História Crônicas de colegial - Que brincadeira sem graça

Pov Rayssa on

Estou tocando piano na sala de estar há mais de 3 horas... Isso parece muito tempo, não é? Mas é a única coisa que tenho para fazer hoje. As meninas provavelmente estão ocupadas e eu acho melhor ficar em casa relaxando nesse belo dia de domingo.

As empregadas foram embora mais cedo, e o único que está aqui é o Oliver, um jardineiro que a minha mãe contratou na semana passada para cuidar do nosso jardim.

Ouvi o meu celular vibrar do meu lado no banco e parei de tocar. Com certeza não é a Alexia, ela mal falou comigo hoje... E o Trevor deve estar pescando com a família dele. Na dúvida, resolvi atender o celular. Sem ao menos olhar quem estava ligando.

– Olá – Aproximei o celular da minha orelha e me levantei do banco 

 – Eu vou direto ao ponto. Você quer sair comigo hoje? – Reconheço a voz do outro lado. Óbvio que é a Camila – Responde logo, fia

– Sabe, é que eu estou fazendo umas coisas e... – Ela me interrompe

 – Qual é, Rayssa. Inventa uma desculpa melhor 

 – Não é uma desculpa – Revirei os olhos e ouvi a risada irônica dela – Pela pouca experiência que tem comigo, você sabe que se eu não quisesse sair com você, eu diria 

– Então o que te impede de sair comigo hoje? – Ela pergunta 

– Minha vontade de ficar em casa

 Me sentei novamente no banco do piano, esperando ela falar alguma coisa.

– Tá bom... Chego aí em alguns minutos 

– Mas eu já falei que não vou, Camila – Repeti 

 – Quieta, menina – Ela falou 

 – Você tá perdendo o seu tempo, ouviu? Eu não vou a lugar nenhum – Fiquei quieta por um tempo, mas logo percebi que ela desligou a ligação – Que escrota 

Olhei por um momento as teclas do piano, e logo deixei o celular de lado para voltar a tocar.

*** 

Quando ouvi a campainha tocar pela segunda vez, eu me levantei do sofá para atender a porta. A Camila cruzou os braços e me observou por uns longos segundos... Tudo bem, talvez seja a minha calça com estampa de ursinho, ou as meias cor de rosa. É assim que gosto de me vestir quando estou em casa.

– Você vai sair vestida assim? – Ela perguntou, coçando um pouco a nuca 

 – Em que momento eu falei que ia sair? – Dei de ombros – E não fica zoando minha roupa

– Pode pelo menos me convidar pra entrar? 

– Tá, entra aí – Abri espaço e ela assim fez – Não repara no furacão que passou aqui... Eu estou meio agitada hoje 

A sala estava realmente bagunçada. Tinha batata frita espalhada na mesa de centro, as almofadas estavam no chão e o meu cobertor estava jogado no sofá. Mas a Camila não disse nada, só me observou enquanto eu fechava a porta.

– Ah, você pode pôr o seu casaco ali – Apontei para o gancho ao lado da porta e ela tirou o seu casaco de lã para pendurar onde eu mandei

 Eu respirei fundo, me sentei no sofá e me cobri novamente com o cobertor que lá estava. Aumentei um pouco o volume da TV e esperei a Camila se sentar para assistir também, mas ela apenas ficou em pé ao lado do gancho onde pendurou seu casaco.

– Camila? Senta aí – Chamei ela 

Me afastei um pouco para o lado e ela se sentou no sofá. Camila logo se inclinou para tirar seus sapatos, talvez por receio de sujar o tapete branco. 

– Espero que você goste de romance do século 19 – Olhei para ela de canto de olho – Mas se não gostar, vou te obrigar a assistir 

Ela riu e voltou a se aconchegar naquele sofá confortável, com as meias pretas sobre o tapete da sala.

– Eu gosto sim... Aliás, me dá um pouco desse cobertor? 

 – Claro que não – Respondi – Se você quiser, pega um lá no meu quarto

 – Ah, não seja tão chata – Ela revirou os olhos – Divide o cobertor comigo, vai... É mais que suficiente pra nós duas 

– Não 

– Por favor? – Camila pede novamente, mas não me comoveu 

– Tem vários lá no meu quarto, Camila. Sobe e pega um pra você – Insisti 

Levantei uma sobrancelha quando vi a expressão emburrada dela, de braços cruzados e um biquinho tão fofo... Parecia uma criança de 5 anos.

Tá bom, isso me comoveu.

– Aff... Toma aqui o cobertor – Cobri seus ombros com o meu cobertor rosa escuro

Ela sorriu convencida, com suas sobrancelhas arqueadas e eu balanço lentamente a cabeça, mas logo dou um sorriso também.

– Valeu, Rayssa 

– Quieta, chegou na parte interessante do filme – Voltei minha atenção para a TV 

Ela fez o que eu pedi e os primeiros 30 minutos foram bem silenciosos... A TV quase que prendia a nossa atenção, mas eu sempre olhava para o lado de relance e a Camila voltava a atenção para a TV rapidamente, pois também estava olhando pra mim.

– Tá querendo me falar alguma coisa? – Ela finalmente quebrou o silêncio, me encarando com aqueles olhos verdes 

– Não, não quero 

– Então para de ficar me olhando 

– E quem disse que eu estou te olhando? – Perguntei, de fato, não colocando meus olhos naquela convencida 

– Não? – Ela ri ironicamente – Eu podia jurar que te vi olhando umas 6 vezes

Que tipo de pessoa iria contar quantas vezes alguém olhou para ela?? 

– Além de convencida é mentirosa 

Cruzei os braços e fiz questão de olhar para ela com a minha melhor expressão de deboche. 

– Eu não estava olhando você, sua convencida – Menti novamente

– Admite logo... Estava olhando sim 

Aquilo já estava virando uma discussão. Eu e Camila juntas brigamos como duas crianças. E essa implicância até que é divertida as vezes. Ela sempre discorda de mim ou eu sempre discordo dela.

– Tá, Camila. Eu olhei sim – Finalmente admiti – Mas e daí? Você também estava me olhando e eu não falei nada 

– Isso por que eu gosto de te ver distraída – Ela deu de ombros e sorriu meio tímida 

 – Coragem. Eu sempre achei que fico horrorosa quando estou distraída 

– Não fica 

– Se você está dizendo...

[...]

Eu entrei no colégio pouco antes das 7:38, ou seja, estou no horário razoável. Fui na direção do meu armário e vi a Alexia surgir daquela multidão que se formava nos corredores. Ela veio na minha direção, carregando uma pasta embaixo do braço e um sorriso no rosto.

– Bom dia, minha querida – Ela se aproximou e me deu um beijo na bochecha 

– Oi, fofa – Sorri e lhe lancei uma piscadela – Alexia Martin chegando no horário... Isso é inédito 

– Engraçadinha – Ouvi a risada dela – Já que chegamos cedo, vamos ficar na escadaria por um tempinho antes que o professor apareça

Peguei tudo o que vou precisar para a aula e fechei o meu armário, pronta para ir ficar na escadaria.

– O que fez nesse domingo? – Eu perguntei, acompanhando a Alexia pelos corredores com minha mão enfiada no bolso traseiro da minha calça jeans

– Nada que seja da sua conta, moça – Ela responde, sendo explicitamente rude

Bom, é a Alexia, né? Meio que estou acostumada com esse lado dela.

– Credo, Alexia – Tentei rir, meio sem graça com a resposta dela – Não precisava disso. Só fiquei preocupada porque você não me ligou ontem 

– É brincadeira, amorzinho... Passei o domingo na casa do meu pai. Desculpe não ter ligado, aquele matagal onde o meu pai mora não tem sinal de telefone – Eu a vejo dar de ombros e respirar fundo – E você? O que fez?

 – Fiquei em casa, vendo filme de romance e comendo batata frita

– Que bad, ein? Nenhum gatinho?

– Não

Nos sentamos lado a lado no 18° degrau das escadas que davam acesso á sala dos professores. Era quase uma tradição do colégio, as garotas gostam de se sentar aqui durante os intervalos para conversar.

Eu coloquei meu caderno sobre meu colo e me inclinei um pouco para a frente, com o apoio dos meus cotovelos.

– Espero que a aula acabe rápido – Alexia se inclinou para perto de mim, com sua cabeça apoiada em meu ombro – Detesto esse professor

– Eu também – Bocejei de olhos fechados e apoiei a cabeça nos cabelos ruivos da minha amiga 

Alexia e eu somos o exemplo claro de duas pessoas que são totalmente diferentes, mas que se dão super bem. Ela odeia a maioria das coisas que eu gosto, principalmente a cor rosa. Ela diz que não tem nada haver com a sua personalidade e com seu cabelo ruivo... Disso eu discordo totalmente. 

***

– Gente, a Madison vai dar uma festa na casa dela essa semana – Disse a Stella, antes mesmo de se sentar no banco do refeitório – Vocês vão?

– Eu não sei, Stella – Naomy responde e dá de ombros 

– E vocês duas? 

Alexia e eu nos entreolhamos, acho que uma está esperando a resposta da outra. Eu realmente não sei se vou na festa da Madison, mas posso pensar no assunto se a Alexia disser que vai comigo. A Naomy provavelmente vai com o namorado dela, a Stella vai ficar de casalzinho com alguém da festa e eu sempre fico de vela.

Essa vergonha eu não aceito passar sozinha.

– Oi, Rayssa – A Alexia quebra o silêncio, trocas de olhares deixam ela desconfortável 

– Você vai na festa? 

– Sei não 

Voltei minha atenção para o meu refrigerante, ajeitando minha postura no banco para beber um pouco. Ficamos quietas por um momento, até Stella quebrar o silêncio.

– Bom, agora eu preciso ir... – Stella se levanta com pressa – Se o casalzinho aí for na festa, me avisem para eu dar carona

– Cala a boca, Stella – Revirei os olhos 

– Não tem casal nenhum aqui. Fica na sua – Alexia disse antes de arremessar uma maçã na cabeça da Stella, que soltou um gemido de dor – Escrota 

– E eu tô mentindo? Vocês duas vivem juntas... Já deve ter rolado alguma coisa – Stella disse, mas não em um tom irônico. Ela parecia estar falando sério – Isso é tão óbvio

Havia uma fúria nos olhos da Alexia quando ela encarou a Stella, mas ela não disse nada. Minha amiga sempre foi uma pessoa explosiva, então provavelmente está se controlando por causa da quantidade de pessoas no local. E eu também fiquei calada, mas não por estar me controlando... Eu estou constrangida. Muito constrangida com isso. 

– Tá vendo? Já rolou alguma coisa sim – Stella continuou. E a cada palavra dela, era possível ver a Alexia apertar mais ainda o seu punho direito – Mas pela cara da Rayssa, não foi muito bom 

Me assustei quando a Alexia deu um soco forte na mesa. Tão forte que fez nosso almoço tremer sobre a mesma... Ela realmente estava brava. E eu resolvi tentar acalmar a situação.

– Para com isso, Stella – Eu falei, com uma calma que nem sei onde encontrei – Que brincadeira sem graça

– Gente, parem de brigar, tá todo mundo olhando – Naomy reclama – Vocês estão me envergonhando

Stella esfregou o local acertado pela maçã, olhando fixamente para a Alexia, que também olhava pra ela. 

A essa altura, já havia uma quantidade enorme de alunos observando aquela cena. Alguns estavam rindo, outros estavam gravando.

E quando a Stella começou a rir, eu vi a Alexia se levantar, prestes a iniciar uma briga. Mas eu me levantei e segurei firme no braço dela, impedindo a minha amiga de assassinar a Stella.

– Já chega, Alexia! – Eu disse, com meus olhos fixos nos olhos enfurecidos dela – Brigar não vai adianta nada! Pare com isso!

Ela me encarou por alguns segundos, mas eu não soltei seu braço até que ela se acalmasse e voltasse a se sentar. Logo percebi que o clima naquela mesa ficou bastante pesado. A Stella saiu de fininho, assim como a Naomy... E a multidão que tinha se formado ao nosso redor já estava diminuindo. 

Fiquei em silêncio por um bom tempo. Eu não sabia o que dizer... Qualquer palavra ou ação minha só pioraria as coisas. Nesse momento eu só conseguia pensar nas coisas que a Stella disse.

As pessoas realmente acham que eu e Alexia temos algo além de amizade? 

– Rayssa... 

O sussurro da Alexia me tira daquela bolha de pensamentos. Eu olhei para ela, mas ela ainda estava de cabeça baixa.

– Me desculpe por ter perdido a calma

– Ei, tá tudo bem – Levei minha mão até o ombro dela e sorri tranquilamente 

– Está mesmo? – Ela perguntou, olhando para mim com as sobrancelhas arqueadas 

– Sim, sua boba

 Alexia sorriu meio sem jeito e eu encostei minha cabeça no ombro dela.

– Vou conversar com a Stella depois da aula. Ela vai ter que me explicar aquilo 

– ... – Alexia apenas respirou fundo, com seus dedos entre meus cabelos bagunçados 

– E você não vai falar com ela até eu ter resolvido essa situação – Me afastei do seu ombro e olhei para ela – Ouviu?

– Sim, Rayssa... Eu ouvi

Continua...