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História Cupid Arrows - 02. Otherside


Escrita por: SKYPlanet e cobrinhaw

Notas do Autor


Oi oi!
Finalmente venho aqui para postar o penúltimo capítulo de Cupid Arrows. Espero que vocês gostem do Jongin que eu criei com tanto carinho.
↠ Como eu já tinha comentado no último capítulo, a playlist da fanfic está nas notas finais. Recomendo que a escutem.
↠ Esse capítulo não foi betado, então me perdoem por qualquer erro.
Boa leitura!

Capítulo 2 - 02. Otherside


Otherside, por cobrinhaw.

 

Sehun queria mais do que tudo no mundo um ombro para chorar e desabafar. Queria entender o motivo de se sentir tão mal ao deixar Chanyeol, entender o porquê de o seu coração doer tanto. Sabia, porém, que não encontraria respostas em lugar algum. Esticou o braço e puxou o seu lovematcher de dentro da aljava.

Não sabia muito bem o que queria encontrar ali, mas foi impossível evitar a decepção que tomou conta de seu corpo ao perceber que nada tinha mudado e ainda tinha que juntar Chanyeol e Jongin. Talvez, bem no mundo de sua mente, Sehun desejasse ver o próprio nome ao lado do nome do músico. Voltou a guardar o aparelho e suspirou enquanto procurava a casa do arquiteto no meio de tantas outras.

As casas vizinhas eram, em geral, muito semelhantes umas às outras. Todas eram grandes, tinham piscinas e jardins e janelas que pouco escondiam o que deveria ser privado. Os muros eram altos e câmeras gravavam tudo o que acontecia na rua. Sehun já tinha passado algum tempo em uma mansão antes, mas não em uma tão chamativa quanto a de Kim Jongin. Ela era diferente das outras, um pouco mais moderna e um tanto quanto única. Cortinas cobriam as janelas que estavam fechadas, o que fez com que o cupido grunhisse em irritação. Não encontrou nenhuma fresta para que pudesse entrar na casa. Sentindo-se incomodado, pousou na frente dos portões e tocou o interfone, assumindo a sua forma mais humana. As asas sumiram e ele se sentiu melhor do que geralmente se sentia.

Na maior parte das vezes, ficar sem a sua habilidade de voar era péssimo para Sehun. Sentia-se estranhamente leve e incapacitado. Naquele momento, porém, nada lhe fazia falta. Os momentos com Chanyeol o distraíram tanto que mal notou a falta que as suas asas faziam.

Esperou alguns minutos, percebendo que não tinha pensado muito antes de pressionar o interfone. Não tinha olhado os horários de Jongin, então tinha altas chances de ser obrigado a ficar ali, no frio, esperando por ele. Abraçou o próprio corpo, desejando ainda estar usando a jaqueta de Chanyeol. Um tempo depois, o som arranhado do interfone chamou a sua atenção. Ficou aliviado ao saber que o Kim estava em casa.

— Quem é? — perguntou a voz que saía pelo alto-falante. Sehun mordeu os lábios, indeciso.

— Sehun — respondeu simplista. Sabia que aquela resposta não era o suficiente para conseguir entrar na casa, mas era a única que tinha.

Ficaram em silêncio durante alguns segundos, o som de folhas deslizando pelo chão sendo o único que chegava às orelhas do cupido.

— Eu não conheço nenhum Sehun. — A voz melodiosa de Jongin cortou o silêncio entre eles, parecendo inclinada a não o receber.

Jogou tudo pelos ares.

— Eu sei, mas eu conheço você — disse. — Precisa me deixar entrar, eu estou congelando aqui fora. Garanto que vai se interessar pelo que tenho a dizer.

Aguardou por mais tempo. Soprou as próprias mãos, finalmente ouvindo o som de um suspiro pelo interfone.

— Pode entrar. Toma cuidado com os primeiros degraus, a lâmpada queimou e eu ainda não comprei outra.

Ouviu o portão ser aberto no instante seguinte. Empurrou-o com a ponta dos dedos, voltando a fechá-lo quando se viu do lado de dentro. Assim como Jongin tinha sugerido, a luz estava fraca e mal conseguia ver os degraus. Olhando para os próprios pés no escuro, Sehun subiu a escada com cuidado. Logo passou a enxergar tudo em detalhes.

A escada era de pedra, rodeada pela grama verde do jardim. Não demorou muito para que chegasse às portas de madeira da casa, que logo foram abertas. Jongin surgiu por elas, analisando-o cuidadosamente. Não era muito discreto, olhando para o cupido dos pés à cabeça. Por fim, sorriu. Tinha dentes brancos reluzentes, os fios longos de sua franja colocados para o lado e roçando nos óculos de armação redonda apoiado na ponte do nariz achatado. Usava roupas que pareciam confortáveis, um suéter bege grosso cobrindo os braços longos. Nós pés, uma pantufa em formato de urso. Parecia adorável. 

Decidiu naquele momento que não deixaria que os sentimentos de Chanyeol — e os seus, ainda que ele mesmo não soubesse o que estava sentindo — interferissem na sua missão. Quando estivesse sozinho, permitiria que as lágrimas sem sentido escorressem pela sua pele. Mas agora tinha coisas mais importantes a fazer, então deixaria isso de lado.

— Boa noite — desejou Jongin enquanto dava espaço para que o estranho entrasse em sua casa. — Tem aquecedor.

O cupido levou algum tempo para entender a razão de ele ter citado o aquecedor, só depois percebendo que o frio que sentia tinha desaparecido ao entrar na casa. Jongin fechou a porta outra vez e ergueu o braço em direção à sala, sugerindo que se sentassem para conversar.

A casa era — se isso fosse possível — ainda mais bonita por dentro. Quase não tinha paredes, o que tornava o espaço interior ainda maior. As cortinas que cobriam as enormes janelas eram acinzentadas, assim como os sofás. Um grande tapete branco como a neve cobria boa parte da sala, se destacando por baixo da mesa de vidro preto.

A diferença entre o apartamento de Chanyeol e a mansão de Jongin era absurda. Não apenas pelo tamanho, se diferenciavam até mesmo nos mínimos detalhes. Um exemplo disso era o aquecedor que dispensava o uso de roupas grossas dentro do local. Ainda assim, o Kim não abandonava o seu suéter.

Sehun tirou os tênis emprestados pelo Park e os colocou no lugar onde estavam alguns outros sapatos de Jongin. Tinha pés menores que os de Chanyeol, o que tornava o uso do sapato um pouco desconfortável. Notou que calçava um número semelhante ao do arquiteto. Com os pés tocando o chão diretamente, seguiu o dono da casa até o sofá, optando por se sentar na poltrona de frente para ele. 

— O que você tem a me dizer? — Jongin iniciou a conversa.

— Acho que não adianta enrolar — deslizou os dedos dos pés pelo tapete macio. — Eu sou um cupido e tenho que juntar você e o seu amado. Acabei de sair do apartamento dele e essa é a razão de eu estar roupas tão normais.

Ao contrário de Chanyeol, o arquiteto não se exaltou. Não parecia muito surpreso, os olhos permanecendo ternos enquanto olhava para o outro homem. Ele piscou uma única vez, relaxando a postura sobre o sofá.

— Tudo bem. Como isso funciona?

Sehun estava incrédulo. Dentre todas as suas missões, nunca alguém tinha reagido de maneira tão calma, aceitando a situação sem duvidar nem um pouco de suas palavras. Jongin era uma pessoa estranha, concluiu. Ingênuo demais. Percebeu que talvez ele já tivesse passado por muitos problemas durante a sua vida por ser assim, por confiar demais em qualquer um. 

— Como eu te disse, eu estive com a sua pessoa antes. Isso porque, diferentemente do imaginário popular, eu não posso te juntar a qualquer um. Vocês foram destinados desde o momento em que vieram ao mundo — arranhou a garganta. — Antes que me pergunte, você só está me vendo porque o seu caso é diferente, mas eu normalmente só preciso acertar as pessoas com as minhas flechas.

— O que quer dizer com diferente? — perguntou, erguendo o indicador para empurrar os óculos para trás, ajeitando-o no rosto.

— Vocês já se conhecem e têm sentimentos um pelo outro, mas os bons ainda não foram despertados — explicou calmamente. Jongin o olhava com atenção. — Isso quer dizer que vocês não se gostam. 

O arquiteto encostou as costas no sofá, esticando as pernas enquanto pensava silenciosamente. Considerava-se uma pessoa amigável, sem inimigos. Sabia que obviamente nem todos gostavam de si, mas não passava muito tempo pensando nisso. Tinha tido conflitos diretos com um total de três pessoas durante toda a sua vida, e não tinha se resolvido com apenas uma dessas pessoas. Não era muito difícil de adivinhar quem era.

— Você está falando do Park Chanyeol? — questionou, vendo os olhos do cupido se arregalarem. — Eu não o odeio, mas confesso que preferia que fosse outra pessoa. A presença dele me deixa desconfortável e eu prefiro distância.

Sehun se sentiu incomodado. Acreditava que Jongin saber de imediato a quem estava destinado parecia terrível. Claro, assim poderia entrar de cabeça no passado dos dois e tentar fazer com que ele abrisse o seu coração para Chanyeol, mas também significava que ele poderia se manter recluso desde o início. Ele coçou a palma da mão nervosamente antes de responder.

— Sim. Eu sei que vocês não se dão bem, mas isso é porque nunca tentaram entender um ao outro. Tenho certeza de que começarão a se dar bem com uma única conversa — tentou persuadi-lo com as suas palavras. Jongin piscou algumas vezes, as bochechas ficando levemente avermelhadas por algum motivo desconhecido.

— Como vamos conversar se não conseguimos ficar no mesmo lugar sem brigar? Ele é insuportável, me importuna desde sempre. Eu não sei o que fiz para ele decidir que quebrar os meus brinquedos no jardim de infância era uma boa ideia, mas essa intriga é totalmente culpa dele. — Jongin estava irredutível. Ele acreditava fielmente que o que tinha surgido entre eles não tinha sido, de maneira alguma, influenciado por ele.

De fato, ele já tinha tentado se acertar com ele alguns anos atrás, na festa de formatura de Chanyeol. Era um ano mais novo que ele, mas tinha uma irmã mais velha que também se formou naquele dia. Engolindo o seu orgulho e disposto a deixar tudo para trás, Jongin esperou que a cerimônia chegasse ao final e foi até o garoto que tinha oficialmente concluído o ensino médio. Não teve chance alguma, visto que bastou que ele abrisse os lábios para que o Park o cortasse pela raiz. Sem pensar duas vezes, ele disse que “não estava interessado em ouvir as besteiras de Jongin, e que finalmente não seria obrigado a ver o seu rosto todos os dias”. Com o ego ferido — e o coração também, embora ele nunca fosse admitir isso —, Jongin deu as costas prometendo a si mesmo que nunca mais o procuraria.

Os planos de Chanyeol não deram certo, se encontraram no mesmo supermercado na semana seguinte. Dessa vez, Jongin o ignorou e empurrou o carrinho para longe. Se ele não queria ver o seu rosto, aquela seria a sua menor preocupação. Também não queria vê-lo.

— Você não acha que isso é algo muito pequeno? — perguntou Sehun. Obviamente não sabia todos os detalhes da vida dos dois, o pedido de desculpas frustrado sendo um desses detalhes. Por isso, não entendia como alguém doce como o arquiteto podia estar tão inflexível.

— Não.

— Tudo bem — deu de ombros.

— O quê?

— Tudo bem — reafirmou. — Eu sei que você não pensa assim de verdade, vocês não seriam destinados caso pensasse. Acho que você precisa de um tempo para pensar e aceitar que a sua vida está prestes a mudar mesmo que minimamente.

Jongin desceu os olhos para as próprias mãos, refletindo. Sehun fez bom uso do silêncio instaurado entre eles e o observou com calma. Era um homem muito bonito, os olhos castanhos chamando a atenção do cúpido mesmo por trás das lentes de vidro. Tinha lábios grossos e o maxilar marcado, o corpo esguio se destacando ainda que estivesse sentado de uma maneira desajeitada no sofá que provavelmente custava um rim. Não estavam tão próximos um do outro, mas conseguia ver uma sombra escura em seu queixo. Uma barba surgiria ali caso ele não a raspasse. Notou que estava com fome quando o seu estômago roncou repentinamente e o Kim o olhou de imediato, alarmado.

Sehun tinha que aprender a controlar os sons que emitia, tinha passado pela mesma situação com Chanyeol e começava a se sentir constrangido pela falta de conhecimento de seu próprio corpo.

— Você está com fome? Posso pedir uma pizza se você quiser. Cupidos comem pizza? — perguntou para si mesmo. Sehun viu ele se levantar rapidamente e ficar levemente tonto por alguns segundos. Era bem nítido, já que ele logo buscou apoio no braço do sofá e fechou os olhos com força. Sequer notou que tinha se levantado e tocado as costas de Jongin ao vê-lo cambalear, dando uma ajuda extra caso ele caísse. — Droga de pressão baixa — ele resmungou.

— Quer se sentar? — Sehun se preocupou, esquecendo-se da mão que mantinha nas costas do outro. Jongin negou imediatamente, sorrindo pequeno enquanto se afastava. Parecia melhor, mas o seu rosto ainda estava pálido.

Seguiu-o até a cozinha. Assim como o resto da casa, as suas cores se resumiam ao branco e ao preto, variando para o cinza. A torradeira em cima da pedra em formato de “L” era um dos únicos objetos que destoava da paleta de cores. Sehun gostava daquela casa, ela era agradável aos olhos. Jongin pegou dois copos e colocou um de cada vez no pequeno espaço na porta da geladeira que liberava água gelada, esperando o próprio copo encher após ter entregado um para o cupido. Tocou o vidro frio e deu um longo gole, sentindo a sua garganta agradecer. Foi o primeiro a quebrar o silêncio, apoiando o corpo no balcão e olhando para o outro.

— Ainda não me disse se quer que eu peça pizza ou não.

Sehun não entendia muito bem o porquê de tanto Chanyeol quanto Jongin gostarem tanto das tão famosas “comidas por aplicativo”. Era, provavelmente, a única semelhança que tinha encontrado entre eles. Não os julgava, mas pensava em como eles fariam quando, em um futuro nem tão distante, passassem a relacionar.

— Não, eu… — Sehun fez uma pausa para cuidadosamente colocar o copo na ilha da cozinha — Eu posso tentar fazer alguma coisa. Nada contra pizza, mas acho que já está meio tarde. Inclusive me perdoe por ter aparecido em um horário tão ruim, eu não tinha muita opção.

— Eu normalmente me ofereceria para tentar cozinhar, mas eu sou um desastre na cozinha. Não quero envenenar o meu cupido. — Jongin deu uma piscadinha, os lábios se erguendo levemente. Sehun sentiu as orelhas esquentarem e engoliu em seco. — Sobre as horas, eu não me importo. Eu durmo bem tarde e estava tendo uma noite bastante tediosa.

O cupido assentiu em compreensão e terminou de beber a sua água, umedecendo os lábios secos. O arquiteto o olhou durante algum tempo, sentando-se em uma das banquetas próximas à ilha e apoiando o rosto na palma das mãos.

— Você cozinha no céu? Quer dizer, você está acostumado com as panelas e tudo mais? — ele se sentiu um idiota na mesma hora em que as palavras deixaram a sua boca, mas não tinha como voltar atrás. 

Ainda não estava acostumado com a ideia de cupidos serem reais, apesar de ter lidado bem com a situação. Cupidos bebês com olhos azuis, cachos loiros e barrigas macias estavam tão impregnados na cultura mundial que ver um homem adulto como um parecia muito surreal. Sehun tinha cabelos e olhos escuros, era mais alto que ele e definitivamente não era gordinho. Era o completo oposto do que ele imaginava.

— Não. Eu não preciso comer quando estou, você sabe, no céu. O único motivo de eu sentir fome agora é esse corpo mais humano. — Sehun abriu a geladeira, notando que, apesar de enorme, ela não tinha muitos alimentos dentro dela. — Só sei o básico, isso porque uma das mulheres que eu tive que ajudar alguns anos atrás era dona de um restaurante e fez questão de me ensinar alguns pratos. Tem macarrão em algum lugar? Não tenho forças para abrir todos esses armários.

Foi inevitável que o arquiteto gargalhasse. Ele tampou o próprio sorriso com uma das mãos, o que fez com que o mais alto quisesse tirá-la dali à força. Não entendia a razão de ele ter escondido a sua felicidade. 

— Eu acho que tem um pacote na gaveta à sua direita — respondeu após o seu riso chegar ao fim. — É uma casa um pouco exagerada, não é? Estive pensando em adotar um companheiro para diminuir a solidão que eu sinto quando ouço o eco da minha voz.

O clima pesou depois daquilo. Sehun não sabia o que dizer, porque entendia aquele sentimento e nunca tinha encontrado uma solução para si mesmo. Abriu a gaveta indicada pelo Kim e encontrou um pacote de macarrão e uma lata de massa de tomate ao lado. Pegou ambos, sentindo-se satisfeito por não ter que procurar por mais tempo.

— Acho que você não pode adotar um urso. O que acha de um cachorro? — sugeriu, lembrando-se do dia em que o viu olhando ursos de pelúcia no supermercado.

— Como você… — Jongin olhou para os próprios pés, a expressão de surpresa suavizando quando viu que estava usando as suas pantufas favoritas — Entendi. Eu sei que não posso adotar um urso, mas não penso em pegar um cachorro. Prefiro gatos.

Sehun não tinha tido uma experiência muito boa com o último gato com que teve contato. Bastou que ele botasse os pés no chão com as asas à mostra para que o bichano saltasse em sua direção, chiando e envergando o pequeno corpo quando o cupido desviou a tempo. Escolheu não contar que não era muito fã daquele animal em específico, afinal, do que importava a sua opinião? Não ficaria muito tempo naquela casa.

Também não disse que a razão de ele ter citado o urso não foi o que ele calçava, mas sim a memória que veio em sua mente de quando o viu pela primeira vez.

— É, você que sabe — disse por fim. Analisou os armários com os olhos e abriu uma das portas, comemorando ao encontrar a panela que precisava de primeira. Pegou-a e abriu a torneira para deixá-la encher. — Por que acreditou em mim tão facilmente? O Chanyeol pediu para ver as minhas asas como prova de que eu realmente sou um cupido.

— Prefiro acreditar na bondade das pessoas. Não tem porque mentir sobre algo assim — explicou Jongin. — Além disso, você tem uma beleza muito angelical. Mas confesso que eu adoraria ver as suas asas também. Se você se sentir confortável, é claro.

O cupido engoliu em seco, desviando o olhar em uma tentativa de esconder as reações que aquela simples frase tinha causado em seu corpo. Estava muito sensível, concluiu. Deixou a panela sobre a pedra e, de costas, permitiu que as suas asas aparecessem mais uma vez pelos buracos que tinham surgido na sua camisa outrora. Sentiu-se pesado e fixou os pés no chão para manter-se estável. 

Era um fato inegável que as asas de Sehun eram extremamente belas, mas Jongin não estava preparado para vê-las. Sentiu-se fascinado ao ver as penas brancas e de aparência macia, uma vontade surreal de tocá-las surgindo em seu âmago. Boquiaberto, levantou e se aproximou do cupido.

— Eu posso tocá-las? — pediu ele quando já estava perto o suficiente. Sehun virou-se para encará-lo nos olhos, como se tentasse ver as suas verdadeiras intenções. Com um suspiro, assentiu permitindo que ele encostasse em si.

Sob os olhos do cupido, Jongin delicadamente tocou as asas com as pontas dos dedos, vendo Sehun permanecer quieto. Não tendo recebido uma reação negativa, movimentou os dedos de cima para baixo, então desviando o foco para a lateral de uma das asas. Notou que aquela parte era mais dura, um provável osso. Afastou-se ao se dar por satisfeito, ainda sentindo a maciez em suas mãos. 

— Elas são legais — sorriu. O mais alto retribuiu o sorriso, voltando a escondê-las. — Vou te deixar cozinhar em paz.

Com um leve menear de cabeça, Sehun voltou a sua atenção à panela e a levou até o fogão. Jongin voltou a se sentar na banqueta e ficou em silêncio, mas não por muito tempo. O cupido nunca tinha visto um fogão como aquele: ao invés de trempes e queimadores, ele era completamente liso. Apenas um vidro preto sem qualquer botão. Franziu o cenho, confuso.

— Vou precisar de uma ajudinha — constatou.

[...]

Após um banho quente em uma enorme banheira lotada de espuma, Sehun vestiu o pijama macio que Jongin tinha lhe emprestado. Esfregou a toalha nos fios longos para tirar o excesso de água e se olhou no espelho, sentindo-se diferente.

Não sabia dizer o que tinha mudado, mas estava ali. A sua pele parecia mais corada, o rosto mais comum do que quando estava com a aljava pendurada ao corpo e o arco e flecha em mãos. Os lábios estavam mais secos, o cansaço o dominando. Parecia cada vez mais humano, e isso o assustava. Agarrou a escova de dentes nova e a molhou, colocando um pouco de pasta nas cerdas e escovando os dentes com rapidez. Não olhou para o espelho outra vez, evitando-o ao máximo. Tinha medo do que poderia encontrar ali caso olhasse para o próprio reflexo novamente. Pendurou a toalha no pequeno suporte na parede e abriu a porta, deixando o banheiro do quarto.

Era uma casa realmente grande. O arquiteto não só tinha um quarto para visitas, mas também um banheiro próprio para elas. O banheiro era maior do que a sala de Chanyeol. O quarto, ainda que simples, exalava riqueza. A cama era enorme e cheia de travesseiros, o guarda-roupas tinha portas de correr e o lustre era de cristal. Havia uma pequena estante com alguns livros próxima à televisão, o que Sehun achou interessante. Nunca tinha tentado ler algum livro, mas vontade não faltava. Era uma pena que não fosse ter tempo o suficiente para isso.

Puxou as cobertas — Jongin tinha preparado a cama por ele enquanto estava na banheira — e enfiou-se entre elas, soltando um murmúrio de satisfação ao sentir a maciez do colchão e do travesseiro contra o seu corpo. Esticou o braço preguiçosamente e tateou a parede em busca do interruptor, apagando as luzes quando finalmente o encontrou. Na escuridão do quarto, Sehun permitiu que as lágrimas que segurava desde o momento em que abandonou o apartamento de Chanyeol escorressem pelo seu rosto e molhassem a fronha branca do travesseiro. Tentou ser silencioso, tampando a boca com a mão para que não emitisse qualquer som. 

Não queria que o Kim soubesse que tinha um cupido quebrado, um que tinha se envolvido mais do que deveria com aquele que lhe havia sido destinado desde o dia em que nasceu. Sehun sentia-se péssimo, um traidor. Cupidos não deveriam sentir tantas emoções, tanto amor e tanta dor, mas ele sentia.

Com os olhos inchados e o nariz vermelho de tanto chorar, Sehun adormeceu.

 

Acordou na manhã seguinte ao escutar batidas leves na porta. Apesar de ter dormido a noite inteira numa cama confortável e quente, o cupido se sentia péssimo. Puxou o cobertor para perto do rosto e pressionou os olhos antes de, com a voz falha pelo tempo em desuso, dizer:

— Pode entrar.

Jongin surgiu pela porta, bonito como sempre. Vestia calças pretas e uma camisa social aberta até o peito. Os fios longos haviam sido jogados para trás e os óculos pendiam em seu nariz. Sehun olhou-o com os olhos pesados pelo sono, vendo-o andar até o meio do quarto e olhar ao redor de maneira constrangida.

— Bom dia. Eu só vim te avisar que estou indo trabalhar, mas você pode continuar dormindo se quiser — falou ele, colocando uma das mãos no bolso da calça e tirando dali um celular, Sehun notou que ele ainda não tinha calçado os sapatos, tendo os pés cobertos apenas pelas meias. — Eu encontrei o meu antigo celular em uma das gavetas, vou deixá-lo com você para caso precise falar comigo enquanto eu estiver no trabalho. Você sabe mexer?

Sehun ajeitou-se na cama, bocejando enquanto sentava. Vendo-o negar com a cabeça, Jongin se aproximou e entregou o celular para ele. O cupido ergueu uma sobrancelha e avaliou o aparelho como se nunca tivesse visto um antes — o que definitivamente não era verdade. Os seus dedos se esbarraram quando o arquiteto pressionou um botão na lateral do celular e a tela acendeu. Sehun afastou o indicador e olhou para o outro com os olhos curiosos.

— Não é muito difícil. Basta tocar na tela. — Ele deslizou um dos dedos para cima, mostrando os aplicativos. — Se quiser me mandar uma mensagem, é só clicar nesse aplicativo e digitar.

— Parece muito com o meu lovematcher. Acho que eu sei mexer sim.

— O que é um lovematcher? 

Em um piscar de olhos, a aljava de Sehun estava presa ao seu corpo. Ele empurrou as cobertas para conseguir se movimentar livremente e abriu com facilidade o bolso onde deixava o dispositivo, mostrando a traseira do objeto para o Kim. Não podia deixar ele ler o que ali estava escrito. Tinha informações muito pessoais ali, o que poderia deixá-lo desconfortável. Além disso, não queria atrapalhar o futuro relacionamento dele com Chanyeol. Mostrar coisas tão pessoais destruiria todo o processo de conhecimento entre os dois.

— Todos nós temos um. É onde recebemos as nossas missões e todas as informações necessárias sobre os amantes — explicou.

— Que tipo de informações?

— As mais básicas. Nome, idade, endereço, orientação sexual.

Estava omitindo algumas partes, mas não se sentia culpado por isso. Existem coisas que os humanos simplesmente não deviam saber. Coisas dolorosas, que podem machucar. Coisas surreais, que podem enlouquecer qualquer pessoa sã. Era como as coisas funcionavam: ninguém sabe tudo. Ter dúvidas é natural e essencial. Fazia aquilo não apenas pelo bem de Jongin, mas também para manter a ordem natural da vida. Existiam coisas que nem mesmo ele sabia.

— Faz sentido. Parece um tablet, você vai se virar bem com o celular — constatou. — Devo voltar apenas de tarde, mas vou tentar não demorar muito. 

Sehun sorriu levemente.

— Bom trabalho — desejou Sehun, de repente sentindo uma enorme vontade de bocejar. Não se reprimiu, sentia as pálpebras caírem mesmo após ter tido o seu sono interrompido.

— Obrigado. Tenha um bom sono. — Jongin aproveitou a proximidade e deixou um beijo breve na bochecha do cupido, que arregalou os olhos em surpresa, boquiaberto. 

O arquiteto definitivamente não tinha pensado muito no que fez, acostumado a ser uma pessoa calorosa. Repreendeu-se internamente, temendo ter assustado Sehun. Sentindo-se agoniado, deixou o quarto sem dizer mais nada.

Sehun tocou a própria bochecha, sentindo-a quente. Percebendo que estava agindo como um tolo, engoliu em seco e guardou o lovematcher na aljava, fazendo-a sumir em sequência. Com o coração acelerado, colocou o celular antigo do Kim na mesa de cabeceira e voltou a se deitar, fazendo questão de cobrir o rosto com a coberta.

Embora fosse a sua intenção, ele não conseguiu voltar a dormir. Estava ocupado demais tentando entender o que estava sentindo.

[...]

O cupido conseguiu lidar consideravelmente bem com o fato de estar completamente sozinho em uma mansão quando deveria estar colocando uma flecha no peito de Park Chanyeol e outra no de Kim Jongin. Achou biscoitos no armário e, surpreso com o sabor, comeu todos os biscoitos que encontrou. Um filme sobre vampiros passava na televisão, e isso foi capaz de capturar a sua atenção. Estava tão preso ao romance de Bella e Edward que mal viu o tempo passar. Maratonou todos os filmes da saga e se surpreendeu ao sentir lágrimas quentes escorrerem por suas bochechas na cena da suposta guerra entre os Cullen e os Volturi. 

Se viu desejando ter um relacionamento, uma família. Porém se proibiu de pensar nisso e trocou de canal, deixando em um programa culinário.

O dono da casa chegou do trabalho quando o dia já estava escurecendo. Ele segurava uma pasta de couro e massageava as costas, uma expressão cansada em seu rosto. Encontrou o cupido no sofá de sua sala e foi em sua direção, vendo que ele estava focado demais na televisão para ao menos cumprimentá-lo.

— Ei — chamou-o, também se sentando no sofá macio. Sehun o olhou com espanto. — Como foi o seu dia?

Sehun dizia para si mesmo que o beijo na bochecha não tinha importância e se empenhou ao máximo para não pensar nisso durante o seu dia, mas bastou que botasse os olhos no arquiteto para que os pensamentos voltassem à sua mente como um tornado, bagunçando-a sem dó nem piedade.

— Oi, eu não te vi chegando — falou, puxando as pernas para que Jongin tivesse mais espaço. — Foi bom. Assisti alguns filmes.

O Kim desceu o olhar para as pernas brancas do cupido, reparando em uma pequena cicatriz em seu tornozelo. Era uma marca recente, ainda vermelha e não curada. Não era muito chamativa, mas ainda estava ali. Agarrou os tornozelos de Sehun e os puxou com delicadeza, colocando os pés dele sobre o seu colo. Estava tentando demonstrar, sem usar palavras, que não se importava com a sua presença. Na verdade, a apreciava.

— Quais filmes? — perguntou, relativamente curioso. Preferiu não comentar sobre a cicatriz, temendo que a memória fosse dolorosa. Podia falar sobre isso no futuro, isso se Sehun estivesse em sua vida no futuro.

Sehun não se mostrou incomodado pelo contato, embora o seu corpo tenha saltado discretamente quando sentiu as mãos quentes o tocarem sem aviso prévio. Jongin considerou os seus olhos indecifráveis naquele momento. Estavam nublados por algo que ele desconhecia.

— A saga Crepúsculo, todos os cinco. Já assistiu? — respondeu. 

— Não, não é muito o meu estilo. — O arquiteto deslizou os dedos pelos tornozelos nus, roçando levemente na cicatriz. Parando-os nos pés, fez pressão ao começar uma massagem. Sehun murmurou, apreciando o toque desconhecido por si até o momento. — Não costumo assistir muitos filmes, mas gosto dos de drama. Os antigos me chamam mais atenção.

Sem saber como responder, o cupido fechou os olhos e se esticou no sofá, mostrando que estava gostando da massagem feita pelo outro. Jongin sorriu, os cantos dos lábios inevitavelmente se erguendo. Notou que Sehun, apesar de alto e de ter um rosto tão sério, era adorável. 

E o seu coração acelerou. Inevitavelmente.

[...]

A noite chegou e com ela veio a melancolia. Sehun deveria estar dormindo, mas a sua mente estava a mil. Não conseguia, tinha muitas coisas o afligindo. Antes que notasse, já tinha aberto a janela do quarto que era temporariamente seu e saltado com as asas abertas. Abriu-as e voou em direção ao bar que tinha conhecido por causa de Chanyeol. Não sabia o que tinha lhe feito tomar uma atitude tão impulsiva, mas a tomou. Precisava ir até lá. Precisava vê-lo — e não sabia o porquê.

Diferentemente da última vez em que pisou no local, o cupido não era visível aos olhos daqueles que estavam no bar. Naquele momento, apenas outros cupidos, Jongin e Chanyeol podiam vê-lo. Aproveitou para se esgueirar entre os corpos suados, puxando a cortina a alguns metros do palco para se esconder. Deixou apenas o rosto descoberto. Não queria se visto.

O avermelhado já estava no palco desde quando chegou, a voz grossa dominando o estabelecimento. Com os olhos brilhando e os ouvidos atentos, Sehun prestou atenção na música que ele cantava.

Centuries are what it meant to me — ele cantava, uma das pernas balançando nervosamente. Os fios vermelhos estavam mais bagunçados que o normal, a embargada e levemente rouca. Chanyeol deslizou os dedos pelo violão em seu colo.  — A cemetery where I marry the sea…

O cupido não sabia ao certo se gostava da música ou apenas da voz do Park, mas ele sabia que algo daquele conjunto o atingia. Balançava a cabeça no ritmo da música, sentindo o coração bater fortemente no peito. Quando a música chegou ao fim e Chanyeol se levantou, Sehun esperou ele se virar para a direção oposta e deixou o bar em passos rápidos.

O músico jurou ter visto as asas brancas daquele que tinha roubado o seu coração sem a necessidade de uma flechada, mas não pensou que realmente Sehun. Acreditava que estava sendo enganado pela própria mente. Com um bolo na garganta e o coração em pedaços, foi até o bar e pediu mais uma bebida.

Era assim que conseguia tirá-lo de sua mente.

 

Esgueirando-se pela janela do quarto, Sehun tentou fazer o mínimo de barulho possível. Suspirou aliviado ao se ver do lado de dentro da casa, finalmente podendo fechar o seu local de fuga e puxar as cortinas. Tirou os sapatos que tinha calçado e os escondeu debaixo da cama para que o dono da casa não tivesse como descobrir sobre a sua breve escapada.

Voltar para as cobertas após ter visto Chanyeol outra vez foi uma tarefa ainda mais difícil do que quando o abandonou bêbado depois do beijo roubado. Sentiu-se sozinho, destruído. Pior ainda: pensava no proibido. Seria possível que eles ficassem juntos? Talvez não só eles, mas Jongin também?

Não, ele não tinha espaço naquele relacionamento. Chanyeol e Jongin estavam destinados, ele não fazia parte disso.

Após minutos que mais pareceram horas encarando a completa escuridão, o cupido se levantou e saiu pela porta. Permaneceu ali, de pé, apenas refletindo sobre o que faria.

Que seja. Com passos lentos e as mãos apoiadas nas paredes para não trombar em algum móvel e cair, Sehun caminhou até o quarto de Jongin. Estava escuro, mas tinha conseguido memorizar cada canto da casa no tempo em que ficou sozinho. As sombras eram o suficiente para ele. De frente para a porta, parou e respirou fundo. Então entrou no quarto sem bater. Como o esperado, o Kim dormia serenamente em sua cama com espaço para muitos outros corpos.

Desejou momentaneamente que ao menos uma luz estivesse acesa. Era a sua primeira vez no quarto do arquiteto e tudo o que via eram sombras sem forma definida.

Foi até ele, tentando enxergar o rosto bonito na escuridão. Culpou as cortinas grossas por não ter nem mesmo a luz da lua os iluminando. 

— Jongin — tocou o que supôs ser o seu ombro coberto pelo material grosso da coberta. Sem sucesso, tocou-o outra vez, com mais força. Ouviu o arquiteto adormecido resmungar. — Jongin, eu posso dormir aqui com você?

Foi o suficiente para despertá-lo. Ele levantou a mão e tocou a coxa do cupido, como se para confirmar que ele realmente estava ali, que não estava sonhando. Tendo a certeza de que ele era real, recolheu a mão e tentou umedecer os lábios.

— Claro que pode — murmurou, tentando ver a expressão de Sehun. Só via o contorno de seu corpo, a silhueta se afastando quando ele contornou a cama e se enfiou debaixo das cobertas. — Teve dificuldade para dormir?

Ele assentiu em resposta, mas logo percebeu que Jongin não tinha como saber que ele tinha balançando a cabeça como um “sim”. Provavelmente pensou que tinha sido ignorado, mas não era a intenção. Por isso vocalizou:

— Tive. 

Um silêncio profundo foi instaurado no quarto. Os seus corpos não se tocavam, nem um dedinho sequer. Pela primeira vez na vida, Jongin desejou ter uma cama menor. Mas a ideia parecia errada demais. Ainda assim, fechou os olhos com força e tentou se mexer discretamente em direção ao cupido. Deu-se por satisfeito ao sentir o lençol um pouco mais quente.

O tempo passou e o sono do Kim voltou pouco a pouco. Ouvir a respiração suave de Sehun o acalmava. Um pouco antes de se entregar ao mundo dos sonhos, sentiu os fios do cabelo escuro dele roçarem em sua pele descoberta. O sono já tinha o dominado quando passou um dos braços ao redor do tronco próximo ao seu e o puxou para mais perto.

Apesar de ter tirado o dia de folga, Jongin acordou cedo como o de costume. Surpreendeu-se ao ver o corpo de Sehun tão próximo do seu, adormecido. Buscando evitar qualquer mal-entendido, tomou um cuidado extra para se levantar da cama sem acordar o cupido.

Sehun acordou algumas horas depois, sozinho na cama gigante do arquiteto. Ficou envergonhado por ter agido como uma criança e ter procurado abrigo em seus braços, mas não tinha como voltar no tempo. Já estava feito, era passado. Tinha que engolir os seus sentimentos e seguir em frente.

Levantou-se preguiçosamente, levando mais tempo que o necessário para arrumar a cama — eram muitos travesseiros, afinal. Ao ver a colcha perfeitamente alinhada sobre a cama, deixou o quarto. Não viu Jongin de primeira, mas também não o procurou. Preferiu escovar os dentes antes de qualquer contato.

Encontrou-o na sala, já com os dentes limpos e sentindo a familiaridade da fome. O arquiteto estava sentado no sofá, o notebook de última geração no colo. Digitava fervorosamente, mal piscando. Não pretendia interrompê-lo, mas foi impossível. Era necessário passar pela sala para ir até a cozinha.

— Sehun — ouviu o seu nome ser chamado, o que fez com que voltasse para a sala. Ignorando a sua fome por um tempo, o cupido se sentou na poltrona próxima ao Kim e esperou que ele continuasse. — Eu estive pensando, o que você precisa fazer para me juntar ao Chanyeol? Eu não quero ser um fardo, quero facilitar o seu trabalho.

Sehun sentiu uma dor desconhecida no peito.

— Eu não tenho que fazer muita coisa se o seu coração já tiver o aceitado. Eu só preciso… — ele falava com certa dificuldade, as palavras emboladas. — Acertá-los com as flechas. É, vocês vão ter que estar no mesmo local. Assim poderei ir embora.

Jongin abaixou a tela do notebook, colocando-o de lado para poder dar atenção ao cupido. De qualquer maneira, nem mesmo sabia o que estava digitando. Tinha se distraído no momento em que ouviu os passos leves e inconfundíveis dele. Sehun caminhava de uma maneira distinta da de qualquer humano, ele andava como se pisasse nas nuvens. Parecia flutuar.

— Vamos conseguir te ver depois disso? — perguntou.

— Não.

— Por que não?

— Já terei feito as minhas obrigações. Deixá-los-ei em paz e vocês serão felizes juntos — explicou, vendo as expressões de Jongin se tornarem duras.

Nunca tinha passado por esse tipo de questionamento. Na maioria das vezes, as pessoas não se importavam o suficiente com a sua presença ao ponto de o quererem por perto depois de serem unidas aos seus amados. Sehun estava passando por inúmeras situações às quais não estava acostumado, e aquilo estava o enlouquecendo aos poucos.

— Existe algum jeito de mantermos contato? — insistiu.

— Não que eu saiba. — O cupido sabia que não estava sendo claro com as suas respostas, mas ele não sabia o que dizer. Era mais uma daquelas coisas que ele não tinha conhecimento. Uma amizade entre um humano e o seu cupido? Parecia surreal demais. — Escute, não é que eu não queira, mas isso nunca aconteceu antes. Ninguém nunca disse ter passado por isso, todos nós seguimos com as nossas vidas após termos cumprido as nossas missões. Você e Chanyeol se esquecerão de mim com o tempo, eu vou continuar juntando casais até o fim da minha vida.

Era uma discussão perdida, Jongin sabia disso. Desistindo dos próprios argumentos e engolindo os seus pensamentos, pegou o notebook que tinha deixado de lado e voltou a digitar. Sehun ficou ali, apenas o assistindo por um tempo. Quando se viu querendo dizer coisas que não poderiam ser ditas, fechou as mãos em punhos e foi para a cozinha.

Ele não queria voltar a exercer as suas tarefas de cupido. Queria ficar ali, na Terra, ao lado dos dois homens que faziam o seu coração de maneira que ele julgava impossível.

 

Na última vez em que Sehun visitou aquele supermercado, Jongin não estava ao seu lado. Era alguém alguns centímetros mais alto, mais insensível e com cabelos muito mais chamativos. O cupido começava a se perguntar se aquele era o único lugar que vendia comida na cidade.

Não era, mas era o mais próximo da residência do Kim e da do Park. Uma das poucas coisas que eles tinham em comum.

Enquanto caminhavam pelos corredores, Sehun ainda se distraia com as coisas mais simples possíveis. Tinha um conhecimento bastante vasto sobre tudo, mas ainda se impressionava com o pouco. Sendo assim, ir ao supermercado com ele era quase como ir sozinho. A única diferença é que ele constantemente interrompia os pensamentos do arquiteto para fazer perguntas aleatórias sobre os produtos, vez ou outra pedindo para que comprassem inutilidades. Não tinha a desculpa de não ter dinheiro para comprar tudo aquilo, então acaba cedendo na maior parte das vezes. Admitia que um dos motivos de não negar era o brilho nos olhos do cupido empolgado. Notou que ficava feliz ao vê-lo sorrir com tanta animação.

Estavam no corredor de doces quando Sehun viu uma mãe empurrar o carrinho com um pouco mais de esforço. Espiando por cima do ombro de Jongin, viu que o filho dela estava dentro do carrinho. Então olhou para o próprio carrinho, vendo que ele ainda não estava cheio. Poderia entrar nele com facilidade.

— Jongin, eu posso entrar no carrinho? — pediu, trazendo o foco do outro para si. Ele colocou duas barras de chocolate no carrinho antes responder.

— Uhm? Entrar no carrinho? — Ele estava confuso com o pedido. Olhou ao redor, finalmente entendendo o que ele queria ao encontrar a criança que era empurrada pela mãe no carrinho de supermercado. — Não. Você é pesado, o carrinho não suportaria e muito menos eu.

— Está me chamando de gordo?

— Nesse caso sim. Você deve pesar no mínimo cinco vezes mais do que aquele menino, Sehun. Já está crescidinho demais para isso. — Jongin se inclinou para poder sussurrar no ouvido do outro. — Qual a graça de entrar em um carrinho quando você pode voar?

Fazia sentido. O cupido decidiu deixar aquilo de lado, convencido de que realmente seria infantil. Ao invés disso, pegou um pacote de pirulitos da prateleira e colocou no carrinho. Tinha desistido, mas não significava que estava satisfeito. Os doces supririam a sua vontade de ser criança. O Kim revirou os olhos, mas o seu sorriso deixava claro que não estava incomodado. Ele gostava do jeitinho de Sehun. Mais do que deveria.

Continuaram a fazer compras, dessa vez sem tantas brincadeiras, afinal não poderiam ficar tanto tempo assim no supermercado. Jongin lia os itens da lista que tinha feito no seu celular e Sehun ia pegando os produtos, mas acabou tendo que erguer o olhar quando viu ele parar de repente. Estava imóvel, os olhos arregalados. Tocou o seu pulso para chamar a sua atenção, ainda sem perceber o que estava acontecendo.

— Sehun? — ouviu a voz que ele não escutava a muito, muito tempo perguntar. A poucos metros dos dois, estava Chanyeol. 

Estava acostumado a se encontrar com ele, mas não costumavam interagir um com o outro — escolhiam agir com indiferença. Era bizarro pensar que, segundo o universo, eles se amavam. Jongin não se sentia assim. Ele realmente sentia que estava amando alguém, mas esse alguém não era o seu inimigo de infância.

Ele não entendia como podia se sentir assim em relação a alguém que tinha conhecido a menos de uma semana. Tinha tido poucos relacionamentos durante a sua vida, mas em nenhum deles teve sentimentos tão intensos. Era como se algo maior que eles estivesse os unindo. 

E ao olhar no fundo dos olhos de Chanyeol, Jongin percebeu que ele não era o único que se sentia assim.

O músico desviou os olhos a contragosto para o arquiteto. Os seus lábios se entre-abriram, a realização de que só existia um motivo para o seu cupido estar com ele o atingindo de maneira irreversível. Estava chocado, mas também chateado. Percebeu pela maneira como o Kim tocava Sehun que ele também tinha sentimentos por ele.

— Oi — disse Sehun, quebrando o silêncio desconfortável que havia sido instaurado no local. Puxou o próprio pulso e juntou as mãos na frente do corpo. — Isso é um pouco constrangedor, podemos conversar em outro lugar? Nós três.

Jongin e Chanyeol se encararam, ambos mexidos com a situação. O mais alto entre eles assentiu, deixando a caixa de leite que tinha em mãos em uma das prateleiras. Jongin ajeitou os óculos e pressionou os lábios em uma linha reta, esperando que ele os acompanhasse até o caixa. Percebeu que não era um bom momento para terminar as compras.

Permaneceram em silêncio durante todo o caminho. Chanyeol tinha muitas coisas para dizer, todas as palavras entaladas em sua garganta. Ajudou-os a colocar as sacolas no porta-malas de Jongin. Não foi necessário usar palavras para que decidissem que conversariam na casa de Jongin. O músico estava de carro e não poderia deixá-lo ali, então anunciou que seguiria o carro do outro.

Porém, quando viu Sehun entrar no carro do Kim sem nem mesmo lhe dirigir o olhar, sentiu o peito doer ainda mais do que quando acordou no dia seguinte ao beijo roubado. Entrou em pânico ao perceber a ausência daquele pelo qual estava apaixonado, mas doía ainda mais vê-lo agir com indiferença.

Sem o que tinha ido comprar e sem esperança de conseguir o que queria, Chanyeol entrou no próprio carro e os seguiu.
 

A primeira coisa que Sehun fez ao chegarem à casa de Jongin foi descer do carro e respirar fundo, pressionando os olhos com força. Estava angustiado, confuso e machucado. Sentia os olhares deles queimando as suas costas.

— Podemos pegar as compras depois — anunciou o Kim, tentando aliviar o clima estranho. Ele passou na frente dos dois e destrancou a porta da casa, deixando-a aberta enquanto esperava por eles.

Com um suspiro, o cupido o seguiu. Tirou o casaco pesado que tinha roubado do closet do arquiteto e o pendurou no mancebo moderno próximo à porta, balançando os braços agora livres. Chanyeol notou que ele ainda vestia uma de suas blusas, e aquilo confortou o seu coração. Não queria interpretar as coisas de maneira errada, mas se sentiu esperançoso.

— Eu não tenho muito o que dizer, acho que isso é entre vocês. — Sehun murmurou. — Me chamem quando tiverem se resolvido, eu vou ficar no jardim enquanto isso. 

Jongin parecia discordar, mas continuou quieto, apenas o encarando.

— Sehun, eu preciso falar com você — disse Chanyeol, relutante. O cupido reparou que ele estava vestido de maneira ainda mais despojada do que o normal, usando uma calça larga e um moletom surrado. Ele tinha bolsas escuras debaixo dos olhos, olheiras que deixavam claro que tinha tido uma noite terrível. 

— Não, você não precisa. Eu não sou uma parte desse relacionamento.

Antes que o avermelhado pudesse responder, o cupido saiu pela porta. Deixou eles ali, os dois homens que faziam o seu coração bater mais rápido. A sua última fala tinha sido mais para si mesmo do que para eles. Precisava se botar no seu lugar. Ele unia casais apaixonados, se apaixonar não estava nos planos.

Perguntava-se se era um cupido defeituoso. Eles eram criaturas que supostamente não deveriam amar, mas por que se sentia assim? Talvez não merecesse asas tão grandes. Talvez estivesse doente.

Desejou, por um momento, que as janelas não fossem tampadas por cortinas tão grossas. Queria espionar os dois, ver se falavam dele. 

Notou que tinha tirado os sapatos ao sentir a textura da grama contra as meias brancas. Parecia úmida, mas não era ruim. Olhou para a casa durante alguns segundos antes de se afastar, caminhando pelo jardim que ainda não tinha explorado.

Era um jardim muito bem cuidado. Sehun supôs que Jongin tivesse alguém cuidando dele para ele, pois duvidava que o arquiteto tivesse tempo o suficiente para podar as plantas e colocar água para elas. Os muros eram cobertos por heras, grandes paredes verdes e altas. Continuou andando, e então encontrou um pequeno lago com peixes.

Era algo realmente simples, porém adorável. Tinha aproximadamente o tamanho de seu braço, não muito mais que isso. Pequenas pedras circundavam a água, e Sehun viu um dos peixes nadar livremente, em círculos. Ele tinha uma cor laranja reluzente, chamativa na água clara. 

Desejou passar mais tempo ali, admirando o lugar ao seu redor. Não se referia apenas ao jardim, mas também a Seul. A cidade que ele tanto evitava, tanto dizia não gostar, estava se tornando muito mais importante do que Toronto um dia foi para ele. É engraçado como as pessoas podem transformar as suas memórias. Ele sabia que nunca os esqueceria. A Coreia do Sul seria para sempre a cidade em que o cupido se apaixonou.

Sentindo-se melancólico, Sehun abandonou o lago e foi para perto da piscina. Observou-a de longe, apenas vendo a água se movimentar em pequenas ondulações. Colocou as suas asas para fora, sabendo que logo teria que usá-las, e puxou o seu arco junto a uma flecha.

Olhava para os objetos que tinha em mãos, perguntando-se se valia a pena. E se o mundo que conhecia estivesse errado? E se os casais que tinha juntado tivessem se separado pouco depois de ele ter os acertado com a sua flecha? 

Deslizou o polegar pela parte pontuda da flecha, vendo a ponta reluzir. Era dura, mas não afiada. Começou a pensar no que as pessoas atingidas por uma daquelas sentia.

Segurou a flecha com força, o arco preso ao tronco. Ao olhar para o lado, viu Chanyeol e Jongin se aproximarem em passos lentos. Tinha chegado a hora.

Tentou ler as suas expressões, mas não teve sucesso. Eles não demonstravam qualquer sentimento, pareciam manequins. Pararam a poucos metros de distância do cupido.

— Nós conversamos e decidimos que temos que te deixar ir. Você pode nos acertar — começou Jongin.

Apesar de aquilo ser o mais lógico, Sehun sentiu os olhos encherem de lágrimas. Doía. E como doía.

— Mas antes, nós queríamos nos despedir direito. Podemos te abraçar? — pediu Chanyeol. O cupido olhou no fundo de seus olhos grandes, tentando lê-lo outra vez. Não conseguiu.

Por fim, apenas assentiu. Desabaria em lágrimas caso tentasse dizer alguma coisa. Deixou que a flecha que segurava caísse no chão.

Sentiu os braços quentes de Jongin o envolverem primeiro, o queixo apoiado em seu ombro. Pensou que os abraçaria um de cada vez, mas percebeu estar errado quando sentiu os braços do avermelhado também o envolverem.

Aquele abraço parecia o seu lar, mas não era. Ele achava que não. Decidiu aproveitar aquele momento que acreditava ser o último que teria com eles ao máximo. Fechou os olhos, sentindo o cabelo de um deles roçar em seu rosto.

Uma pequena movimentação atrás de si acontecia, mas ele não se importava. Resistiu à vontade de abrir os olhos. Só notou o que estava acontecendo quando sentiu os braços ficarem fracos e uma dor desconhecida tomar conta de seu corpo. As suas costas queimavam como o inferno, uma parte específica de sua cintura ardendo como se tivessem o esfaqueado. Sehun abriu os olhos em espanto, o corpo indo para trás. Ele caiu de costas no chão, mas ainda teve forças para olhar para os homens à sua frente. 

Viu Chanyeol e Jongin se olharem determinados, e então viu eles usarem das flechas que tinham roubado para furarem um ao outro. 

Não entendia o que estava acontecendo.

Não teve tempo para dizer nada.

A escuridão tomou conta de si, a dor o consumindo aos poucos.

Ser acertado por uma de suas próprias flechas fez com que o cupido colapsasse.

 

Eu queria prender suas asas para você não poder voar.

— Stupid Cupid, Connie Francis.

 


Notas Finais


Só falta mais um para o fim, espero que vocês estejam gostando dessa estória tanto quanto eu gostei de escrevê-la. Deixem as suas opiniões nos comentários :)

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Beijinhos!


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