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História Corte de Luz e Sangue - A Conversa


Escrita por: CeriseBordeaux

Notas do Autor


Oi, oi gente! Como vocês estão?

Como prometido, aqui está o quinto capítulo de CdLeS. Espero que gostem dele ^.^

Até semana que vem!

Capítulo 5 - A Conversa


Fanfic / Fanfiction Corte de Luz e Sangue - A Conversa

    Era por volta de meio-dia quando o Grão-Senhor da Corte Primaveril finalmente se aproximou de mim. Ele já conseguia caminhar, o que, para mim, significava que meu trabalho fora realizado com maestria, ou que ele era extremamente orgulhoso e não queria parecer fraco. Talvez ambos. De qualquer forma, era um alívio vê-lo realizar simples atividades por conta própria. 

Ele caminhou um pouco pelo espaço entre a porta da biblioteca, o aroma de chuva e terra acompanhando-o. Pareceu divagar em suas próprias memórias por algum tempo, tocando as paredes empoeiradas com a mão boa enquanto explorava o lugar de forma quase infantil. 

Mexeu brevemente em uma das esculturas expostas. Fitou as infinitas prateleiras de carvalho. E então se virou para mim. 

Continuei a encarar o livro em minhas mãos, interessada o bastante nas anotações ali escritas a ponto de evitar encará-lo. 

    Desde quando despertou após a febre, não trocamos muitas palavras — para falar a verdade, quando estávamos juntos ele só me observava. Seu olhar estava atento a cada movimento que eu realizava, como um lobo que estudava se o animal a sua frente era uma presa ou uma ameaça. Não havia conversa, só o peso constante de seu olhar em minha pele.

O Grão-Senhor parecia buscar algo em mim que pudesse sanar as dúvidas que tinha. Dúvidas que não haviam sido verbalizadas, mas que estavam lá.

Assim que virei a página, ele limpou a garganta brevemente antes de falar: — Pensei que estivesse alimentando sua égua.

— Já fiz isso.

— Não julguei que soubesse o caminho até aqui.

— Eu descobri sozinha. — respondi monotonamente.

— Isso está bem claro — disse, um leve tom impaciente em sua voz —, quero saber o que está fazendo aqui.

— Lendo.

— O quê? 

— Um livro.

— Sobre?

Ignorando sua pergunta, continuei: — Sabia que humanos tem três vezes mais facilidade do que nós quando se trata de procriar? São como coelhos!

— Está lendo um livro sobre reprodução? — sua voz falhou em esconder a desconfiança que sentia.

— Na verdade, não, só achei esse fato engraçado.

    Mais longos segundos se passaram em silêncio, meus olhos fixos nas letras negras na página à minha frente. Pela intensidade queimava minha pele, supus que ele estivesse em profundo pensamento, provavelmente considerando se eu falava a verdade ou não. 

    Ele bufou alto: — O que veio fazer aqui, Ophelia?

— Qual o motivo de estar em uma biblioteca com livro em mãos, meu senhor? — retorqui.

    Ouvi seus dentes trincarem e arqueei uma sobrancelha quando meu livro foi bruscamente lançado para algum ponto fora do meu campo de visão. Ele se aproximou de mim, espalmando suas mãos com força contra a madeira da mesa a ponto de fazê-la chacoalhar, e ergui o olhar ao seu rosto, minha expressão o mais apática possível. — Já adianto que se arrebentar os pontos que estão cicatrizando, você mesmo irá remendá-los. 

— Por que veio à minha casa? — finalmente a pergunta que não queria calar — O que te trouxe aqui?

— Queria saber como estava, faz tempo desde que tive notícias de você.

— Só nos vimos uma única vez, não temos laços afetivos a ponto de que se importasse!

— Que rude! Somos primos no fim das contas, não?

— Você é uma bastarda meio-vallahana, não minha prima.

    Me contive, contando até dez para não pegar um dos livros na pilha ao meu lado e jogá-lo em seu rosto. Auto-controle, Ophelia, mantenha seu auto-controle. Respirei fundo antes de respondê-lo: — Precisamente. Sou uma bastarda. — eu o olhei de cima a baixo, um leve sorriso em meus lábios — Mas sou sua única chance de salvação.

    Ele riu com escárnio.

— Salvação? Quem disse que preciso ser salvo?

    Foi a minha vez de rir. — Todo mundo, talvez? Já viu o estado em que sua corte se encontra? 

— Não faz diferença alguma para mim!

— Claro que não, a única coisa com a qual você parece ser capaz de fazer é se afundar no próprio desespero! — rebati, sangue fervendo em minhas veias — A sua agonia é a única coisa com a qual você se preocupa, não é? Não importa se milhares de pessoas da sua corte estejam sofrendo por sua culpa! 

    Ele engoliu em seco e fechou as mãos em punho, tentando se conter.

— Acha que eu não sei disso? Acha que esse pensamento não corre todo santo dia em minha mente?! — perguntou o macho com amargor em sua voz.

— Aparentemente não o bastante, visto que você continua a ignorar seu próprio povo! — franzi o nariz suavemente conforme o olhava: — Você é uma decepção para sua corte!

— Para uma bastarda, pensei que saberia o momento certo para calar sua maldita boca! — rosnou.

— Para um Grão-Senhor, pensei que seria mais educado! — devolvi, me erguendo da cadeira. — E bastarda ou não, ainda assim sou eu quem está cuidando de você, então veja bem como fala comigo!

    Tamlin arqueou uma sobrancelha e ergueu o queixo em uma tentativa patética de se mostrar altivo.

— Eu não pedi que cuidasse de mim, fez isso porque quis.

    Eu ri secamente.

— Não é de se espantar que sua corte esteja em frangalhos — repeti, completamente indignada — Se Grão-Senhor dela mal sabe admitir que precisa dos outros para cuidar de si próprio, imagine para suas terras! 

— Minhas terras não têm nada a ver com você, então coloque-se em seu lugar! — ele arrumou a postura, ignorando a dor que certamente se espalhava por seu abdômen.

— Têm sim! — devolvi — Quando você permitiu o maldito exército de Hybern entrar nessas terras, você me envolveu nessa merda de guerra, então estou me colocando em meu lugar de direito ao te lembrar do estrago que você causou! Eu não pensei que você fosse uma pessoa tão mesquinha a ponto de—

— Que se foda o que você pensa! — rosnou. — Eu mal conheço você, quem você pensa que é para falar com seu Grão-Senh—

— Não me interrompa! — bradei, lançando qualquer resquício de prudência pela janela — Eu não admito que qualquer um, incluindo você, tenha a audácia de me interromper! Você não é meu Grão-Senhor, eu não lhe devo obediência!

— Então por que infernos está aqui, fêmea?! 

— Porque eu não aguento mais ver as outras cortes ignorando tamanho sofrimento! Sabe as coisas que vi durante minha viagem até aqui? Que encontrei ao chegar em Vale da Alegria na semana passada? Sabia que a Primaveril está seca, que não há como plantar ou colher? Que seu povo está morrendo ou sendo obrigado a ir para outras cortes?!  — meu corpo tremia e o calor dentro de mim começava a me fazer suar — Sua corte está impregnada com morte! Com morte, e ninguém faz nada!

Ele arregalou os olhos e tirou as mãos da mesa, recuando minimamente. 

Seu corpo podia estar debilitado, é verdade, mas seus olhos verdes ardiam como brasa enquanto me olhava com um misto de emoções. Eles espelhavam horror. Eu não precisava de muito para entender o que se passava em sua cabeça naquele momento, não após tudo o que eu vi e vivi durante a guerra. 

O Grão-Senhor baixou o olhar para a pilha de livros ao meu lado, engolindo em seco enquanto considerava o que eu dissera. — O quão… O quão ruim está?

— Há criaturas que Hybern trouxe correndo livremente por todos os lados, e está tão sério que a Estival e a Outonal impediram o acesso para cá pelas vias principais.

    Ele ergueu o rosto novamente, sobrancelhas franzidas.

— Eles fizeram o quê?!

— Se alguém quer viajar pela Primaveril só tem como usar as trilhas antigas — expliquei —, o que significa maior risco e exposição para os viajantes. E como a terra está quase estéril, o pouco da população que resta está tendo que se submeter a essa situação frequentemente para conseguir trazer alimentos das outras cortes para cá.

— Há quanto tempo está assim? — indagou, o maxilar cerrado.

— Já estava ruim com o fim da guerra, mas piorou no último ano… 

— E os outros Grão-Senhores? Kallias, Thesan… Eles não tentaram intervir? Não tentaram ajudar?

— Não faço a menor ideia — confessei com um suspiro —, mas talvez eles não tenham feito nada por você estar… Bem… — eu o olhei de cima a baixo, gesticulando em sua direção — Em um estado instável.

— E meu povo? O que houve com ele?

    Cocei meu nariz e recostei-me em meu assento para encontrar mais conforto. Minha coluna já começava a doer após tanto tempo curvada ao ler. — Houve migração em massa. A Estival está completamente abarrotada de imigrantes, e a Outonal já avisou que não irá receber mais nenhum em suas terras. Eles estão trocando o refúgio por trabalho, e como seus salários são ridiculamente baratos, muitos estão em situação de pobreza.  

— Estão se sujeitando a isso? À miséria? — havia espanto em suas feições, como se pela primeira vez ele se desse conta de tudo o que estava acontecendo ao seu redor. E certamente era.

— É melhor viver na pobreza em uma corte livre de monstros, onde eles ainda têm a oportunidade de plantar ou de encontrar comida do que viver em um enorme cemitério. — disse com pesar.

— E quantos sobraram aqui?

— Cerca de trinta, pelo que me disseram.

    Ele sentou na cadeira oposta à minha, visivelmente em choque. — Não imaginei que… — seus olhos encontraram os meus, desesperados — Eu não sabia, ninguém me contou nada, eu… 

    Franzi as sobrancelhas.

— Como assim “ninguém te contou”? — perguntei — Você tem recebido visitas?

    O Grão-Senhor assentiu.

— Alguns representantes da Corte Noturna vieram a mim antes, mas nunca me disseram nada a respeito…

— Considerando o quão desequilibrado você está, não me surpreende que não tenham feito nada. Você não teria ouvido de qualquer forma.

— Eu não estou desequilibrado! — argumentou, me encarando com irritação.

    Eu ri com escárnio.

— Pense o que quiser — ele semicerrou os olhos em minha direção, irritado, mas eu apenas me levantei e caminhei até o local onde meu livro fora parar.

    Pela milésima vez naquele dia, o silêncio se instaurou entre nós, contudo, dessa vez ele não pareceu tão pesado. Pareceu confortável. Isso se devia ao fato de não haver mais a tensão a respeito do motivo da minha presença ali, provavelmente.

— Você disse que veio aqui como uma última chance de redenção… O que tem em mente?

    Voltei ao meu assento e depositei o livro sobre a mesa de carvalho, apoiando o rosto em minhas mãos.

— Trazer vida de volta à Primaveril.

— Por quê?

    Eu o encarei pelo que pareceu ser uma eternidade, perdendo-me em meus próprios pensamentos antes de finalmente despertar e dizer, a voz fria como a morte:

— Porque quero dar um fim definitivo a todo o pesadelo que a guerra causou. 

— Só isso? — a desconfiança era palpável.

— Precisa de outro motivo? Não é o suficiente? — retorqui. Suspirei, sentindo o peso de seu olhar sobre mim — Olha, eu não tenho obrigação de ajudar a melhorar o estado em que a corte se encontra, mas eu quero porque já cansei de ver tanta desesperança… E, querendo ou não, você é meu primo. Não posso deixar que arraste essa corte e nossa linhagem para a lama. — conclui — Aceitará minha ajuda a se reerguer, meu senhor? 

    O macho virou-se para um belo quadro, visivelmente mais novo do que os outros pendurados pela biblioteca. Seus olhos pareceram suavizar por um instante, um brilho nostálgico e até mesmo soturno apossando-se deles.

— Tamlin. — ele disse ao se voltar para mim — Me chame pelo meu nome.

    Sorri suavemente.

— E então, Tamlin, você aceita minha ajuda?

    Estendi minha mão.

E ele a tomou com um aperto suave.

— Será um prazer trabalhar com você — falou: — prima.



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