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História De volta para casa - Pingos nos "is"


Escrita por: anniecolucci

Capítulo 6 - Pingos nos "is"


Quando Coco nos vê estacionando em frente à casa, nos ovaciona, como se estivéssemos trazendo um tanque de água para o meio do deserto. Vejo nos olhos de Terry e das assistentes que esse tempo por aqui não foi nada fácil. Logo escuto Kelly berrando no andar de cima da casa, o que só demonstra o quanto as coisas por aqui estão tensas. Troco um olhar com o Adam antes de sairmos do carro, respiramos fundo e vamos.

Enquanto ajudamos Coco e as garotas a descarregar o carro e levar as caixas com as bebidas para a varanda da casa, vemos um pequeno tumulto na escada da casa, Kelly desce, de hobby de seda, atrás do meu irmão.

- Você não pode sair daqui agora, Thomas! É véspera do seu casamento!

- Eu PRECISO ir! Que parte disso você não entende?

- Você não tem nada a ver com aquela gente, deixe de ser irracional e volte para o camarim agora mesmo, o cabeleireiro está aqui para arrumá-lo. - Meu irmão vira as costas e continua em direção à porta. - THOMAS! - Kelly berra, mas ele não para.

- As chaves do carro! - Ele exige a Adam.

- O que aconteceu, cara? - Adam pergunta, tão perplexo quanto eu.

- As chaves!

- Aqui… - Adam as entrega e Tom dispara em direção à caminhonete.

- Ei rapazinho, você não pode tirar esse carro daqui, estamos terminando de descarregar as bebidas! - Coco interfere quando meu irmão está prestes a dar a partida.

- Eu estou pouco me fodendo para essas bebidas!

- Tommy! - Adam senta no banco do passageiro e coloca a mão no ombro do meu irmão. - Cara, você precisa se acalmar, eu não vou te deixar dirigir nesse estado. - Ele tira a chave do câmbio. - Venha, vamos conversar e, depois disso, eu juro que te levo para onde você quiser. - Adam acompanha Tom até a cadeira de balanço da varanda, ele se senta e nós dois nos colocamos em sua frente. Vejo que meu irmão está mais pálido do que o normal e suas mãos estão trêmulas.

- Tom… - Me aproximo dele, ajoelhando para ficar em sua altura, seguro suas mãos. - O que houve?

- A Emma não é compatível!

- O que? - Adam pergunta.

- A Emma não é compatível. Ela não pode doar a medula para a Parker. - Merda! Eu tinha esquecido totalmente do lance da Parker. - O médico disse que dificilmente será possível encontrar um doador a tempo de salvá-la. - Seus olhos se enchem de lágrimas.

- E você está indo até lá… - Começo a conjeturar.

- Eu estou louco? - Ele pergunta para nós dois. - Me digam, por favor, porque eu não estou conseguindo mais raciocinar. Só sei que desde que eu vi essa menina me conectei com ela de um jeito que nunca antes tinha me conectado com ninguém. Desde aquele dia eu não consigo tirar da minha cabeça o fato de que a Emma tem uma filha que, embora ela se apresse a dizer que não é minha, tem exatamente a idade para ser, o tempo certinho de quando terminamos. Então, por favor, me digam, eu estou louco de pensar que sou o pai dessa garotinha? - Adam e eu nos olhamos, um pouco assustados.

- Não! - Respondemos em uníssono e nos surpreendemos com isso.

- Não acho que você esteja louco, porque desde que eu vi a Emma com a Parker eu também não paro de pensar nisso. - Digo.

- Isso está me impedindo de viver nesses dias… Eu preciso ir falar com a Emma, preciso esclarecer tudo isso.

- Acho que todos nós precisamos falar com Emma… Vamos. - Pego as chaves do carro da mão do Adam e vou, seguida pelos dois.

Seguimos em silêncio no caminho até o hospital, acho que cada um de nós está perdido em seus pensamentos e nenhum quer atrapalhar o outro. Quando chegamos encontramos os Faris saindo, eles disseram que vão em casa descansar um pouco e voltam para ficar com a Emma mais tarde, ela não sai do lado da Parker.

Quando chegamos até a porta do quarto, batemos, Parker está dormindo e Emma não nos deixa entrar. Ao invés disso ela sai no corredor para falar conosco, um pouco assustada e talvez incomodada com nossa presença. Tom está tão desesperado que nem se preocupa em pedir licença, começa a falar tudo na nossa frente.

- Emma, sinto muito, minha mãe disse que você não é compatível. - Ele diz, em tom extremamente formal.

- Não. - Sua voz sai fraca, seus olhos começam a derramar lágrimas no mesmo instante, mas ela se contém para não cair em prantos. Coloco a mão em seu braço, amigavelmente.

- Emma… - Tom começa. - Você precisa me dizer a verdade. Eu não consigo parar de fazer cálculos na minha cabeça desde que te vi com a Parker quando cheguei aqui.

- Thomas… eu já disse…

- Como você sabe? - Eu e Adam estamos apenas de espectadores. Talvez devêssemos dar alguma privacidade a eles, mas nenhum de nós parece disposto a se mover.

- Eu sei!

- Emma… nós terminamos exatamente…

- ELA NÃO É SUA! - Emma parece prestes a ter um colapso nervoso. - Eu já disse! Você pode ir, vá seguir sua vida e se casar, Tom, você não tem nenhuma obrigação aqui. - Ela parece revoltada e meu irmão surpreso com essa reação. A Emma é uma mulher extremamente pacífica, eu nunca a tinha visto aumentar a voz com ninguém e, pela reação, vejo que meu irmão também não.

- Emma… - Interfiro e Adam me lança um olhar, prestes a me mandar ficar fora disso. - Sabemos que é muito difícil encontrar um doador compatível com a Parker a tempo… - Adam e Tom me olham questionando “O que você tá fazendo?”. - Então, se existe alguma mínima chance de o Tom ser o pai, mesmo que for mínima, talvez seja uma forma, uma chance a mais de salvar a Parker sem precisar do banco de doadores. - Todos me olham um pouco boquiabertos. - As maiores chances de compatibilidade são os pais ou irmãos, se você não é compatível, talvez o pai da Parker seja e… se há a mínima possibilidade de o Tom ser compatível, você realmente deixaria de salvar a vida da sua filha só por… sabe-se lá por que motivo você não quer reconhecer que ela é filha dele? - Emma parece prestes a desabar. - Então Emma… existe a possibilidade de a Parker ser filha do Tom? - Os dois viram o olhar de mim para ela rapidamente.

- Não existe possibilidade de não ser… - Ela finalmente diz, quase com vergonha de admitir, depois cai em prantos. - Eu nunca estive com nenhum outro homem. - Ela o olha em um misto de desespero e confissão.

- Emma… - Meu irmão desmonta toda aquela armadura que ele estava vestindo e a abraça profundamente. - Eu… Eu… - Vê-los ali abraçados, ambos chorando parece tão certo, tão mais certo do que qualquer coisa que ele já tenha feito com a Kelly. Os dois ficam ali durante alguns minutos, parecendo apenas perdidos nos braços um do outro.

- Hm… - Pigarreio quando a situação começa a ficar um pouco desconfortável. - Talvez… bem, talvez você queira falar com o médico sobre o teste…

- Claro! Claro! Eu vou falar com o médico agora mesmo. - Meu irmão parece ter sido trazido de volta à realidade.

Enquanto Tom vai até o médico para fazer o teste, ficamos com Emma. O resultado sairá nas próximas 24 horas e Tom reluta um pouco para sair do hospital, mesmo que Emma insista que ele vá pra casa. Só uma chamada da Kelly no telefone o faz se levantar e decidir voltar.

- Bem, preciso ir para casa acalmar as coisas. Me prometa que vai me avisar assim que o resultado sair?

- Eu prometo. - Emma diz, ela o olha apaixonadamente, mas sinto que tenta disfarçar seu sentimento. - Agora vá… não se preocupe, não há nada o que fazer até sair o resultado. - Estamos de saída e ela segura o braço do Tom. - Obrigada! - Ela sussurra e dessa vez é meu irmão quem parece olhá-la com o mesmo amor que vimos durante todo o colégio e faculdade. Ele dá um beijo em sua testa antes de sair. Quando entramos no carro, Tom fica um tempo em silêncio, depois respira fundo.

- Cara, eu sou pai! - Constata. - Vocês acreditam nisso? Eu, pai?

- Parabéns, cara! - Adam dá um tapa em seu ombro, os dois riem como em uma final de campeonato, quando seus times vencem.

- É, parabéns, irmão… - Estou concentrada na direção, mas encaro Tom pelo retrovisor. - Eu não quero dar uma de advogada do diabo aqui…

- Mas é claro que você vai. - Ele diz.

- Como você acha que a Kelly, sua noiva… Aquela histérica que está nos esperando em casa agorinha mesmo, vai lidar com essas, bem… novidades? - Adam fica sério e olha, de forma um pouco assustada.

- Eu não faço a mínima ideia. Na verdade a última coisa com que estou me preocupando agora é em como a Kelly vai reagir, Mia… eu estou feliz por ter uma filha, mas estou triste e preocupado com a possibilidade de perdê-la sem ao menos conhecê-la.

- Bem, estamos quase em casa… então você tem aproximadamente quinze minutos para pensar em como abordar esse assunto. Porque eu posso apostar um braço como ela vai estar batendo aquele pézinho com o tamanco de pompoms cor de rosa no chão da sala, esperando para sugar sua alma se você não der uma boa explicação quando passar pela porta.

******

Quando entramos em casa, Kelly estava esperando exatamente como eu pensei e ela começou a dar um chilique com o meu irmão sem se importar com quem estava perto. Tom apenas ouviu calado até ela terminar todos os insultos que despejou em cima dele, quando seu ataque histérico terminou, ele a chamou calmamente para conversar em privado no quarto dele.

O resto de nós ficou durante um tempo parado na sala, tentando ouvir alguma coisa. Eu, particularmente, estava apenas esperando por um rompante de gritos e coisas se quebrando quando Tom finalmente contasse a ela sobre Emma e Parker. Depois de alguns minutos, meu pai convocou a todos nós para a cozinha.

- Bem pessoal, o jantar está pronto, venham, venham, vamos comer antes que esfrie. - Ele estava visivelmente tentando dispersar os curiosos.

Nos sentamos à mesa, mas todos nós parecíamos estar com os radares ligados, só esperando pela tempestade, prontos para largar nossos talheres e sair correndo dali ao menor sinal de ruído. Tudo bem, pode parecer um pouco de indiscrição de nossa parte - especialmente de Coco e Terry, que não se aguentam de curiosidade para saber o que está acontecendo - mas realmente estou me perguntando como Kelly lidará com as notícias e, especialmente, se essas novidades causarão alguma mudança nos planos para o casamento.

O telefone de Adam toca e me tira a concentração no que pode estar acontecendo no andar de cima. Ele pede licença para atender e antes de sair da mesa e ir até varanda me lança um olhar preocupado. Sei que é o pai dele. Agora minha atenção/ansiedade/curiosidade se dividem entre meu irmão e Kelly, e a conversa do Adam. Espero alguns minutos e vejo, pela janela da cozinha, que ele caminha de um lado para o outro na varanda, inquieto, passa as mãos pelos cabelos, ajeita os ombros, mas parece tenso, muito tenso.

Minha mãe está tão curiosa quanto eu, ela está prestando tanta atenção para ver se escuta algum ruído vindo do andar de cima, que mal acerta para colocar o garfo na boca. Meu pai tenta descontrair o ambiente e distrair a todos, fazendo perguntas sobre o negócio de organização de casamentos do Coco, que só responde com o mínimo possível de palavras, também concentrado na possível discussão que se segue lá em cima.

Não quero dar muita bandeira, então aproveito esse momento em que todos mal notaram que o Adam deixou a mesa e me levanto também, peço licença e, sem fazer muito barulho, vou até a varanda. Ele acabou de desligar o telefone, apoia as mãos na cerca da varanda, está com a cabeça baixa e a respiração está pesada. Me aproximo e coloco uma mão em suas costas.

- Tudo bem?

- Era do hospital… Ele foi para a UTI… - Ele faz uma pausa e sua voz parece sumir. - Parece que não passa dessa noite.

- Sinto muito, Adam. O que você vai fazer?

- Eu não sei… eu achei que estaria pouco me importando se meu pai morresse, durante algum tempo até achei que isso já tinha acontecido há muito tempo. Mas agora… eu me odeio por estar tão comovido com tudo isso.

- Você não deve se odiar por ter sentimentos, Adam… isso significa que você é um ser humano, uma pessoa boa, muito diferente do seu pai e de tudo o que ele foi pra você. É absolutamente natural que essa situação mexa com você, afinal de contas, bem ou mal, ele é seu pai. - Ele suspira e envolve os braços em minha cintura, afundando a cabeça no vão do meu pescoço e dando um grande suspiro. O abraço com força, sinto que ele precisa de algum conforto agora. - Você quer ir até lá?

- Você se importa em vir comigo? - Ele pergunta sem me soltar.

- Claro que não! Eu irei.

****

Adam e eu fazemos o possível para sair sem sermos notados o que, aparentemente funciona. Quando chegamos ao hospital do outro lado da cidade, em que o pai dele foi internado, um médico fala conosco antes de nos encaminhar para a UTI em que o pai dele está internado.

Ele explica que o caso do pai de Adam é realmente terminal, que ele está em tratamento há vários anos, mas agora o corpo se deteriorou demais por causa da doença e ele, provavelmente, não terá mais muito tempo. Aperto a mão do Adam com força, ele está sério e parece que tem dificuldade em se concentrar no que o doutor está dizendo.

O médico nos deixa entrar no quarto em que o pai do Adam está, a visão é bem impressionante, ainda mais porque eu não me lembrava de ter visto o pai dele antes. É um senhor de idade - provavelmente aparentando ser mais velho do que realmente é -, careca, ele está com a barba branca por fazer, um tubo de oxigênio o ajuda na respiração pelo nariz e diversos pequenos caninhos saem de seus braços, conectando-os a, pelo menos três bolsas diferentes de soro com medicamentos. Ele parece estar dormindo.

Adam trava na porta do quarto, ele fica encarando a cena, atônito e perdido, acho que não sabe direito como reagir e eu entendo, deve ser uma situação totalmente estranha para ele. Passo o braço em suas costas largas e o conduzo para dentro do quarto, paro com ele diante da cama e quando faço menção de me afastar ele rapidamente segura minha mão, como se eu fosse um bote salva-vidas que ele não quer deixar de lado, com medo de se afogar.

Ficamos por alguns minutos parados ao lado da cama, sem saber como reagir ou o que fazer diante dessa situação.

- Vamos embora. - Adam sussurra para mim.

- Filho… - Antes que eu possa responder ou me mover, o pai dele abre os olhos com dificuldade e o chama, com mais dificuldade ainda. - Adam!

- Er… Oi. - Ele está corado e um pouco alarmado.

- Graças a Deus você veio. - O velho faz algum esforço extra para esticar sua mão com veias salientes para alcançar a de Adam. Quando ele apoia sua mão delicadamente sobre a de Adam eu vejo seus ombros tensionando um pouco, mas ele luta consigo mesmo para não afastar. - Eu temi que você não viesse e que eu não tivesse tempo de dizer o que preciso.

- Eu vou deixar vocês… - Sussurro para Adam e me movo para sair, mas ele aperta minha mão um pouco mais, como se implorasse para que eu não vá.

- Mia Harris? É você? A filha dos Harris?

- Sim, senhor, sou eu. Sinto muito… por… por tudo. - Tento ser o mais compassiva possível. Ele encara Adam e depois olha para nossas mãos entrelaçadas e sorri.

- Estou vendo. Você pode ficar, querida, o que eu vou dizer não é nenhum segredo.

- E o que você quer dizer afinal de contas? - Adam ainda está tenso e sua voz soa extremamente formal e fria.

- Que eu fui um pai horrível, eu fui o pior pai de todos os tempos para você, meu filho e eu entendo perfeitamente a raiva e a mágoa que você sente de mim. - Ele para e tosse um pouco, tenta se mover mas não consegue. - Mas eu fico feliz por não ter conseguido foder com a sua cabeça e com o seu coração, fico feliz e agradeço a Deus por não ter conseguido transformá-lo em algo como eu fui… só de você vir aqui me ver, isso demonstra que você é um homem bom, um homem melhor do que eu jamais fui. - Adam mal o olha, mas vejo que seus olhos estão cheios de lágrimas, ele tenta segurá-las com todas as suas forças.

- Ele é o melhor homem que poderia existir, sr. Foster. - Digo, depois de alguns segundo de silêncio cortante. - Embora sem ter o seu apoio, o Adam é um homem honrado, de bom coração e caráter. - Estou um pouco ofegante, mas vejo que Adam volta seus olhos marejados para mim, seu olhar parece surpreso, mas vejo uma centelha de alegria nele.

- Você não sabe como fico feliz em saber disso… Aliás srta. Harris, eu devo todos os meus agradecimentos à sua família, sei que foram vocês que acolheram o Adam quando ele precisou.

- Eles foram a única família que já conheci. - Adam diz, sua voz embarga um pouco. Sinto sua mão envolver a minha com suavidade e carinho. - Eu nunca serei capaz de agradecer o suficiente. - Dou um beijo em seu braço e encosto a cabeça em seu ombro.

- Adam, eu sei que pode ser impossível para você me perdoar por tudo o que eu fui, por tudo o que fui para você, pelo apoio que não ofereci, pelo afeto que não te dei, pelo pai que eu não pude ser. Eu não vou tentar me justificar, eu amava sua mãe mais do que tudo nesse mundo, quando a perdi, senti que perdi toda a razão de viver e, infelizmente eu fui um bosta e não percebi que poderia encontrar essa razão novamente em você, meu filho. Isso não é desculpa para o que eu fiz você passar, eu sei, mas eu quero que você saiba que eu me arrependo profundamente de não ter estado ao seu lado, Adam, de não ter sido um pai para você. Eu andei na linha nos últimos quinze anos, tenho vivido naquela clínica de reabilitação desde então, quando descobri minha doença eles decidiram me manter em observação constante. Eu nunca achei que tinha o direito de procurá-lo, eu quis muito, mas eu não me sentia no direito de interferir em sua vida agora. Eu só resolvi entrar em contato agora porque eu precisava vê-lo, mesmo que você não possa me perdoar, eu precisava partir sabendo que você sabe o quanto eu me arrependo, que você tenha me ouvido pedir perdão. Perdão, meu filho! - Vejo que o velho aperta o máximo que consegue a mão do Adam, e ele não consegue mais evitar que algumas lágrimas escorram por seu rosto.

- Eu perdoo. - Adam diz, finalmente.

- Você… Você me perdoa? De verdade? Você jura?

- Sim! Eu te perdoo, pai. - Ele suspira e dá um passo para mais perto da cama. - Tudo o que você disse foi verdade, você foi um bosta, você não foi pai algum pra mim, eu não aceito suas justificativas, mas eu o perdoo. Talvez nós tenhamos sofrido de formas e coisas diferentes, mas eu acredito que você também sofreu. - O pai dele cai em prantos, parecendo um pouco sem fôlego. - Eu não serei hipócrita em dizer que, talvez, se a situação fosse outra, isto é, se você não estivesse morrendo, possivelmente eu jamais iria querer vê-lo novamente. Mas o fato é que eu te perdoo, eu quero superar toda a raiva que sinto quando penso na minha infância, quando penso em você. Acho que sou uma boa pessoa, mas a mágoa que tenho de você sempre me pareceu uma sombra que, agora, me sinto pronto para tirar da minha vida. Então, parta em paz, eu ficarei em paz também. Estamos bem. - Adam coloca a mão carinhosamente na cabeça do pai em um tipo de afago e dessa vez sou eu quem não consegue segurar as lágrimas.

- Meu filho… Eu nunca senti tanto orgulho em toda a minha vida. Se minha opinião vale… - Ele tosse. - Se minha opinião vale de alguma coisa… - Tosse mais ainda e mais forte. - Continue exatamente assim, você vale muito… - Ele tem uma crise tão forte de tosse que cospe um pouco de sangue no lençol com que cobre a boca. - Você é um homem bom, Adam… - Ele respira com dificuldade, eu me solto rapidamente do Adam e vou procurar uma enfermeira. - Fico feliz por meu filho ser um homem bom.

Quando volto ao quarto seguida por duas enfermeiras, Adam está com uma mão envolvida na mão do pai e a outra repousando em sua careca, ele está respirando pesadamente e as lágrimas escorrem pelo seu rosto, silenciosamente. O sr. Foster está desacordado e o monitor cardíaco apita de forma contínua, anunciando a inexistência de pulsação.

Uma das enfermeiras se aproxima enquanto faz um sinal para a outra que deixa o quarto rapidamente. Ela coloca dois dedos na lateral do pescoço do sr. Foster e rapidamente um médico entra no quarto.

- Ele não tem pulsação, Dr. - Ela informa e o médico se aproxima e faz o mesmo procedimento, depois encosta o estetoscópio em seu peito e escuta um pouco, balançando a cabeça negativamente depois disso. - Ele assinou o termo de não ressuscitação. - completa a enfermeira.

- Hora da morte… 23h42. Sinto muito. - O médico se dirige ao Adam. - Darei um tempo a você, mas logo precisaremos tirá-lo daqui. - Adam concorda com a cabeça.

O médico sai do quarto seguido pelas enfermeiras e eu me aproximo de Adam, ele se solta de seu pai e me abraça com força, eu o aperto o máximo possível, quero que ele sinta que não está sozinho, quero que ele sinta o meu apoio.

- Sinto muito. - Sussurro em seu ouvido. - Você não está sozinho. - Ele se aperta ainda mais em mim e eu sinto seu peito subindo e descendo junto ao meu. Ficamos assim durante alguns minutos, até que Adam se recompõe e me solta.

- Acho que precisamos ir agora.

- Tem certeza? Nós podemos ficar mais um pouco.

- Tenho. Acho que fiz o que tinha que fazer aqui. - Ele seca os olhos.

- Eu também estou orgulhosa de você. - Sorrio e passo as mãos em seu rosto, repetindo o movimento de secar suas lágrimas. Ele segura minhas mãos e as beija delicadamente.

- Sabe… alguém me disse que eu seria um cara melhor se viesse aqui e perdoasse aquele cara, tirando toda essa merda do meu caminho. - Ele sorri e planta um delicado beijo nos meus lábios. - Obrigada por ter vindo comigo. - Envolvo seu pescoço com meus braços e o puxo para perto de mim.

- É sério… você não está sozinho.

******

Quando voltamos para casa as coisas parecem mais calmas, mas também muito mais estranhas do que antes. Eu esperava encontrar a Kelly dando o maior chilique da face da Terra, quebrando coisas, cancelando o casamento, enfim, esperava encontrar tudo de pernas para o ar.

Mas quando entramos nos deparamos com meus pais, Terry e Coco sentados no sofá de um jeito quase formal, eles parecem desconfortáveis e um pouco assustados. No sofá menor, ao lado, meu irmão está do mesmo jeito, travado, com uma Kelly radiante encostada nele, com os pés em cima do sofá e alegremente assistindo a um filme na TV. Todos estão vendo à TV, mas posso ver que, vez ou outra olham de soslaio para Kelly.

A cena me lembra alguma série de TV que vi, em que uma família é sequestrada por uma garotinha que está possuída pelo demônio, todos são obrigados a agir como se ela fosse uma criança meiga em uma festa de aniversário, mas, na verdade, todos esperam pelo melhor momento para sair dali correndo e gritando, ou para acertar sua cabeça com o abajur. Eu quase solto uma risada pensando no meu pai agarrando o abajur na mesinha ao lado dele e, aproveitando um momento de distração da Kelly para acertar sua cabeça com tudo.

- Oi gente. - Digo meio em dúvida e olho para o Adam que encolhe os ombros, tão surpreso quanto eu.

- Oi. - Eles respondem em uníssono, quase ensaiados, o que aumenta ainda mais a impressão de “família sequestrada pelo demônio”.

- Hã… Tommy, posso dar uma palavrinha com você? - Adam diz, me fazendo sinal para irmos até a cozinha.

- Claro. - Meu irmão se solta com alguma dificuldade e nos segue até a cozinha. Quando a porta se fecha atrás dele, ele parece afobado e, finalmente parece respirar.

- Você contou a ela? - Me apresso em perguntar.

- Contei. - Ele está visivelmente assustado.

- E… Bem, ela reagiu bem? - Adam tenta entender.

- Cara, eu estou um pouco assustado. Eu disse tudo a ela, ela ficou durante uns bons minutos em silêncio e depois ela simplesmente começou a agir normalmente, me abraçou, me beijou, começou a falar sobre o casamento. - Ele coloca a mão no peito. - Ela parece que ignorou totalmente o que eu disse, como se tivesse editado essa parte do dia e jogado no lixo.

- Poxa… eu não esperava por essa. - Digo.

- Acho que ninguém esperava. - Adam completa.

- Mas espera aí, aonde vocês estavam? - Meu irmão parece ter percebido agora que não estávamos aqui.

- Er… Eu fui ver meu pai. - Tom arregala os olhos.

- Cara… é verdade! Me desculpe, Adam, você disse há alguns dias que seu pai estava entrando em contato, com toda essa confusão eu me esqueci totalmente de perguntar. E aí?

- Ele faleceu. - Adam diz, entristecido.

- Irmão… sinto muito. - Tom o envolve em um grande e confortante abraço de urso que só ele sabe dar. - Me perdoe por não estar com você.

- Pare com isso, cara… você está com suas próprias merdas para resolver. - Tom pergunta os detalhes e Adam conta como foi.

- E você… - Ele me olha e depois volta a encarar o Adam. - A Mia foi com você?

- É… sim… ela foi sim. - Sorrio e tanto Adam quanto eu não sabemos como reagir, aliás, acho que não sabemos que reação esperar do Tom se ele souber sobre nós. Ficamos um tempo esperando sua reação.

- Fico feliz que vocês, finalmente estejam se dando bem. - Ele abre um largo sorriso e envolve nós dois em seus braços. - Eu não queria meus dois irmãos se matando no meu casamento. - Adam e eu trocamos um olhar surpreso… há se ele soubesse.

- Thomas, querido… - Kelly invade a cozinha. - Vamos dormir, estou cansada e amanhã é nosso grande dia! - Ela faz uma voz dengosa e mole, jogando os braços ao redor do pescoço dele e dando um longo e molhado beijo assim que Adam e eu nos afastamos.

- Er… sim, claro, vamos.

- Mas claro que antes vou te dar um grande presente de pré-casamento. - Ela o olha sensualmente, levantando um pouco a camisola e mostrando uma cinta liga que segura sua meia fina no alto da coxa. - Venha, gostoso. - Ela sussurra no ouvido dele, mas não tão baixo que não possamos ouvir e nos constranger.

- Bem… boa noite, pessoal. Até amanhã!

- Boa noite. - Adam e eu dizemos em uníssono.

Eu posso jurar que, embora com a proposta de sexo selvagem na noite pré-casamento, meu irmão não estava muito animado em seguir a Kelly para o quarto, ele pareceu um prisioneiro sendo chamado para voltar à cela, um sorriso desanimado, um olhar cansado.

Eu esperava que fosse chegar em casa e tivesse que lidar com a crise do casamento cancelado, não que tivesse que lidar com uma Kelly beirando a psicose, ignorando o fato de que meu irmão pode ter uma filha recém-descoberta e ainda fazendo demonstrações tão abertamente públicas de afeto.

- Não podemos contar nada a ele por enquanto. - Digo, finalmente.

- O que?

- Não podemos contar sobre nós ao Tom e nem a ninguém por enquanto, Adam. Você viu como ele nos chamou de irmãos.

- Eu sei. - Ele baixa a cabeça, parecendo decepcionado. - Ele espera que nossa relação seja essa. Eu não quero decepcioná-lo, pois ele é mesmo como um irmão para mim e eu jamais me perdoaria por isso.

- Bem, talvez ele nem precise saber, talvez isso só está acontecendo durante esse final de semana maluco, talvez não seja algo feito para durar. - Digo isso, mas meu coração parece se partir só de pensar na ideia de me afastar dele.

- Você acha isso? Você acha que o que aconteceu entre nós foi só um momento de loucura? - Sacudo a cabeça em negativa.

- Mas…

- Mia… há anos eu não consigo tirar você da minha cabeça. Eu não estou falando de dias, estou falando de anos! Eu nunca me aproximei e nem tentei nada porque não queria te pressionar e também achava que não era, nem nos meus sonhos mais profundos, correspondido. - Ele segura meu rosto e seu olhar trava no meu. - Eu tentei namorar, eu fiquei com outras garotas, não direi que não, mas você sempre estava ali no fundo da minha mente, eu pensei em você esse tempo todo, sonhei com você… - Minha mãe entra na cozinha, nos forçando a nos afastar.

- Tudo bem, crianças? - Sim, ela continua nos chamando de crianças.

- Tudo. - Respondo, tentando me recompor, mas tenho certeza de que estou corada.

- Adam, já mandei todos para a cama, Coco e suas assistentes estão hospedados na cabana do lago, Terry está dormindo no quarto que a Kelly transformou em camarim, então o sofá está liberado.

- Obrigada, Karol… vou tomar um banho e deitar, o dia foi cheio e estou exausto. - Ele lança um olhar rápido para mim e logo volta a olhar para minha mãe. - Boa noite então. - Ele sai rapidamente, parecendo constrangido.

Fico olhando para a porta depois que ele sai, mas seria muito evidente ir atrás dele para terminarmos nossa conversa. Então decido ficar e preparar alguma coisa para comer, percebi que meu estômago está implorando por um pouco de comida. Minha mãe se senta à mesa com um chá e uma lata de biscoitos de manteiga.

- Venha, amor… fiz um chá para nós. - Ela coloca uma xícara para mim, como se lesse meus pensamentos.

- Obrigada! - Me ajeito no lugar.

- Então… o que está acontecendo entre você e Adam?

- O que? - Paro com a xícara a caminho da boca, estarrecida.

- Há querida, por favor, eu vi como vocês dois pularam quando eu entrei aqui, como não se desgrudam desde ontem… Me conte.

- Mãe! Não, não tem nada acontecendo.

- Mia, não me tome por uma mãe bobalhona que não sabe de nada. Eu posso estar totalmente absorvida nessa situação do casamento e do seu irmão, talvez, ser pai de alguém, mas eu sei de absolutamente tudo o que acontece nessa casa. - Dou um gole no chá, tentando evitar a resposta. - Além do mais, eu andei reparando no jeito como vocês se olham, como se comportam quando estão perto um do outro. - Ela sorri, como se guardasse um segredo. - E isso não é recente.

- E o que você acharia disso? - Devolvo a bola pra ela.

- Hum… - Ela coça o queixo, parecendo em dúvida. - Eu adoraria, meu amor! O Adam é um excelente rapaz, considerando tudo o que ele já passou… Puff. Extremamente maduro, responsável e, me permita dizer que ele olha para você de um jeito tão carinhoso.

No começo fico um pouco em dúvida, mas no final eu conto tudo para a minha mãe, desde o meu primeiro beijo com Adam, há seis anos, até a noite de hoje, o falecimento do pai dele e o que estávamos falando bem aqui nessa cozinha antes de ela entrar.

- Agora eu não sei o que fazer… Quer dizer, ele mora em Nova York, eu moro em Los Angeles, em tese eu não sei como é a vida dele e seria uma completa loucura nós levarmos isso a diante. Sem falar em como o Tom pode receber isso. - eu suspiro.

- Eu não acho que o Tom se oporia, ele sabe quanto o Adam é um cara legal e, por mais que o ciúme de irmão fale mais alto, ele entende que você é uma mulher, minha querida. Tem direito a ter sua própria vida. Você gosta dele?

- Pode parecer loucura, mãe, porque eu passei todos esses anos achando que não, mas nos últimos dias, eu não sei, eu sinto uma coisa por ele que nunca tinha sentido por nenhum outro cara antes.

- Oh amor… bem, eu não vou te encorajar a se jogar de cabeça sem pensar nas consequências, você sabe que eu acredito que essa coisa só funciona em filmes. Mas vou te encorajar a conhecer melhor o Adam, viver mais tudo isso que você está sentindo agora, explorar esses sentimentos, ver onde vai dar. - Ela termina seu chá, se levanta e dá um beijo no topo da minha cabeça. - Agora é melhor irmos dormir, amanhã temos um casamento e, veja bem, não qualquer casamento, mas um casamento em que a Kelly é a noiva para encarar.

- É… - Torço o nariz. - Não vai ser fácil.

- Não. Lembre-se de que a equipe de cabelo e maquiagem estará aqui às onze para começar a nos arrumar, até lá os pais e as madrinhas da Kelly devem ter chego, então o dia será bem movimentado por aqui desde cedo. Durma. Boa noite.

- Boa noite, mãe.



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