu consigo isso, mas pode aprender outras técnicas capazes de localiza-lo mesmo a distância. E acho que isso seria de grande ajuda, não concorda?

Eu assinto com a cabeça. A essa altura eu só queria mostrar meu valor para aquele ser arrogante, pra quem sabe talvez ele pudesse me respeitar.

- E então, além da espada de gelo, você tem algum outro golpe? – ele me pergunta curioso.

- Sim, tenho sim. Não é algo que eu use com muita frequência, já que ele drena uma parte considerável da minha energia. Na verdade eu tenho outras habilidades, mas somente as uso em casos de extrema necessidade pois ainda prefiro a espada.

- Mostre-me – seu firme tom de voz é desafiador.

Eu olho pra ele e concentro toda minha energia. Uma grande névoa começa a surgir, fazendo com que tanto eu quanto ele desapareçamos no meio do branco infinito. As árvores, as pedras e até mesmo o chão ficam encobertos com a grossa camada de gelo que vai se formando. Eu sei que é arriscado me expor dessa maneira, pelo menos ele me transmitia confiança.

- Muito bem, você tem uma habilidade incrível – ainda o ouço falar – Mas tem que se concentrar mais, ainda estou sentindo sua energia e sei exatamente onde está. Pode fazer isso? – ele me pergunta.

Como eu faço pra esconder minha energia sendo que eu preciso dela para manifestar a névoa cintilante? Isso era algo que Touya não havia me ensinado. Acho que ele percebe minha confusão, se dirigindo até mim.

- É um bom golpe, mas não fatal. Você o usa para confundir seus inimigos e ataca-los com a espada, não é? – ele pergunta como se já soubesse a resposta – Mas não é muito útil com youkais mais experientes, já que eu consegui chegar até você.

- Como faço pra esconder minha energia e me tornar indetectável? – pergunto curiosa.

E então ele me explica que para isso acontecer eu devo manter a névoa mais forte do que minha energia. E isso requer muita, mas muita concentração. Só assim o inimigo focará mais no próprio golpe e em como sair disso, do que na minha própria existência. Pelo visto eu terei que me desdobrar pra conseguir fazer isso, acho que não vai ser fácil.

- Você pode me ajudar? – pergunto.

- Eu posso tentar, mas isso é algo que apenas você pode fazer por si mesma – ele conclui – Ah, a propósito, Hiei está logo mais a frente, te esperando pelo treinamento de hoje.

Quando a névoa é dissipada, Kurama me aponta o caminho e desaparece. Sigo para o local indicado e lá está Hiei a minha espera.

- Achei que quisesse aprender a usar a espada – diz ele com ironia – Mas você só está me fazendo perder tempo.

- Como é? – agora eu estou começando a ficar com um pouco de raiva dele.

- Nem conseguiu me acompanhar, como acha que vai atingir uma boa velocidade sendo mediana? Tem que se esforçar mais, do contrário eu não vou perder meu valioso tempo treinando uma youkai tão fraca como você.

Aquilo foi duro demais pra eu ouvir. Como ele se atrevia? Ele nem sabe tudo o que eu passei pra chegar até aqui. Ele vai me pagar. Começo a elevar minha energia até o ponto máximo, já que vou usar uma das minhas técnicas contra ele. Sei que isso me deixará bem exposta, mas ele vai ver que não está lidando com uma criança que não sabe se defender.

- Nevasca das trevas! – eu grito, liberando uma grande nevasca pelas minhas mãos. Eu sei que não deveria usar esse golpe pois ele drena praticamente todas as minhas forças, mas não dá mais pra ouvir tanta besteira vindo desse garoto.

Acho que ele não esperava por isso e o atinjo em cheio. Quando olho, vejo que ele está parado no mesmo lugar, me deixando incrédula, meu golpe não surtiu nenhum efeito sobre ele. Eu caio de joelhos no chão, sentindo um enorme cansaço e, quando me viro, ele está caminhando até mim. Ele é muito mais forte do que pudesse presumir.

- Até que foi um bom golpe – ele pára em minha frente, enquanto estou de joelhos no chão.

Eu estou até sem forças para responder. Minha visão começa a ficar embaçada, eu tento chacoalhar a cabeça para faze-la voltar, mas vejo que meus sentidos estão se perdendo. Se eu desmaiar agora, com toda certeza ele vai me matar, mas não consigo deixar de sentir a fraqueza tomando conta do meu corpo. Agora, vejo somente a escuridão.

~Hiei~

Ao término do treinamento de hoje, voltamos em silencio para o templo. Eu tinha que admitir que a garota não era um caso totalmente perdido, ela tinha algum talento ali escondido. Talvez eu não vá perder tanto o meu tempo afinal.

Quando chegamos, Yukina a recepciona com comida. Arashi entra sem nem olhar pra trás, me fazendo pensar que talvez amanhã ela nem apareça para o treinamento. Por mim tudo bem, quanto antes ela desistir, antes eu volto pra minha vida.

Encontro Kurama parado no jardim do templo. Ele me olha de um jeito estranho, que me causa desconforto.

- O que foi Kurama, por que está me olhando desse jeito?

- Hiei, de onde você conhece Arashi? – essa pergunta dele me faz ter um frio na espinha.

- Ah Kurama, depois de tantos anos você ainda não me conhece? – será que ele acha mesmo que eu vou falar desse assunto?

- A forma como você olha pra ela é uma raiva muito grande. Tem certeza de que quer continuar com isso? – ele me pergunta ainda querendo extrair informações de mim.

- Não se preocupe Kurama, eu não vou mata-la, e lembre-se que foi ela quem pediu por isso – respondo encerrando o assunto.

Kurama somente abaixa a cabeça e se retira. Eu sabia que essa garota iria me trazer problemas, só não pensei que eles fossem aparecer tão rápidos.

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Perto do sol nascer eu ouço as portas do templo se abrirem e Arashi sair de lá. Parece que ela não desistiu dos meus ensinamentos, mesmo que ontem eu tenha abusado da força e das exigências. Ela realmente quer aprender alguma coisa pra transformar sua patética vida em algo útil.

Saio de trás de um dos arbustos quando vejo que ela está me procurando. Vejo o susto em seus olhos, denunciando que, embora ela queira continuar, ela ainda tem medo de mim. E com os acontecimentos do dia anterior, acho que não posso culpa-la.

- Hm, então você apareceu? Achei que depois de ontem você desistiria. Tudo bem, se é assim que você quer, venha – digo a ela, enquanto começo a correr floresta adentro. Quero ver se sua agilidade em me acompanhar é boa o suficiente.

Como previ, ela é muito lenta. Eu a despistei há um bom tempo, e ela não consegue me encontrar. Quando ameaço querer voltar, Kurama me intercepta na floresta. Ele sabe ser inconveniente quando quer.

- Hiei, você não acha que está pegando pesado demais com a garota? – diz ele recostado em uma árvore, com os braços cruzados.

- Kurama, acho que isso não é da sua conta – resmungo.

- Realmente não é, mas você não deu uma chance da garota mostrar seu verdadeiro potencial. Você só fica forçando a mesma a ter certas atitudes que não condizem com um treinamento sério. Eu sei que você está querendo voltar ao Makai o quanto antes, mas você prometeu a Yukina que ajudaria a amiga.

- Se você sabe, por que se incomoda? Você viu, ela mal conseguiu me acompanhar, é muito fraca.

- Talvez nem todos tenham as mesmas habilidades que você Hiei, eu mesmo não possuo, mas possuo outras que você conhece muito bem. E se ela tem alguma habilidade escondida que o faça se surpreender?

- Hunf, se quiser pode testa-la. Meu único envolvimento com ela é a espada, e ela é péssima – respondo, mesmo sabendo que não era de todo verdade.

Ele assente com a cabeça, enquanto eu me escondo no topo de uma árvore. Ele a encontra na floresta e vejo que ela está perdida. Começam a conversar mas não pude ouvir nada daqui de cima, embora isso não me interesse nem um pouco.

Quando percebo, Arashi está aumentando sua energia consideravelmente, fazendo com que toda aquela região seja engolida por uma névoa fria. Aos poucos toda a extensão da área estava coberta com uma grossa camada de gelo e a névoa estava cada vez mais densa. Eu perco os dois de vista, mas posso sentir a energia dela em algum lugar ali dentro. Mais uma vez eu fui surpreendido, Touya a ensinou golpes além da espada. Ainda não consigo ve-los mas sei que estão conversando, pois sinto a energia de Arashi entrar em confusão. Do que será que eles tanto falam?

Aos poucos a névoa vai se dissipando e posso ver Kurama e Arashi muito próximos de onde estou agora. Esse ataque dela é muito útil, desde que ela consiga esconder sua energia demoníaca. Vejo que eles se despedem e ela segue em direção a mim. Me viro e desço da árvore, agora sim eu quero testa-la ainda mais.

- Achei que quisesse aprender a usar a espada. Mas você só está me fazendo perder tempo – começo a provoca-la. Sendo uma mulher do país de gelo, esse comentário não vai surtir nenhum efeito sobre ela. Eu preciso provoca-la mais.

- Como é? – acho que me enganei, já que sinto raiva em sua voz. Ela era tão fácil assim de se irritar?

- Nem conseguiu me acompanhar, como acha que vai atingir uma boa velocidade sendo mediana? Tem que se esforçar mais, do contrário eu não vou perder meu valioso tempo treinando uma youkai tão fraca como você – acho que agora toquei em sua ferida. Vamos ver como ela se porta a partir de agora.

Vejo Arashi se concentrando e elevando sua energia a um nível que eu desconhecia. Ela era mais forte do que demonstrou até agora e isso me anima um pouco. De repente ela não era um caso totalmente perdido, despertou meu interesse em treina-la. Ela continua olhando pra mim e vejo uma raiva crescente vindo de dentro de seus olhos. Eu nunca vi uma garota da neve ter esse olhar, normalmente elas têm olhares profundos e sem sentimentos.

- Nevasca das trevas! – vejo sair de suas mãos uma grande nevasca carregada de energia demoníaca. Eu jamais poderia supor que ela tivesse tamanho poder e não pude me preparar para me defender corretamente.

Sou atingido pelo golpe dela que faz meu corpo inteiro sentir dor. Eu respiro fundo para não transparecer que fui ferido e ela me olha sem entender o que tinha acontecido. Ela não tem noção da força que tem, embora seu corpo não esteja lá muito preparado pra isso, já que sinto sua energia demoníaca diminuindo em um ritmo acelerado.

Me aproximo da garota que está de joelhos no chão. Ela me olha sem acreditar que eu não tenha sido ferido, porém isso não é verdade.

- Até que foi um bom golpe – digo enquanto ela me encara. E então ela desmaia e eu fico confuso sobre como resolver essa situação. Se eu chego assim com ela no templo, Yukina ia ficar muito preocupada e talvez até chegasse a me odiar.

- E então Hiei, o que achou até agora? – Kurama aparece.

- Hunf, até que a garota não é de todo ruim – disfarço minha vontade de saber mais sobre ela.

- Eu avisei que era pra dar uma chance a ela, desde que chegou ela demonstrou um certo potencial. Touya deve ter seus motivos para não ter lhe ensinado tanta coisa, já que ele é um youkai forte. Enfim, o que pensa em fazer? – ele me pergunta já sabendo a resposta.

- Vou levar mais a sério o treinamento dela – digo por fim. – A propósito, você pode leva-la de volta ao templo?

- Eu não, a aluna é sua – diz ele ironicamente.

- Francamente Kurama, se eu chegar com ela assim vão me crucificar lá – a indignação na minha voz é evidente.

- Você só está preocupado com o que a Yukina vai pensar, mas lembre-se, ela te conhece e conhece Arashi. Acredito que não vá ficar magoada ou algo do tipo. E se você a levar, pode ganhar alguns pontos pela responsabilidade.

- Eu te odeio, sabia? – ele está certo, mas não deixo de sentir raiva.

Pego Arashi em meus braços e rumo ao templo. Espero mesmo que Yukina não fique brava ou preocupada.