História Coração de Pedra - Nítidas Mudanças

Abri a porta de casa meio alerta em pensamento, tomando cuidado, pois a qualquer momento uma das crianças voaria encima de mim. Fechei a porta, mas ninguém veio. Fui logo tirando a jaqueta, já que dentro de casa estava quente e abafado, quase como lá fora, porém um vento de tempestade soprava do Oeste. Caminhei pela casa escura e calma, sem ouvir sequer um ruidinho. Claro, estranho! Passei pela cozinha, e estava do mesmo jeito, apagada.
Acendi a luz, e caminhei até o lixo pra jogar um papelzinho fora. Notei que tinham duas caixas de pizzas vazias espremidas no lixo, e me voltei pra geladeira. Abri, e estavam lá algumas fatias perdidas. Peguei uma de cheddar, e comi enquanto subia as escadas. Havia luz vindo do quarto de Clara, e pra lá fui direto. Abri a porta depois de dar uma batida, e vi Clara sentada no chão num canto, calada, quase imóvel com o olhar fixo no espelho. Entrei meio assustado pela expressão dela.
Justin: Clara? – chamei-a, e imediatamente ela me olhou – tudo bem?
Clara: normal – falou meio triste.
Justin: onde estão seus irmãos? Já foram dormir? – me sentei na cama, perto dela. Clara ficou de pé depois de um longo suspiro, e também se sentou na cama do meu lado.
Clara: na verdade, não os vejo desde que foram assistir a um filme e comer pizza com aquela lá – sua voz trazia certo tom de desdém. Deu de ombros.
Justin: sério? – sorri – mais que legal! Porque você não foi também? – dei um cutucão nela, bem humorado.
Clara: porque eu não gosto daquela lá – a olhei assustado – ela me incomoda! – ficou de pé, e caminhou até o espelho, parando de frente a ele. Fiquei do mesmo jeito – não sei como eles gostam dela.
Justin: hei – repreendi – a Demi é uma moça ótima, divertida, e responsável – talvez não fosse comigo, mais com os meus filhos ela era – eu não admito que você fique falando assim dela sem ter um motivo, Clara – não houve resposta, então fiquei de pé e parei do lado dela – o que ela te fez?
Clara: nada, não me fez nada – deu de ombros – simplesmente reconheço uma interesseira quando vejo uma. Ela quer te seduzir, isso sim. E pelo jeito – me encarou – você já está apaixonado por ela, não é?
Justin: que? – olhei dos lados – porque você...
Clara: você a defende, você sempre quer falar com ela sozinho, toda vez que fala dela fica com o maior sorriso do mundo – enumerava, andando pelo quarto – a coloca num pedestal, e tudo o que ela faz pra você é o correto. E você ainda me questiona?
Justin: Claro que não, Clara! Eu... – novamente, me interrompeu.
Clara: e ela também está apaixonada por você – garantiu – os olhos dela brilham pra você, ela sempre faz o que você quer...
Justin: tá, e se estivéssemos apaixonados, não que eu esteja apaixonado por ela, – falei irônico – que problema teria? Ela é solteira, eu sou divorciado. Não há problemas nisso, há?
Clara: você não entende, pai – choramingou – pra que nós vamos nos apegar a uma mulher, se depois ela vai embora novamente? – e saiu do quarto, me deixando sozinho. Por uns segundos, comecei a entender o que ela queria dizer. Desci, e segui direto pra sala de filmes, onde encontrei Clara parada na porta, apenas observando de longe. Aproximei-me, e vi o que ela observava.
Demi estava deitada no meio, Sophia estava encima dela, deitada sobre os... Os seios de Demi, abraçada a ela feito um anjo. Lara ao lado de Demi, entre ela e Caleb, no qual estava agarrada. Mallory do outro lado de Demi, pertinho, com a mão pequena encima da de Demi. Todos tranqüilos e felizes. Dormindo serenos.
Justin: nossa – falei meio impressionado. Jamais eu tinha visto meus filhos tão bonitos, contentes e satisfeitos. Aquilo encheu meu coração de algo como... Como amor. E Demi... De fato, era linda, e em meio às crianças parecia uma fada em meio aos anjos. Uma fada bem sexy.
Clara: está vendo? – sussurrou – eles estão apegados a ela. Me diz, o que vai acontecer quando ela for embora?
Justin: ela não vai! Por um ano ela...
Clara: ela é jovem, pai. Pode ser que fique um ano, e vai ser ainda pior! – me deu as costas, e agora sim, tive a certeza de que Clara tinha motivos pra não se aproximar de Demi. Fiquei mais uns longos minutos velando o sono de todos eles, subi as escadas de volta pro meu quarto. Tirei a camisa, joguei num canto qualquer, assim como toda a roupa. Tomei um banho rápido, e notei que já passavam das duas da madrugada.
O sono não me vinha. Desci pra cozinha, e me sentei no balcão com um copo de água gelada a minha frente. Tirei a camisa, porque estava mesmo quente. Foi ai que começou a chover! Chuva de verão...
Demi: mais que susto! – falou com a mão no peito, parada na entrada da cozinha mais branca do que papel. Eu ri um pouco – Deus me livre, pensei que era uma assombração! – e caminhou até a geladeira onde encheu também um copo de água gelada.
Justin: boa madrugada pra você também – falei, erguendo o copo – perdeu o sono, foi?
Demi: acordei com o barulho da chuva! – disse entre os goles de água – e levantei pra ver se a Clara estava bem – confessou, corando – fiquei um pouco preocupada com ela hoje. Ela nem comeu.
Justin: pois ela é assim mesmo – garanti, vendo-a parada bebendo a água com a geladeira aberta.
Demi: ok – fechou a geladeira, e botou o copo na pia – vou vê-la – e subiu as escadas. Fiquei rezando pra que Clara estivesse dormindo! Sai da cozinha e peguei um cigarro. Não é que eu gostasse de fumar... Mas às vezes, quando nervoso, isso me acalmava. Abri a porta da varanda da frente, e fiquei lá vendo a chuva enquanto acendia um cigarro – você fuma? - a voz vinha da porta. Nem me virei, apenas ri no lugar enquanto via a chuva.
Justin: na verdade, não – deu de ombros – só quando estou muito nervoso. Já fazia uns... Sete meses que eu não fumava.
Demi: Uou! – os passos dela ecoaram baixinhos enquanto ela caminhava até o banco que na verdade era um balanço na sacada – eu nunca vi isso – e se sentou lá, colocando os pés encima dele. A chuva estava cada vez mais intensa, porém era maravilhosa apaziguando o ar quente – mas de qualquer jeito, você é doido mesmo – não respondi, só levei o cigarro aos lábios e puxei uma tragada – porque está nervoso? – perguntou depois de um tempo de silêncio.
Justin: por você – respondi na lata. Demorou pra ela falar novamente.
Demi: ué, o que eu fiz agora? – perguntou com certo desdém sentada no balanço como uma menininha. Traguei novamente o cigarro – juro que estou me comportando!
Justin: a Clara me disse umas coisas hoje – comecei – que fazem sentindo.
Demi: a Clara? – questionou meio incrédula – ok, não deve ser bom – me virei de lado e caminhei em frente a ela horizontalmente. A vista dali era linda. Dava direto pra piscina superior, onde o que mais contava era o tom de paisagem, já que a piscina era meio adaptada pra “cachoeira” – o que ela disse?
Justin: me disse que eles estão muito apegados a você – olhei pra ela – e que talvez isso não fosse bom.
Demi: mas porque não? – o tom de voz dela se alterou – nós... Somos amigos. Eu tento ser pra eles a presença materna que eles não têm Justin – explicou-se – não estou querendo roubar o lugar dela, só estou – travou-se – fazendo o que eu acho correto! Um dia eu vou embora e...
Justin: esse é o ponto – seus olhos me buscaram curiosos – um dia você vai embora.
Demi: ah – murmurou meio constrangida – Justin...
Jjustin: achei que ter uma babá que os agradasse seria bom – dei de ombros – mas agora vejo o lado ruim. E pode ser terrível.
Demi: olha, quer saber? – sussurrou com a voz embaraçada – eu os adoro. Quando cheguei aqui eu os odiava... Mas agora... Eles são parte da minha vida, e não pretendo sair tão cedo da vida deles. Então mesmo que você esteja me mandando embora, eu ainda vou vir vê-los às vezes! – e ficou de pé, calçando os chinelos com o rosto vermelho e os olhos lagrimejando.
Justin: aonde você vai? – perguntei pegando no pulso dela levemente.
Demi: embora – disse rispidamente – eu sempre soube que você era desprezível! Me fez vir obrigada pra cá, e quando eu me apego a eles você me manda embora? Você não presta mesmo, Justin – puxou a mão da minha.
Justin: você é louca? – questionei rindo – não sou louco de te mandar embora! – parou de andar, e me olhou surpresa.
Demi: está falando sério? – cruzou os braços, confusa.
Justin: claro.
Demi: por quê? – e riu. Caminhei até ela, parando em frente.
Justin: porque eu não quero que você vá... – eu ia dizer: porque eles me matariam. Porém quando olhei em seus olhos tive a certeza do que realmente deveria falar.
Sophia: xixi, xixi, xixi! – olhamos pro lado, e lá estava Sophia com as mãos entre as pernas com carinha de dor.
Demi: ai meu Deus, Sophia! – ela se virou rapidamente e pegou Sophia no colo correndo. A levou pro banheiro mais próximo. Caminhei até lá meio paralisado: desde quando minha filhinha estava falando e eu não sabia disso? – pronto? - Quando cheguei, Demi estava colocando a roupinha dela novamente, e a pegou no colo.
Justin: quando foi que ela começou a falar? – questionei observando Demi niná-la no colo levemente.
Demi: faz umas semanas. Mas não se anime. Ela apenas diz xixi – Demi beijou a testa de Sophia levemente com um sorriso no rosto – ela é muito esperta pra usar fraudas, não é meu amor? – ela não respondeu, apenas fechou os olhinhos deitada no peito de Demi como se fosse um bebê recém nascido – vamos dormir então – olhou pra mim – lá em baixo, porque se eles acordarem sem mim lá, estou jurada de morte! Boa noite – e passou por mim carregando Sophia, toda dengosinha.
Justin: boa noite, Demi... – murmurei.
–
Pai, pai, paizinho lindo ACORDA!
Acordei em meio a risos, brincadeiras e gargalhadas estridentes. Abri os olhos, e vi cabelos loiros voando pra todos os lados!
Lara: acordou? – perguntou Lara, sentada encima da minha barriga usando um vestido azul muito bonito.
Justin: ai crianças – Mallory voou pra cima de mim, me dando um beijo na bochecha – o que aconteceu?
Caleb: a Demi mandou você acordar pra tomar café com agente – falou o garoto, e notei que ele estava sentado do lado da minha cabeça onde Sophia engatinhava até chegar a mim.
Clara: é pai, anda logo – Clara também estava ali, sentada encima da minha barriga junto com Lara – estamos com fome!
Justin: que horas são? – suspirei, me sentando e pegando Sophia no colo.
Caleb: nove horas – pulou da cama – anda logo!
Demi: hei – sentado, a vi aparecer na porta já vestida – vocês são péssimos em acordar as pessoas, hein? – e riu cruzado o braço – andem, vão lavar as mãos e deixem o pai de vocês se trocar.
Lara: é pai, anda logo! – passei Sophia pra Clara e aos poucos eles foram saindo do quarto. Demi foi junto fechando a porta. Tomei um banho rápido e me troquei. Desci assim que pude, e constei que hoje talvez fosse o meu único dia de folga do mês.
Demi: fica quieta Larinha – as duas riam de algo. Todos estavam sentados na mesa, e Demi parecia servir o café a cada um deles, menos Clara, que fazia seu próprio leite sozinha.
Caleb: Demi, eu sonhei com aquele cachorro – disse meio triste enquanto Demi mexia o leite dele – coitado.
Demi: ai amor era só um filme – afagou o cabelo dele enquanto me sentei à mesa em meu lugar.
Mallory: era só um filme, mas a senhorita chorou do começo ao fim! – eles riram, e ela corou.
Demi: ai gente – parou com a mão na cintura – eu também tenho sentimentos, né? – Demi olhou em volta, e viu que todos estavam comendo. Sophia estava sentada em um cadeirão de bebês cor de rosa comendo algo parecido com papinha de aveia e uma mamadeira cheia de suco de laranja. Fazia tudo sozinha, apesar de estar lambuzada – está todo mundo comendo, né? – eles assentiram – ok, agora eu vou comer porque to com fome.
Justin: aonde pensa que vai? – questionei vendo-a ir em direção a cozinha, deixando a sala de jantar.
Demi: tomar meu café! – falou ironicamente – por quê? Algum problema nisso, mi lorde? – Caleb riu.
Justin: claro que não – fiquei de pé – mas você vai tomar café com agente! – indiquei a cadeira ao lado de Lara.
Demi: ah não, valeu – deu de ombros – vou tomar na cozinha mesmo e... – peguei em seu pulso e a trouxe até a cadeira.
Justin: deixa de ser criança – sussurrei no ouvido dela.
Demi: me larga!- disse de volta, e larguei sua mão. Clara nos olhava como se fossemos um espetáculo a parte, já os outros pareciam entretidos em comer seu café. Assim que a soltei, Demi se sentou a cadeira onde eu indiquei, e começou a tomar café.
Mallory: pai, agente viu um filme lindo ontem... – e me narrou a história do cachorro chamado Marley – me deu até vontade de ter um cachorro!
Caleb: é pai, agente pode ter um cachorro?
Clara: cachorros fedem e faz a maior bagunça! – declarou mastigando algo.
Mallory: você é quem fede e faz bagunça, sua loira nojenta – disparou contra Clara.
Clara: sua ridícula, você também é loira!
Justin: já chega! – repreendi, e as duas se calaram com caras feias – Mallory, deixa a sua irmã em paz, e Clara... Deixe os seus irmãos serem felizes.
Lara: então agente pode ter um cachorro, pai? – perguntou toda dengosinha, com aquele tom que eu não sabia como dizer não.
Justin: não vejo problema... Mas vocês têm que cuidar dele!
Demi: se é esse o problema, então eu me responsabilizo a cuidar dele... – todos olharam pra Demi, que se mantinha quieta. Trocamos um olhar meio cúmplice, e ela corou um pouco.
Justin: sendo assim, então sim, vocês podem ter um cachorro – sorri ao vê-los comemorando. Apenas Clara continuou comendo solenemente.
Caleb: ouviu Soso? Agente vai ter um cachorro! – disse ele tocando na irmã mais nova, toda lambuzada de papinha. Seguimos tomando o café em paz, até eu os comunicar que iria ficar o dia todo em casa.
Lara: sério?
Mallory: o dia todo...
Clara: em casa? – cinco carinhas quase idênticas me olhavam abismadas. Demi também o fazia, meio contente com uma Sophia toda suja em seu colo.
Justin: sim, o dia todo – garanti – podemos... Fazer o que quiserem! Que tal irmos à praia?
Caleb: seria demais! – falou ficando de pé.
Clara: mas toda a imprensa vai te ver pai – suspirou – e vai sair em todos os jornais e revistas de fofoca!
Mallory: e o que tem?
Clara: dã, a escola toda vai nos ver de biquíni! – revirou os olhos.
Lara: ah pai, eu quero ir à praia – dando pulinhos, veio pra perto de mim me dar um abraço profundo – por favor, vamos?
Justin: o que você acha Demi? – quando eu a olhei, todos também a olharam – vamos à praia?
Demi: eu não sei – deu de ombros – vou dar banho na Sophia e vou pra casa, pessoal. Hoje é domingo, minha folga!
Caleb: o que? Como assim você não vai conosco? Claro que você vai! – de repente, Caleb, Lara e Mallory estavam choramingando pra Demi, pedindo alucinadamente pra ela ficar e sair conosco. Trocamos um olhar meio engraçado, e ela revirou os olhos.
Demi: tá – disse vencida – eu fico e saio com vocês, seus pestinhas. Mas nada de praia. Eu também não gosto!
Justin: Ok – falei prontamente – então vamos a um parque – no fundo eu sabia que isso de “não gosto de praia” era só pra ficar na lista boa de Clara. Não deveria ser fácil pra Demi não ser desejada em um ambiente.
Lara: legal! E vai ter parquinho lá? – pulou toda contentinha.
Demi: vai querida – disse esticando a mão, como se a chamasse – e campo de futebol, laguinho e tudo... Vamos se trocar, pra você ficar bem bonita! – neste momento, Maria chegou – Maria, preciso mesmo falar com você. Faz um favor pra mim?
Caleb subiu pro quarto empolgado, assim como Clara, que não parecia nada triste nem mal humorada. Mallory e Lara ficaram perto de Demi, esperando quando ela fosse subir pra se arrumarem. Sai de lá em direção ao meu quarto também, pensando se um dia tão família como esse já tinha existido em minha vida... E principalmente, se ele seria possível sem Demi.